Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8/14.9BEFUN
Secção:CA
Data do Acordão:04/11/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:ORDEM DOS ADVOGADOS
SUSPENSÃO DA INSCRIÇÃO
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I– Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida. A alteração da matéria de facto por instância superior, sempre deverá ser considerada uma intervenção excecional.
II– O Recorrido foi admitido por contrato de provimento para desempenhar “funções de mera consulta jurídica, emitir pareceres e elaborar estudos jurídicos” no quadro do pessoal de um instituto público, exercendo, simultaneamente advocacia, em face do que no quadro legislativo vigente à data do início de tais funções tal mostrava-se compatível com a então vigente alínea i) do n° 1, e 2- parte do seu n° 2, do artigo 69° do EOA/84.
III– O conteúdo funcional de “diretor do gabinete jurídico” exercido pelo Recorrido insere-se, até por falta de prova em contrário, no âmbito da atividade funcional compatível com o exercício de funções de consultadoria jurídica.
IV- Adquirido que se mostra um direito, e não sendo o mesmo “revogado”, antes prevendo o novel regime jurídico, a manutenção dos direitos adquiridos, não se vislumbra que esse direito perca eficácia pelo mero decurso do tempo.
Com efeito, por força do disposto no art. 81.° do EOA de 2005, sob a epígrafe de “Aplicação no tempo das incompatibilidades e impedimentos”, diz-se lapidarmente que “As incompatibilidades e impedimentos criados pelo presente Estatuto não prejudicam os direitos legalmente adquiridos ao abrigo da legislação anterior”, em face do que, estando o Advogado excecionado do impedimento do exercício de funções de advogado pelo EOA/84, em resultado da circunstância de exercer em entidade pública, funções de consultoria jurídica, naturalmente que o referido Artº 81º não pode deixar de lhe continuar a ser aplicado.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I Relatório
A Ordem dos Advogados, com os demais sinais nos autos, no âmbito de Ação Administrativa Especial, intentada por A…….., tendente a, “1. ser anulada a deliberação proferida pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados que indeferiu o pedido de levantamento da suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados; e 2. condenar o Réu a reconhecer que o A. tem direito ao levantamento da suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados e, nessa medida, condenar o Réu na prática do ato que defira o pedido de levantamento da suspensão da sua inscrição como advogado”, inconformada com a decisão proferida no TAF do Funchal, em 18 de fevereiro de 2022, através da qual foi decidido julgar “a presente ação procedente e, consequentemente, anula-se o ato do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, de 13 de setembro de 2013, e condena-se a Entidade Demandada a deferir o pedido do Autor de levantamento da suspensão da sua inscrição na Ordem dos Advogados”, veio, recorrer da decisão proferida, apresentando as seguintes conclusões:
“1. A sentença recorrida ao decidir julgar procedente a ação instaurada pelo recorrido está ferida de erro de julgamento, quer por errada apreciação da matéria de facto dada como provada e consequentemente errada subsunção do direito ao caso sub judice, quer por omissão de pronúncia, quer e ainda por contradição da motivação no que concerne à fundamentação de direito.
2. A sentença recorrida deveria ter dado como provado, até porque foi alegado pela aqui recorrente quer na contestação quer nas alegações, e está documentalmente comprovado no processo administrativo instrutor o seguinte facto:
O autor/recorrido teve a sua inscrição como advogado suspensa entre 1 de maio de 2003 e 7 de outubro de 2004 (pedido de suspensão pelo próprio por requerimento datado de 20/02/2003 e pedido de levantamento da suspensão da inscrição, também, pelo próprio através de requerimento datado de 07/10/2006). (fls. 15 a 17 do pa e 43 a 50 do pa).
3. A sentença recorrida deveria ter dado como provado, uma vez que resulta documentado no processo administrativo instrutor o seguinte facto:
Em 13 de outubro de 2011 o conselho distrital da madeira (atualmente, de acordo com o novo EOA/2015, aprovado pela lei n.° 145/2015, de 9 de setembro conselho regional da madeira) instaurou contra o autor/recorrido processo de averiguação de incompatibilidades (processo n.° 151 do CDM). (fls. 98 do pa).
4. A sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia por violação dos artigos 615.°, n.° 1, al. d) primeira parte do código de processo civil (CPC) aplicável ex vi Do artigo 140.°, n.° 3 do código de processo nos tribunais administrativos (CPTA) e 94.°, n.° 4 do CPTA.
5. O recorrido apenas teve a sua inscrição como advogado suspensa entre 1 de maio de 2003 e 7 de outubro de 2006, quando, nos termos do artigo 79.°, n.° 1, al. E) do EOA/84 (redação aplicável) deveria ter suspendido "imediatamente o exercício da profissão e requerer, no prazo máximo de 30 dias, a suspensão da inscrição na ordem dos advogados quando ocorrer incompatibilidade superveniente." (corresponde ao artigo 86.°, al. d) do EOA, na redação da lei n.° 15/2005, de 26 de janeiro).
6. Tendo o recorrido iniciado funções incompatíveis com o exercício da advocacia em 29/11/2000 (cfr. Facto provado n.° 3), este tinha de ter requerido a suspensão até 30/12/2000, porém, apenas a requereu quase 2 anos e meio depois de ter ocorrido a situação de incompatibilidade superveniente de longa permanência no tempo.
7. O recorrido voltou a requerer a suspensão da inscrição por requerimento datado de 16/01/2012, conforme facto 7 da matéria de facto dada como provada, sendo que nesta data se encontrava pendente processo de averiguação de incompatibilidade instaurado em 13/10/2011 pelo então conselho distrital da madeira.
8. O recorrido sabia que se encontrava e encontrou em situação de incompatibilidade superveniente e, portanto, em situação ilegal, não podendo prevalecer-se de um direito legalmente adquirido anteriormente e ainda da certeza e segurança jurídicas previstas no artigo 2.° da constituição da república portuguesa (CRP).
9. A sentença recorrida depois de reconhecer que, de facto, entre 29/11/2000 e 29/05/2006 o recorrido exerceu funções incompatíveis com o exercício da advocacia, concluiu o seguinte: "ora, contrariamente ao entendido pelo conselho geral da ordem dos advogados em 4 de março de 2013 e pelo conselho superior da mesma entidade em 13 de setembro de 2013, o facto de ter exercido funções incompatíveis com o exercício da Advocacia não acarreta a perda do estatuto jurídico-profissional que se constituiu na sua esfera jurídica.
1ü. A aceitar-se a interpretação da sentença em crise conduzirá ao seguinte absurdo jurídico: um direito legalmente adquirido permanece ad eternum na esfera jurídica do sujeito passivo que dele beneficiou ainda que o mesmo posteriormente cometa irregularidade/ilegalidade superveniente e, portanto, premiar-se-á o prevaricador.
11. Resulta da factualidade dada como provada que entre 29/11/2000 e 29/05/2006 e, portanto, também à data da entrada em vigor da lei n.° 15/2005, de 26 de janeiro, o recorrido exerceu funções incompatíveis com o exercício da advocacia, sendo que apenas teve a inscrição suspensa entre 01/05/2003 e 07/10/2004, tendo continuado a exercer as funções incompatíveis até 29/05/2006.
12. À luz do artigo 81.° conjugado com o artigo 86.°, al. D) (corresponde ao artigo 79.°, n.° 1, al. e) do EOA/84) do EOA/2005 os direitos adquiridos têm de ser "legalmente adquiridos”, o que não se verifica, uma vez que já antes da entrada em vigor do EOA/2005 o recorrido se encontrava em situação ilegal, porquanto não cumpriu o disposto no artigo 79.°, al. E) do EOA/84, requerendo a suspensão no prazo de 30 dias após a verificação da incompatibilidade.
13. A sentença recorrida que está ferida de erro de julgamento por violação dos artigos 69.°, n.° 1, al. m) e 79.°, n.° 1, al. e) do decreto-lei n.° 84/84, de 16 de março, 77.°, n.° 1, al. l) e 86.°, al. D) e, especialmente o artigo 81.° todos do EOA/2005, aprovado pela lei n.° 15/2005, de 26 de janeiro.
14. Verificando-se no caso sub judice uma situação de ilegalidade, criada pelo próprio recorrido não se pode invocar a certeza e segurança jurídica prevista no artigo 2.° da CRP, uma vez que tal princípio pressupõe que o direito alegadamente adquirido tenha emergido de uma situação legítima, a qual no presente caso cessou quando o recorrido se colocou em situação clara de incompatibilidade e, portanto ilegítima ainda na vigência do artigo 69.° do EOA/84.
Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser dado total provimento ao recurso, sendo a decisão recorrida revogada e substituída por outra que faça boa aplicação da lei e do direito. Assim se fazendo justiça!


O Recorrido veio a apresentar as suas Contra-alegações de recurso em 12 de maio de 2022, concluindo:
“I. A sentença recorrida não enferma de qualquer dos vícios apontados pela Recorrente.
II. Desde logo, os factos que a Recorrente pretende ver dados como provados são inócuos e irrelevantes para o que se discute nos presentes autos, pelo que deve ser desatendida a inclusão de tal matéria no quadro dos factos provados.
III. Dito isto, o que está em causa é saber se existia algum obstáculo ao pedido de levantamento de suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados, no momento em que o fez e se o Recorrido reunia os requisitos necessários para que lhe fosse deferido tal pedido.
IV. Tal pedido foi-lhe indeferido pela Recorrente, tendo em consideração funções exercidas no passado, consideradas incompatíveis com o estatuto da Ordem dos Advogados de 2005.
V. A tese da Recorrente é infundada e precipitada.
VI. À Recorrente cabia decidir sobre a situação individual, atual e concreta do Recorrido.
VII. Os pressupostos em que assenta o ato administrativo praticado pelo Recorrente são inexistentes à data do pedido de levantamento de suspensão.
VIII. Transversalmente, a Recorrente quer retirar consequências punitivas do eventual incumprimento de deveres profissionais para recusar o levantamento da suspensão da inscrição ao Recorrente
IX. Ao invocar a violação de regras estatutárias por parte do Recorrido a consequência natural seria a de, em tempo oportuno, perseguir disciplinarmente o seu autor.
X. Não podendo a Recorrente agir disciplinarmente contra o Recorrido, por via indireta pune o Recorrido ao indeferir o pedido de levantamento da dita suspensão.
XI. Também, por via indireta, pretende retirar do património jurídico do Recorrido o direito adquirido, alcançado no âmbito do EOA/84 (DL n° 84/84, de 16/3), que lhe permitia o exercício da advocacia e, em simultâneo, o exercício de funções de mera consulta jurídica em entidades mencionadas na alínea i), do n° 1, do artigo 69°, deste diploma.
XII. Ao recusar o levantamento da suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados, a Recorrente incorreu no vício de “violação da lei”.
XIII. A sentença ora em crise não violou qualquer das disposições invocadas pela Recorrente.
XIV. A sentença fez uma correta interpretação e aplicação de Lei aos factos, não merecendo, por isso, qualquer censura.
Termos em que deve ser julgado improcedente, porque não provado, o presente recurso, confirmando e mantendo a decisão recorrida, por não ter violado qualquer norma ou disposição legal, pois só assim decidindo se fará JUSTIÇA.”


Em 23 de junho de 2022 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso e sustentado o teor da Sentença proferida atenta a nulidade que vinha suscitada.


O Ministério Público junto deste tribunal, notificado em 26 de julho de 2022, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, nas quais se suscitou que a Sentença Recorrida enferma de nulidade por omissão de pronuncia, bem como, erro de julgamento, por errada apreciação da matéria de facto e por omissão de pronúncia.


III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto relevante para a apreciação da questão controvertida, cujo teor infra se reproduz:
1) Em 1 de março de 1995, o Autor celebrou um contrato administrativo de provimento, com a duração de um ano, nos termos do qual se obrigou a executar funções de mera consulta jurídica, emitir pareceres e elaborar estudos jurídicos para o Instituto de Bordado, Tapeçarias e Artesanato da Madeira (IBTAM) (cfr. fls. 78 e fls. 79 do processo administrativo, doravante p. a., e documento n.° 2 junto com a petição inicial constante a fls. 1 a fls. 42 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido).
2) Em 26 de dezembro de 1995, o mesmo inscreveu-se (definitivamente) na Ordem dos Advogados (cfr. fls. 2 do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido).
3) Em 29 de novembro de 2000 foi nomeado, em regime de comissão de serviço, pelo período de 3 anos, membro do Conselho de Administração do IBTAM, a qual cessou em 29 de maio de 2006 (cfr. fls. 97 do p. a. e documento n.° 3 junto com a petição inicial constante a fls. 1 a fls. 42 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido).
4) Em 1 de junho de 2006 foi nomeado, em regime de comissão de serviço, pelo período de 3 anos, diretor do Gabinete Jurídico da Investimentos Habitacionais da Madeira, EPERAM (cfr. fls. 77, fls. 97 e fls. 98 do p. a. e documento n.° 3 junto com a petição inicial constante a fls. 1 a fls. 42 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido).
5) Comissão de serviço que se prolongou até 31 de maio de 2012 (cfr. fls. 77, fls. 97 e fls. 98 do p. a. e documento n.° 3 junto com a petição inicial constante a fls. 1 a fls. 42 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido).
6) No âmbito da função apontada em 4) e em 5), o Autor emitia pareceres jurídicos (cfr. depoimento de F……..).
7) Por requerimento, datado de 16 de janeiro de 2012, o Autor solicitou ao Presidente do Conselho Distrital da Madeira da Ordem dos Advogados a suspensão da sua inscrição na mencionada ordem (cfr. fls. 70 do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido).
8) Por ofício com a referência n.° 544/DA/12, o Chefe de Serviço do Conselho Geral da Ordem dos Advogados comunicou ao Autor que o pedido mencionado em 7) havia sido deferido por despacho de 23 de janeiro de 2012 (cfr. fls. 73 do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido).
9) Em 1 de junho de 2012 o Autor passou a exercer as funções inerentes à carreira de consultor jurídico do quadro de pessoal do Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira, I. P. na Investimentos Habitacionais da Madeira, EPERAM (cfr. fls. 76 e fls. 77 do p. a. e documento n.° 3 junto com a petição inicial constante a fls. 1 a fls. 42 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido).
10) Por requerimento, com data de entrada nos serviços do mesmo dia (1 de junho de 2012), o Autor solicitou ao Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados o levantamento da suspensão da sua inscrição na mesma ordem (cfr. fls. 75 do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido).
11) Com o requerimento referido em 10) o Autor juntou os quatro documentos constantes a fls. 76 a fls. 87 do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido.
12) No dia 28 de fevereiro de 2013 o relator do Conselho Geral da Ordem dos Advogados elaborou a proposta de deliberação constante a fls. 106 a fls. 115 do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido.
13) Não se conformando com a deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, nos termos da qual foi o seu pedido de levantamento da suspensão da sua inscrição indeferido, o Autor apresentou o recurso constante a fls. 156 a fls. 161 do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido.
14) Na sequência do aludido em 13), no dia 1 de agosto de 2013, o relator do Conselho Superior da Ordem dos Advogados elaborou o parecer constante a fls. 123 a fls. 133 do p. a., no qual se consigna, além do mais, o seguinte:
“(…) 1. Em 18 de junho de 2013, foi remetido ao Conselho Superior pelo Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados um recurso interposto pelo Dr. A…………da Deliberação tomada pelo Conselho Geral em 4 de março de 2013 no sentido de indeferir o pedido de levantamento da suspensão da inscrição como advogado, subscrito pelo ora Recorrente (Despacho datado de 11 de junho de 2013, com referência a um recurso interposto em 18 de abril do mesmo ano).
2. A Proposta de Deliberação subscrita pelo relator Conselheiro Dr. S………. e datada de 28 de fevereiro de 2013 encontra-se a fls. 82 a fls. 91 dos autos.
Conforme dela decorre, o ora Recorrente pedira a suspensão da sua inscrição como advogado em 16 de janeiro de 2012, a qual lhe fora deferida por despacho de 23 desse mês e ano, com efeitos a partir da primeira data. Viera pedir o levantamento da suspensão em 9 de junho do mesmo ano.
Na sequência do pedido de levantamento da suspensão, o departamento administrativo suscitara dúvidas quanto à eventual incompatibilidade de outras funções com as do exercício da advocacia pelo Requerente, submetendo-se à apreciação e decisão do Conselho Geral. Segundo a referida Proposta de Deliberação, está em causa saber se o direito legalmente adquirido ao abrigo da legislação anterior com que o Requerente fundamenta o seu pedido, ao abrigo do art. 81.° do EOA vigente, persiste nos casos previstos na alínea j) do n.° 1 do art. 78.° do mesmo Estatuto, quando tenha havido um hiato decorrente da suspensão da inscrição.
3. É referido no requerimento de levantamento da suspensão de inscrição e foi apurado pelos serviços da Ordem dos Advogados que o Requerente desempenhou as seguintes funções públicas:
a) Em 1 de março de 1995, através do contrato administrativo de provimento, com vigência por um ano, assumiu as funções de consultor jurídico, tendo a seu cargo a emissão de pareceres e elaboração de estudos jurídicos, no Instituto do Bordado e Tapeçarias e Artesanato da Madeira (IBTAM);
b) Ingressara no quadro pessoal do IVBAM, na carreira de técnico superior (consultor jurídico), por força do Decreto-Legislativo Regional n.° 18/2006/M, de 29 de maio, o qual aprovara a fusão do IVM e do IBTAM e /determinara que o pessoal de ambos os institutos públicos transitasse para o quadro do novo IVBAM, sendo integrado em igual categoria ou carreira (no caso carreira de técnico superior);
c) Na data da entrada em vigor do EOA, aprovado pela Lei n.° 15/2005, de 26 de janeiro, era funcionário público, habilitado a exercer as funções de advogado, considerando-se titular de um direito adquirido;
d) Desempenhara entretanto funções de diretor do Gabinete Jurídico do IHM, entidade pública empresarial da R A. da Madeira (Investimentos Habitacionais da Madeira), em comissão de serviço, tendo cessado as mesmas e passado a exercer exclusivamente as inerentes à sua carreira de Consultor Jurídico do quadro de pessoal do IVBAM (conforme declaração do Presidente do Conselho de Administração do IHM, EPERAM, datada de 1 de junho de 2012), embora permanecesse no IHM por força de um acordo de cedência de trabalhador celebrado pelas 2 entidades;
e) O exercício das funções de Diretor do Gabinete Jurídico do IHM decorrera entre 1 de junho de 2006 e 31 de maio de 2012;
f) Anteriormente, exercera as funções de administrador do IBTAM, a partir de 29 de novembro de 2000 e até 29 de maio de 2006.
4. O pedido de suspensão da inscrição ocorrera em 16 de janeiro de 2012, quando se encontrava pendente um processo de averiguação de incompatibilidades instaurado em 13 de outubro de 2011 pelo Conselho Distrital da Madeira.
5. O ora Recorrente concluíra o estágio da Ordem dos Advogados em 1995, estando definitivamente inscrito nesta Ordem desde 26 de dezembro de 1995.
6. A proposta de Deliberação do referido membro do Conselho Geral tem a seguinte fundamentação:
‘Importa esclarecer se o Sr. Advogado requerente, ao deixar as ditas funções de Administrador e de Diretor, e ao regressar ao exercício das funções iniciais de Técnico Superior já está ou não abrangido pela incompatibilidade da alínea j) do n° 1 do artigo 77.° daquele (atual) estatuto.
Ou, se de outro modo, o direito adquirido a que alude o artigo 81.° do EOA apenas persistiu enquanto o requerente exercia a carreira de consultor jurídico.
A reposta só pode ser negativa.
O direito adquirido apenas subsiste enquanto o titular desse direito se mantivesse na carreira ou função, em que se encontrava no momento da entrada em vigor do atual EOA ” (a fls. 116-117).
Para fundamentar este juízo negativo, o Autor da Proposta invoca o disposto no n.° 3 do art. 55.0 do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários (‘o requerimento do Interessado com vista ao levantamento da suspensão da inscrição contém obrigatoriamente uma declaração, sob compromisso de honra datada e assinada pelo requerente, de como não está numa situação de incompatibilidade com o exercício da advocacia, nos termos dos artigos 76.° e seguintes do EOA, podendo o órgão competente para proceder à respetiva apreciação recorrer ao procedimento previsto no n.° 2 do artigo 52.0 deste regulamento’), fazendo notar que este Regulamento não admite qualquer exceção, nomeadamente a ressalva de direitos adquiridos. Considera que o direito adquirido se extinguiu quando foi requerida a suspensão da inscrição, atando jurisprudência interna dos órgãos da Ordem dos Advogados (Acórdãos do Conselho Superior de 23 de fevereiro de 2001, de 27 de janeiro de 2006 e de 24 desse ano; Acórdão do Conselho Distrital de Coimbra de 21 de dezembro de 2006).
Para além disso, a Proposta em causa refere que o Requerente exercera funções incompatíveis como o exercício da advogada entre 29 de novembro de 2000 (nomeação como membro do Conselho de Administração do então existente Instituto do Bordado, Tapeçaria e Artesanato da Madeira) e 31 de maio de 2012 (cessação das funções de Diretor do Gabinete Jurídico do IHM, para que fora nomeado em 1 de junho de 2006), sem ter procedido à suspensão da inscrição como advogado (estivera suspensa tal inscrição entre 1 de maio de 2003 e 7 de outubro de 2004, voltando o ora Recorrente a requerer a suspensão da inscrição em 6 de janeiro de 2012, na sequência ou no decurso do processo de averiguação de incompatibilidades instaurado pelo CDM).
A manutenção da inscrição enquanto durou a situação de incompatibilidade constituiu também um obstáculo a que pudesse ter direito ao levantamento da suspensão, mostrando-se violado o art. 86.°, alínea d), do EOA vigente.
Nessa medida preconizou-se o indeferimento da pretensão, ordenando-se o envio de cópia de deliberação ao Conselho de Deontologia da Madeira para apuramento de eventual responsabilidade disciplinar.
7. É desta deliberação de 4 de março de 2013, que tem na sua base a Proposta de 28 de fevereiro de 2013, que foi interposto o recurso acima referido, em 18 de abril do mesmo ano. (…)
II APRECIAÇÃO DO OBJETO DO PROCESSO
9. A situação funcional do Recorrente não é controvertida, nomeadamente no que toca ao exercido de funções de administrador de um instituto público a partir de 2000 e de diretor do Gabinete Jurídico de uma entidade pública entre 2006 e 2012.
Desde 1 de março de 1995 que exercia ‘funções de mera consulta jurídica’, emitindo pareceres e elaborando estudos jurídicos para o Instituto do Bordado, Tapeçarias e Artesanato da Madeira, um instituto público da Região Autónoma da Madeira (f. o contrato administrativo de provimento a fls. 81 -82 dos autos).
10. No domínio do Estatuto da Ordem dos Advogados de 1984, o exercido da advocacia era incompatível com as funções de ‘funcionário ou agente de quaisquer serviços públicos de natureza central, regional ou local, ainda que personalizados, com exceção dos docentes de disciplinas de Direito’ (art. 69.°, n.° 1, alínea i)), mas deixava de haver incompatibilidade se se tratasse de funcionários e agentes administrativos providos em cargos com funções exclusivas de mera consulta jurídica, previstos expressamente nos quadros orgânicos do correspondente serviço e os contratados para o efeito (n.° 2 desse art. 69.°). Note-se que a parte final daquela alínea (‘de disciplinas de Direito) fora declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão n.° 143/85 do Tribunal Constitucional.
11. Em contrapartida, no Estatuto da Ordem dos Advogados de 2005, é incompatível com o exercício da advocacia o exercício das funções de ‘funcionário, agente ou contratado de quaisquer serviços ou entidades que possuam natureza pública ou prossigam finalidades de interesse público, de natureza central, regional ou local’ (art. 77.°, alínea j)). As exceções admitidas nos n.°s 3 e 4 deste art. 77.° são de âmbito muito restrito (é permitido o exercício de advocacia às pessoas indicadas nas alíneas j) e ) do n.° 1, ‘quando este seja prestado em regime de subordinação e em exclusividade, ao serviço de quaisquer das entidades previstas nas referidas alíneas, sem prejuízo do disposto no art. 815’ ou então ‘quando providas em cargos de entidades ou estruturas com caráter temporário, sem prejuízo do disposto no estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos de administração central, regional ou local do Estado’).
12. Enquanto desempenhou as funções de consultor jurídico no Instituto do Bordado, Tapeçarias e Artesanato da Madeira, o Recorrente podia legalmente acumular o exercício dessas funções com as de advogado (art. 69.°, n.° 1, i), Estatuto de 1984), atendendo à tipificação legal do cargo de consultor jurídico na legislação orgânica do Instituto.
Importa recordar que o Recorrente passara a desempenhar as funções de administrador deste Instituto em 2000, facto que gerou uma incompatibilidade (art. 69.°, n.° 1, alínea m) do mesmo EOA). Todavia, não procedeu logo à suspensão de inscrição, só o tendo feito em 2003, suspensão que durou até 2004.
A partir de 2006, o Recorrente passou a desempenhar as funções de diretor jurídico de um ente empresarial público regional.
Sustenta o Recorrente que, uma vez cessadas estas últimas funções, pode voltar a exercer as funções de advogado cumulativamente com as de consultor jurídico por força do disposto no art. 81.° do EOA de 2005.
Este artigo, sob a epígrafe de ‘Aplicação no tempo das incompatibilidades e impedimentos’, tem a seguinte estatuição: ‘As incompatibilidades e impedimentos criados pelo presente Estatuto não prejudicam os direitos legalmente adquiridos ao abrigo da legislação anterior’. Esta norma repete, aliás, a constante do art. 74.° do Estatuto da Ordem dos Advogados de 1984.
13. Como se salienta na Proposta de Deliberação, o que importa determinar é se a circunstância de o Recorrente ter assumido funções incompatíveis com o exercido da advogada acarreta como consequência a perda de direito adquirido.
14. A resposta a esta questão não é isenta de dúvidas.
15. No caso do Recorrente, a posição por ele sustentada afigura-se correta em tese geral. O funcionário público que exerce exclusivamente as funções de consultor adquire o direito à acumulação de funções ex vi artigo 81.° do Estatuto da Ordem dos Advogados de 2005, podendo subsequentemente interromper o exercício cumulado se aceitar cargo que acarreta a incompatibilidade. Ao deixar de exercer esse cargo, pode retomar o exercício cumulado, voltando ao status quo ante. Será esse o regime decorrente da aquisição do direito por força da legislação anterior.
Simplesmente, o que efetivamente ocorre neste caso é diferente da situação abstrata configurada pelo Recorrente.
No momento da entrada em vigor do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.° 15/2005, de 26 de janeiro), o Recorrente exerda confessadamente funções incompatíveis com o exercido da advocacia à luz do Estatuto da Ordem dos Advogados de 1984.
De facto, entre 29 de novembro de 2000 e 29 de maio de 2006, o Recorrente exerceu as funções de administrador de um instituto público regional (o IBTAM), tendo cessado essas funções por força de fusão desse instituto público com o Instituto do Vinho da Madeira (IVM), decorrente da publicação do Decreto Legislativo Regional n.° 18/2006/M. Devia ter suspendido a sua inscrição como advogado em 29 de novembro de 2000, mas só o fizera três anos mais tarde e requerera de novo o termo da suspensão no ano seguinte, apesar de se manter a sua situação funcional geradora de incompatibilidade.
À data da entrada em vigor da referida Lei n.° 15/2005, o Recorrente estava indevidamente inscrito como advogado. Não tinha um direito ao exercício em acumulação de funções que devesse ser reconhecido pela lei nova, sob pena de se frustrarem as suas legítimas expectativas. Numa palavra, exercia ilegalmente atividade de advogado em 2005.
16. Em função do referido, não pode sequer falar-se de uma consequência legal de uma pena disciplinar não aplicada até hoje. Não podendo prevalecer-se de um direito adquirido à data
da entrada em vigor da lei nova, aplica-se de imediato a nova incompatibilidade, tendo de denegar-se o pedido de levantamento de suspensão.
III CONCLUSÃO
17. Nos termos referidos e pelas razões expostas, sou do parecer que deve ser julgado improcedente o recurso interposto, confirmando-se integralmente a Deliberação do Conselho Geral sob impugnação. (...)” (cfr. fls. 123 a fls. 147 do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido).
15) Sobre o parecer indicado em 14) recaiu acórdão do plenário do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, de 13 de setembro de 2013, no sentido de “(…) no essencial e pelas razões constantes do parecer do relator, (...) julgar improcedente o recurso, confirmando-se a Deliberação recorrida do Conselho Geral (…)” (cfr. fls. 134 e fls. 135 do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido).”


IV - Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão Recorrida:
“(…) Com relevância para a presente decisão, importa atentar ao disposto nos seguintes normativos.
O artigo 69.°, n.° 1, al. i) e n.° 2 do Decreto-Lei n.° 84/84, de 16 de março, sob a epígrafe “[enumeração] das incompatibilidades”, prevê que “1 - O exercício da advocacia é incompatível com as funções e atividades seguintes: (...) i) Funcionário ou agente de quaisquer serviços públicos de natureza central, regional ou local, ainda que personalizados, com exceção dos docentes de disciplinas de Direito (...)
2 - As incompatibilidades atrás referidas verificam-se qualquer que seja o título de designação, natureza e espécie de provimento e modo de remuneração e, em geral, qualquer que seja o regime jurídico das respetivas funções, e só não compreendiam os funcionários e agentes administrativos providos em cargos com funções exclusivas de mera consulta jurídica, previstos expressamente nos quadros orgânicos do correspondente serviço e contratados para o mesmo efeito (…)”.
Por sua vez, o artigo 77.° da Lei n.° 15/2005, de 26 de janeiro, que veio aprovar o Estatuto da Ordem dos Advogados e revogar o Decreto-Lei n.° 84/84, de 16 de março, sob a epígrafe “incompatibilidades”, preceitua o seguinte:
“1 - São, designadamente, incompatíveis com o exercício da advocacia os seguintes cargos, funções e atividades: (...)
j) Funcionário, agente ou contratado de quaisquer serviços ou entidades que possuam natureza pública ou prossigam finalidades de interesse público, de natureza central, regional ou local;
l) Membro de órgão de administração, executivo ou diretor com poderes de representação orgânica das entidades indicadas na alínea anterior (...)
3 - É permitido o exercício da advocacia às pessoas indicadas nas alíneas j) e l) do n.° 1, quando esta seja prestada em regime de subordinação e em exclusividade, ao serviço de quaisquer das entidades previstas nas referidas alíneas, sem prejuízo do disposto no artigo 81.°.
4 - É ainda permitido o exercício da advocacia às pessoas indicadas nas alíneas j) e l) do n.° 1 quando providas em cargos de entidades ou estruturas com carácter temporário, sem prejuízo do disposto no estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado ”.
E o artigo 81.° do mesmo diploma legal, sob) a epígrafe “[aplicação] no tempo das incompatibilidades e impedimentos”, estatui que “[as] incompatibilidades e impedimentos criados pelo presente Estatuto não prejudicam os direitos legalmente adquiridos ao abrigo de legislação anterior”.
Do exposto nos preceitos legais transcritos resulta que, no Estatuto da Ordem dos Advogados, na redação conferida pela Lei n.° 15/2005, de 26 de janeiro, o exercício da advocacia é incompatível com a atividade de funcionário, agente ou contratado de quaisquer serviços ou entidades que possuam natureza pública ou prossigam finalidades de interesse público, de natureza central, regional ou local, não se excluindo - como sucede no artigo 69.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 84/84, de 16 de março - os funcionários ou agentes administrativos providos em cargos com funções exclusivas de mera consulta jurídica, previstos expressamente nos quadros orgânicos do correspondente serviço e os contratados para o mesmo efeito.
Verificada determinada situação de incompatibilidade, traduzida no exercício por parte do advogado de qualquer outra atividade ou função que diminua a independência ou dignidade da profissão, deve a respetiva inscrição na Ordem dos Advogados ser suspensa, cabendo, para esse efeito, ao interessado o dever de requerer a suspensão ou, caso tal não suceda, ao conselho distrital ou ao conselho geral o exercício do poder-dever de suspensão oficiosa (cfr. artigos 68.°, 70.°, 79.°, al. e) e 156.°, n.° 1, al. d) do Decreto-Lei n.° 84/84, de 16 de março, 10.°, n.° 1, al. b), n.° 3 e n.° 6 e artigo 11.°, n.° 1, al. b) do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários - Regulamento 29/2002, de 19 de junho, e artigos 76.°, 79.°, 86.°, al. d) e 181.°, n.° 1, al. d) da Lei n.° 15/2005, de 26 de janeiro, e artigos 50.°, n.° 1, al. b), 52.° e 55.°, n.° 1, al. b) do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários - Regulamento 232/2007, de 4 de setembro).
É certo que o legislador não se encontra impedido de alterar o regime de incompatibilidades em função da dinâmica e da evolução dos conteúdos profissionais.
Todavia, o mesmo - ponderando os valores constitucionais da confiança e da segurança jurídica com os interesses da profissão de advogado - entendeu, no artigo 77.°, n.° 3 in fine e no artigo 81.° da Lei n.° 15/2005, de 26 de janeiro, salvaguardar as situações já constituídas, estabelecendo expressamente que as novas incompatibilidades e impedimentos nele contemplados não prejudicam os direitos legalmente adquiridos pelos advogados inscritos, ao abrigo da legislação anterior.
O que significa que relativamente aos advogados cuja inscrição na Ordem dos Advogados ocorreu na vigência do Decreto-Lei n.° 84/84, de 16 de março, e que na mesma altura exerciam a atividade de funcionários ou agentes de serviços públicos de natureza central, regional ou local, desde que o conteúdo funcional do respetivo cargo, tal como previsto nos quadros orgânicos desses serviços, se circunscreva exclusivamente ao exercício de funções de mera consulta jurídica, se aplica o regime de incompatibilidades e impedimentos do referido diploma legal, não sendo, por conseguinte, tal atividade incompatível com a advocacia.
Volvendo ao caso em apreço, conforme resulta do probatório, o Autor inscreveu-se na Ordem dos Advogados em 26 de dezembro de 1995, sendo que já exercia, desde momento anterior - 1 de março de 1995 -, ao abrigo de um contrato administrativo de provimento, funções de mera consulta jurídica, emitia pareceres e elaborava estudos jurídicos no Instituto de Bordado, Tapeçarias e Artesanato da Madeira (conforme pontos 1) e 2) do probatório).
Posteriormente, em 29 de novembro de 2000 foi nomeado, em regime de comissão de serviço, pelo período de 3 anos, membro do Conselho de Administração da mesma entidade, a qual cessou em 29 de maio de 2006 (conforme ponto 3) do probatório).
Após, em 1 de junho de 2006, foi nomeado, em regime de comissão de serviço, pelo período de 3 anos, diretor do Gabinete Jurídico da Investimentos Habitacionais da Madeira, EPERAM, função que exerceu até 31 de maio de 2012 (conforme pontos 4) e 5) do probatório).
Em 1 de junho de 2012 passou a exercer as funções inerentes à carreira de consultor jurídico do quadro de pessoal do Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira, I. P. na Investimentos Habitacionais da Madeira, EPERAM (conforme ponto 9) do probatório), tendo também sido nesta data (em 1 de junho de 2012) que requereu o levantamento da suspensão da sua inscrição na Ordem dos Advogados (conforme ponto 10) do probatório).
Ora, de acordo com o artigo 69.°, n.° 1, al. i) e n.° 2 do Decreto-Lei n.° 84/84, de 16 de março, o exercício de funções de mera consulta jurídica no Instituto de Bordado, Tapeçarias e Artesanato da Madeira não era incompatível com a advocacia.
O mesmo já não se poderá dizer da nomeação como membro do Conselho de Administração da mesma entidade, que ocorreu em 29 de novembro de 2000 e cessou em 29 de maio de 2006 (cfr. artigo 69.°, n.° 1, al. m) do Decreto-Lei n.° 84/84, de 16 de março, e do artigo 77.°, n.° 1, al. l) da Lei n.° 15/2005, de 26 de janeiro).
Contudo, o exercício da referida função apenas teria como consequência a mera suspensão da inscrição do Autor, como advogado, pelo período de duração da incompatibilidade, que, diga-se, já não se verifica na data em que o mesmo pediu o levantamento da suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados.
Posteriormente, em 1 de junho de 2006, o Autor foi nomeado, em regime de comissão de serviço, para o cargo de diretor do Gabinete Jurídico da Investimentos Habitacionais da Madeira, EPERAM, a qual cessou em 31 de maio de 2012. Sendo certo que, não obstante a designação como diretor do Gabinete Jurídico, o Autor exerceu funções de mera consulta jurídica (conforme ponto 6) do probatório).
De todo o modo, independentemente das funções materialmente exercidas entre 1 de junho de 2006 e 31 de maio de 2012, aquando do pedido de levantamento da suspensão da sua inscrição na Ordem dos Advogados, em 1 de junho de 2012, o mesmo encontrava- se a exercer as funções inerentes à carreira de consultor jurídico do quadro de pessoal do Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira, I. P. na Investimentos Habitacionais da Madeira, EPERAM.
Ora, contrariamente ao entendido pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados em 4 de março de 2013 e pelo Conselho Superior da mesma entidade em 13 de setembro de 2013, o facto de ter exercido funções incompatíveis com o exercício da advocacia não acarreta a perda do estatuto jurídico-profissional que se constituiu na sua esfera jurídica (cfr. artigo 81.° da Lei n.° 15/2005, de 26 de janeiro).
Com efeito, à luz do artigo 81.° da Lei n.° 15/2005, de 26 de janeiro, são aplicáveis ao Autor as incompatibilidades previstas nos artigos 68.° e 69.° do Decreto-Lei n.° 84/84, de 16 de março, das quais a norma do n.° 2, do último artigo, exclui a situação dos funcionários e agentes, providos em cargo s pertencentes aos serviços da administração pública (central, regional ou local), a que corresponde o exercício exclusivo de funções de mera consulta jurídica.
Assim sendo, verificando-se que, aquando do pedido de levantamento da suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados, o Autor exercia as funções inerentes à carreira de consultor jurídico do quadro de pessoal do Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira, I. P. na Investimentos Habitacionais da Madeira, EPERAM, conclui-se que o ato impugnado - o indeferimento do pedido de levantamento da suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados - violou o disposto nos artigos 69.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 84/84, de 16 de março, 77.°, n.° 3 in fine e 81.° da Lei n.° 15/2005, de 26 de janeiro, julgando-se prejudicada a apreciação da invocada violação do princípio da proteção da confiança consagrado no artigo 2.° da CRP.
Em face do exposto, deve o ato impugnado ser anulado e, consequentemente, a Entidade Demandada condenada a deferir o peticionado. Assim se decide.”


Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância, julgar “(…) a presente ação procedente e, consequentemente, anula-se o ato do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, de 13 de setembro de 2013, e condena-se a Entidade Demandada a deferir o pedido do Autor de levantamento da suspensão da sua inscrição na Ordem dos Advogados.”


Desde logo, refira-se que se não se vislumbram razões para divergir do decidido em 1ª instância.


No que respeita às propostas alterações à matéria de facto, refira-se desde já que a proposta alteração em sede recursiva tem natureza excecional.


Como se sumariou, entre muitos outros, no Acórdão deste TCAS nº 1196/08.9BELSB, de 19-05-2022, “Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida. A alteração da matéria de facto por instância superior, sempre deverá ser considerada uma intervenção excecional.”


Igualmente se sumariou no Acórdão deste TCAS nº 1635/08.9BELSB, de 21.04.2022, o seguinte:
“I – Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
A alteração da matéria de facto por instância superior, sempre deverá ser considerada uma intervenção excecional.
II – O respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.
III – O recurso da matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os pontos de facto que o recorrente considere incorretamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação dos recorrentes, impusessem decisão diversa da recorrida.”


Em qualquer caso, sempre se dirá o seguinte, em concreto:
Refere a Recorrente que “A sentença recorrida deveria ter dado como provado (…) o seguinte facto:
O autor/recorrido teve a sua inscrição como advogado suspensa entre 1 de maio de 2003 e 7 de outubro de 2004 (pedido de suspensão pelo próprio por requerimento datado de 20/02/2003 e pedido de levantamento da suspensão da inscrição, também, pelo próprio através de requerimento datado de 07/10/2006). (fls. 15 a 17 do pa e 43 a 50 do pa).


Mais se refere que “A sentença recorrida deveria ter dado como provado (…) o seguinte facto:
Em 13 de outubro de 2011 o conselho distrital da madeira (atualmente, de acordo com o novo EOA/2015, aprovado pela lei n.° 145/2015, de 9 de setembro conselho regional da madeira) instaurou contra o autor/recorrido processo de averiguação de incompatibilidades (processo n.° 151 do CDM)”.


É incontornável que a Recorrente não logrou fazer prova que a introdução daqueles “factos” na matéria dada como provada teria a virtualidade de alterar o sentido da decisão proferida ou a proferir.


Efetivamente, não demonstrou a Recorrente que o aqui Recorrido não desempenhasse “funções exclusivas de mera consulta jurídica”, na entidade pública onde exerceu funções, o que, só por si, com se discorreu em 1ª instância, permitiria excecionar o regime de incompatibilidades aplicável.


Ainda quanto à nulidade imputadas à Sentença, ratifica-se e acompanha-se o entendimento adotado a esse respeito em 1ª Instância quando se sustentou a decisão recorrida e se afirmou:
“A Recorrente Ordem dos Advogados insurge-se contra a sentença proferida nos presentes autos, pugnando pela sua nulidade porquanto, segundo alega, “(…) não [foram dados] como provados (...) factos que se encontram documentalmente comprovados no Processo Administrativo Instrutor (...)”.
O artigo 615.° do CPC ex vi artigo 1.° do CPTA prevê as causas de nulidade da sentença, estabelecendo-se na al. d) do n.° 1 que “[é] nula a sentença quando: (...) d) [o]juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Ora, revista a sobredita decisão, não se verifica a invocada nulidade, na medida em que o Tribunal se pronunciou sobre todas as questões submetidas à sua apreciação, fixando a factualidade pertinente à decisão do pleito.
Termos em que se mantém e sustenta a decisão recorrida.
Quanto ao mais, tratando-se de apontados erros de julgamento, não cabe aqui qualquer apreciação sobre os mesmos.”


Em bom rigor, o Recorrido foi admitido por contrato de provimento para desempenhar “funções de mera consulta jurídica, emitir pareceres e elaborar estudos jurídicos” no quadro do pessoal de um instituto público, exercendo, simultaneamente advocacia.


No quadro legislativo vigente à data do início de tais funções tal mostrava-se compatível com a então vigente alínea i) do n° 1, e 2- parte do seu n° 2, do artigo 69° do EOA/84.


Aí se referia o seguinte:
1. - O exercício da advocacia é incompatível com as funções e atividades seguintes:
(…)
i. Funcionário ou agente de quaisquer serviços públicos de natureza central, regional ou local, ainda que personalizados, com exceção dos docentes de disciplinas de Direito;
(…)
2 - As incompatibilidades atrás referidas (…) não compreendem os funcionários e agentes administrativos providos em cargos com funções exclusivas de mera consulta jurídica, previstos expressamente nos quadros orgânicos do correspondente serviço, e os contratados para o mesmo efeito.


Aqui chegados, nos termos do transcrito n° 2, do Artº 69º do então aplicável EOA, não se verifica qualquer incompatibilidade, uma vez que ficou por provar que o Recorrido não exercesse exclusivamente funções de mera consulta jurídica, previstas expressamente nos quadros orgânicos do correspondente serviço.


Por outro lado, resulta ainda dos autos que entre 29 de Novembro de 2000 até 29 de Maio de 2006, o Recorrido exerceu funções de administrador do IBTAM e que de 1 de Junho de 2006 a 31 de Maio de 2012 foi nomeado diretor do Gabinete Jurídico do IHM, sendo que a partir daí regressou ao exercício exclusivo das suas funções de consultor jurídico.


Com efeito, o conteúdo funcional de “diretor do gabinete jurídico” exercido pelo Recorrido insere-se, mais uma vez, e por falta de prova em contrário, no âmbito da atividade funcional compatível com o exercício de funções de consultadoria jurídica.


Efetivamente, da matéria dada como provada não resulta que as funções de diretor de Serviço Jurídico não se insiram no âmbito de atividade equiparável a consultadoria jurídica, enquanto atividade exclusivamente jurídica.


Em qualquer caso, o Recorrido em 1 de Junho de 2012 pediu o levantamento da suspensão da sua inscrição, o que veio a ser recusado.


O que sempre importaria verificar era se o seu pedido reuniria todos os pressupostos para o seu deferimento.


Entende a Recorrente que o Recorrido não cumpre com os pressupostos para que decida pelo levantamento da suspensão, pois que “no momento da entrada em vigor do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n° 15/2005, de 26 de Janeiro), o Recorrente (aqui Recorrido) exercia confessadamente funções incompatíveis com o exercício da advocacia, à luz do estatuto da Ordem dos Advogados de 1984”, e que “em função do referido, não pode sequer falar-se de uma consequência legal de uma pena disciplinar não aplicada até hoje. Não podendo prevalecer-se de um direito adquirido à data da entrada em vigor de lei nova, aplica-se de imediato a nova incompatibilidade, tendo de denegar-se o pedido de levantamento de suspensão.”


O referido raciocínio mostra-se anacrónico e desajustado do regime jurídico aplicável.


Com efeito, o que está singelamente em questão é saber se no momento em que foi pedido o levantamento da suspensão, o Recorrido estava em condições de voltar a acumular as funções de advogado com as de consultor jurídico em entidade pública, enquanto titular de um direito adquirido e que já havia exercido, sendo que não ficou demonstrado a verificação de tal impedimento, pois que igualmente ficou por provar que o direito adquirido tivesse “perdido validade”, como se de um bem perecível se tratasse.


A este respeito, entende a Recorrente que se trata de saber se um direito adquirido se mantém ad aeternum na esfera jurídica do advogado.


Como se afirmou, adquirido que se mostra um direito, e não sendo o mesmo “revogado”, antes prevendo o novel regime jurídico, a manutenção dos direitos adquiridos, não se vislumbra que esse direito perca eficácia pelo mero decurso do tempo.


Com efeito, por força do disposto no art. 81.° do EOA de 2005, sob a epígrafe de “Aplicação no tempo das incompatibilidades e impedimentos”, diz-se lapidarmente que “As incompatibilidades e impedimentos criados pelo presente Estatuto não prejudicam os direitos legalmente adquiridos ao abrigo da legislação anterior”, em face do que, estando o Recorrido excecionado do impedimento do exercício de funções de advogado pelo EOA/84, em resultado da circunstância de exercer em entidade pública, funções de consultoria jurídica, naturalmente que o referido Artº 81º não pode deixar de lhe continuar a ser aplicado.


Mostrando-se provado, e não impugnado, que o Recorrido está inscrito na Ordem dos Advogados desde dezembro de 1995, momento em que se encontrava integrado em quadro de pessoal de organismo publico no exercício de funções de mera consulta jurídica, é assim evidente que tal exercício, permitido pelo EOA/84, se manterá na sua esfera jurídica enquanto direito adquirido.


Como se sumariou no Acórdão do Tribunal Constitucional TSC1990053090169P, de 30-05-1990, “O principio da igualdade também não é violado pelo facto de os funcionários que exerçam funções de exclusiva consulta jurídica (…), poderem advogar e os demais não: é que a vida do foro confere uma experiencia que contribui para a competência que se requer do funcionário (…)”.


Em face de tudo quanto supra se expendeu, improcederá o Recurso interposto, mantendo-se a Sentença Recorrida.


V - DECISÃO
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.


Custas pela Recorrente


Lisboa, 11 de abril de 2024

Frederico de Frias Macedo Branco

Ilda Côco

Teresa Caiado