Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07085/03
Secção:Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:05/04/2006
Relator:Gonçalves Pereira
Descritores:ACTO ADMINISTRATIVO
REQUISITOS
Sumário:1) Não devem ser considerados actos administrativos, por não preencherem os requisitos exigidos pelo artigo 120º do CPA, os despachos que esclarecem dúvidas dos Serviços, interpretando legislação em vigor.
2) Deve, pois, ser rejeitado por ilegal o recurso contencioso que visa anulação dos referidos despachos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam os Juizes do 1º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Hugo ...., capitão do Exército, residente na Rua ...., no Barreiro, veio recorrer contenciosamente dos despachos do General Chefe do Estado Maior do Exército proferidos em 17/3/2003 e 26/2/2003, que entende padecerem de vício de forma por falta de fundamentação; violação de lei, por errada interpretação e aplicação dos artigos 4º, alínea a), 7º e 8º § 1º do DL nº 41511, de 25/1/58, 2º e 3º nº 1 do DL nº 258/90, de 16/8, e 128º nº 2, alínea a), do CPA; desvio de poder, por infracção do artigo 8º § 1º do dito DL nº 45511; e as inconstitucionalidades previstas nos artigos 13º, 18º nº 2 e 266º nº 2 da CRP.
Juntou documentos, procuração (fls. 25) e substabelecimento (fls. 26).
A autoridade recorrida não respondeu, mas juntou o Processo Administrativo.
Em alegações, o recorrente reproduziu a argumentação já vertida na sua petição.
E o CEME suscitou a irrecorribilidade dos actos impugnados, por serem meros actos internos, o que conduziria à rejeição do recurso, defendendo também a legalidade dos despachos que proferira.
Em cumprimento do disposto no artigo 54º nº 1 da LPTA, o recorrente respondeu á excepção deduzida, pedindo o seu indeferimento.
O Exmº Procurador Geral Adjunto neste Tribunal pronuncia-se pela rejeição do presente recurso.
Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência.

2. Os Factos.
Com base na documentação junta e interesse para a decisão, resultam provados nos autos os factos seguintes:
a) O recorrente ingressou nos Quadros Permanentes do Exército em 1/10/94, com o posto de alferes.
b) Entre Novembro de 1995 e Agosto de 1997, frequentou o curso de Pilotagem Básica e de Helicópteros, ministrado na FAP.
c) Após a conclusão desse curso, foi colocado na Base Aérea nº 11, em Beja, onde efectuou treino operacional e desempenhou missões atribuídas à Esquadra 552, até Abril de 2000, data em que foi colocado no Grupo de Aviação Ligeira do Exército (GALE).
d) Apesar de, desde então, não lhe ser possível manter a actividade de voo com regularidade e frequência, por inexistência de meios, continuou a ser abonado do Suplemento de Serviço Aéreo (SSA), como vinha sendo desde que iniciara o curso de pilotos.
e) Em 30/9/2002 iniciou a frequência do Curso de Promoção a Oficial Superior (CPOS), continuando a ser abonado de SSA até Dezembro desse ano.
f) Por despacho nº 206/96, de 6/8, do General CEME, foi ordenado que fosse abonado o suplemento de serviço aéreo aos militares do quadro permanente do Exército, durante o curso de pilotagem aeronáutica (fls. 31 e 32).
g) Por despacho de 26/12/2002 do CEME, foi determinado não abonar a gratificação de voo aos pilotos do GALE que não tivessem feito horas de voo, até que fossem recebidos helicópteros no GALE (Proc.Adm.)
h) O recorrente e outros pilotos do GALE foram informados desse despacho através da Nota nº 3416, de 30/12/2002, do Comando Operacional das Forças Terrestres (COFT) – fls. 28.
i) Passando a cessação desse abono a ter efeitos a partir de Janeiro de 2003 (fls. 29).
j) Por despacho de 26/2/2003 da autoridade recorrida, dirigido ao COFT, foi esclarecido que, ao determinar que não haveria pagamento de gratificações aos pilotos, o CEME revogara tacitamente aquele Despacho nº 206/96, no respeitante a essa matéria, pelo que os pilotos do Exército só receberiam gratificações de serviço aéreo quando efectuassem as horas previstas no DL nº 41511 ou outras a determinar (Proc. Adm.)
k) Este Despacho foi transcrito no ofício nº 643, de 10/3/2003, do COFT, dado a conhecer ao GALE (fls. 28).
l) Em 27/2/2003, o Capitão Hugo Machado dirigiu ao COFT uma reclamação, dando conta ter sido informado do aludido Despacho do CEME de 26/12/2002 através da Nota nº 3416 do COFT e solicitando a este Comando a modificação do Despacho (por não especificar em que base jurídica o SSA fora cancelado), e mandando proceder ao devido abono (Proc.Adm.)
m) Sobre as reclamações apresentadas, o CEME exarou o seguinte despacho em 14/3/2003, transcrito no ofício nº 720, de 17/3/2003, do COFT, dirigido ao GALE, e designado pelo recorrente como 1º acto recorrido:
“O despacho proferido pelo TGen COFT respeita o meu despacho sobre a presente matéria, pelo que o mesmo não é sindicável por si próprio. 14.3.2003. José Manuel da Silva Viegas”.

3. O Direito.
O Capitão de Cavalaria Hugo Machado veio recorrer dos despachos do General CEME que decretaram a cessação, a partir de Janeiro de 2003, do SSA aos pilotos do GALE.
Em alegações, a autoridade recorrida suscitou a irrecorribilidade dos ditos despachos, por se tratarem de meras directivas internas, mas o recorrente opõe-se, pedindo o indeferimento da excepção suscitada.
Vejamos.
A questão prévia que importa conhecer com prioridade foi já objecto de pronúncia por parte deste Tribunal em diversos arestos, firmando orientação de que se não vê razão para divergir, e cuja procedência pode obstar ao conhecimento do mérito do presente recurso.
Como se disse nos Acs. de 20/10/2005 (Rec. nº 7087) e de 23/2/2006 (Rec. nº 7086), lavrados sobre situações idênticas à dos presentes autos, “os actos impugnados integram meras instruções vinculantes para os Serviços, sem contemplarem nenhuma situação individual e concreta, pelo que são destituídos de eficácia externa, não tendo produzido efeitos directos na esfera jurídica do recorrente; a eventual lesividade decorrente do não processamento e consequente abono do suplemento que o recorrente peticiona, situar-se-ia no despacho de 26/12/2002 do CEME, que determinou a cessação do pagamento do abono do SSA aos pilotos do GALE e, na sequência deste, nos actos mensais de processamento das respectivas remunerações, que lhe notificados através dos boletins de vencimentos”.
E, mais adiante: “No que respeita ao acto recorrido, ou seja, o despacho do CEME de 26/2/2003, este reveste claramente a natureza de mero acto interno dirigido aos Serviços, ao ser proferido em resposta a dúvidas colocadas por iniciativa destes, com a finalidade de clarificar a legislação em vigor no que concerne ao abono de SSA ao pessoal do GALE e não em resposta a quaisquer pretensões concretas e individualizadas, formuladas por particulares”.
No que respeita ao intitulado 1º acto recorrido, ou seja, o despacho do CEME proferido em 14/3/2003, também não consiste num acto definidor da situação individual e concreta do recorrente, como este pretende e definida no artigo 120º do CPA, pois não se trata de uma resposta à reclamação que apresentara, pois o autor do acto reclamado fora o Tenente General COFT – artigo 158º nº 2, alínea a), do CPA.
Consiste, antes, da resposta dada a um pedido de esclarecimento formulado pelo dito COFT, no sentido de garantir a conformidade da sua posição com as instruções superiores do CEME.
Esses despachos recorridos não têm assim efeitos lesivos próprios, situando-se em momento anterior o acto eventualmente lesivo dos direitos do recorrente.
A reclamação que este formulou tem como objecto o despacho tem como objecto “o despacho de COFT comunicado pela Nota nº 412, de 12Fev03”(Proc.Adm.), onde o interessado demonstra inequivocamente ter conhecimento de que o SSA que anteriormente recebia havia sido “cancelado”, ou seja, que deixara de lhe ser abonado.
E demonstra também saber o motivo da exclusão desse suplemento dos sucessivos actos de processamento do seu vencimento, a partir de Janeiro de 2003: exactamente aquele referido Despacho do General CEME de 26/12/2002 e o Despacho do TGen COFT, comunicado pela Nota nº 412.
Por isso, o primeiro acto de processamento de vencimento que excluiu o abono do dito suplemento foi o acto que definiu a situação jurídica concreta do recorrente de forma inovatória, fundamentando-se nos Despachos supra referidos, e interpretando a lei de modo desfavorável ao recorrente, pelo pode ser apelidado de verdadeiro acto administrativo.
No que toca à alegada falta de notificação desse mesmo acto, a existir, não afastaria a sua natureza de acto contenciosamente impugnável.
É que a notificação, algo de externo ao acto e não seu elemento, destina-se a dar a conhecer ao destinatário os seus elementos essenciais, de modo a permitir-lhe usar os meios de defesa que lei coloca ao seu alcance, conforme preceitua o artigo 68º do CPA.
No caso sub judicio, o recorrente encontrava-se desde o início na posse dos elementos necessários ao conhecimento do conteúdo e dos fundamentos da exclusão do questionado abono. E, entendendo que não dispunha de todos os dados indispensáveis para identificar com precisão e impugnar o acto lesivo, então deveria ter pedido que lhe fosse feita a notificação do supradito acto, com todos os requisitos legais, obtendo assim a suspensão do prazo para a interposição do recurso, nos termos do artigo 31º nº 2 da LPTA.
A notificação prende-se, pois, com a eficácia do acto a que respeita, não definindo a natureza do acto, no caso o que efectuou o processamento do vencimento do recorrente relativamente ao mês de Janeiro de 2003.
Pelo que ficou dito, e com prejuízo do conhecimento das demais questões suscitadas, há que concluir pela ilegalidade do presente recurso contencioso, face ao disposto nos artigos 25º nº 1 da LPTA e 268º nº 4 da CRP.
Mostrando-se, assim, procedente a excepção deduzida, há que rejeitar o presente recurso.

4. Nesta conformidade, acordam os Juízes do 1º Juízo, 1ª Secção, do TCAS em rejeitar, por ser manifestamente ilegal e ao abrigo do preceituado no artigo 57º § 4º do RSTA, o recurso interposto por Hugo .....
Custas a cargo do recorrente, com taxa de justiça que vai graduada em 200 € e procuradoria em metade.

Lisboa, 4 de Maio de 2 006