Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01533/06
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:02/05/2015
Relator:CREMILDE MIRANDA
Descritores:IRS DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS,EFEITOS - ART.65º, Nº3, DO CIRC
Sumário:I. O não cumprimento do ónus especial de alegação previsto no artigo. 685º-B, do CPC, aqui aplicável, e hoje, reforçado no artigo 640.º do novo CPC, quando se pretenda impugnar o julgamento da matéria de facto, determina que o tribunal de recurso não se pronuncie sobre tal questão;

II. Independentemente de existir, já, uma declaração oficiosa de rendimentos, ainda que esteja em curso, ou tenha terminado, um procedimento de revisão do rendimento fixado, não existindo, ainda, liquidação, sempre terá de produzir efeitos a declaração apresentada na sequência da notificação prevista no art. 65º, nº 3, do CIRC, na redacção em vigor até à entrada em vigor da Lei nº 53-A/2006, de 29-12.

III. Deve ser deferido o pedido de intimação do Director-Geral dos Impostos, formulado ao abrigo do art. 147º do CPPT, a proceder ao tratamento de declaração de rendimentos, para efeito de IRS do ano de 2000, apresentada em 30 de Dezembro de 2004, na sequência de notificação efectuada ao abrigo do art. 65º, nº 3, do CIRC, bem como à consequente liquidação e à notificação da mesma ao requerente.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

RUI .............................., inconformado com a decisão do ex-Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que julgou improcedente a intimação para um comportamento que, ao abrigo do artigo 147º do CPPT, deduziu contra a Direcção Geral dos Impostos, pedindo que a mesma fosse intimada a proceder à emissão da nota de liquidação do seu IRS, do ano 2000, a notificá-lo de tal liquidação e a tirar as devidas consequências de tal emissão, designadamente a proceder ao reembolso do valor pago a mais, por força das retenções na fonte efectuadas, vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:

a) Entendeu-se na sentença que a intimação apresentada a juízo pelo recorrente não merecia provimento por uma série de razões elencadas no acervo decisório.
b) Em primeiro lugar resultam do probatório fixado dois factos que terão de passar a não provados por ter ocorrido erro na apreciação da prova pois consta do ponto 1 dos factos dados como provados que o recorrente havia sido alvo de um acto de exame à escrita por parte dos serviços de inspecção tributária e, com recurso a métodos indiciários, lhe haviam sido fixados rendimentos da categoria B de € 171.413,14 e o que ocasionou uma correcção oficiosa introduzida no sistema em 06/09/2004.
c) Ora tal não corresponde à verdade pois que o recorrente não foi alvo de qualquer exame à sua escrita motivador das correcções efectuadas pela DGCI.
d) Como também não tem adesão à realidade o facto de o recorrente ter apresentado uma declaração de substituição pois não só nunca o fez como também não consta dos documentos junto ao processo que assim tenha sido.
e) Aliás se algo resulta é o contrário pois que Ofício n° 4922 junto aos autos o atesta.
f) Pelo que deverão tais factos passar a não provados.
g) A grande realidade é que o recorrente foi notificado pela DGCI para proceder à apresentação da sua declaração de rendimentos atinente ao ano 2000, nos termos do disposto no artigo 65°, n°3 do CIRS e cumpriu com tal imposição.
h) Diz-se na sentença que a DGCI nunca poderia ter notificado o contribuinte para proceder à apresentação daquela declaração por já ter procedido à liquidação oficiosa, relevando-se o facto de a DGCI ter recebido a declaração apresentada pelo recorrente e remetido a mesma para arquivo sem nada dizer a este.
i) O comportamento da DGCI ao longo do procedimento é uma sucessão de erros que desembocaram no presente processo; E aquele que sempre cumpriu com o que lhe foi notificado, o recorrente, é que acaba por pagar com o desacerto da DGCI.
j) Perante a declaração apresentada pelo recorrente, e se a qualificação da mesma fosse como a sentença a define, ou seja, uma declaração de substituição, à DGCI restavam uma de duas soluções ou convolava a declaração apresentada em reclamação nos termos do artigo 59°, n°1 do CPPT e notificava o recorrente de tal, ou anulava a liquidação oficiosa efectuada e fazia uma outra com base na declaração apresentada pelo recorrente.
k) E, nunca por nunca, se poderia revelar como adequada a conduta da DGCI no sentido de remeter para arquivo, sem nada dizer ao recorrente, a declaração por este apresentada.
I) Acresce que quanto à hipótese referida em a) supra tal é um verdadeiro dever jurídico da DGCI e não uma mera faculdade de índole platónica que esta pode exercer ou não consoante os seus critérios de circunstância.
m) Como sustenta, aliás, a doutrina supra citada.
n) Mas a DGCI nada fez de acordo com aquilo que a lei lhe impõe e acaba por ser premiada pela sentença.
o) Será bom não obnubilar que a DGCI, por expressa imposição do artigo 55° da LGT, 3° do CPA e 266° da CRP, se encontra estritamente vinculada a um princípio da legalidade.
p) Mais acresce que a fazer vencimento a tese vertida na sentença então o artigo 104°, n°s 1 e 2 da C.R.P. e o artigo 4° da LGT seriam "letra morta" no nosso ordenamento jurídico pois que a tributação deve incidir sobre a efectiva capacidade contributiva dos contribuintes, in casu do aqui recorrente.
q) Princípio esse que só seria respeitado com a tributação de acordo com os elementos por si apresentados na sua declaração de rendimentos com a consequente emissão da nota de liquidação respectiva;
r) E nunca por uns valores sem adesão à realidade que a DGCI decidiu apurar mesmo depois de, naquele que seria o procedimento correcto, notificar o recorrente para apresentar a sua declaração de rendimentos.
s) Ora manifestamente tal princípio, com o postergar que se faz da declaração apresentada pelo recorrente em favor de um putativo imposto apurado pela DGCI, não é respeitado no caso em apreço.
t) Decorrente do princípio da boa-fé a que a DGCI também se encontra adstrita importa considerar que a intervenção da DGCI foi sempre activa no procedimento; Ora notificando o recorrente para apresentação da declaração de rendimentos, ora arquivando a que este apresentou sem nada lhe comunicar, ora liquidando a seu bel prazer.
u) Se se entendesse, que não se entende, que o comportamento da DGCI foi legítimo e de acordo com o texto legal ainda assim se revelaria o mesmo, no desemboque em que se conclui a sua posição de não emitir a nota de liquidação com o inerente valor de reembolso a favor do recorrente, viciado por verdadeiro abuso de direito.
v) Pois que não pode a DGCI legitimar no recorrente a convicção de que vai apurar o imposto com base na sua declaração de rendimentos, isto quando o notificou para a respectiva apresentação; E depois de o recorrente ter apresentado a mesma ignorá-la pura e simplesmente procedendo ao seu arquivamento.
w) O abuso de direito é de conhecimento oficioso.
x) Violou a sentença os artigos 104°, n°s 1 e 2 e 266° da C.R.P., o artigo 4° e 55° da LGT, 59°, n° 1 e 147° do CPPT, 3° do CPA, 65°, n° 3 do CIRS e 334° do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser a sentença revogada e substituída por uma outra que dê provimento à pretensão do recorrente, tudo o mais com as consequências legais.

A Entidade Recorrida, contra alegou, concluindo que a sentença recorrida fez correcta interpretação e aplicação da lei aos factos e não merece qualquer censura, devendo manter-se.

Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.


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As questões a decidir, limitadas pelas conclusões das alegações de recurso, são quanto à impugnação da matéria de facto:

Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de apreciação da matéria de facto ao julgar provado o seguinte:

· que o recorrente havia sido alvo de um acto de exame à escrita por parte dos serviços de inspecção tributária e, com recurso a métodos indiciários;

· que lhe haviam sido fixados rendimentos da categoria B de € 171.413,14;

· que a fixação de tais rendimentos ocasionou uma correcção oficiosa introduzida no sistema em 06/09/2004;

· que o ora Recorrente apresentou uma declaração de substituição.

Quanto à impugnação da matéria de direito, está em causa saber se a declaração de rendimentos para efeito de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, apresentada na sequência de notificação nos termos do art. 65º, nº 3, do CIRS, em vigor à data dos factos, por ter tal declaração sido omitida no prazo devido, deve, como defende o Recorrente, ser considerada no apuramento do rendimento colectável, ainda que exista, já, declaração oficiosa, ou se, como decidiu a sentença recorrida, existindo, já, uma declaração oficiosa, não existe a obrigação de a Administração Tributária ter em consideração a declaração apresentada.

Colhidos os vistos legais, há que apreciar e decidir.


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Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos

1. Não tendo o requerente apresentado qualquer declaração de lRS relativa ao ano 2000, os serviços de inspecção tributária procederam ao exame à escrita do contribuinte e, com recurso a métodos indiciários, fixaram como rendimentos da categoria B o montante de €171.413,14, donde resultou uma correcção oficiosa introduzida no sistema em 6/9/2004 (declaração oficiosa DO) (fls. 107).
2. O requerente reclamou para a comissão de revisão, a qual fixou os mesmos valores e foi elaborada uma nova (declaração oficiosa DO), que originou a liquidação oficiosa efectuada em 17/1/2005, anulando no sistema a referida em 1 (idem).
3. Por ofício, datado de 6/12/2004, expedido sob registo, foi o requerente, notificado de que, tendo sido constatado que não havia procedido à entrega da declaração de rendimentos dos anos de 2000, 2001, 2002 e 2003, nos termos do nº3 do artº65º do CIRS, no prazo de 15 dias a contar do terceiro posterior ao do registo, deveria apresentar, no seu serviço de finanças, as declarações de rendimentos modelo 3 dos exercícios supra referidos (fls. 223).
4. Em 30/12/2004 o requerente apresentou a declaração modelo 3 referente ao ano de 2000, tendo pago uma coima por entrega fora de prazo da declaração no montante €14,96 (fls. 13 a 16).
5. A Direcção de Finanças de Cobrança do IR enviou, através do registo nºRY2920330272P, a demonstração de liquidação dos juros compensatórios de €12570,60 e do registo RY290330272PT, ambos de 8/8/2005, a demonstração do acerto de contas, referentes à declaração oficiosa referida em 2., não havendo lugar ao pagamento ou reembolso do saldo apurado (zero), tudo para o domicílio do requerente, as quais não foram recebidos e foram devolvidos ao serviço de finanças (fls. 60 a 68).
6. Os serviços de finanças por terem constatado a existência de uma declaração oficiosa de fixação elaborada pelos serviços em 6/9/04, não procederam à recolha da declaração referida em 4. e arquivaram-na (fls. 202).

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Conclui o Recorrente [b) a f) das conclusões das alegações de recurso] que, ao contrário do julgado pela sentença recorrida, devem ser julgados não provados os seguintes factos:

que o recorrente havia sido alvo de um acto de exame à escrita por parte dos serviços de inspecção tributária e, com recurso a métodos indiciários;
que lhe haviam sido fixados rendimentos da categoria B de € 171.413,14;
que a fixação de tais rendimentos ocasionou uma correcção oficiosa introduzida no sistema em 06/09/2004;
que o ora Recorrente apresentou uma declaração de substituição.

Nos termos do artigo 685.º- B, do Código de Processo Civil, em vigor à data da interposição do recurso, incumbe ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto o ónus de especificar, sob pena de rejeição, para além dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

Dispunha o citado art. 685º-B,º do CPC, sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a indicação precisa e separada dos depoimentos nos termos do disposto no nº 2 do art. 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. (…).

E, sobre a mesma matéria, dispõe, hoje, o art. 640º do CPC, com a mesma epígrafe:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa -se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)
Resulta do citado artigo 685º-B, do CPC, em vigor à data da interposição do Recurso, e, hoje, do art. 640.º do novo CPC, com redacção semelhante, a consagração de um ónus especial de alegação, que impende sobre o Recorrente, quando se pretenda impugnar a matéria de facto, ónus que, aqui, não foi satisfeito.
O julgamento da matéria de facto, pela sentença recorrida, assenta, como se indica a propósito de cada facto julgado provado, nas informações e ofícios da Administração Tributária juntos aos autos.
O Recorrente especificou os factos que pretende sejam julgados não provados, mas, perante as abundantes informações e ofícios da Administração Tributária, constantes do processo, nos quais se baseia a decisão da matéria de facto, não especificou quais desses documentos contêm informação não fidedigna. Não impugnou, designadamente, a informação (constante de fls. 108) da Direcção de Finanças de Lisboa, Serviço de Apoio às Comissões de Revisão, cujo teor é reproduzido no ofício de que consta cópia a fls. 107, do Serviço de Finanças de Lisboa 8 à Direcção de Serviços Jurídicos e Contencioso, no qual assenta a prova dos factos plasmados em 1 e 2 do probatório da sentença, que pretende sejam julgados não provados.
Quanto a ter apresentado declaração de substituição é facto que não se articularia com o considerado provado em 1. Como pode não ter apresentado qualquer declaração e, depois, apresentar declaração de substituição? Mas no probatório da sentença recorrida não se faz referência a tal facto, como provado ou não provado.
Assim sendo, improcedem as conclusões do Recurso relativas ao julgamento da matéria de facto [conclusões b) a f)].

Quanto à questão de saber se a declaração de rendimentos para efeito de IRS, apresentada na sequência de notificação nos termos do art. 65º, nº 3, do CIRS (em vigor à data dos factos) determina que tal declaração seja considerada no apuramento do rendimento colectável

Dispunha o art. 65º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na redacção em vigor à data dos factos, com a epígrafe Bases para o apuramento, fixação ou alteração dos rendimentos

1 - O rendimento colectável de IRS apura-se de harmonia com as regras estabelecidas nas secções precedentes e com as regras relativas a benefícios fiscais a que os sujeitos passivos tenham direito, com base na declaração anual de rendimentos apresentada em prazo legal e noutros elementos de que a Direcção-Geral dos Impostos disponha.
2 - A Direcção-Geral dos Impostos procede à fixação do conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação quando:
a)Ocorra alguma das situações ou factos previstos nos artigos 29.º, nº 4, 39.º ou 52.º ;
b) Não tenha sido apresentada a declaração prevista no artigo 57º, quando o deva ser.
3 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, o sujeito passivo é previamente notificado para, no prazo de 15 dias, apresentar a declaração em falta, sem prejuízo das sansões aplicáveis.
(…)
No citado artigo 65º do CIRS prevê-se que o apuramento da matéria colectável, para efeito de IRS, é, normalmente, feito com base na declaração anual de rendimentos apresentada em prazo legal e noutros elementos de que a Direcção-Geral dos Impostos disponha, prevendo-se, no nº 2, alíneas a) e b), as situações em que a Direcção Geral dos Impostos procede à fixação da matéria colectável.

A alínea a) refere-se às situações previstas nos artigos 29º, nº 4, 39º ou 52º do CIRS, ou seja, no caso de afectação de bens do património particular do contribuinte à sua actividade empresarial ou de transferência de bens afectos à actividade empresarial ou profissional do contribuinte para o seu património particular, quando se considere que o valor de mercado atribuído é inferior ao real; no caso de se verificarem os pressupostos de aplicação de métodos indirectos, e no caso de transmissão de valores mobiliários com valor declarado discrepante do valor real da transmissão.

Na alínea b) prevê-se a fixação da matéria colectável quando não tenha sido apresentada a declaração prevista no artigo 57º (declaração anual de rendimentos) quando o deva ser.

Relativamente à situação prevista na alínea b) do nº 2 (falta de apresentação da declaração anual), previa-se, no nº 3, em vigor até à publicação da Lei nº 53-A/2006, de 29-12, que, sem prejuízo das sansões aplicáveis, o sujeito passivo fosse previamente notificado para, no prazo de 15 dias, apresentar a declaração em falta.

É este o caso dos autos. Como alega o Recorrente, e foi julgado provado pela sentença recorrida, o Recorrente foi notificado, por ofício datado de 6 de Dezembro de 2004, para, ao abrigo do disposto no nº 3 do art- 65º do CIRS, apresentar, em 15 dias, contados do terceiro dia posterior ao do registo, as declarações de rendimentos dos anos de 2000, 2001, 2002 e 2003 e apresentou, em 30 de Dezembro de 2004, a declaração relativa ao ano de 2000.
A Administração Tributária, invocando ter constatado a existência de uma declaração oficiosa elaborada em 6 de Setembro de 2004, não procedeu à recolha da referida declaração que arquivou, só tendo enviado ao ora Recorrente a “demonstração de liquidação” relativa a 2004, efectuada com base na referida declaração oficiosa, em 8 de Agosto de 2005.
Embora tendo julgado provado que o ora Recorrente foi notificado nos termos e para os efeitos do art. 65º, nº 3, do CIRS, para proceder à entrega, em 15 dias, da declaração de rendimentos relativa ao ano de 2000, decidiu a sentença recorrida no sentido defendido pela Administração Tributária de que, existindo, já, uma declaração oficiosa, quando foi apresentada a declaração de rendimentos, como, igualmente, julgou provado, não existe, para a Administração Tributária, a obrigação de ter em consideração no apuramento da matéria colectável do ora Recorrente a declaração apresentada em cumprimento da notificação.
E, assim decidindo, indeferiu a sentença recorrida o pedido de intimação formulado pelo ora Recorrente.
Ao assim decidir, violou a sentença recorrida o disposto no nº 3 do art. 65º do CIRC, que não deixa dúvidas ao prever que, no caso de omissão da apresentação da declaração de rendimentos para efeito de IRS, que seja devida, o sujeito passivo seja previamente notificado para, no prazo de 15 dias, apresentar a declaração em falta. Que utilidade teria este preceito se não existisse o dever da Administração Tributária ter em consideração, no apuramento da matéria colectável, o conteúdo da declaração? Evidentemente, que não estará a AT vinculada a aceitar todo o conteúdo da declaração. Haverá, claro está, a possibilidade de proceder a correcções, se devidas, nos termos do nº 4 do mesmo artigo 65º do CIRS. Mas o que não se pode é ignorar a declaração, em si.
Isto é, independentemente de existir, já, ou não, uma declaração oficiosa de rendimentos, ainda que esteja em curso, ou tenha terminado, um procedimento de revisão do rendimento fixado, não existindo, ainda, liquidação, sempre terá de produzir efeitos a declaração apresentada na sequência da notificação prevista no art. 65º, nº 2, do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos.
Violou, pois, a sentença recorrida o disposto no nº 3 do art. 65º do CIRS e, assim sendo, deve ser revogada, deferindo-se o requerimento de intimação da Entidade Requerida a proceder ao tratamento da declaração de rendimentos do ora Recorrente, para efeito de IRS do ano de 2000, apresentada em 30 de Dezembro de 20014, com a consequente liquidação e notificação, tudo nos termos do art. 147º, nºs. 4 e 5 do CPPT.

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Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo em, concedendo provimento ao Recurso, revogar a sentença recorrida e intimar o Director Geral dos Impostos a, no prazo de 120 dias, emitir liquidação de IRS do ano de 2000, relativa ao Recorrente, tendo, para tanto, em consideração, a declaração de rendimentos apresentada em 30 de Dezembro de 2004, e procedendo à respectiva notificação.
Custas pela Entidade Recorrida.

5 de Fevereiro de 2015


Cremilde Abreu Miranda

Joaquim Condesso

Catarina Almeida e Sousa (voto a decisão)