Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 124/17.5BCLSB |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 03/22/2018 |
Relator: | JORGE CORTÊS |
Descritores: | DECISÃO ARBITRAL INTERLOCUTÓRIA INIMPUGNABILIDADE |
Sumário: | i) A decisão interlocutória que julga improcedente a extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral faz caso julgado formal, mas não forma caso julgado material, pelo que apenas pode ser impugnada através da impugnação da decisão que conheça do fundo da causa. ii) Nada impede que na impugnação da decisão arbitral que conheça do mérito da causa sejam conhecidos os vícios assacados à decisão interlocutória que julgou improcedente a excepção da caducidade da acção. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | I- Relatório
Autoridade Tributária e Aduaneira vem deduzir a presente impugnação contra a decisão interlocutória proferida no Processo arbitral n.º 724/2016-T,[CAAD] instaurado por “..., S.A.”, que julgou improcedente a excepção de caducidade do direito de acção, invocada em sede de resposta ao pedido de pronúncia arbitral. A impugnante termina as alegações de impugnação, formulando as conclusões seguintes: X A fls. 89/119, a impugnada apresentou pronúncia, na qual pugna pela improcedência da impugnação e pela manutenção da decisão impugnada. Formula as conclusões seguintes: X O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado nos termos e para os efeitos do disposto no nº1 do artigo 146º do CPTA, nada disse. X Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão. X II- Fundamentação 1.De Facto. A decisão impugnada julgou provada a seguinte matéria de facto: 1- Na sua resposta, a AT alegou que, sendo o pedido da Requerente a anulação de uma liquidação adicional de IRC e a dos correspondentes juros compensatórios, cujo prazo para pagamento voluntário terminara em 19-01-2016, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral (apresentado em 6 de dezembro de 2016) é intempestivo, atento o disposto no artigo 102º, nº l, al. a) do CPPT, aplicável por força do disposto no art.º 10º, nº l, do RJAT, pelo que o direito à ação teria caducado. 2- A Requerente respondeu a esta exceção alegando ter apresentado reclamação graciosa de tais liquidações em 09 de maio de 2016, a qual foi expressamente indeferida em 06 de setembro de 2016. 3- Notificada para se pronunciar, a AT aceitou a existência de tal reclamação graciosa, bem como as datas da sua apresentação e indeferimento expresso indicadas pela Requerente, juntando aos autos a pertinente documentação. X 2. De Direito. 2.2.1. Nos presentes autos vem impugnado o despacho do tribunal arbitral que julgou improcedente a excepção da caducidade da acção, relativamente ao pedido de pronúncia arbitral, consistente na «declaração de ilegalidade integral dos actos de liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios, respeitantes ao exercício de 2011, cujo termo do prazo de pagamento voluntário ocorreu em 18.01.2016». 2.2.2. A presente pretensão anulatória centra-se sobre os alegados vícios de (i) oposição dos fundamentos com a decisão e (ii) omissão de pronúncia, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT. Nos presentes autos, vem impugnado o despacho do tribunal arbitral que julgou improcedente a excepção da caducidade da acção, invocada pela ora impugnante, na resposta ao pedido de pronúncia arbitral. Para justificar a impugnabilidade do despacho em crise, a impugnante alega nos termos seguintes: 1) Do artigo 142º, nº 5 do CPTA e do artigo 644º, nº l, alínea b) do CPC, resulta que são impugnáveis por meio de recurso imediato os despachos saneadores que conheçam de excepção peremptória; 2) É pacífico o entendimento no sentido de que no contencioso tributário a caducidade do direito de acção tem natureza de excepção peremptória. Por seu turno, a impugnada defende a irrecorribilidade da decisão questionada. Vejamos. 2.2.3. A norma de referência para aferir da impugnabilidade da decisão em liça é a que consta do artigo 27.º do RJAT (“Impugnação da decisão arbitral”), o qual dispõe: «1. A decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, devendo o respectivo pedido de impugnação, acompanhado de cópia do processo arbitral, ser deduzido no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão arbitral ou da notificação prevista no artigo 23.º, no caso de decisão arbitral emitida por tribunal colectivo cuja intervenção tenha sido requerida nos termos da alínea b), do n.º 2 do artigo 6.º. 2. Ao pedido de impugnação da decisão arbitral é aplicável com as necessárias adaptações, o regime do recurso de apelação definido no Código do Processo dos Tribunais Administrativos». Estatui o artigo 142.º, n.º 5, do CPTA, que: «As decisões proferidas em despacho interlocutório podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, excepto nos casos em que é admitida apelação autónoma nos termos da lei processual civil». O artigo 644.º, do CPC (“Apelações autónomas”) estabelece que cabe recurso de apelação da «decisão, proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa» e do «despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos» (n.º 1). O n.º 3 do preceito dispõe que as «restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1». A este propósito, afirma-se que «o despacho saneador incide sobre o mérito da causa quando nele se julga procedente ou improcedente algum ou alguns dos pedidos relativamente a todos ou algum dos interessados; outrossim, quando, independentemente da solução dada da posterior evolução processual, nele se apreciem, no sentido da procedência ou da sua improcedência, exceções peremptórias, como a caducidade, a prescrição, a compensação, a nulidade ou a anulabilidade. Em qualquer dos casos, ainda que o despacho saneador não determine a extinção total da instância, prosseguindo esta para apreciação de outras questões, está sujeito a recurso imediato»[1]. Sem embargo, a solução preconizada não se aplica ao caso em exame, pelas razões que se enunciam de imediato: iii) A remissão para o regime do recurso de apelação, tal como este resulta das normas pertinentes do CPTA, é feita com a ressalva das “necessárias adaptações” (V. artigo 27.º/2, do RJAT). iv) A extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral não implica a preclusão do direito de impugnação administrativa ou contenciosa do acto tributário (artigos 13.º, n.º 4, in fine, e 24.º, n.º 3, do RJAT[2]). v) Constitui jurisprudência assente a de que, «[n]os termos do disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT, só as decisões arbitrais que conheçam de mérito são susceptíveis de recurso para o STA, quando estejam em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido por algum dos Tribunais Centrais Administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»[3]. vi) A decisão interlocutória que julgou improcedente a extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral faz caso julgado formal[4], mas não forma caso julgado material, pelo que pode ser impugnada através da impugnação da decisão que conheça do fundo da causa[5]. Ou seja, nada impede que na impugnação da decisão arbitral que conheça do mérito da causa sejam conhecidos os vícios assacados à decisão interlocutória que julgou improcedente a excepção da caducidade da acção. Como se consigna nos preceitos dos artigos 644.º/3[6], do CPC e 142.º/5, do CPTA[7], «as decisões interlocutórias podem ser impugnadas [na impugnação] interposta da decisão final». Em face do exposto, impõe-se concluir no sentido da não impugnabilidade da decisão objecto da presente impugnação, o que determina a rejeição da mesma. Termos em que se procederá no dispositivo. 2.2.4. No que respeita à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP. Nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento»[8]. «A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes»[9]. Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, «[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for». No caso em exame, o valor da causa corresponde a €3.663.018,11. Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que: «[o] direito fundamental de acesso aos Tribunais, que o artº.20, nº.1, da C.R.P., previne, comporta, numa das suas ópticas, a necessidade de os encargos fixados na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio. Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor), patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14]. No caso em exame, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, em particular da ora requerente, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual. Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de deferir a dispensa do pagamento da taxa de justiça na conta final. Pelo exposto, impõe-se deferir a dispensa de pagamento da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP, para ambas partes.
Dispositivo Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em rejeitar, por inimpugnabilidade da decisão, a presente impugnação relativa ao despacho do tribunal arbitral que julgou improcedente a excepção da caducidade da acção, relativamente ao pedido de pronúncia arbitral, consistente na declaração de ilegalidade integral dos actos de liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios, respeitantes ao exercício de 2011, cujo termo do prazo de pagamento voluntário ocorreu em 18.01.2016.
Custas pela impugnante, com dispensa de pagamento da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP, para ambas partes. Registe. Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)
(1ª. Adjunta – Cristina Flora)
(2ª Adjunta – Ana Pinhol) [1] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2016, 3.ª Edição, p. 169. [2] V. Jorge Lopes de Sousa, “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem”, in Guia da Arbitragem, Coordenação Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, Almedina, 2013, p. 179. [3] Acórdão do STA (Pleno da Secção de Contencioso Tributário), de 16.03.2016, P. 0275/15. No mesmo sentido, V. Acórdão do STA, de 16.11.2016, P. 0650/16. [4] Artigo 620.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 29.º/1/e), do RJAT. [5] Nuno Andrade Pissarra, Breves Notas sobre os artigos 678.º, 691.º, 721.º e 721.º-A, do CPC, in “O Direito”, 144º, 2012, II, pp. 259 a 315, máxime, pp. 266/268. [6] Ex vi artigo 29.º/1/e), do RJAT. [7] Ex vi artigo 29.º/1/c), do RJAT. [8] Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236. [9] Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236. |