Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:92/18.6BELLE-A
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2019
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:ALOJAMENTO LOCAL
REGISTO
ALVARÁ DE UTILIZAÇÃO
Sumário:
I. O alojamento local é uma actividade de prestação de serviços.
II. O legislador não impõe que essa actividade tenha de ser exercida em edifícios ou fracções autónomas que tenham autorização de utilização específica para a instalação de serviços.
III. O que se exige é que o edifício ou fracção autónoma tenha autorização de utilização válida.
IV. A realização de obras com vista à adaptação do edifício a novo uso, importa a alteração do respectivo alvará de autorização de utilização, ainda que a realização de tais obras não esteja sujeita a controlo prévio.
V. Não preenche o requisito relativo ao fumus boni iuris previsto no art. 120.º, n.º 1º CPTA, o pedido de suspensão de eficácia do despacho que indeferiu a realização do registo do alojamento local por o alvará de autorização de utilização existente não ter sido alterado na sequência das obras realizadas.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
*
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul.

J……… e a sociedade O…….., Lda., vêm interpor recurso da sentença datada de 28/05/2018, que julgou improcedente o pedido de decretamento das seguintes providências:

-decretamento de suspensão de eficácia do despacho datado de 6 de Novembro de 2017, do Presidente da Câmara Municipal de Lagoa, que indeferiu a realização do registo no regime de alojamento local, do estabelecimento denominado “C………”, que dizem explorar;

-intimação do Município Requerido a “inscrever provisoriamente o referido estabelecimento no registo nacional do alojamento local, inserindo para o efeito, no local próprio destinado a inscrever o título de ocupação ou utilização do imóvel, o Alvará de Licença n.º … datado de 22 de Maio de 1984 e atribuindo-lhe o número de registo que lhe corresponder”;
-“que, nos termos do art. 112.2.d) CPTA, seja autorizada a segunda requerente a prosseguir provisoriamente a exploração do mesmo estabelecimento, tal como o tem vindo a fazer até ao presente, enquanto não transitar em julgado a sentença do processo principal.”

Apresentaram as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso:

“A A sentença recorrida não cumpriu o determinado pelo art. 94.3 CPTA e não discriminou separadamente os factos julgados provados e os julgados não provados, limitando-se a escolher de entre os factos alegados ou constantes dos documentos juntos aos autos os que interessavam para justificar a decisão. O vício é evidente e o processo deve baixar à primeira instância a fim de a sentença ser reformulada em conformidade.
B. A recusa da produção da prova oferecida pelas partes em processo cautelar, nos termos do art. 118.5 não é o exercício de um poder discricionário e carece de ser fundamentada, devendo o juiz especificar se recusa a produção, no caso dos autos, da prova testemunhal, porque considera que cs factos sobre que tría recair são irrelevantes, ou porque os considera assentes ou porque considera que a produção da prova testemunhal é um acto meramente dilatório. Razão porque o processo deve baixar à primeira instância para o juiz fundamentar a sua decisão ou mandar produzir a prova requerida.

C. As alterações ao edifício realizadas em 1983, que deram origem ao alvará de licença de utilização para habitação ou ocupação n.º …, de 22 de Maio de 1984, não dizem respeito à instalação de um restaurante, mas às obras realizadas no edifício para tornar possível a instalação de um restaurante. O alvará de habitação e ocupação tem natureza urbanística e não natureza económica. Daí que o alvará se limite a atestar que "a referida casa foi vistoriada em 29 de Julho de 1983 e declarada em perfeito estado de utilização", sem qualquer referência ao uso especifico económico a que se destina.

D. As obras feitas no edifício em 2011 foram executadas quando estava em vigor a versão do RJUE decorrente do Decreto-Lei n.º 26/2010 de 30 de Março, alterado, por apreciação parlamentar, pela Lei n.° 28/2010, de 2 de Setembro, pelo que o regime jurídico que rege a autorização de utilização na sequência da cessação de exploração do restaurante e da transformação do espaço por ele ocupado em quatro quartos destinados a alojamento local é o do Decreto Lei n.° 26/2010 e não o RJUE, na sua formulação actual, emergente do Decreto-Lei n.º 136/2014 de 9 de Setembro.

E. Na versão do art. 62 do RJUE introduzida pelo Decreto-lei n.º 26/2010 não estava prevista a autorização de utilização para a hipótese da realização de obras no edificado não dependentes de controlo prévio, como as executadas pelos Requerentes no rés-do-chão do seu prédio, que deram ungem à construção de quatro novos quartos no lugar onde Unha existido o restaurante.

F Nos termos do art. 11.1 do Decreto-Lei n.° 136/2014, as alterações por ele introduzidas no RJUE só se aplicam aos procedimentos que se iniciaram após a sua entrada em vigor, verificada em 07.01.2015.

G O art. 60.1 RJUE, diz que “as edificações construídas ao abrigo do direito anterior e as utilizações respectivas não são afectadas por normas legais e regulamentares supervenientes",

H Pelo que se conclui que, se o edifício não estava sujeito a nova autorização de utilização por força das obras realizadas em 2011, por essas obras não estarem sujeitas a controlo prévio, elas não passam a ficar sujeitas a autorização de utilização por efeito da entrada em vigor das alterações introduzidas no RJUE pelo Decreto-Lei n.º 136/2014 de 9 de Setembro


I A autorização de utilização tem como referência uma unidade funcional que corresponde ao edifício ou, no mínimo, a uma fracção autónoma do mesmo, pelo que a autorização de utilização titulada pelo alvará n.° … de 22 de Maio de 1984 respeita a todo o prédio do Requerente e não apenas a parte dele e o alvará aplica-se a todo o edifício, nos precisos termos em que foi emitido.

J. A autorização de utilização pode contemplar utilizações mistas, sendo uma delas a habitação c outra uma utilização não específica que foi designada por “ocupação". Esta designação comporta toda a utilização genérica, para a qual não seja legalmente exigível uma autorização para uma utilização específica. Pende comportar uma utilização para restaurante ou, simultaneamente uma utilização para ambas as finalidades ou ainda a utilização de todo 0 edifício para fins habitacionais.

K. A sentença fez errada aplicação do direito ao não considerar provável que, a partir dos factos indiciária e provisoriamente provados nos autos, os Requerentes da providência cautelar para suspensão da eficácia do acto do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lagoa que indeferiu o registo do estabelecimento de alojamento local com fundamento na inexistência de autorização válida de utilização do edifício, tenham direito à anulação desse acto, por o mesmo ser inválido por violação da lei.

L. Pelos motivos expostos a sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, as constantes dos artigos 94,3 e 118.5 do CPTA, os artigos nºs 4.5, 60.1 e 62.2 do RGEU, este, quer na versão do Decreto-Lei nº 26/2010, quer na versão do Decreto-lei n º 137/2014.

Termos em que deve ao presente recurso ser dado provimento e a sentença recorrida ser mandada baixar à primeira instância para que seja dado cumprimento aos artigos 94.3 e 118.5 do CPTA ou, assim não entendendo, seja a mesma revogada e substituída por outra que julgue procedente o pedido de adopção de providência cautelar constante do requerimento inicial.”

O Município Recorrido apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso:
1- O Município de Lagoa, Recorrido no âmbito do processo à margem devidamente identificado, notificado do recurso interposto pelos Recorrentes J…… e O…… e T…… Lda., veio, por este meio, apresentar as suas contra-alegações e conclusões, uma vez que

2- os Recorrentes, inconformados com a aliás douta decisão proferida nos autos, deram entrada de recurso.

3- Em sede de recurso, alegam os Recorrentes

a) verificação de “manifesto erro de julgamento” e, “errada aplicação do direito processual",

b) incorrecta interpretação / aplicação do disposto no n°. 3 do artigo 93° do CPTA.;

c) violação do disposto no n°. 3, do artigo 118° do supra citado diploma legal:

d) incorrecta interpretação do n°. 2, alínea d), do artigo 644° do Código de Processo Civil;

e) incorrecta integração do disposto nos artigos 114° a 117° do CPTA;

f) incorrecta interpretação do disposto nos artigos 1°, n°.1 e 2 e 17° , do Decreto-Lei n0.: 166/70, de 15 de Abril e,

g) incorrecta avaliação do disposto nos artigos 8o, 61°, n°.1 e 62° do RJUE.

4- Ora, antes de mais, salienta-se que nenhuma censura merece a douta decisão proferida e, nenhuma razão têm os Recorrentes.
5-As afirmações supra resultam do facto de inexistir violação ao disposto no artigo 93.º do CPTA, mostrando-se discriminados os factos relevantes.
6-Mostram-se, também, analisadas criticamente as provas e, bem assim, resulta bem interpretado e aplicado o direito.
7-O que acontece é a desconformidade ou a inconformidade dos Recorrentes relativamente ao decidido e não à forma do decidido. Queriam os Recorrentes obter um outro resultado - facto que fundamenta a interposição do presente recurso.
8-Recolheu o Tribunal todos os elementos apresentados pelas partes e decidiu com respeito pela lei processual e em função do alegado.
9-A desnecessidade da audição das testemunhas mostra-se devidamente fundamentada e não configura a prática de acto discricionário.
10-Na mesma linha nenhuma razão assiste aos Recorrentes quanto à ausência de resposta, a alegada “expressão que sugere alguma nota negativa, de censura ou, no minino, de estranheza pela conduta dos Requerentes..." -fazemos referência à afirmação “Os Autores, notificados da oposição, nada disseram ora, esta é a constatação de um facto.

11- Efectivamente os Requerentes, aqui Recorrentes, nada disseram quando notificados da oposição. Nada disseram e, não é certo que não pudessem dizer, note-se que é de admitir resposta do Requerente às excepções susceptíveis de conduzir à absolvição da instância.

12- De salientar, ainda, que, em sede de recurso, vem o Recorrente apresentar ‘argumentos1’ / “fundamentos” que não resultam da leitura da peça que dá origem aos presentes autos. Argumentos esses que obviamente não podem agora relevar.

13- Inexiste nenhuma das violações propostas.

14- Mostra-se correctamente interpretada e aplicada a Lei e,

15- por ser justa, adequada e conforme deve a decisão proferida ser mantida, com todas as consequências legais.”.


O Digníssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.° 146.° do CPTA, emitiu douto parecer em que conclui no sentido da improcedência do recurso.

Objecto do recurso.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º, nº 2, e 146º, nº 4, do CPTA e dos artigos 5º, 608º, nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi art.º 140º do CPTA.

Há, assim, que decidir, perante o alegado nas conclusões das alegações de recurso:

- se o Tribunal a quo errou ao não ter produzido a prova testemunhal oferecida;

- se a não indicação, na sentença recorrida, dos factos não provados importa a sua devolução à “primeira instância a fim de a sentença ser reformulada em conformidade”;

- se o Tribunal a quo errou ao ter declarado a improcedência do pedido, por não ter considerado provável que a pretensão anulatória deduzida na acção principal venha a ser considerada procedente.


O processo vai à Conferência para julgamento, sem vistos das Exmas. Juízas-Adjuntas, por se tratar de um processo urgente.

FUNDAMENTAÇÃO

De facto.

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:
A) O Requerente, J……... é dono do prédio urbano, inscrito na matriz predial da União de Freguesias de Lagoa e Carvoeiro, concelho de Lagoa, sob o artigo urbano …. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa com o número 42…, sito em P….., C….., Lagoa (cfr doc nº 1 do requerimento inicial);
B) Em 19 de Março de 1982, o Requerente, J……… dirigiu ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lagoa, requerimento no qual se pode ler o seguinte: “J…….., casado, proprietário, residente na “C…. S. J….”, P……, Lagoa, pretendendo transformar a sua residência, com utilização do rés-do-chão como Restaurante e o 1º andar como habitação, segundo o projecto que junta, vem requerer da Câmara Municipal da Vossa mui digna presidência a aprovação do respectivo projecto e solicitar lhe seja mandada passar licença para obras pelo prazo de cento e oitenta dias” (cfr doc nº 4 do requerimento inicial);
C) No projecto que acompanhava o requerimento referido em B) pode-se ler o seguinte:

“Texto integral com imagem”

- doc. n.º 4 junto com o r.i.;
D) Em 29 de Julho de 1983, a Câmara Municipal de Lagoa emitiu um “AUTO DE VISTORIA”, no âmbito de “vistoria para habitação ou para ocupação de edificação nova, reconstruída, ampliada ou alterada”, em nome do Requerente J…….., para “efeitos de concessão de licença de “habitação e ocupação”, no qual se pode ler o seguinte:
“(…)1.º O edifício vistoriado cuja construção se realizou a coberto da licença municipal inicial n.º …., de 3/5/1983 (…) tem condições de habitação e ocupação e está de acordo com o projecto aprovado. (…)” (cfr doc nº 5 do requerimento inicial);
E) Em 22 de Maio de 1984, a Câmara Municipal de Lagoa emitiu o Alvará de Licença de Utilização ou Ocupação nº … (cfr doc nº 6 do requerimento inicial);
F) Em finais de 2011, o Requerente, J……… levou a efeito obras no interior do edifício, transformando o espaço antes ocupado pelo restaurante em quatro quartos adicionais (por acordo);
G) Em 26 de Novembro de 2014, o Requerente, J……. apresentou ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lagoa um requerimento, do qual se extrai o seguinte:
“(…)
Requer registo de um estabelecimento de alojamento local com as seguintes características:
Nome: C……..;
Localização: Rua do C……….., …/…;
Tipo: Estabelecimento de hospedagem;
Capacidade máxima: 26 (vinte e seis);
Número de quartos: 12; (…)” - (cfr doc nº 7 do requerimento inicial);

H) Em 28 de Dezembro de 2014, o Requerente, J………. requereu junto do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lagoa a “alteração de actividade da titular da exploração titular do estabelecimento de alojamento local denominado “C…….” (cfr fls 63-211 do Processo principal nº 92/18.º BELLE de que estes autos dependem);
I) No ofício de 2 de Outubro de 2017, do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lagoa dirigido ao Requerente, J.......... era referido designadamente o seguinte:
“Assunto:
Registo Alojamento Local - Local da Obra - Rua C……. - …/… em União das freguesias de Lagoa e Carvoeiro, de – J………..
Nos termos do Artº 121º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo e reportando-me ao processo em referência, 29/11/2016, notifico V. Exas. no sentido de que deverá pronunciar-se no prazo de 10 (dez) dias, sobre as questões atinentes ao objeto do procedimento em causa, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos, se assim o entender conveniente, considerando que esta Câmara Municipal pretende praticar o respetivo ato definitivo e executório, em momento posterior, tendo em conta os fundamentos de facto e de direito constantes do parecer técnico nº ….., de 26/09/2017; emitido pela Assessoria jurídica Urbanismo e Contratos Públicos, de que se junta fotocópia.
Mais, notifico V. Exa que regularizando as situações dispõe da possibilidade de, à luz do previsto nos artigos 5,º e 6.º do Decreto-lei n,º 128/2014, de 29/08, efetuar registo do estabelecimento através de mera comunicação prévia no Balcão único Eletrónico, de acordo com o ponto 9 do aludido parecer. (…) – doc.n.º 8 junto com o r.i.;

J) Em anexo ao ofício referido em I), foi junto o Parecer Jurídico nº ….., dos serviços da Entidade Requerida, de onde se extrai o seguinte excerto:

“Analisado o assunto por determinação superior, despacho do Senhor Presidente da Câmara, cumpre, relativamente ao assunto, emitir o seguinte parecer,
1. O processo de registo de alojamento local à margem identificado teve início com requerimento apresentado pelo Sr. J.......... em 28/11/2014, ou seja, um dia antes da entrada era vigor do Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29/08, pelo que foi instruído com os documentos exigíveis à data - melhor enunciados no nº 2 do artigo 3.a da Portaria n.º 517/2068, de 25/06,

2. Nos termos da norma antes referida, o titular do pedido de registo apresentou; a) Documento comprovativo da legitimidade; b) Termos de responsabilidade subscritos por técnico habilitado relativamente à conformidade das instalações elétricas e de termoacumulador; Caderneta predial urbana,

3. De igual modo, verifica-se, em 29/12/2014, invocando o disposto no n.º 4 do artigo 33,º do Decreto-Lei nº 128/2014, de 29/08, o titular da exploração do estabelecimento providenciou junção aos autos de cópia simples de declaração de alteração de atividade que identifica a O……….., Lda, contemplando o CAE: ….. - Alojamento mobilado para turistas, e de onde consta indicação expressa de que a validade do documento está dependente de o mesmo se encontrar acompanhado pela carta enviada pela Autoridade Tributária contendo a identificação da sua Declaração de Alteração de Atividade, o que não ocorre,

4. Sendo que com o intuito de dar cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 33º do Decreto-Lei 128/2014, de 29/08, ou seja, proceder a inserção no Balcão Único Eletrônico dos dados relativos ao estabelecimento, foi suscitada peto Município de Lagoa a necessidade de esclarecimentos adicionais, a que o requerente, pese embora a comunicação dirigida ao Sr. Presidente da Câmara era 29/11/2016, não dá resposta.
5. Na verdade, o título de utilização atribuído ao prédio (Alvará de licença de Habitação/Ocupação n,º …, de 22/05/1984) prevê utilização do rés-do-chão como restaurante e do primeiro andar como habitação, sendo que o requerente, admitindo realização de obras no edifício e apresentando planta em que é visível, nomeadamente, a transformação do primeiro piso, não assumiu o procedimento identificado no artigo 62.º e seguintes do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei 555/99, de 16/12, na redação era vigor, ou seja, não requereu alteração de utilização ou de aso para o prédio era causa.

6. De igual modo, verifica-se, o Sr, J………, identificando-se como entidade exploradora do alojamento local não apresentou declaração de início da actividade que se propôs exercer em seu nome, tão pouco solicitou alteração da entidade exploradora visando a pessoa colectiva identificada no comprovativo de entrega da declaração de alteração de atividade, cuja junção aos autos pediu em 29/12/2014.
7. Pelo exposto, constata-se, o processo não reúne os pressupostos necessários para registo do estabelecimento de alojamento local a que o requerente faz menção e, consequentemente para que, por ação exclusiva do Município de Lagoa, seja disponibilizado o número de registo que habilita à sua exploração»
8. Nesta conformidade, após realização de audiência prévia nos termos do previsto no artigo 121.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pefsr Decreto-Lei n.s 4/2015, de 7/01, propõe-se indeferimento do pedido.
9. Propõe-se igualmente seja o requerente informado de que, regularizando as situações antes descritas, dispõe da possibilidade de, à luz do previsto nos artigos 5º e 6,º do Decreto-Lei nº 128/2014, de 29/08, efetuar registo do estabelecimento através de mera comunicação prévia no Balcão Único Eletrónico.”
- doc. n.º 9 do r.i.;

K) Pelo ofício de 14 de Novembro de 2017, o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lagoa comunicou ao Requerente, J.......... que, por despacho datado de 06/11/2017, indeferiu o pedido de registo do alojamento local, “com base no parecer jurídico n.º ….., de 03/11/2017 – doc. n.º 10, junto com o r.i.;
L) O ofício referido em K) foi acompanhado do Parecer Jurídico nº …., dos serviços da Entidade Requerida, do qual se extrai o seguinte:
“(…) De acordo com o despacho do Senhor Presidente da Câmara, de 19/10/2017, exarado na exposição registada sob o n.º ….. que consubstancia audiência prévia à proposta de decisão que integra parecer emitido relativamente ao assunto em 26/09/2017, cumpra expender o seguinte:
1. A Portaria n.® 517/2008, de 25/06, seguindo o entendimento que persiste até à presente data, no preâmbulo, identifica como estabelecimentos de alojamento local as moradias, apartamentos e estabelecimentos de hospedagem que, dispondo de autorização de utilização, prestem serviços de alojamento temporário, mediante remuneração, mas não reunam os requisitos para serem considerados empreendimentos turísticos,
2. De igual modo, o nº 1 do artigo 3,º da referida Portaria, estipulava que "Com exceção dos estabelecimentos instalados em imóveis construídos em momento anterior à entrada ou vigor do Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951, o registo de estabelecimentos de alojamento local pressupõe a existência de autorização de utilização ou de título de utilização válido do imóvel, cuja verificação cabe à câmara municipal da respetiva área”.

3. No mesmo sentido, e no que concerne ao procedimento de registo de alojamentos locais, prevê a alínea a) d n.º 1 do artigo do Decreto-Lei n.º 128/2914, de 29/08, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 63/2015, de 23/04, que "Da mera comunicação prévia dirigida ao Presidente da Câmara Municipal devera obrigatoriamente constar …A autorização de utilização ou título de utilização válido do imóvel".
4. Sendo que, atento o conceito de alojamento local e a natureza da vistoria a que alude o artigo 8,º do Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29/08, destinada a "verificação do cumprimento dos requisitos estabelecidos no artigo 6.º, entende-se, a validade da licença pressupõe observância do estipulado no n.º 5 do artigo 4,º e no artigo 62.º do Regime jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16/12, na redação em vigor, onde se prevê que "Está sujeita a autorização a utilização dos edifícios ou suas frações, bem como as alterações da utilização dos mesmos", no âmbito do que, mesmo que não haja realização de obras sujeitas a controlo prévio, se afere da conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis, verificando a idoneidade do edifício para o fim pretendido.

5. Com efeito, e a propósito do antes expendido, a alínea d) do nº 1 do artigo 98.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação em vigor, tipifica como contraordenação "A ocupação de edifícios ou suas frações autónomas sem autorização de utilização ou em desacordo com o uso fixado no respetivo alvará ou comunicação- prévia”.

6. Nesta conformidade, e tendo presente que o título de utilização do prédio foi emitido prevendo utilização como restaurante para área que nas plantas ora apresentadas o interessado destina a habitação, sem que haja requerido alteração de utilização ou de uso correspondente, propõe-se indeferimento do pedido de registo de alojamento local nos moldes em que foi formulado.”

(cfr doc nº 11 do requerimento inicial).

*
Direito
Da dispensa de produção de prova.
Defendem os Recorrentes que o Tribunal não podia ter dispensado a produção da prova testemunhal por eles oferecida e, em todo o caso, deveria ter fundamentado tal recusa, devendo os autos baixar à primeira instância a fim da Mmª Juíza do Tribunal a quo fundamentar a sua decisão ou mandar produzir a prova por eles requerida.
Nos termos do art.º 118.º, n.º 1 do CPTA, só há lugar à produção de prova quando o juiz o considere necessário, estatuindo ainda o n.º 3 desse artigo que o “juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias, não sendo admissível a prova pericial.”.
Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios” – n.º 5 do art.º 118.º, do CPTA.

No caso, a Mmª Juíza do Tribunal a quo declarou que a prova documental que consta dos autos é suficiente para “apreciar perfunctoriamente” do mérito dos autos e que a dispensa de produção da prova oferecida, nomeadamente a testemunhal, não prejudica “a justa composição do litígio”, tendo invocado, para determinar tal dispensa, o disposto no n.º 3 do art.º 118.º do CPTA.
Isto é, foi considerado que a produção da prova testemunhal oferecida não era necessária para a decisão da causa, sendo bastante a prova documental que tinha sido junta aos autos.
Tal despacho contém as razões do decidido, embora de forma sumária, pelo que não sofre do erro que os Recorrentes lhe apontam, nem é causa de remessa dos autos à primeira instância.
Na sentença recorrida declarou-se a improcedência dos pedidos de decretamento das providências cautelares peticionadas, por se ter entendido que não se verifica o requisito relativo ao fumus boni iuris exigido no n.º 1 do art.º 120.º do CPTA.
Perante tal entendimento e uma vez que a falta do referido requisito é, por si só, motivo de improcedência do pedido, fica prejudicada a necessidade de proceder à prova dos factos demonstrativos do requisito relativo ao periculum in mora a que se referem os artigos 43.º, 44.º e 45.º do r.i., destinados a demonstrar a alegada perda de receitas decorrentes do encerramento do estabelecimento, os danos para a imagem do mesmo, bem assim como a (alegada) previsível necessidade de implementação de acções de promoção do estabelecimento no mercado, caso o despacho cuja suspensão de eficácia se requer vier a ser executado.
Contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, não estamos perante uma situação em que o Tribunal se tenha limitado a escolher factos para justificar a decisão que tomou, afastando outros factos relevantes para a decisão da causa.
Como se referiu na sentença e abaixo melhor se verá, trata-se antes de dispensar a produção de prova sobre factos desnecessários para decidir do mérito, o que, como já referido, cabe nos poderes da Mmª Juíza do Tribunal a quo.
*
Da não indicação dos factos não provados.
É certo que na sentença recorrida não se indicaram os factos que não foram tidos como provados (contrariamente ao estatuído no art.º 94.º, n.º 3 do CPTA), nem se deu qualquer justificação para tal omissão.
No entanto, tal irregularidade, que releva em sede de fundamentação do decidido (art. 205.º, n.º 1, da CRP e ainda o art.º 154.º, n.º 1, do CPC) e, por conseguinte, para efeitos de permitir aos ora Recorrentes compreender a sentença e, discordando dela, impugná-la através da interposição do respectivo recurso, não importa, no caso, a anulação da sentença, uma vez que não há factos controvertidos “não provados” que interessasse tomar em consideração para a sua elaboração.
Como se vê do teor da sentença, a pretensão dos Recorrentes improcedeu por falta do preenchimento do requisito relativo ao fumus boni iuris, sendo que, para tomar tal decisão, foi suficiente a consideração dos factos dados como provados, não tendo sido alegados quaisquer outros que pudessem ter sido tomados em consideração e que relevassem para o sentido da decisão tomada.
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Do erro de julgamento sobre o não preenchimento do requisito relativo ao fumus boni iuris.
Através do despacho cuja suspensão de eficácia é requerida, o Presidente da Câmara Municipal de Lagoa indeferiu o pedido de inscrição do estabelecimento de alojamento local que se encontra a funcionar no edifício propriedade do primeiro dos Requerentes.
Para tanto, entendeu-se que a autorização de utilização do edifício com que foi instruído o pedido de inscrição não era válida por ter sido emitida em 1984, após a realização de obras destinadas à instalação de um restaurante no rés-do-chão do edifício e por, em 2011, terem sido realizadas novas obras que transformaram essa parte do edifício em quatro quartos, pelo que se entendeu no referido despacho que os Recorrentes deveriam pedir uma alteração da autorização de utilização do edifício, a fim de se poder aferir da conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis e ainda da idoneidade do edifício para o fim pretendido.
A sentença recorrida não procedeu à suspensão de eficácia de tal despacho por ter entendido que o mesmo se mostra conforme com o n.º 5 do art.º 4.º e ao art.º 62.º, ambos do RJUE, que submetem as alterações de uso dos edifícios ou suas frações à sujeição ao procedimento de autorização de utilização, não se verificando, por isso, o requisito relativo ao fumus boni iuris.
Defendem os Recorrentes que a sentença recorrida errou, por o Município Recorrido ter efectuado a vistoria ao edifício em 1984, na sequência das obras ali realizadas em 1983 e ter concluído que o mesmo se encontrava em perfeito estado de utilização e ter procedido à emissão do respectivo alvará de licença de utilização para “habitação e ocupação”, o qual, dizem, é válido e deve ser aceite no âmbito do procedimento relativo ao registo do estabelecimento de alojamento local.
Entendem que as obras que levaram à transformação do local onde funcionava o restaurante em quatro quartos, não estavam sujeitas a controlo prévio, nos termos do art.º 6.º, n.º 1, al. b) do RJUE e que o art.º 62.º do RJUE, na redacção introduzida pelo DL n.º 26/2010 de 30 de Março, não impunha, em tal situação, a obtenção de nova autorização de utilização.
O alojamento local é tido como uma actividade de prestação de serviços – cfr. o n.º 1 do revogado art.º 3.º do DL n.º 39/2008, de 7 de Março Portaria e, actualmente, o art.º 2.º, n.º 1 do regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local, aprovado pelo DL n.º 128/2014, de 29 de Agosto.
Porém, como refere Fernanda Paula Oliveira e outras, em “Alojamento Local e Uso de Fração Autónoma”, Almedina, 2017, pág. 31 e segs., o legislador não impõe que essa actividade tenha de ser exercida em edifícios ou fracções autónomas que tenham autorização específica para a instalação de serviços.
O que se exige é que o edifício ou fracção autónoma tenha autorização de utilização ou título de utilização válido mesmo sem referência a qualquer uso específico, isto porque a intenção do legislador foi a de “flexibilizar” o procedimento de inscrição dos alojamentos locais, tornando desnecessário o desencadeamento de um procedimento administrativo de alteração das autorizações de utilização dos edifícios anteriormente concedidas. O que é imprescindível é que o edifício ou a fracção onde a actividade se vai instalar seja legal, devendo o interessado ser titular de uma autorização de utilização do edifício válida e eficaz.
No caso dos autos, o edifício onde se encontra instalado o estabelecimento local tem um alvará de autorização de utilização para “habitação e ocupação”.
Como já se referiu, tal alvará foi emitido na sequência da vistoria às obras realizadas no edifício em 2011, que adaptaram o rés-do-chão para a instalação de um restaurante, continuando o primeiro andar afecto a habitação.
No âmbito do presente processo cautelar, não se pode ir além de um mero juízo perfunctório sobre a validade do referido alvará, de forma a aferir da probabilidade de procedência da pretensão deduzida pelos Recorrentes no âmbito da acção principal – n.º 1 do art.º 120.º do CPTA.
Nos termos do n.º5 do art.º 4.º do RJUE, na redacção que lhe foi atribuída pelo DL n.º 26/2010, de 30 de Março, a alteração da utilização dos edifícios ou suas fracções autónomas, estava sujeita a autorização de utilização. Tal norma continua em vigor, apesar do referido artigo ter sido alterado através do DL n.º 136/2014, de 9 de Setembro (com início de vigência em 7 de Janeiro de 2015) e da Lei n.º 79/2017, de 18 de Agosto (com início de vigência em 19 de Agosto de 2017).

Estatuía o art.º 62.º do RJUE, na redacção resultante das alterações introduzidas ao n.º 1 pelo DL n.º 26/2010 de 30 de Março (a redacção do n.º 2 resulta das alterações efectuadas pela Lei nº 60/2007, de 04-09, com efeitos a partir de 2 de Março de 2008):
“1- A autorização de utilização de edifícios ou suas fracções autónomas destina-se a verificar a conclusão da operação urbanística, no todo ou em parte, e a conformidade da obra com o projecto de arquitectura e arranjos exteriores aprovados e com as condições do licenciamento ou da comunicação prévia.
2 - A autorização, quando não haja lugar à realização de obras ou quando se trate de alteração da utilização ou de autorização de arrendamento para fins não habitacionais de prédios ou fracções não licenciados, nos termos do nº 4 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 160/2006, de 8 de Agosto, destina-se a verificar a conformidade do uso previsto com as normas legais e regulamentares aplicáveis e a idoneidade do edifício ou sua fracção autónoma para o fim pretendido.”.
Alegam os Recorrentes que as obras efectuadas no rés-do-chão em 2011 e que transformaram o local onde funcionava o restaurante em quatro quartos, estão isentas de controlo pévio nos termos do art.º 6.º, n.º 1, al. b) do RJUE, na redacção então em vigor, por se tratar de obras interiores que não mexeram com a estrutura do edifício.
A situação dos autos não é susceptível de se reconduzir à previsão do n.º 1 do referido art.º 6.º. No entanto cai na previsão do n.º 2 desse artigo, que abrange as situações de alteração da utilização, ainda que as obras realizadas não estejam sujeitas a licenciamento ou a comunicação prévia – neste sentido, veja-se Fernanda Paula Oliveira e outras, em “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação comentado”, Almedina, 2009, pág. 403 e Alves Correia, “Manual de Direito Administrativo, vol. III, Almedina, 2010, págs, 53, 55 e 56.
E essa obrigação de pedir a alteração de utilização nos casos em que, como o dos presentes autos, as obras não foram sujeitas a controlo prévio, continua em vigor, conforme estatuído no n.º 2 do art.º 62.º do RJUE, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de Setembro (aplicável apenas aos procedimentos iniciados após a sua entrada em vigor, isto é, 7 de Janeiro de 2015, conforme resulta do artº 11.º, n.º 1, desse diploma legal):
“2 - No caso dos pedidos de autorização de utilização, de alteração de utilização ou de alguma informação constante de licença de utilização que já tenha sido emitida, que não sejam precedidos de operações urbanísticas sujeitas a controlo prévio, a autorização de utilização de edifícios ou suas frações autónomas destina-se a verificar a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis, bem como a idoneidade do edifício ou sua fração autónoma para o fim pretendido, podendo contemplar utilizações mistas.”.
Sobre a necessidade pedir a alteração do alvará de autorização de utilização no caso de obras não sujeitas a licenciamento ou a comunicação prévia, veja-se Fernanda Paula Oliveira e outras, em “Alojamento Local e Uso de Fração Autónoma”, Almedina, 2017, pág. 16 e 17.
Está em causa verificar a conformidade do uso previsto para o edifício, fracção autónoma ou unidades susceptíveis de utilização independente com as normas aplicáveis e ainda o edifício ou fracção possuem idoneidade para o fim pretendido.
A circunstância das obras realizadas estarem isentas de controlo prévio não significa que estejam dispensadas da observância de tais normas, nem as exclui a um controlo efectuado a posteriori por parte da Administração – art.º 6.º, n.º 8 e art.º 93.º, n.º 1 do RJUE, na versão em vigor à data dos factos e também na redacção actualmente vigente.
É assim de concluir que a sentença recorrida não sofre do erro de julgamento que lhe é apontado.
Decisão
Face ao exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.
Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 9 de Maio de 2019,



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Jorge Pelicano

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Cristina dos Santos

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Sofia David