Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07252/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/15/2014
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:FUNDAMENTO DA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:i) Apesar de a prescrição não poder constituir fundamento de impugnação judicial da liquidação, admite-se que pode ser apreciada nessa sede como motivo da inutilidade superveniente da lide: verificada a prescrição da obrigação tributária, que determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva, a impugnação judicial em que se visa apenas a apreciação da legalidade da liquidação que lhe deu origem deixa de ter utilidade; nesse circunstancialismo, deve extinguir-se a instância por inutilidade superveniente da lide.
ii) A possibilidade de conhecer incidentalmente da prescrição em sede de impugnação judicial apenas se impõe ao tribunal caso constem dos autos todos os elementos que permitam uma avaliação segura dessa questão, designadamente todos os que permitam aferir da existência de causas interruptivas ou suspensivas do prazo de prescrição.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório


Cafetaria Grão Doce, Lda., veio recorrer da sentença do TAF de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios relativa ao exercício de 2001, respectivamente nos montantes de EUR 2.944,09 e EUR 310,54, formulando as seguintes conclusões:

I. O Tribunal a quo julgou improcedente a impugnação apresentada pela ora Recorrente e, em consequência, manteve a liquidação adicional relativa ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do 2° Trimestre de 2001;

II. No entanto, não pode a Recorrente deixar de invocar a prescrição da divida tributária cujo pagamento agora lhe é exigido, relativamente ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do 2° Trimestre de 2001, no valor de € 2.944.09 (dois mil novecentos e quarenta e quatro euros e nove cêntimos), e, bem assim, aos respectivos juros compensatórios, no valor de € 310.54 (trezentos e dez euros e cinquenta e quatro cêntimos), no montante total de € 3.254.63 (três mil duzentos e cinquenta e quatro euros e sessenta e três cêntimos);

III. Com efeito, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 48º Lei Geral Tributária (LGT), sob a epígrafe "Prescrição", as dívidas tributárias prescrevem no prazo de 8 (oito) anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que ocorreu o facto tributário;

IV. Nos impostos de obrigação única, a partir da data em que ocorreu o facto tributário, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que o prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente a exigibilidade do imposto ou o facto a tributar;

V. Nos termos do disposto no nº1, do artigo 49º a LGT, a citação (após a entrada em vigor da Lei n.0 100/1999, de 26 de Junho), a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição;

VI. De acordo com o n.o 2, do mesmo artigo, entretanto revogado pelo artigo 90º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, a paragem do processo por período superior a 1 (um) ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito interruptivo, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação;

VII. Em termos de factualidade apurada com eventual relevo para a prescrição da dívida tributária em análise temos que a dívida tributária respeita a Imposto sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referente ao período de 01.06 (2° Trimestre de 2001) e respectivos juros compensatórios;

VIII. A impugnante, ora Recorrente, foi objecto de fiscalização tributária levada a cabo pela inspecção tributária- Divisão ITI- Equipa 35, em cumprimento da ordem de serviço 66238, na sequência do pedido de reembolso de iva referente ao período O1.OT;

XIX. Em 31.06.2003 foi emitida a liquidação adicional de IVA n° 03023454, no valor de 2.944.09 e liquidação de juros compensatórios n° 03023453, no valor de 310.54, relativas ao exercício de 2001 (Doc. fls 35/36 do processo admistrativo tributário apenso);

X. Em 7/08/2003, deu entrada nos Serviços de Finanças de Sintra a petição inicial que originou os presentes autos;

XI. Em 3 de Setembro de 2003 a ora Recorrente apresentou impugnação fiscal;

XII. Com vista A cobrança coerciva das liquidações, em 16.09.2003, foi instaurado contra a impugnate, ora Recorrente, o processo de execução fiscal n° 3557200301037811;

XII. Há que aplicar o prazo de prescrição de 8 (oito) anos, estatuído no artigo 48º n.º 1, da LGT;

XIV. Tal prazo conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (1 de Janeiro de 2002), nos termos do mesmo artigo 48º n.º 1, da LGT;

XV. Assim sendo, o prazo de prescrição da divida tributária em análise iniciou­ se, pois, em 1 de Janeiro de 2002, e, deste modo, o seu termo final ocorreria em 31 de Dezembro de 2009;

XVI. Parece-nos evidente que o prazo de prescrição não esteve suspenso, nos termos do estatuído no artigo 49º n.º 3 (redacção original) da LGT (actual n.0 4), pela simples razão de que não foi prestada garantia (ou dispensada a sua prestação), condição essencial para a paragem do processo de execução fiscal;

XVII. Veja-se que, no processo executivo fiscal a ora Recorrente nem sequer chegou a ser citada, pelo que em relação a este processo não ocorreu qualquer facto interruptivo da prescrição;

XVIII. Todavia, temos a ocorrência de 1 (um) facto interruptivo da prescrição, a saber: a apresentação de impugnação fiscal originou os presentes autos (em 3 de Setembro de 2003);

XIX. No entanto, a impugnação fiscal esteve parada durante mais de 1 (um) ano por facto não imputável à impugnante;

XX: Sendo certo que, com a apresentação da impugnação fiscal, em 3 de Setembro de 2003, interrompeu-se o prazo prescricional;

XXI: Tal prazo de prescrição foi interrompido em 3 de Setembro de 2003, retomando-se a sua contagem em 3 de Setembro de 2004;

XXII. Há., então, que somar o tempo decorrido desde a data em que se verificou o facto tributário - 1 de Janeiro de 2002 - que se deve contar o prazo de prescrição até 3 de Setembro de 2003- data da apresentação da impugnação fiscal -, com o que decorreu posteriormente a partir de 3 de Setembro de 2003, daí concluindo que no respeitante à dívida de IVA em pareço e respectivos juros compensatórios, em 2 de Dezembro de 2012, se completou o prazo de 8 (oito) anos da prescrição da dívida exequenda;

XXIII. Assim, naquela data de 2 de Dezembro de 2012, sempre estaria prescrita em relação à impugnante a dívida de IVA e juros compensatórios referente ao ano de 2001, uma vez que já decorreram pelo menos 8 (oito) anos, estando assim esgotado o prazo de prescrição estipulado no artigo 48.º n.º 1, da LGT;

XXIV. A prescrição é um instituto jurídico que se caracteriza por o legislador dar prevalência em determinadas situações ao princípio da segurança jurídica quando em confronto com o princípio da justiça;

XXV. Ora, não tendo a Fazenda Pública cumprido (no papel do Estado) a sua obrigação de exigir o pagamento do imposto em falta à ora Recorrente, esta poderá recusar o cumprimento da prestação e defender-se, como o faz, perante o seu incumprimento, conforme resulta do supra referido artigo 304º do CC;

XXVI. É, assim, de concluir estar prescrita a obrigação tributária em causa, relativa a Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do 2.º Trimestre de 2001 e respectivos juros compensatórios.

Nestes termos e nos melhores de direito, doutamente supridos por V. Exas. Deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, e, consequentemente, declara extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, em virtude de ter ocorrido a prescrição da dívida tributária relativa a Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) em apreço e respectivos juros compensatórios, com as demais consequências legais.”



Não foram apresentadas contra-alegações.


Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no qual se pronunciou no sentido de ser negado provimento ao recurso.


Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:


As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a dívida tributária se encontra prescrita, com a consequente inutilidade superveniente da lide.


II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos, em decisão que aqui se reproduz ipsis verbis:

A) A Impugnante exerceu a actividade de cafés – CAE 55401.
B) O exercício da actividade a que alude a al. A) do probatório decorreu entre 08.10.1999 a 23.05.2002, data em que cessou a actividade.
C) A Impugnante foi objeto de fiscalização tributária levada a cabo pela Inspeção Tributária- Divisão III- Equipa 35, em cumprimento da Ordem de Serviço 66238, na sequência do pedido de reembolso de IVA referente ao período 01.06T.
D) Na sequência da ação inspetiva a que alude a al. C) do probatório foi a impugnante notificada para exercer o direito de audição sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção, faculdade que exerceu nos termos documentados a fls. 9/22 do processo administrativo tributário apenso.
E) Na sequência da ação de inspeção foi emitido o Relatório Final, do qual se destaca, designadamente o seguinte:

“( .. .)

2. Aquando da cessação de actividade, o sujeito passivo procedeu á transmissão dos bens do ativo imobilizado a uma sócia da sociedade - Maria da Graça Marta B.C. Sousa, pelo valor global de 650.000$00, acrescido de IPA à taxa legalmente prevista ( 17%)

3. A referida operação prefigura uma transmissão de bens, de acordo com o estatuído na alínea F) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA, estando sujeita a imposto nos termos da alínea f) do nº 3 do artigo 3.º do CIVA, estando sujeita a impostos nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 1° da mesma disposição legal.

4. O valor tributável da transmissão de bens, é nos termos da alínea B) do n. 02 do artigo 16° do CIV A, dado pelo preço de custo, reportado ao momento da realização das operações determinado com o recurso ao valor de aquisição deduzido das reintegrações ou amortizações praticadas, nos termos previstos 110 CIRC

5.( ... )

6. Assim, verificamos que o valor pelo qual foi efectuada a transmissão é inferior ao preço de custo suportado ao momento da realização das operações, pelo que procedemos à rectificação do valor tributável e do correspondente imposto.

7. Nestes termos, o valor da correcção a efectuar é o seguinte:

4.121.986$00- 650.000$00=8.471.986$00

8.471.986$00 X 0,17= 590.288$00 2.944,09€

8. Face ao exposto, foi proposto o indeferimento do pedido de reembolso no montante de 525,96€ e uma liquidação adicional no valor de 2.418,18€.

9. O sujeito passivo foi notificado nos termos dos artigos 60° da LGT e 60° do RCPIT, de forma escrita, em, 30/01/2003m referindo que "os bens do ativo imobilizado foram transmitidos a título oneroso, não resultando dai que qualquer sujeição a imposto por via de operações de assimilação a transmissão" e, consequentemente, a operação não se consubstancio em autoconsumos externos.

11. Argumenta também o sujeito passivo que algumas rubricas foram erradamente consideradas como imobilizado corpóreo, devendo ter sido contabilizadas como custos, uma vez que não são transmissíveis.

12. Em termos do Código do IV A, o autoconsumo externo enquanto "afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, (…) quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto", definido na alínea f) do nº.3 do artigo 3°, é considerado como transmissão de bens.

13. No caso em apreço, os bens em causa foram transmitidos (em sentido lato), a um sócio do sujeito passivo tendo havido dedução total do imposto relativamente aos mesmos bens. Assim, em nossa opinião, a referida transmissão configura um autoconsumo externo.

14. Quando ao facto, de no cálculo do valor tributável da operação, terem sido consideradas rubricas do imobilizado corpóreo, que não são transmissíveis, apenas afirmamos que as mesmas foram objecto de transmissão tal como se pode verificar no documento emitido pelo próprio sujeito passivo.

15. Pelo exposto convertem-se em definitivas as correcções propostas no projeto de conclusões de relatório, ou seja o indeferimento do pedido de reembolso no montante de 525,96€ e uma liquidação adicional no valor de 2.418,13€” .(Doc. fls. 6/8 do processo administrativo tributário apenso)
F) Em 31.06.2003, foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º 03023454, no valor de € 20.944.09 e liquidação de juros compensatórios n.º 03023453, no valor de € 310.54, relativas ao exercício de 2001 (Doc. fls. 35/36 do processo administrativo tributário apenso)
G) Em 07.08.2003, deu entrada no Serviço de Finanças de Sintra- 3 a petição inicial que originou os presentes autos (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos).
H) Com vista à cobrança coerciva das liquidações, em 16.09.2003, foi instaurado contra a Impugnante o processo de execução fiscal n.º 3557200301037811. (Doc. fls. 37 do processo administrativo tributário apenso)

FACTOS NÃO PROVADOS

Nenhum outro facto com relevância para a decisão da causa ficou provado.

A fundamentação da decisão da matéria de facto é a seguinte:

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos identificados em cada uma das alíneas do probatório.



II.2. De direito


No presente recurso a Recorrente vem suscitar a prescrição da dívida tributária em questão, exigida no processo de execução fiscal identificado em H) do probatório e relativa a IVA do exercício do ano de 2001 e respectivos juros compensatórios.

Alega que no respeitante à dívida de IVA em pareço e respectivos juros compensatórios, em 2 de Dezembro de 2012, se completou o prazo de 8 anos da prescrição da dívida exequenda, não podendo mais ser esta exigida pela Fazenda.

Como ponto prévio, importa deixar estabelecido que, tal como assinalado pelo Ministério Público no seu parecer, esta excepção não foi alegada pela ora Recorrente em 1.ª Instância, apenas surgindo como fundamento – aliás exclusivo – do recurso deduzido para este Tribunal.

A primeira questão que importa decidir é, pois, a de saber se o tribunal de recurso tem o dever de conhecer da prescrição da obrigação tributária suscitada ex novo em recurso da decisão que julgou improcedente a impugnação judicial que incluía no seu objecto as liquidações respectivas.

É sabido que a prescrição da obrigação tributária não pode constituir fundamento da impugnação da liquidação, pois respeita, não à validade deste acto, mas à exigibilidade da obrigação criada com a liquidação. Ou seja, a prescrição da obrigação tributária determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva.

Como o objecto do processo de impugnação se define, em primeira linha, pela pretensão anulatória do impugnante, e portanto, por referência a um acto tributário ilegal, é fácil de ver que a prescrição não é uma questão que respeite à validade desse acto. Com efeito, se pela via da impugnação judicial, segundo o modelo definido nos artigos 99.º a 126.º do CPPT, faz-se valer uma pretensão anulatória, dirigida à eliminação de um acto tributário ilegal e, com ela, à cessação dos efeitos por ele produzidos, pela via da prescrição pretende-se extinguir a obrigação tributária, pelo facto de não ser exigido o seu cumprimento nas condições e lapso de tempo determinado na lei. Na primeira situação, procura-se indagar quais os elementos do acto tributário que estão em discordância com a ordem jurídica; na segunda, independentemente do acto tributário, procura-se determinar se obrigação do imposto pode ser exigível (cfr. Ac. do STA de 2.05.2012, proc. nº 1174/11).

Assim, e como a jurisprudência tem repetidamente afirmado (cfr., i.a., os acórdãos do TCAN de 12.07.2012, proc. n.º 1167/05.7BEVIS, e de 10.05.2013, proc. n.º 362/06.6BEMDL, por nós relatados, o ac. deste TCAS de 12.12.2013, proc. n.º 6826/13, e o ac. do STA de 13.11.2013, proc. n.º 171/13), a sede própria para invocar a prescrição da obrigação tributária, quando esta não seja oficiosamente conhecida – sendo-o nos termos do art. 175.º do CPPT – é a execução fiscal, onde o executado pode argui-la, ou mediante requerimento endereçado ao órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável, nos termos do disposto no art. 276.º do CPPT, ou, se estiver em tempo, mediante oposição à execução fiscal (cf. arts. 203.º e 204.º, n.º 1, alínea d), do CPPT).

Em impugnação judicial, a prescrição é apreciada apenas para aferir se deve a instância prosseguir ou deve ser declarada a inutilidade superveniente da lide (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, vol. I, 2006, p. 708). Por identidade ou até maioria de razão, a mesma questão só pode ser incidentalmente colocada na pendência do recurso dessa decisão para aferir da utilidade da apreciação do próprio recurso. Em bom rigor, a questão, dita nova, com que somos confrontados reconduz-se ao problema do conhecimento oficioso das causas de inutilidade da lide (cfr., neste sentido, o ac. do TCAN de 11.01.2013, proc. n.º 739/05.4BEPRT, subscrito pelo ora relator na qualidade de 2.º adjunto).

Nesta parte, tem-se entendido que as causas de inutilidade superveniente da lide são também do conhecimento oficioso, por estarem conexionadas com o interesse processual ou interesse em agir, que é assumido pela doutrina como pressuposto processual ou condição da acção. E que não tem de existir apenas no momento em que o processo se inicia, mas também ao longo dele, justificando a sua falta a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (neste sentido, para além do acórdão acabado de citar, também o ac. do STA de 28.06.2006, proc. n.º 189/06). Assim sendo, as causas de inutilidade superveniente da lide – no caso, a alegada ocorrência da prescrição que acarreta como consequência a inexigibilidade do acto tributário – são também do conhecimento oficioso em fase de recurso.

Vejamos então, com o sentido de apreciar se apesar de a prescrição da dívida não constituir fundamento da impugnação, esta se verifica e daí se retirar que não existe utilidade em se conhecer da invalidade de um acto que titula uma obrigação tributária que está extinta por prescrição.

No presente caso está em causa uma liquidação adicional em sede de IVA relativa ao ano de 2001, sendo de aplicar o prazo de prescrição de 8 anos previsto na LGT. Este começou a correr no dia 1 de Janeiro de 2002, pelo que, se o prazo tivesse corrido ininterruptamente, a prescrição teria ocorrido em 1 de Janeiro de 2010.

Nos termos do artigo do n.º 1 do artigo 49.º da LGT a impugnação interrompe a prescrição (neste caso a impugnação foi deduzida em 07.08.2003, como vem provado).

Esta interrupção tem o efeito instantâneo de inutilizar o tempo decorrido até à instauração da impugnação, mas não só, tem também o efeito duradouro de obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado do processo da decisão que puser termo ao processo – cfr. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Áreas Editora, p. 62).

Porém, se o processo de impugnação estiver parado por um prazo superior a um ano por facto não imputável ao contribuinte, o efeito interruptivo cessa passando a somar-se para efeitos de prescrição o tempo que decorrer após este período com o que tiver decorrido até à data da autuação.

Era o que resultava do n.º 2 do artigo 49.º da LGT antes da entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro.

Esta lei revogou o n.º 2 do artigo 49.º da LGT tendo estipulado no seu artigo 91.º que «a revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo.».

Ora, mesmo que se verificasse nos autos uma paragem do processo por prazo superior a um ano por facto não imputável ao contribuinte, que faria cessar o efeito interruptivo resultante da instauração da impugnação e que fosse relevante por ser anterior à entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, o que implicaria que na contagem do prescricional se somasse o tempo decorrido até à instauração da impugnação ao tempo decorrido após aquele período de um ano de paragem e que feitas as contas se concluísse estar esgotado o prazo de oito anos relativamente ao imposto em causa, a verdade é que não se pode fazer nos autos um juízo seguro sobre a prescrição.

Isto porque, tal como bem refere o Ministério Público no parecer que emitiu, os autos não permitem saber, com segurança, se existiram outras causas de interrupção ou de suspensão da prescrição (cfr. artigo 49.º da LGT) e deste modo se a prescrição se consumou ou não.

Para além de que, vem agora alegada a falta de citação no processo de execução fiscal (cfr. conclusão XVII. do recurso) o que não consta do probatório, nem os elementos disponíveis nos autos o demonstram ou sequer o indiciam. Nenhum facto nesta sede pode, portanto, ser aditado ao probatório, mesmo entendendo-se como válida essa possibilidade com o escopo assinalado.

Seguro é que, como preliminarmente se disse, a prescrição da dívida não constitui vício invalidante do acto de liquidação e por isso não serve de fundamento à impugnação (cfr., por todos, o Ac. do STA de 02.05.2011, processo n.º 1174/11).

E embora a prescrição da dívida possa ser conhecida na impugnação judicial incidentalmente (pois que a execução fiscal para cobrança coerciva da obrigação tributária é a sede própria para se conhecer da prescrição, repete-se) para efeito de se determinar se existe utilidade em se conhecer da invalidade de um acto que titula uma obrigação tributária que está extinta por prescrição, tal conhecimento só será possível se no processo de impugnação constarem todos os elementos necessários para o efeito. Poderão existir outras causas de interrupção ou suspensão que tenham ocorrido noutros processos administrativos ou contenciosos e só no caso de se poder concluir com segurança que a prescrição se consumou será possível concluir pela inutilidade da lide (cfr. Jorge Lopes de Sousa, ob. cit. p. 22).

E não resultando dos autos elementos seguros que permitam concluir pela inexistência de outras causas de interrupção ou de suspensão do prazo prescricional, não pode conhecer-se da verificação da prescrição.

Como se disse no acórdão do TCAN de 25.06.2010, proc. n.º 232/01: “(…) a referida possibilidade de conhecer prejudicialmente da prescrição em sede de impugnação judicial apenas se impõe ao tribunal caso constem dos autos todos os elementos que permitam uma avaliação segura dessa questão (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, pág. 22.), tanto mais que, se a obrigação tributária estiver realmente prescrita e a AT insistir em cobrá-la, sempre a prescrição deverá ser conhecida oficiosamente na execução fiscal, bem como sempre o impugnante aí poderá invocá-la com sucesso, nos termos que deixámos já referidos”. Efectivamente, a nosso ver, assim é.

Nenhum outro vício vindo apontado à sentença recorrida, terá necessariamente que se julgar improcedente o recurso interposto.



III. Conclusões

Sumariando:

i) Apesar de a prescrição não poder constituir fundamento de impugnação judicial da liquidação, admite-se que pode ser apreciada nessa sede como motivo da inutilidade superveniente da lide: verificada a prescrição da obrigação tributária, que determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva, a impugnação judicial em que se visa apenas a apreciação da legalidade da liquidação que lhe deu origem deixa de ter utilidade; nesse circunstancialismo, deve extinguir-se a instância por inutilidade superveniente da lide.
ii) A possibilidade de conhecer incidentalmente da prescrição em sede de impugnação judicial apenas se impõe ao tribunal caso constem dos autos todos os elementos que permitam uma avaliação segura dessa questão, designadamente todos os que permitam aferir da existência de causas interruptivas ou suspensivas do prazo de prescrição.


IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar integralmente a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.

Lisboa, 15 de Maio de 2014

PEDRO MARCHÃO

JORGE CORTÊS

PEREIRA GAMEIRO