Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:530/12.1 BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
GREEN FEES
IVA
JUROS COMPENSATÓRIOS
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - Quando, das quatro questões suscitadas na petição inicial, apenas uma foi conhecida, não havendo entre esta e as demais qualquer nexo de prejudicialidade, a sentença é nula por omissão de pronúncia.
II - Os green fees, por referência a 2011, não estavam abrangidos pela verba 2.15. da lista I anexa ao Código do IVA.
III - A interpretação mencionada em II. não contende com os princípios da legalidade, da justiça, da confiança e da boa-fé.
IV - Não padecem de falta de fundamentação nem de erro sobre os pressupostos as liquidações de juros compensatórios emitidas na sequência da não liquidação de imposto que cabia às Impugnantes liquidar, tendo sido feita menção a todo o contexto atinente à falta de liquidação em sede de procedimento inspetivo.
V - Não padecem de falta de fundamentação as decisões das reclamações graciosas que externam o itinerário cognoscitivo percorrido pela AT.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

R…, Lda., P…, S.A. e C…, S.A. (doravante Recorrentes ou Impugnantes) vieram recorrer da sentença proferida a 27.10.2015, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, na qual foi julgada improcedente a impugnação pelas mesmas apresentada, que teve por objeto os indeferimentos das reclamações graciosas atinentes às liquidações de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e as dos respetivos juros compensatórios, relativas aos meses compreendidos entre março e outubro de 2011.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, as Recorrentes apresentaram alegações, nas quais concluíram nos seguintes termos:

“§ 1. Censura-se a sentença do Tribunal a quo por se sustentar que esta padece de nulidade por omissão de pronúncia, e por esta ter decidido mal no que tange à apreciação dos Factos alegados e dos vícios que as Recorrentes imputaram às autoliquidações e aos indeferimentos em crise; em concreto, os vícios de forma e de violação de lei, incluindo a constitucional.

§ 2. Subjacente aos presentes Autos encontra-se, essencialmente, a questão de saber se os green fees do Golfe estavam sujeitos de Março a Outubro de 2011 à taxa reduzida de IVA ou à taxa normal deste imposto; e se, no caso concreto, actuou bem a Administração fiscal ao indeferir as reclamações graciosas deduzidas pelas Recorrentes quanto às autoliquidações de IVA por elas apresentadas no seguimento de recomendação dos inspectores que conduziram a acção de inspecção de que as Recorrentes foram alvo.

§ 3. O Tribunal a quo sustenta que a taxa de IVA aplicável é de 23% desde 1 de Março de 2011, no pressuposto de que os green fees não são a contraprestação pela concretização de uma «manifestação desportiva» (nos termos em que esta se encontrava prevista na Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA), fazendo tábua rasa, desde logo, da previsão e da estatuição da relevante Verba nos termos em que esta se encontra prevista desde 1986, como o demonstra o presente quadro:



§ 4. Primeiramente, o Tribunal a quo não cumpriu o dever que sobre o mesmo impendia no sentido de apreciar e julgar todas as questões que foram suscitadas pelas Recorrentes, incorrendo por essa via em omissão de pronúncia.

§ 5. Com efeito, no caso em apreço, as Recorrentes invocaram como causa para a anulação das autoliquidações contestadas, entre outras, a falta de fundamentação dos actos de indeferimento em crise e a inconstitucionalidade material da Verba 2.15, tal como interpretada e aplicada pela Administração fiscal, excluindo da mesma os green fees, resultando tal inconstitucionalidade de violação dos princípios da legalidade, da confiança, da justiça e da boa fé.

§ 6. Sobre esta falta de fundamentação e sobre estas inconstitucionalidades — que consubstanciam verdadeiras questões e não simples argumentos —, nada diz o Tribunal a quo na sentença recorrida.

§ 7. Note-se que nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, é nula a sentença que não conheceu de uma questão da inconstitucionalidade suscitada na petição inicial, assim como o é a sentença que não se pronuncie sobre questão de inconstitucionalidade, de conhecimento oficioso, suscitada nas suas alegações finais.

§ 8. Assim sendo, a sentença dos Autos é nula por omissão de pronúncia quanto às questões acima referidas, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e na alínea d), primeira parte, do n.º 1 e no n.º 4 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, a qual deverá ser, de imediato, suprida pelo Tribunal de primeira instância e, não o sendo, deverá ser declarada por V. Exas., conhecendo, nesse caso directamente, este douto Tribunal a questão que ficou por apreciar nos termos supra explanados e com os fundamentos constantes da p.i. e das alegações finais, que se revisitam nestas alegações de recurso.

§ 9. Também no que respeita às liquidações de juros compensatórios, o Tribunal a quo não aprecia — de todo em todo — qualquer dos fundamentos que, no entendimento das Recorrentes e tal como foram expressos na p.i., deveriam conduzir à respectiva anulação.

§ 10. Nesta conformidade, também por esta razão as Recorrentes arguem a nulidade da sentença dos Autos por omissão de pronúncia, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e na alínea d), primeira parte, do n.º 1, e no n.º 4 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, a qual deverá ser, desde já, suprida pelo Tribunal de primeira instância e não o sendo deverá ser declarada por V. Exas., conhecendo, nessa circunstância directamente, este douto Tribunal a questão que ficou por apreciar nos termos acima enunciados e com os fundamentos vertidos na p.i., mas que infra se deixaram referidos.

§ 11. Desde logo, o Tribunal a quo errou ao considerar provados os seguintes factos constantes das alíneas F), I) e L) do ponto III-1-Factualidade Provada, pontos de facto estes que se consideram, assim, se consideram incorrectamente julgados e se deixam aqui expressamente impugnados nos termos e para os fins do 640.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

§ 12. Com efeito, os factos reflectidos naquelas alíneas [«F) Na sequência de acção inspetiva referida na alínea anterior, a Impugnante foi notificada das liquidações de IVA referentes aos meses de Março a Outubro de 2011 e que se encontram pagas (cfr. fls. 124 a 212 dos autos); […] I) Na sequência de ação inspetiva referida na alínea anterior, a Impugnante foi notificada das liquidações de IVA referentes aos meses de Março a Outubro de 2011 e que se encontram pagas (cfr. fls. 124 a 212 dos autos); […] L) Na sequência de acção inspetiva referida na alínea anterior, a Impugnante foi notificada das liquidações de IVA referentes aos meses de Março a Outubro de 2011 e que se encontram pagas (cfr. fls. 124 a 212 dos autos)» (cit.)], não correspondem, de todo em todo, à realidade e não encontram qualquer respalde na prova produzida no presente processo.

§ 13. Concretizando, foram as Recorrentes que, no âmbito dos procedimentos de inspecção de que foram alvo pela Administração fiscal, optaram, para evitar a futura instauração de processos de execuções fiscais e as graves consequências de não terem a sua situação fiscal regularizada perante o Fisco, por apresentar, ainda antes do termo daquelas acções, novas declarações periódicas respeitantes aos períodos de Março a Outubro — cfr. comprovativos desta entrega juntos como doc. n.º 4 em anexo à p.i. —, tendo procedido ao pagamento dos valores apurados — cfr. comprovativos destes pagamentos juntos como doc. n.º 5 em anexo à p.i.

§ 14. As Recorrentes somente foram notificadas pela Administração fiscal das liquidações de juros compensatórios no que tange àqueles períodos mensais, tendo igualmente procedido ao respectivo pagamento — cfr. cópia destas liquidações e comprovativo do respectivo pagamento, juntos como doc. n.ºs 6 e 7 em anexo à p.i.

§ 15. Assim, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC e cumprindo-se o ónus plasmado no aludido artigo 640.º do CPC, deverão ser aqueles factos vertidos nas alíneas F), I) e L) já citadas pelos seguintes:

F) Ainda antes do fim da acção inspetiva referida na alínea anterior, a Impugnante [R…, Lda] optou, para evitar a futura instauração de processos de execuções fiscais e as graves consequências de não ter a sua situação fiscal regularizada, por apresentar novas declarações periódicas respeitantes aos períodos de Março a Outubro — cfr. comprovativos desta entrega juntos como doc. n.º 4 em anexo à p.i. — as quais se encontram pagas — cfr. comprovativos deste pagamento juntos como doc. n.º 5 em anexo à p.i.; […]

I) Ainda antes do fim da acção inspetiva referida na alínea anterior, a Impugnante [P…, Lda] optou, para evitar a futura instauração de processos de execuções fiscais e as graves consequências de não ter a sua situação fiscal regularizada, por apresentar novas declarações periódicas respeitantes aos períodos de Março a Outubro — cfr. comprovativos desta entrega juntos como doc. n.º 4 em anexo à p.i. — as quais se encontram pagas — cfr. comprovativos deste pagamento juntos como doc. n.º 5 em anexo à p.i.; […]

L) Ainda antes do fim da acção inspetiva referida na alínea anterior, a Impugnante [C…, S.A.] optou, para evitar a futura instauração de processos de execuções fiscais e as graves consequências de não ter a sua situação fiscal regularizada, por apresentar novas declarações periódicas respeitantes aos períodos de Março a Outubro — cfr. comprovativos desta entrega juntos como doc. n.º 4 em anexo à p.i. — as quais se encontram pagas — cfr. comprovativos deste pagamento juntos como doc. n.º 5 em anexo à p.i.» (cit.),

§ 16. Ademais, as Recorrentes entendem que existem outros factos, para além daqueles que foram considerados provados pelo Tribunal a quo, que tendo sido por estas alegados na sua p.i. e mostrando-se provados pelos documentos juntos aos Autos e pelo comportamento das partes relevam para a decisão sub judice e devem também ser incluídos na factualidade provada.

§ 17. As Recorrentes não têm dúvidas de que o Tribunal a quo decidiu mal quando considerou que «Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados» — cfr. «Factualidade não provada», pág. 4 da sentença recorrida (cit.) —, decisão que assim, nos termos e para o efeitos do previsto no artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, se deixa imediatamente impugnada.

§ 18. Adicionalmente aos factos dados por assentes pelo Tribunal a quo, resultaram ainda provados, pelos documentos juntos aos Autos e pelo comportamento das partes, os seguintes factos com interesse para a decisão da causa que corroboram a necessidade de anulação dos actos impugnados ou de revogação da decisão recorrida ou ambas e que, deste modo, de acordo com o artigo 662.º, n.º 1, do CPC e cumprindo-se o ónus plasmado no aludido artigo 640.º do CPC, deverão ser aditados à matéria provada:

a. As Recorrentes foram notificadas da liquidação de juros compensatórios — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 6 em anexo à p.i. —, tendo já procedido ao respectivo pagamento — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 7 em anexo à p.i.

b. Das autoliquidações de IVA respeitantes aos períodos de Março a Outubro de 2011 e das liquidações de juros compensatórios as Recorrentes apresentaram reclamações graciosas — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 8 em anexo à p.i.

c. As Recorrentes foram notificadas dos projectos de decisão, no sentido do indeferimento dos correspondentes pedidos, aos quais exerceram o seu direito de audição, relembrando a Administração fiscal que os argumentos aduzidos nas reclamações graciosas careciam ainda in totum de análise — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 9 e pelo doc. n.º 10 em anexo à p.i.

d. As Recorrentes vieram a ser notificadas das decisões de indeferimento definitivo das respectivas pretensões reclamatórias, das quais apresentaram a presente impugnação judicial — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 1 em anexo à p.i.

e. A esmagadora maioria dos jogadores de Golfe que participaram e participam em jogos de Golfe nos campos geridos pelas Recorrentes são estrangeiros não residentes — Facto assente, o qual foi alegado pelas Recorrentes e não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo.

f. Esta é uma tendência que se verifica nos restantes campos de Golfe, em particular naqueles situados no Algarve — Facto assente, o qual foi alegado pelas Recorrentes e não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo.

g. Fora da época de Verão, o Golfe é a principal fonte de atracção turística do Algarve — Facto assente, o qual foi alegado pelas Recorrentes e não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo.

h. As Recorrentes prestam, para além dos serviços que dão lugar ao pagamento dos green fees, serviços acessórios e/ou conexos com o jogo de Golfe como o aluguer de trolleys e buggies, guarda-tacos, aulas de Golfe, ou ainda o treino de Golfe em local distinto dos greens e, como tal, fora de provas desportivas, como seja a prática de Golfe num drive range — Facto assente, o qual foi alegado pelas Recorrentes e não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo.

i. As Recorrentes liquidaram IVA sobre os green fees à taxa reduzida desde o início da sua actividade, tendo aos restantes serviços por si prestados aplicado a taxa normal do IVA. Concretizando, desde a entrada em vigor do Código do IVA, i.e., desde 1 de Janeiro de 1986 até ao termo de 2011, as Recorrentes procederam da forma seguinte:

a) os serviços acessórios e/ou conexos mencionados supra foram sujeitos à taxa normal de IVA que, ao longo do tempo, foi variando — Facto assente, o qual foi alegado pelas Recorrentes e não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo.

b) os green fees foram sujeitos à taxa reduzida do IVA, mediante a previsão e aplicação da Verba relevante da Lista Anexa ao Código do IVA — Facto assente, o qual foi alegado pelas Recorrentes e não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo.

j. Os operadores da indústria do Golfe sempre entenderam que os greens fees estavam sujeitos à taxa reduzida, estando os demais serviços de Golfe (driving range, lições, alugueres, etc.) sujeitos à taxa normal — Facto que resulta provado pela declaração emitida pelo CNIG e junta como doc. n.º 3 em anexo às alegações finais e que não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo.

k. A sujeição dos green fees à taxa reduzida do IVA e dos restantes serviços à taxa normal do IVA foi confirmada pela Administração fiscal ao longo dos anos, a) quer mediante a emissão de orientações, tal como a prevista na Informação n.º 2982, com despacho concordante da Subdirectora-Geral de 03 de Dezembro de 2002, na qual se determina que «(...) no que se refere à utilização dos campos de golf (greens), de harmonia com o entendimento Superiormente sancionado por estes Serviços, beneficiam de tributação à taxa reduzida de 5% por enquadramento na verba 2.13 da Lista I anexa ao CIVA», constando no final do texto, de forma dactilografada, «Concordo. Comunique-se. Em 03.12.2012. M… (Subdirectora-Geral)» — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 2 em anexo à p.i. e que não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo;

§ 19. Do mesmo passo, embora o Tribunal a quo tenha sustentado ser «o golfe um desporto auto regulado através de 34 regras reconhecidas pela Federação Internacional de Golfe e publicadas R&…», procedendo de seguida à enumeração de algumas das regras mencionadas supra, na «Factualidade provada» o Tribunal a quo — mas mal — nada diz quanto à singularidade do Golfe. Esta singularidade foi alegada e demonstrada pela Recorrente ao longo do processo.

§ 20. Dito isto, considerando a prova produzida nos presentes Autos (em particular os docs. n.ºs 1 e 2 em anexo às alegações finais), deverão ser os seguintes factos aditados à matéria provada, de acordo com o artigo 662.º, n.º 1, do CPC e cumprindo-se o ónus plasmado no aludido artigo 640.º do CPC:

l. O golfe é um desporto auto regulado, com regras específicas de carácter supranacional e aplicação quase universal — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 1 em anexo às alegações finais, que corresponde às regras da modalidade emitidas pelo R&… R… Limited, que agrupa associações e federações de 120 países, entre os quais Portugal, e pelo U… que agrega as entidades representantes do golfe dos EUA e México.

m. O acesso a um campo de golfe para jogar apenas é permitido a pessoas que sejam federadas e demonstrem ter um certificado específico que as habilite a competir: o certificado de handicap — Facto que resulta provado pelo docs. n.º 1 e n.º 2 em anexo às alegações finais.

n. A obtenção de um handicap oficial, em Portugal, é possível apenas para jogadores federados e sócios ou associados de um Clube de Golfe (Associação), membro da Federação Portuguesa de Golfe, aos quais é por esta delegada a gestão do handicap dos seus sócios praticantes — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 2 em anexo às alegações finais.

§ 21. Caso V. Exas. considerem que, por ter o Tribunal a quo prescindido da produção de prova testemunhal e, consequentemente, não constam dos Autos todos os elementos necessários para que este Venerando Tribunal possa alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto em primeira instância, deve ser anulada a decisão proferida em primeira instância, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e), do CPPT e baixarem os Autos para a ampliação da matéria de facto.

Prossigamos com o Direito.

§ 22. Como foi referido acima, o Tribunal a quo desconsiderou por completo o vício de falta de fundamentação de que enfermam os actos de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas pelas Recorrentes e que foi invocado na p.i. dos Autos: vício esse que se mostra absolutamente manifesto.

§ 23. Da simples leitura dos actos de indeferimento das reclamações graciosas dos Autos, resulta que estes se abstêm de identificar, como deveriam, o iter cognoscivo que conduziu à emissão dos actos em crise, o que se concluiu por não se poder aceitar que a enunciação de certos — e insuficientes — factos e a posterior formulação de meras conclusões não justificadas possa ter-se como fundamentação suficiente.

§ 24. Os actos de indeferimento em causa limitam-se a invocar a alteração de certa disposição legal — a concretizada à Verba 2.15 pelo Orçamento do Estado para 2011 — e de entendimento interno da mesma Administração fiscal — OfícioCirculado n.º 30124, de 14 de Fevereiro de 2011 —, para sem mais concluir no sentido da correcta emissão das autoliquidações em apreço.

§ 25. Pela leitura dos actos de indeferimento supra as Recorrentes constatam que a Administração fiscal não procede à efectiva análise dos factos concretos e à sua fundamentada subsunção às normas em causa ou, tão-pouco, ao exame dos argumentos carreados pelas Recorrentes.

§ 26. Concretamente, ficaram sem qualquer resposta, nomeadamente, as seguintes questões:

i. em que medida um Ofício-Circulado que nada refere quanto à incidência de IVA sobre os green fees pode justificar a alteração da taxa de IVA que sobre os mesmos se teria de aplicar em 2011, quando a relevante Verba (diga-se, a norma de incidência), em vigor naquele exercício é essencialmente igual à que vigorava em 1986 quando o Código do IVA entrou em vigor e já aí os green fees se sujeitavam à taxa reduzida do IVA?

ii. qual a base legal para que desde 1986 até 2007 a Administração fiscal tenha aceite que os green fees estivessem sujeitos à taxa reduzida e em 2011 a Administração tenha passado a sustentar que a previsão «espectáculos, provas e manifestações desportivas» já não abarca os green fees?

iii. o que mudou na Letra da Lei (ou seja, na letra da Verba que determinava a aplicação da taxa reduzida) entretanto?

§ 27. Assim sendo, no caso vertente dos Autos a Administração fiscal deixa plasmados nos actos de indeferimento meros juízos conclusivos, sem qualquer razão de facto ou de direito clara, sem que se possa, ante o exposto, retirar dos mesmos a respectiva lógica ou pressupostos e sem que haja um exposição expressa dos motivos da actuação da Administração fiscal.

§ 28. Tudo quanto é bastante para se concluir no sentido de que os actos em crise não se encontram suficientemente fundamentados, nos termos legalmente exigidos, o que deveria levar à respectiva anulação.

§ 29. Por isso mesmo, a sentença dos Autos decidiu mal, violando na sua interpretação designadamente os artigos 77.º, n.º 1, da LGT e 268.º, n.º 3, da Constituição, devendo ser revogada e substituída por decisão que considere verificado o vício de falta de fundamentação, o qual inquina as autoliquidações em apreço.

§ 30. Versando sobre a interpretação da Verba 2.15, a orientação do Supremo Tribunal Administrativo citada pela sentença recorrida e que funda a sua decisão, atem-se apenas à letra da Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA na redacção da mesma vigente em 2011 e na sua compatibilização com o que dispunha naquela data a legislação desportiva e as regras do Golfe.

§ 31. A interpretação não se deve limitar à escolha de um dos possíveis sentidos literais do texto, cumprindo não olvidar que o espírito da Lei prevalece sobre a letra e que o mesmo deve ser fixado com recurso aos designados “elementos lógicos”, ou seja, o sistemático, o histórico e o teleológico. Vejamos então.

§ 32. Apesar de, em 1984, o legislador ter optado por sujeitar à taxa reduzida apenas os bilhetes de entrada para espectáculos e manifestações desportivas, logo em 1985, e antes ainda da entrada em vigor do Código do IVA, alterou a relevante previsão legal, passando esta a fazer referência a espectáculos, manifestações desportivas e outros divertimentos públicos; pelo que, em 1985, o legislador recusou limitar a aplicação da taxa reduzida aos bilhetes de entrada para espectáculos e manifestações desportivas.

§ 33. Entendimento díspar implicaria que a alteração legislativa efectuada em 1985 tivesse sido vazia de propósito e que fosse levianamente desconsiderada uma prática de cerca de 21 anos, ratificada sucessivas vezes pela Administração fiscal, quer em sede de inspecções tributárias, quer por escrito em entendimentos de carácter geral.

§ 34. Com efeito, em 2002, a Administração fiscal pronunciou-se no sentido de que a utilização de piscinas, courts de ténis e ginásios para prática de modalidade desportiva não se encontrava incluída na dita Verba e, nesta medida, devia ser sujeita à taxa normal do IVA, sustentando simultaneamente que a utilização dos campos de Golfe (greens) se incluía na, então, Verba 2.13 da Lista I e, como tal, os greens fees se sujeitavam à taxa reduzida do IVA.

§ 35. Aliás, para trás (de 1986 a 2002) e para a frente (de 2002 ao final de 2011) sempre as coisas se passaram assim: aplicou-se a taxa reduzida sobre os green fees; foi assim para as empresas e foi assim para a Administração fiscal, pelo menos até ao final de 2011.

§ 36. A inclusão na Verba em apreço, para 2008, da referência à «prática de actividade físicas e desportivas» em nada contendeu com os termos anteriores que da mesma já constavam, i.e., «espectáculos, manifestações desportivas e outros divertimentos públicos» contidos na mesma.

§ 37. Ao ser eliminada a referência à «prática de actividade físicas e desportivas» para 2011, o legislador preservou a redacção inicial datada de 1985, a saber, «espectáculos, manifestações desportivas e outros divertimentos públicos», mantendo ainda o termo «provas», que resolvera aditar também para 2008.

§ 38. Ao proceder, com efeitos para 2011, à revisão da Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA, o legislador não reintroduziu a expressão «bilhetes de entrada» nem qualquer outra que permitisse concluir que houve a intenção de repor o sentido da Verba na sua redacção original (1984), e no seu entendimento mais restrito «bilhetes de entrada» numa perspectiva passiva.

§ 39. A redacção da Verba 2.15 vigente em 2011 é, praticamente, um espelho da Verba 3.13 que vigorava em 1986, sendo que então já se aplicava a taxa reduzida do IVA aos green fees e, até hoje, não existiram dúvidas de monta sobre a dita aplicação.

§ 40. O facto de a versão de 2011 da Verba 2.15 ter deixado de incluir a «prática de actividades físicas e desportivas» não pode, simplesmente, ser encarada como uma opção do legislador de limitar o escopo da Verba 2.15 para além do resulta da sua letra e do modo como a mesma sempre foi interpretada e aplicada durante mais de 20 anos.

§ 41. Não se pode aceitar uma interpretação que arrasa a história, o modo e a forma como o preceito foi entendido pelos destinatários do mesmo e pela própria Administração fiscal; e que in casu se explica, designadamente, atentas as características muito particulares do Golfe que já foram acima descritas e considerando que o Golfe é uma área estratégica para o turismo nacional, que enfrenta uma significativa concorrência internacional de países como os países do sul da Europa, os países da Europa de Leste, os países do norte de África e mesmo a Austrália ou a África do Sul.

§ 42. Ante o exposto, a interpretação da Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA defendida pela Administração fiscal em 2011, que conduziu à prática dos actos sub judice pela mesma Administração e sufragada pelo Tribunal a quo mostra-se desconforme ao enquadramento histórico, sistemático e teleológico da mencionada Verba, resultando necessária a revogação da sentença recorrida e a anulação dos actos ora impugnados por vício de violação de lei.

§ 43. Versemos agora apenas sobre a Letra da Verba ao abrigo da qual as Recorrentes sempre liquidaram IVA sobre os green fees à taxa reduzida.

§ 44. Considerando o carácter algo abstracto e indeterminado da relevante Verba, desde 1986 que o intérprete foi forçado a encetar um esforço exegético de concretização, de modo a precisar quais os «espectáculos», as «manifestações desportivas», as «provas» (desde 2008 e até 2012) e «outros divertimentos públicos» que aquele quis abranger, tanto numa análise isolada, per se, como em conjugação entre si.

§ 45. Ora, a Verba 2.15 enunciava expressamente, durante todo o ano de 2011, três tipos de serviços, a saber, (i) os espectáculos, (ii) as provas desportivas, (iii) as manifestações desportivas e (iv) outros divertimentos públicos.

§ 46. Assim sendo, ao eliminar a referência à «prática de actividades físicas e desportivas» para 2011 (que só gozou deste tratamento durante cerca de 3 anos, 2008 a 2010), o legislador quis preservar a redacção inicial (desde 1985 e que se mostrou aplicável desde o início da vigência do Código o IVA em 1986), mantendo, concomitantemente, o termo «provas», que resolvera aditar também para 2008, sendo ao abrigo daquela redacção inicial que aos green fees sempre se aplicou a taxa reduzida de IVA, de acordo com o expresso entendimento do Fisco.24 [24 Quer na Informação n.º 2082, com despacho concordante da Subdirectora-Geral de 03 de Dezembro de 2002, quer nas várias acções de inspecção realizadas ao logo dos anos.]

E porquê?

§ 47. Tudo quanto se pode explicar designadamente ante as características singulares do Golfe, o qual constitui um desporto auto regulado, com regras específicas de carácter supranacional e de aplicação quase universal, em que o acesso a um campo de Golfe para jogar só é permitido a pessoas que sejam federadas e que demonstrem ter um certificado específico que as habilite a competir: o certificado de handicap (o qual representa, através de um valor numérico, a habilidade de jogo de um praticante amador).

§ 48. Precisamente por ser obrigatória a obtenção e manutenção de handicap para ter acesso à generalidade dos campos de Golfe, e considerando o modo de o obter, podemos concluir que, mesmo no caso de jogos de Golfe que são realizados individualmente, ou seja, em que não há uma concorrência directa entre vários jogadores, o jogador individual está sempre em competição, neste caso «contra o próprio campo».

§ 49. Mas não só; igualmente tendo em conta as características especiais do jogo do Golfe feito nos greens por jogadores federados, titulares de handicap, afigura-se que o jogador de Golfe nessas circunstâncias não está apenas a concretizar actividade física ou desportiva, o jogador de Golfe encontra-se a realizar um jogo de Golfe segundo as regras estabelecidas pela respectiva federação, jogo esse que, nessa medida, se mostra como a «manifestação» deste desporto, i.e., como uma verdadeira manifestação desportiva.

§ 50. Assim, os green fees são sempre a contrapartida pela prestação do serviço «manifestações desportivas», afigurando-se-nos, nesta medida, forçoso o respectivo enquadramento na letra da Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA em vigor durante o ano de 2011.

§ 51. O Ofício-circulado n.º 30124, de 14 de Fevereiro de 2011, não só não tem carácter vinculativo e não contém qualquer interpretação autêntica da Lei (o que ademais seria inconstitucional), como também sufraga entendimento que não tem qualquer reflexo na letra da Verba sub judice, no que às manifestações desportivas diz respeito.

§ 52. Efectivamente, não é possível retirar da letra da disposição legal em crise, sem mais, que o legislador pretendeu limitar o seu escopo a «entradas ou bilhetes de ingresso» num plano passivo, seja em espectáculos, ou em provas e manifestações desportivas e outros divertimentos públicos, pelo contrário.

§ 53. Sobre este ponto não se pode aceitar, nem tal resulta da letra da Verba 2.15 ou sequer das normas da legislação em sede desportiva invocadas pelo Tribunal a quo — v. Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto e o Decreto Regulamentar n.º 2-A/2005, de 24 de Março —, que apenas se possa ter como manifestação desportiva a que «exija uma preparação anterior, uma organização anterior que implica uma divulgação pública, adequação de espaços, disponibilização de pessoal qualificado para tarefas auxiliares ou de arbitragem, obtenção e licenças, etc…» — cfr. sentença recorrida, pp. 12 e 13 (cit.).

§ 54. O facto de os jogadores de Golfe que sejam membros de um clube não terem de pagar um green fee por cada vez que acedem ao green, não significa que aquando daquele acesso e da concretização do jogo do Golfe não estejam a concretizar uma «manifestação desportiva», desde logo tendo em conta que, como o Tribunal não deixa de reconhecer, também eles terão de ser federados e titulares de um handicap; significa apenas que os green fees são absorvidos pelas quotas que estes pagam aos respectivos Clubes, as quais se encontram imediatamente isentas de IVA, pelo que não chega a ter de se ponderar da sua sujeição, ou não, à taxa reduzida deste imposto.

§ 55. As Recorrentes — e a própria Administração fiscal — distinguem bem o «jogo de Golfe» nos greens por jogadores federados titulares de handicap, da simples prática, recreativa ou com vista à aprendizagem deste desporto, na medida em que as aulas de golfe, assim como o treino no drive range estiveram desde sempre sujeitos à taxa normal do IVA.

§ 56. Tudo visto, a interpretação da redacção da Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA, em 2011, defendida pela Administração fiscal e adoptada pela sentença recorrida, que conduziu à emissão dos actos em crise mostra-se desconforme à própria letra da mencionada Verba, resultando necessária a revogação daquela sentença e a anulação dos ditos actos por vício de violação de lei.

§ 57. Sobre a violação dos princípios constitucionais da legalidade, da confiança, da justiça e da boa fé a sentença recorrida é totalmente omissa, padecendo de manifesta nulidade que deverá ser declarada e sanada, nos termos já acima expostos.

§ 58. As Recorrentes invocaram a inconstitucionalidade normativa da Verba 2.15 sob análise — pela violação dos princípios da legalidade, da confiança, da justiça e da boa fé —, na interpretação que foi sustentada pela Administração fiscal e que foi caucionada pelo Tribunal a quo no sentido de que os green fees não se encontravam abrangidos pelo âmbito de aplicação da mesma Verba.

§ 59. Está em causa a conduta da Administração que, a pretexto da concretização/interpretação da norma constante da Verba 2.15, inova sobre o respectivo conteúdo num sentido contrário ao disposto na Constituição.

§ 60. Deste modo, as ora Recorrentes entendem que os actos impugnados violam os princípios constitucionais da legalidade tributária, da protecção da confiança, da justiça e da boa fé por duas vias:

i. Os princípios em causa são directamente violados pelos actos impugnados, e pela própria decisão recorrida, que coonestou a sua prática.

ii. O princípio da protecção da confiança, posto em causa pela interpretação normativa da Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA na redacção do artigo 103.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011) que foi adoptada pela decisão recorrida.

§ 61. Em primeiro lugar, cumpre, de novo, realçar que a expressão «espectáculos e manifestações desportivas» constou da Verba incluída na lista de bens e serviços sujeitos a taxa reduzida do IVA desde 1986 a 2011 e foi uniformemente aplicada e interpretada pela Administração fiscal e pelos operadores do Golfe no sentido de se encontrar aí abrangido o Golfe, sendo absolutamente claro que esta manifestação desportiva não se encontrava abrangida por nenhuma das excepções previstas pelo legislador.

§ 62. Em 2011, a mesma expressão foi interpretada e aplicada pelos actos impugnados no sentido de excluir o Golfe (green fees) como «manifestação desportiva», sem que tivesse ocorrido qualquer alteração legislativa relevante, uma vez que a verba correspondente contida nas listas de bens e serviços sujeitos a taxa reduzida do IVA continuou a incluir, para o ano de 2011 a mencionada expressão, sem que fosse prevista uma excepção contemplando o Golfe.

§ 63. Perante esta realidade, o contribuinte não podia, de modo algum, à luz do disposto nas disposições legais em vigor, e enquanto estas se mantiveram em vigor, antecipar que a participação do jogo de Golfe num green deixasse de ser encarado como um serviço sujeito a taxa reduzida do IVA.

§ 64. Note-se que à luz das redacções anteriores da Verba 2.15 da Lista I do anexo ao Código do IVA já a Administração fiscal, interpretando o conceito de «manifestação desportiva» havia afirmado o entendimento de que a utilização de campos de Golfe (greens) beneficiava de tributação à taxa reduzida do IVA, e a nova doutrina administrativa, emitida em 2011 através do Ofício-Circulado a que acima fizemos referência, não tem qualquer ao conceito de «manifestação desportiva» e/ou à utilização dos campos de Golfe (greens).

§ 65. Dito isto, os actos impugnados carecem de ser confrontados com as exigências do princípio da legalidade tributária, não na sua dimensão formal de reserva de lei parlamentar em matéria fiscal, mas na sua dimensão material de tipicidade ou determinabilidade da lei de imposto.

§ 66. Com efeito, a mera dimensão formal da reserva de lei parlamentar sairia largamente frustrada se o parlamento estabelecesse os elementos essenciais dos impostos mediante meras fórmulas abertas ou se remetesse a globalidade da sua concretização para o juízo casuístico da administração.

§ 67. Foi precisamente isto o que ocorreu no caso dos Autos: a Administração fiscal apenas pode alterar radicalmente o seu entendimento sobre o conceito de «manifestação desportiva», na ausência de qualquer alteração da lei pelo parlamento, nos casos em que a lei em vigor não cumpre as exigências de tipicidade e determinabilidade, mas, ainda assim, com limites, precisamente para garantir os princípios constitucionais em jogo.

§ 68. Neste contexto, não se ignorando que a doutrina jurídico-tributária admite hoje, dentro de certos limites, a atribuição de poderes discricionários à Administração fiscal, bem como o exercício, por parte desta, de uma margem de livre apreciação na aplicação de conceitos indeterminados, a interpretação e aplicação de tais conceitos indeterminados, como sucede com o de «manifestação desportiva», não pode ter como resultado negar ao indivíduo «a oportunidade de conformar o seu comportamento à lei».

§ 69. A situação que ocorreu no caso dos Autos viola de modo flagrante o princípio da legalidade fiscal, na medida em que à uma, os actos impugnados foram praticados contrariando a prática administrativa anterior; e, à outra, a doutrina administrativa invocada pela Administração fiscal para legitimar a prática dos actos impugnados (Ofício-Circulado n.º 30124, de 14 de Fevereiro de 2011) nada tem a ver com a questão da prática do Golfe.

§ 70. Deste modo, os actos impugnados e a sentença recorrida violam claramente o princípio da legalidade fiscal, previsto no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição, na sua vertente material de efectiva limitação da margem de livre apreciação da Administração na concretização dos elementos essenciais dos impostos, bem como a limitação do uso de conceitos indeterminados na definição de tais elementos.

§ 71. Relativamente ao princípio da protecção da confiança, ao princípio constitucional da justiça, e ao princípio constitucional da boa fé, importa compreender que as ora Recorrentes e os demais operadores do IVA conformaram o seu comportamento com a (i) redacção da relevante Verba da Lista anexa ao Código do IVA; (ii) interpretação e aplicação da mesma Verba feita sem cessar durante o período de 1986-2011, e a (iii) posição confirmada pela Administração fiscal de que aos green fees se aplicava a taxa reduzida do IVA.

§ 72. Nesta conformidade, a interpretação e aplicação da norma vertente da Verba 2.15 da Lista anexa ao Código do IVA, no sentido de excluir do conceito de «manifestações desportivas» e, como tal, do âmbito daquela Verba, os green fees, ao arrepio de uma interpretação constante e seguida durante mais de 20 anos pelo sector do Golfe e pela Administração fiscal, e limitada apenas a uma zona do país (o Algarve), é manifestamente inconstitucional por violação dos princípios da protecção da confiança, da justiça e da boa fé e da igualdade, tal como estes se encontram constitucionalmente consagrados — vide artigos 2.º e 266.º da CRP.

§ 73. Ademais, note-se que as Recorrentes viram-se forçadas a suportar in totum o valor apurado nas autoliquidações de IVA in casu, sem que estes valores possam ser repercutidos nos clientes, o que é extremamente penoso e desproporcionado, sobretudo aquando constatam que sendo o IVA um imposto neutral para os sujeitos passivos (i.e. devem ser os consumidores a suportá-lo), a verdade é que, com esta interpretação passam a ser as ora Recorrentes a suportá-la…

§ 74. Sublinhe-se que o Ofício n.º 30124, de 14 de Fevereiro de 2011, visou apenas clarificar as consequências decorrentes de, com a publicação da Lei do Orçamento do Estado para 2011, o legislador ter suprimido do texto legal a expressão «prática de actividades físicas e desportivas», quando é certo que tal expressão não constava de anteriores versões da Verba da Lista I anexa ao Código do IVA à luz das quais sempre foi admitida a aplicação da taxa reduzida do IVA à prática do Golfe.

§ 75. Este Ofício-Circulado foi publicado para tratar de realidades que começaram a beneficiar da taxa reduzida em 2008, muito em particular os ginásios e health clubs, os quais deixaram, mercê do Orçamento do Estado para 2011, de beneficiar daquela mesma taxa reduzida logo naquele ano de 2011.

§ 76. Tudo visto, de novo se reafirma que a interpretação e aplicação da norma vertente da Verba 2.15 da Lista anexa ao Código do IVA, no sentido de excluir do conceito de «manifestações desportivas» e, como tal, do âmbito daquela Verba, os green fees, ao arrepio de uma interpretação constante e seguida durante mais de 20 anos pelo sector do Golfe e pela Administração fiscal, é manifestamente inconstitucional por violação dos princípios da protecção da confiança, da justiça, e da boa fé e da igualdade e proporcionalidade, tal como estes se encontram constitucionalmente consagrados (v. artigos 2.º, 3.º e 266.º da CRP).

§ 77. Devem, pois, ser anulados os actos em crise por violação clara dos princípios da legalidade fiscal e da protecção da confiança, da justiça e da boa fé e a sentença dos Autos que, assim, por violação das disposições acima referidas, não o decidiu.

§ 78. Adicionalmente, e como acima se afirmou, a questão da protecção da confiança configura ainda uma questão de constitucionalidade normativa.

§ 79. Sobre esta matéria, de imediato se diga que, no presente caso é inquestionável que (i) o Estado (mormente o legislador) encetou comportamentos capazes de gerar nos privados expectativas de continuidade, quer ao prever nas sucessivas redacções da verba relevante da lista anexa ao Código do IVA, que previa os bens e serviços sujeitos à taxa reduzida do IVA, o conceito de «manifestação desportiva», quer ao interpretar de modo constante, ao longo de mais de 20 anos, designadamente através de ofícios e inspecções, essa mesma verba no sentido de abranger no conceito de «manifestações desportivas» a prática do Golfe, através dos green fees.

§ 80. Para além disso, é também inquestionável que (ii) as expectativas dessa forma geradas pelo Estado são legítimas, pois se fundam nas sucessivas redacções da lei aplicável e na própria interpretação da Administração fiscal.

§ 81. Em terceiro lugar, é também claro que (iii) os privados, em especial as Recorrentes, fizeram feitos planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do comportamento estadual.

§ 82. Em quarto e último lugar, é também evidente que (iv) não ocorrem razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.

§ 83. As ora Recorrentes, no momento em que celebraram os contratos com os clientes, logo a partir do início de 2011 não sabiam, nem podiam saber, que a Administração fiscal iria decidir, no âmbito de inspecções tributárias concretas, que as Recorrentes deveriam ter liquidado IVA à taxa normal sobre os green fees desde Março de 2011, apesar de a Verba 2.15 continuar, em 2011, como em 1986, a abranger «espectáculos e manifestações desportivas» e ainda «as provas desportivas».

§ 84. Em conclusão, resulta inequívoco que a interpretação da Verba 2.15 da Lista I em anexo ao Código do IVA, na versão do artigo 103.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, no sentido de que a mesma não é aplicável aos green fees, viola os princípios da protecção da confiança, da justiça e da boa fé, pelo que cabe anular a sentença que considerando improcedente a impugnação dos Autos nem tão pouco aflorou esta questão.

§ 85. E nem se diga que o interesse público a justificar, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa consistiria, afinal, em a melhor interpretação das normas em apreço, ao abrigo do artigo 9.º do Código Civil e do artigo 11.º da LGT, ser aquela de acordo com a qual os green fees não se enquadram no conceito de «Espectáculos, provas e manifestações desportivas», constante da Verba 2.15 da Lista I anexa ao CIVA.

§ 86. É que, por um lado, a única actividade interpretativa em que se baseia a confiança das Recorrentes não é uma interpretação qualquer, efectuada num caso concreto isolado, mas uma interpretação qualificada por se conter em instruções da Administração fiscal e em acções inspectivas realizadas ao longo de mais de 20 anos.

§ 87. No que tange às liquidações de juros compensatórios — sobre as quais, como vimos, o Tribunal a quo não emitiu qualquer pronúncia — e apreciando os motivos que devem conduzir à sua anulação, cumpre esclarecer imediatamente que estas apenas seriam possíveis se se considerasse que no caso sub judice era devido o imposto em apreço, o que já vimos não poder justificar-se ou ter qualquer base legal.

§ 88. De outro passo, caso viesse a tese contrária a obter vencimento — o que apenas se admite por mero dever de patrocínio e sem conceder — ainda assim as liquidações de juros compensatórios no presente caso deviam ser consideradas ilegais por razões substanciais.

§ 89. No que respeita à existência de uma situação de confiança carente de tutela, as Recorrentes remetem para o que se disse anteriormente, onde já se concluiu que mais de 20 anos de interpretação e aplicação constantes da Verba relevante criaram uma situação geradora de confiança para os contribuintes, e em especial para as Recorrentes.

§ 90. O que permite, desde logo, concluir que sob pena de violação dos princípios da confiança e da boa-fé — nos mesmos termos referidos para as autoliquidações de IVA supra —, não poderão as liquidações de juros compensatórios em crise subsistir.

§ 91. De outro passo, resulta evidente que a não liquidação em tempo, pelas Recorrentes, do IVA alegadamente em falta se justifica, plenamente, pelo facto de as mesmas Recorrentes considerarem que os green fees se encontravam, em 2011, abrangidos pela Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA.

§ 92. Deste modo, ainda que se considere ser erróneo o entendimento das Recorrentes, sempre se diria que esses erros resultam de simples divergência, não culposa e que não permitiam alegar da existência de dolo ou negligência, pelo que as liquidações de juros compensatórios devem ser anuladas por evidente violação da letra e ratio da norma expressa no artigo 35.º da LGT.

§ 93. A Administração fiscal não fundamentou de forma suficiente e nos termos legalmente prescritos as liquidações de juros compensatórios em apreço, designadamente no que tange ao necessário juízo de censurabilidade da actuação das Recorrentes, pressuposto essencial da liquidação de juros compensatórios.

§ 94. No caso em apreço não estamos face a uma situação de falta de comunicação da fundamentação, mas sim ante uma situação de falta de fundamentação intrínseca aos próprios actos de liquidações de juros compensatórios, pelo que seria inútil o recurso ao artigo 37.º do CPPT.

§ 95. Finalmente, ao abrigo do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, cabe à Administração fiscal provar o nexo de causalidade e do juízo de censura sobre a conduta do contribuinte que permitem a liquidação de juros compensatórios, uma vez que se tratam de factos constitutivos de um direito seu.

§ 96. Face ao exposto, resta-nos concluir que as liquidações a título de juros compensatórios de que as Recorrentes foram alvo são absolutamente ilegais, e, assim sendo, semelhantes liquidações enfermam do vício de violação da lei, pelo que devem ser anuladas, sendo revogada a sentença que assim não decidiu.

XI. DO PEDIDO

Termos em que, deve ser:

(i) declarada a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, com os devidos efeitos; e,

(ii) concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando- se a decisão emitida pelo Tribunal a quo, a qual deve ser substituída por outra que anule as liquidações adicionais de IVA, as liquidações de juros compensatórios e os indeferimentos impugnados, por vícios de forma e/ou de violação de lei, também constitucional, determinando-se que as Recorrentes sejam reembolsadas dos montantes de IVA e juros já pagos, condenando-se a Administração fiscal ao pagamento dos respectivos juros indemnizatórios, de acordo com os artigo 43.° da LGT e 61.° do CPPT, teudo com as demais consequências legais”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) A sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia?

b) Verifica-se erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

c) Verifica-se erro de julgamento, porquanto os green fees enquadram-se no âmbito da verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA (CIVA)?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) As Impugnantes exploram no Algarve, campos de golfe denominados: “P… A…, P… V…, P… G…, P… P… e P… S…” (por acordo);

B) As partidas de golfe dependem do pagamento, pelos respectivos participantes, de uma taxa de acesso designada por green fee (por acordo);

C) No decurso do ano de 2011 as Impugnantes liquidaram o IVA devido pelos green fees à taxa de 6% (por acordo);

D) A coberto da Ordem de Serviço nº OI201101876 foi feita, à Impugnante, R…, Lda., inspeção tributária externa, de âmbito parcial, em IVA, relativamente ao ano de 2011, iniciada em 23/01/2012 e concluída em 17/02/2012 (cfr. fls. 66 dos autos);

E) Em 29/02/2012, os serviços de inspecção elaboraram o relatório de inspecção tributária, que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 64 a 67 dos autos);

F) Na sequência de acção inspectiva referida na alínea anterior, a Impugnante foi notificada das liquidações de IVA referentes aos meses de Março a Outubro de 2011 e que se encontram pagas (cfr. fls. 124 a 212 dos autos);

G) A coberto da Ordem de Serviço nº OI201101877 foi feita, à Impugnante, P..., S.A., inspeção tributária externa, de âmbito parcial, em IVA, relativamente ao ano de 2011, iniciada em 23/01/2012 e concluída em 17/02/2012 (cfr. fls. 72 dos autos);

H) Em 24/02/2012, os serviços de inspeção elaboraram o relatório de inspeção tributária, que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 69 a 74 dos autos);

I) Na sequência de ação inspetiva referida na alínea anterior, a Impugnante foi notificada das liquidações de IVA referentes aos meses de Março a Outubro de 2011 e que se encontram pagas (cfr. fls. 124 a 212 dos autos);

J) A coberto da Ordem de Serviço nº OI201101878 foi feita, à Impugnante, C…, S.A., inspeção tributária externa, de âmbito parcial, em IVA, relativamente ao ano de 2011, iniciada em 23/01/2012 e concluída em 20/02/2012 (cfr. fls. 79 dos autos);

K) Em 29/02/2012, os serviços de inspeção elaboraram o relatório de inspeção tributária, que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 76 a 81 dos autos);

L) Na sequência de ação inspetiva referida na alínea anterior, a Impugnante foi notificada das liquidações de IVA referentes aos meses de Março a Outubro de 2011 e que se encontram pagas (cfr. fls. 124 a 212 dos autos)”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados e nos processos administrativos junto aos autos, cuja veracidade não foi posta em causa”.

II.D. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

As Recorrentes consideram, sob vários prismas, que a decisão proferida sobre a matéria de facto padece de erro.

Concretizando, entendem que:

A. O Tribunal a quo errou nos factos constantes das alíneas F), I) e L), porquanto “foram as Recorrentes que, no âmbito dos procedimentos de inspecção de que foram alvo pela Administração fiscal, optaram, para evitar a futura instauração de processos de execuções fiscais e as graves consequências de não terem a sua situação fiscal regularizada perante o Fisco, por apresentar, ainda antes do termo daquelas acções, novas declarações periódicas respeitantes aos períodos de Março a Outubro”, devendo passar as mencionadas alíneas a ter a seguinte redação:

F) Ainda antes do fim da acção inspetiva referida na alínea anterior, a Impugnante [R… – G…, Lda] optou, para evitar a futura instauração de processos de execuções fiscais e as graves consequências de não ter a sua situação fiscal regularizada, por apresentar novas declarações periódicas respeitantes aos períodos de Março a Outubro — cfr. comprovativos desta entrega juntos como doc. n.º 4 em anexo à p.i. — as quais se encontram pagas — cfr. comprovativos deste pagamento juntos como doc. n.º 5 em anexo à p.i.; […];

I) Ainda antes do fim da acção inspetiva referida na alínea anterior, a Impugnante [P…, Lda] optou, para evitar a futura instauração de processos de execuções fiscais e as graves consequências de não ter a sua situação fiscal regularizada, por apresentar novas declarações periódicas respeitantes aos períodos de Março a Outubro — cfr. comprovativos desta entrega juntos como doc. n.º 4 em anexo à p.i. — as quais se encontram pagas — cfr. comprovativos deste pagamento juntos como doc. n.º 5 em anexo à p.i.; […];

L) Ainda antes do fim da acção inspetiva referida na alínea anterior, a Impugnante [C…, S.A.] optou, para evitar a futura instauração de processos de execuções fiscais e as graves consequências de não ter a sua situação fiscal regularizada, por apresentar novas declarações periódicas respeitantes aos períodos de Março a Outubro — cfr. comprovativos desta entrega juntos como doc. n.º 4 em anexo à p.i. — as quais se encontram pagas — cfr. comprovativos deste pagamento juntos como doc. n.º 5 em anexo à p.i.» (cit.).;

B. Devem ser aditados os seguintes factos:

a. As Recorrentes foram notificadas da liquidação de juros compensatórios — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 6 em anexo à p.i. —, tendo já procedido ao respetivo pagamento — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 7 em anexo à p.i.;

b. Das autoliquidações de IVA respeitantes aos períodos de março a outubro de 2011 e das liquidações de juros compensatórios as Recorrentes apresentaram reclamações graciosas — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 8 em anexo à p.i.;

c. As Recorrentes foram notificadas dos projetos de decisão, no sentido do indeferimento dos correspondentes pedidos, aos quais exerceram o seu direito de audição, relembrando a Administração fiscal que os argumentos aduzidos nas reclamações graciosas careciam ainda in totum de análise — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 9 e pelo doc. n.º 10 em anexo à p.i.;

d. As Recorrentes vieram a ser notificadas das decisões de indeferimento definitivo das respetivas pretensões reclamatórias, das quais apresentaram a presente impugnação judicial — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 1 em anexo à p.i.;

e. A esmagadora maioria dos jogadores de Golfe que participaram e participam em jogos de Golfe nos campos geridos pelas Recorrentes são estrangeiros não residentes — Facto assente, o qual foi alegado pelas Recorrentes e não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo;

f. Esta é uma tendência que se verifica nos restantes campos de Golfe, em particular naqueles situados no Algarve — Facto assente, o qual foi alegado pelas Recorrentes e não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo;

g. Fora da época de Verão, o Golfe é a principal fonte de atração turística do Algarve — Facto assente, o qual foi alegado pelas Recorrentes e não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo;

h. As Recorrentes prestam, para além dos serviços que dão lugar ao pagamento dos green fees, serviços acessórios e/ou conexos com o jogo de Golfe como o aluguer de trolleys e buggies, guarda-tacos, aulas de Golfe, ou ainda o treino de Golfe em local distinto dos greens e, como tal, fora de provas desportivas, como seja a prática de Golfe num drive range — Facto assente, o qual foi alegado pelas Recorrentes e não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo;

i. As Recorrentes liquidaram IVA sobre os green fees à taxa reduzida desde o início da sua atividade, tendo aos restantes serviços por si prestados aplicado a taxa normal do IVA. Concretizando, desde a entrada em vigor do Código do IVA, i.e., desde 1 de janeiro de 1986 até ao termo de 2011, as Recorrentes procederam da forma seguinte:

a) os serviços acessórios e/ou conexos mencionados supra foram sujeitos à taxa normal de IVA que, ao longo do tempo, foi variando — Facto assente, o qual foi alegado pelas Recorrentes e não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo;

b) os green fees foram sujeitos à taxa reduzida do IVA, mediante a previsão e aplicação da Verba relevante da Lista Anexa ao Código do IVA — Facto assente, o qual foi alegado pelas Recorrentes e não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo;

j. Os operadores da indústria do Golfe sempre entenderam que os greens fees estavam sujeitos à taxa reduzida, estando os demais serviços de Golfe (driving range, lições, alugueres, etc.) sujeitos à taxa normal — Facto que resulta provado pela declaração emitida pelo CNIG e junta como doc. n.º 3 em anexo às alegações finais e que não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo;

k. A sujeição dos green fees à taxa reduzida do IVA e dos restantes serviços à taxa normal do IVA foi confirmada pela Administração fiscal ao longo dos anos, a) quer mediante a emissão de orientações, tal como a prevista na Informação n.º 2982, com despacho concordante da Subdirectora-Geral de 03 de Dezembro de 2002, na qual se determina que «(...) no que se refere à utilização dos campos de golf (greens), de harmonia com o entendimento Superiormente sancionado por estes Serviços, beneficiam de tributação à taxa reduzida de 5% por enquadramento na verba 2.13 da Lista I anexa ao CIVA», constando no final do texto, de forma dactilografada, «Concordo. Comunique-se. Em 03.12.2012. M… (Subdirectora-Geral)» — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 2 em anexo à p.i. e que não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo;

l. O golfe é um desporto auto regulado, com regras específicas de carácter supranacional e aplicação quase universal — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 1 em anexo às alegações finais, que corresponde às regras da modalidade emitidas pelo R&… R… Limited, que agrupa associações e federações de 120 países, entre os quais Portugal, e pelo U… que agrega as entidades representantes do golfe dos EUA e México;

m. O acesso a um campo de golfe para jogar apenas é permitido a pessoas que sejam federadas e demonstrem ter um certificado específico que as habilite a competir: o certificado de handicap — Facto que resulta provado pelo docs. n.º 1 e n.º 2 em anexo às alegações finais;

n. A obtenção de um handicap oficial, em Portugal, é possível apenas para jogadores federados e sócios ou associados de um Clube de Golfe (Associação), membro da Federação Portuguesa de Golfe, aos quais é por esta delegada a gestão do handicap dos seus sócios praticantes — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 2 em anexo às alegações finais.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (1-Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados (2-V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram cumpridos.

Cumpre, assim, apreciar.

- Ponto A. supra, atinente à correção do teor dos factos F), I) e L):

Face aos elementos documentais juntos aos autos, efetivamente verifica-se erro de julgamento de facto, na medida em que, tal como afirmam as Recorrentes, as mesmas apresentaram declarações, na sequência da ação inspetiva e ainda no seu decurso.

Como tal, defere-se o requerido, ainda que a redação a adotar seja saneada das considerações subjetivas constantes da formulação proposta.

Assim, passa a ser a seguinte a redação dos factos F), I) e L):

F) A Impugnante R…, Lda apresentou, a 16.02.2012, declarações de substituição de IVA, atinentes aos meses compreendidos entre março e outubro de 2011, tendo pago o IVA liquidado (cfr. documento n.º 4, junto com a petição inicial; fls. 132 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232561).

I) A Impugnante P…, SA apresentou, a 16.02.2012, declarações de substituição de IVA, atinentes aos meses compreendidos entre março e outubro de 2011, tendo pago o IVA liquidado (cfr. documento n.º 4, junto com a petição inicial).

L) A Impugnante C…, SA apresentou, a 16.02.2012 e a 24.02.2012 (nesta última data, para o mês de agosto de 2011), declarações de substituição de IVA, atinentes aos meses compreendidos entre março e outubro de 2011, tendo pago o IVA liquidado (cfr. documento n.º 4, junto com a petição inicial).

- Ponto B. supra, factos a. a d. a aditar:

Foi proposto o aditamento dos seguintes factos:

“a. As Recorrentes foram notificadas da liquidação de juros compensatórios — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 6 em anexo à p.i. —, tendo já procedido ao respetivo pagamento — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 7 em anexo à p.i.;

b. Das autoliquidações de IVA respeitantes aos períodos de março a outubro de 2011 e das liquidações de juros compensatórios as Recorrentes apresentaram reclamações graciosas — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 8 em anexo à p.i.;

c. As Recorrentes foram notificadas dos projetos de decisão, no sentido do indeferimento dos correspondentes pedidos, aos quais exerceram o seu direito de audição, relembrando a Administração fiscal que os argumentos aduzidos nas reclamações graciosas careciam ainda in totum de análise — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 9 e pelo doc. n.º 10 em anexo à p.i.;

d. As Recorrentes vieram a ser notificadas das decisões de indeferimento definitivo das respetivas pretensões reclamatórias, das quais apresentaram a presente impugnação judicial — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 1 em anexo à p.i.”

Efetivamente, da documentação indicada, resulta provado o alegado, motivo pelo qual se defere o requerido, ainda que com distinta formulação.

Logo, são de aditar os factos M) a X), com o seguinte teor:

M) Foram emitidas pela AT, comunicadas às Impugnantes e pelas mesmas pagas, as seguintes liquidações de juros compensatórios:
Impugnante
Período
N.º liquidação
Valor
R… – G… Lda
1103
12014606
709,81
R… - G… Lda
1104
12014609
404,08
R… - G… Lda
1105
12014611
275,00
R… - G… Lda
1106
12014613
141,24
R… - G… Lda
1107
12014617
100,14
R… - G… Lda
1108
12014618
79,96
R… - G… Lda
1109
12014620
121,97
R… - G… Lda
1110
12014623
208,66
P…, SA
1103
12013610
943,93
P…, SA
1104
12013611
692,26
P…, SA
1105
12013612
671,29
P…, SA
1106
12013613
397,20
P…, SA
1107
12013614
292,72
P…, SA
1108
12013615
203,48
P…, SA
1109
12013616
305,62
P…, SA
1110
12013617
318,88
C…, SA
1103
12014605
2.743,02
C…, SA
1104
12014608
1.693,97
C…, SA
1105
12014610
2.642,36
C…, SA
1106
12014612
709,78
C…, SA
1107
12014616
426,11
C…, SA
1108
12010776
296,22
C…, SA
1109
12014619
513,63
C…, SA
1110
12014622
823,96
(cfr. documentos n.ºs 6 e 7 juntos com a petição inicial; fls. 132 e 134 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232561, fls. 94 e 95 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232562 e fls. 252 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232563, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

N) Das autoliquidações de IVA respeitantes aos períodos de março a outubro de 2011 e das liquidações de juros compensatórios as Impugnantes apresentaram reclamações graciosas (cfr. doc. n.º 8 junto à petição inicial, fls. 38 a 122 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232561, fls. 3 a 85 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232562 e fls. 3 a 81 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232563).

O) Na sequência do referido em N), foram autuados os seguintes procedimentos de reclamação graciosa:

i. N.º 1112201204002415, relativo à reclamante R… Lda;

ii. N.º 1112201204002407, relativo à reclamante P…, SA;

iii. N.º 1066201204000951, relativo à reclamante C…, SA (cfr. fls. 38 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232561, fls. 1 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232562 e fls. 1 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232563).

P) No âmbito do procedimento de reclamação graciosa mencionado em O) i., foi elaborada proposta de decisão, no sentido do indeferimento da pretensão da reclamante, datada de 03.07.2012, sobre a qual foram proferidos, na mesma data, parecer e despacho de concordância, da qual consta designadamente o seguinte:







…” (cfr. fls. 139 a 143 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232561, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

Q) A sociedade R… Lda apresentou, no procedimento mencionado, documento com vista ao exercício do seu direito de audição (cfr. fls. 148 a 152 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232561, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

R) No âmbito do procedimento de reclamação graciosa mencionado em O) i., foi elaborada informação, no sentido do indeferimento da pretensão da reclamante, datada de 08.08.2012, sobre a qual foram proferidos, na mesma data, parecer e despacho de concordância, da qual consta designadamente o seguinte:

“…







…” (cfr. fls. 161 a 164 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232561, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

S) No âmbito do procedimento de reclamação graciosa mencionado em O) ii., foi elaborada proposta de decisão, no sentido do indeferimento da pretensão da reclamante, datada de 11.07.2012, sobre a qual foram proferidos, a 11.07.2012 e 12.07.2012, respetivamente, parecer e despacho de concordância, da qual consta designadamente o seguinte:
“…






…” (cfr. fls. 99 a 103 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232562, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

T) A sociedade apresentou, no procedimento mencionado, documento com vista ao exercício do seu direito de audição (cfr. fls. 107 a 111 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232562, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

U) No âmbito do procedimento de reclamação graciosa mencionado em O) ii., foi elaborada informação, no sentido do indeferimento da pretensão da reclamante, datada de 27.08.2012, sobre a qual foram proferidos, a 28.08.2012, parecer e despacho de concordância, da qual consta designadamente o seguinte:
“…








…”.(cfr. fls. 130 a 133 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232562, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

V) No âmbito do procedimento de reclamação graciosa mencionado em O) iii., foi elaborada proposta de decisão, no sentido do indeferimento da pretensão da reclamante, datada de 25.07.2012, sobre a qual foram proferidos, na mesma data, parecer e despacho de concordância, da qual consta designadamente o seguinte:

“…





…” (cfr. fls. 254 a 258 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232563, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

W) A sociedade apresentou, no procedimento mencionado, documento com vista ao exercício do seu direito de audição (cfr. fls. 268 a 272 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232563, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

X) No âmbito do procedimento de reclamação graciosa mencionado em O) iii., foi elaborada informação, no sentido do indeferimento da pretensão da reclamante, datada de 27.08.2012, sobre a qual foram proferidos, a 28.08.2012, parecer e despacho de concordância, da qual consta designadamente o seguinte:

“…







…” (cfr. fls. 285 a 288 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 000232563, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

- Ponto B. supra, factos e. a h. e j., a aditar:

Consideram ainda as Recorrentes que são de aditar os seguintes factos:

“e. A esmagadora maioria dos jogadores de Golfe que participaram e participam em jogos de Golfe nos campos geridos pelas Recorrentes são estrangeiros não residentes — Facto assente, o qual foi alegado pelas Recorrentes e não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo;

f. Esta é uma tendência que se verifica nos restantes campos de Golfe, em particular naqueles situados no Algarve — Facto assente, o qual foi alegado pelas Recorrentes e não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo;

g. Fora da época de Verão, o Golfe é a principal fonte de atração turística do Algarve — Facto assente, o qual foi alegado pelas Recorrentes e não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo;

h. As Recorrentes prestam, para além dos serviços que dão lugar ao pagamento dos green fees, serviços acessórios e/ou conexos com o jogo de Golfe como o aluguer de trolleys e buggies, guarda-tacos, aulas de Golfe, ou ainda o treino de Golfe em local distinto dos greens e, como tal, fora de provas desportivas, como seja a prática de Golfe num drive range — Facto assente, o qual foi alegado pelas Recorrentes e não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo; (…)

j. Os operadores da indústria do Golfe sempre entenderam que os greens fees estavam sujeitos à taxa reduzida, estando os demais serviços de Golfe (driving range, lições, alugueres, etc.) sujeitos à taxa normal — Facto que resulta provado pela declaração emitida pelo C… e junta como doc. n.º 3 em anexo às alegações finais e que não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo”.

As Recorrentes, a este respeito, sustentam a sua convicção no facto de terem alegado os factos em causa e de os mesmos não terem sido postos em causa pela FP.

Antes de mais, cumpre sublinhar que, ao contrário do que sucede, em regra, ao nível do processo civil, o silêncio da FP, em sede de contestação, pela falta de impugnação especificada dos factos alegados, não equivale à sua aceitação, dado que, nos termos do n.º 6 do art.º 110.º do CPPT, “[a] falta de contestação não representa a confissão dos factos articulados pelo impugnante”, sendo que, nos termos do n.º 7 da mesma disposição legal, “[o] juiz aprecia livremente a falta de contestação especificada dos factos”.

Por outro lado, como já referimos, nem todos os factos alegados, mesmo que provados, devem constar da decisão proferida sobre a matéria de facto, designadamente se os mesmos se apresentarem irrelevantes para a decisão do pleito.

Ademais, a decisão proferida sobre a matéria de facto respeita a factos e não a conclusões.

Ora:

- No caso da alínea e., tal facto, atinente à nacionalidade dos jogadores de golfe, é irrelevante, não tendo qualquer impacto em termos de decisão do litígio;

- No caso da alínea f., trata-se de uma conclusão e, mesmo que fosse passível de ser densificada em factos, carece de relevância, pelos mesmos motivos apontados em relação à alínea e.;

- No caso da alínea g., trata-se igualmente de uma conclusão, sendo irrelevante para a decisão dos autos, como se verá infra;

- O caso da alínea h. é igualmente irrelevante, porque o que trata in casu é do enquadramento dos green fees, não carecendo de pertinência aferir que serviços acessórios ou conexos com o jogo de golfe são prestados;

- No caso da alínea j., é um juízo vago, conclusivo e opinativo, além de que irrelevante.

Logo, em todos estes casos, indefere-se o requerido.

- Ponto B. supra, factos i. e k. a n., a aditar:

Entendem, ainda, as Recorrentes ser de aditar os seguintes factos:

“i. As Recorrentes liquidaram IVA sobre os green fees à taxa reduzida desde o início da sua atividade, tendo aos restantes serviços por si prestados aplicado a taxa normal do IVA. Concretizando, desde a entrada em vigor do Código do IVA, i.e., desde 1 de janeiro de 1986 até ao termo de 2011, as Recorrentes procederam da forma seguinte:

a) os serviços acessórios e/ou conexos mencionados supra foram sujeitos à taxa normal de IVA que, ao longo do tempo, foi variando — Facto assente, o qual foi alegado pelas Recorrentes e não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo;

b) os green fees foram sujeitos à taxa reduzida do IVA, mediante a previsão e aplicação da Verba relevante da Lista Anexa ao Código do IVA — Facto assente, o qual foi alegado pelas Recorrentes e não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo; (…)

k. A sujeição dos green fees à taxa reduzida do IVA e dos restantes serviços à taxa normal do IVA foi confirmada pela Administração fiscal ao longo dos anos, a) quer mediante a emissão de orientações, tal como a prevista na Informação n.º 2982, com despacho concordante da Subdirectora-Geral de 03 de Dezembro de 2002, na qual se determina que «(...) no que se refere à utilização dos campos de golf (greens), de harmonia com o entendimento Superiormente sancionado por estes Serviços, beneficiam de tributação à taxa reduzida de 5% por enquadramento na verba 2.13 da Lista I anexa ao CIVA», constando no final do texto, de forma dactilografada, «Concordo. Comunique-se. Em 03.12.2012. M… (Subdirectora-Geral)» — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 2 em anexo à p.i. e que não foi contestado pela Administração fiscal em qualquer momento do processo;

l. O golfe é um desporto auto regulado, com regras específicas de carácter supranacional e aplicação quase universal — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 1 em anexo às alegações finais, que corresponde às regras da modalidade emitidas pelo R&… R… Limited, que agrupa associações e federações de 120 países, entre os quais Portugal, e pelo U… que agrega as entidades representantes do golfe dos EUA e México;

m. O acesso a um campo de golfe para jogar apenas é permitido a pessoas que sejam federadas e demonstrem ter um certificado específico que as habilite a competir: o certificado de handicap — Facto que resulta provado pelo docs. n.º 1 e n.º 2 em anexo às alegações finais;

n. A obtenção de um handicap oficial, em Portugal, é possível apenas para jogadores federados e sócios ou associados de um Clube de Golfe (Associação), membro da Federação Portuguesa de Golfe, aos quais é por esta delegada a gestão do handicap dos seus sócios praticantes — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 2 em anexo às alegações finais”.

Vejamos, então.

No tocante à alínea i), é de admitir o seu aditamento, apenas na parte relativa aos green fees e sem densificação do termo inicial, por não estar provado ser, para todas as Recorrentes, desde 1986 [veja-se que, como resulta dos relatórios de inspeção tributária (RIT), o início de atividade da sociedade R… foi a 30.06.2008, o da sociedade P… foi a 03.01.2011 e o da sociedade C… foi a 07.04.1982].

Assim, é de aditar um facto com a seguinte formulação:

Y) Até ao termo de 2011, as Recorrentes liquidaram IVA à taxa reduzida, no tocante ao valor dos green fees (facto que se extrai dos relatórios de inspeção tributária).

Quanto à alínea k), efetivamente, consta dos autos a informação n.º 2982, de 02.12.2002.

Assim, é de admitir o aditamento proposto, ainda que apenas no tocante à emissão da instrução administrativa, determinando-se, igualmente, a título oficioso, o aditamento atinente à emissão da instrução administrativa n.º 30124.

Como tal, são de aditar os seguintes factos:

Z) Foi emitida, a 03.12.2002, pela direção de serviços do IVA, informação n.º 2082, da qual consta designadamente o seguinte:

“…



(cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial).

AA) Foi emitido, a 14.02.2011, pela direção de serviços do IVA, ofício circulado n.º 30124, do qual consta designadamente o seguinte:

“…





…” (informação pública, disponível em https://info.portaldasfinancas.gov.pt
/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/Documents/IVA-of%20circ%2030124.pdf, do conhecimento de ambas as partes, como decorre dos articulados)
.

No tocante aos factos l., m. e n. propostos, os mesmos resultam provados, pelo que é de deferir o requerido, apenas com ligeiras alterações de formulação.

Como tal, aditam-se os seguintes factos:

BB) O golfe é um desporto auto regulado, com regras específicas de carácter supranacional e aplicação a cerca de 120 países (cfr. fls. 40 a 99 do documento com o n.º de registo no SITAF neste TCAS 000232574).

CC) O acesso a um campo de golfe para jogar apenas é permitido a pessoas que sejam federadas e demonstrem ter um certificado específico que as habilite a competir, designado de certificado de handicap (cfr. fls. 40 a 111 do documento com o n.º de registo no SITAF neste TCAS 000232574).

DD) A obtenção de um handicap oficial, em Portugal, é possível apenas para jogadores federados e sócios ou associados de um Clube de Golfe (Associação), membro da Federação Portuguesa de Golfe, aos quais é por esta delegada a gestão do handicap dos seus sócios praticantes (cfr. fls. 100 a 111 do documento com o n.º de registo no SITAF neste TCAS 000232574).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade, por omissão de pronúncia

Consideram as Recorrentes que o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, quanto a três questões, a saber:

a) Falta de fundamentação dos atos de indeferimento das reclamações graciosas;

b) Inconstitucionalidade material da Verba 2.15. da lista I anexa ao CIVA, na interpretação defendida pela administração tributária (AT);

c) Ilegalidades assacadas às liquidações de juros compensatórios.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

Compulsada a petição inicial apresentada, verifica-se que foi alegado:

a) Entre os art.º 55.º e 75.º: falta de fundamentação das decisões de indeferimento das reclamações graciosas;

b) Entre os art.ºs 148.º e 162.º, inconstitucionalidade da Verba 2.15. na interpretação vertida no ofício circulado n.º 30124 de 14.02.2011;

c) Entre os art.º 163.º e 177.º, ilegalidade das liquidações dos juros compensatórios, quer por força das ilegalidades imputadas às liquidações de imposto, quer pela ausência do nexo de causalidade e de conduta censurável das Recorrentes. Ademais, as mesmas não estão fundamentadas.

Compulsada a sentença recorrida, verifica-se que, efetivamente, nenhuma dessas questões foi apreciada (exceto no tocante aos juros compensatórios na parte em que, em relação à liquidação de IVA, foi apreciado o alegado, por ser a mesma questão), não tendo ficado o seu conhecimento prejudicado pelo conhecimento de outras questões, pelo que a referida sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia.

Nos termos do art.º 665.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, “[a]inda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”.

Assim, cumpre conhecer o erro de julgamento alegado pelas Recorrentes, o que será feito ulteriormente à apreciação do erro de julgamento quanto à interpretação atinente ao alcance da verba 2.15. da lista I anexa ao CIVA, por questões de precedência lógica.

III.B. Do erro de julgamento, quanto à interpretação do alcance da verba 2.15. da Lista I anexa ao CIVA

Entendem as Recorrentes que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que a Verba 2.15 da Lista I anexa ao CIVA é aplicável aos green fees.

Vejamos.

A verba 2.15. da lista I, anexa ao CIVA, em 2011, previa a aplicação de taxa reduzida de IVA a “espetáculos, provas e manifestações desportivas e outros divertimentos públicos”, redação que se mantém até à presente data.

Na redação imediatamente precedente, a verba 2.15. abrangia “Espetáculos, provas e manifestações desportivas, prática de atividades físicas e desportivas e outros divertimentos públicos”.

Sobre o alcance desta verba 2.15. já se pronunciaram reiteradamente os nossos tribunais superiores, no sentido de os green fees não se incluírem na sua previsão normativa [vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14.10.2020 (Processo: 176/13.7BELLE 0444/17), de 22.05.2015 (Processo: 0763/14), de 22.04.2015 (Processo: 0747/14), de 08.04.2015 (Processos: 0744/14, 0745/14 e 0797/14), e deste TCAS, de 27.01.2022 (Processo: 679/12.0BELLE)].

Adere-se à fundamentação destes arestos, chamando-se especificamente à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.04.2015 (Processo: 0744/14), onde se referiu:

“É comumente aceite que os “green fees” se tratam de taxas de utilização dos “greens” por parte dos jogadores de golfe, nos campos dos quais não sejam sócios ou membros, ou dos campos meramente comerciais, já que nos campos explorados por clubes ou associações de que os jogadores sejam membros a utilização do “green” é um dos direitos do membro, decorrente dessa sua qualidade.

No dizer do TJUE, aqueles “green fees” tratam-se da contrapartida económica pela concessão do direito de utilizar esse campo de golfe aos visitantes não-membros desse mesmo organismo, cfr. Acórdão datado de 19/12/2013, Processo n.º C-495/12, Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs contra Bridport and West Dorset Golf Club Limited.

Mais esclarece o TJUE que, “Atendendo a que o acesso ao campo de golfe é necessário para praticar este desporto, a prestação que consiste na concessão do direito de utilizar um campo de golfe está estreitamente relacionada com a prática de desporto na aceção do artigo 132.º, n.º 1, alínea m), da Diretiva 2006/112, independentemente do facto de se saber se a pessoa em questão pratica golfe de forma regular ou organizada, ou tendo em vista participar em competições desportivas.”.

Deste excerto, já podemos começar a ter uma ideia do tipo de utilização do “green” que está intimamente ligado ao dito “green fee”.

Conforme se pode também colher do site da Federação Portuguesa de Golf (http://portal.fpg.pt/web/guest/clubes), pode-se constatar que são seus filiados, Clubes, Associações e Sociedades (…), do conjunto destes membros há alguns que dispõem de “Campo” próprio -tal como a recorrida-, e do conjunto de filiados com “Campo” próprio, só alguns estão habilitados à organização de Torneios (…).

Além disso, e como se depreende das “Regras de Golfe”, também inseridas na página daquela Federação (http://portal.fpg.pt/web/guest/regra-7-treino), na Regra 7, está previsto o treino por contraposição às competições, sendo certo que estas “Regras” estão estabelecidas para a realização de competições entre atletas (profissionais ou amadores), não estando aí expressamente previstas todas as possíveis utilizações do “Campo” de golfe em situações de não competição.

Além disso, por regra, todas as competições de golfe têm um regulamento próprio, onde é estabelecido um número máximo de inscrição de jogadores, o valor a pagar pela inscrição, a modalidade, demais regras e respectiva informação técnica.

Ou seja, daqui se pode concluir, com alguma facilidade, que o chamado “green fee” não se destina a permitir o acesso do jogador ao campo de golfe para participar numa competição, prova ou manifestação desportiva, antes se destina a que o jogador tenha acesso ao campo, para treinar o seu jogo individual, ou acompanhado de outros jogadores, mas sem que se possa atribuir a tal actividade desportiva as características próprias de uma manifestação desportiva, ou prova, enquanto tal.

Na verdade, o conceito de manifestação desportiva, tal como usado pelas Leis Fiscais, na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, artigo 32º, e no Decreto Regulamentar n.º 2-A/2005 de 24/03, artigos 2º e 6º, implica que a manifestação desportiva, quer se destine à competição, quer se destine à divulgação de actividades desportivas, exige uma preparação anterior, uma organização anterior que implica divulgação pública, adequação de espaços, disponibilização de pessoal qualificado para tarefas auxiliares ou de arbitragem, obtenção de licenças, etc…Sendo certo, também, que a expressão “manifestação desportiva”, sem carácter de competição, está sempre intimamente ligada a actividade desportiva no espaço público, cfr. os preceitos legais acima referidos.

De resto, o estabelecimento do “Handicap” de cada jogador de golfe, que (pode) ocorre(r) fora de competição, não está intimamente ligado ao pagamento do “green fee”, uma vez que cada jogador pode fazer a “volta” ao campo para estabelecimento desse “Handicap” no âmbito da qualidade de associado de um Clube filiado na FPG (cfr. http://portal.fpg.pt/web/guest/sistema-de-handicaps-ega) e no caso de o fazer no campo do clube de que é membro, como já vimos, não carece de pagar o dito “green fee”, uma vez que já paga uma quota anual.

Assim, e ao abrigo do disposto nos artigos 9º do Código Civil e 11º da Lei Geral Tributária, as normas em apreço não são susceptíveis de outra interpretação que não seja esta, posto que, as mesmas expressões usadas pelo legislador nos diversos diplomas legais assumem sempre o mesmo sentido, referem-se sempre à mesma realidade material, ao mesmo facto da vida real que pretendem regular e regulamentar”.

Aderindo, pois, a este entendimento, considera-se ser esta a interpretação que se extrai do quadro normativo aplicável (sendo, para o efeito, irrelevante a existência de uma instrução administrativa no mesmo sentido, na medida em que tais instruções apenas vinculam a administração), não se acolhendo, pois, o entendimento das Recorrentes.

Logo, não lhes assiste razão.

Passemos agora à apreciação, em substituição, dos vícios em relação aos quais o Tribunal a quo omitiu pronúncia.

III.C. Da violação dos princípios constitucionais da legalidade, da confiança, da justiça e da boa-fé

Consideram as Impugnantes que o entendimento, no sentido de os green fees não estarem abrangidos pela verba 2.15. já mencionada, atenta contra diversos princípios com assento na nossa lei fundamental. Assim, por um lado, defendem que não houve qualquer alteração legislativa relevante que permitisse antecipar que os mesmos deixassem de ser encarados como sujeitos a taxa reduzida de IVA. Referem ainda que “a mera dimensão formal da reserva de lei parlamentar sairia largamente frustrada se o parlamento estabelecesse os elementos essenciais dos impostos mediante meras fórmulas abertas ou se remetesse a globalidade da sua concretização para o juízo casuístico da administração”, havendo uma violação do “princípio da legalidade fiscal, previsto no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição, na sua vertente material de efectiva limitação da margem de livre apreciação da Administração na concretização dos elementos essenciais dos impostos, bem como a limitação do uso de conceitos indeterminados na definição de tais elementos”. Consideram, ademais, que, quanto aos princípios da proteção da confiança, da justiça e da boa-fé, os mesmos foram violados, porquanto o seu comportamento foi sustentado quer na redação da verba em causa quer na interpretação que vinha sendo feita, no sentido de ser aplicável a taxa reduzida de IVA. Ademais, tais valores não podem ser já repercutidos nos clientes, o que se afigura desproporcionado.

Sobre esta questão, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.10.2020 (Processo: 0176/13.7BELLE 0444/17), onde se refere, a este propósito:

“A recorrente suscita ainda o problema da inconstitucionalidade da interpretação veiculada pela AT através do Ofício-Cirulado n.º 30124 (…) por a interpretação aí consagrada violar os princípios da protecção da confiança legítima, boa fé e justiça.

(…) Já no que respeita à violação dos princípios materiais da protecção da confiança dos investidores e utilizadores de campos de golfe, cabe sublinhar que a alteração da tributação com efeitos prospectivos, como é o caso aqui, não consubstancia um critério de violação daquele princípio, na medida em que não existem expectativas legitimamente fundadas na imodificabilidade ou não agravamento da tributação, sempre que esta seja efectuada de acordo com as regras legais (como sucedeu neste caso). Acresce que também não existia nenhum acto ou contrato jurídico, nem sequer uma promessa informal, que permitisse fundar a referida expectativa dos investidores e utilizadores dos greens à permanência dos green fee na taxa mínima de IVA. Em outras palavras, não existindo nenhuma expectativa jurídica quanto à permanência da tributação dos green fee na taxa mínima de IVA, não é sequer necessário averiguar se a mesma poderia ou não considerar-se juridicamente sustentada.

Pela mesma razão – inexistência de expectativas legítimas quanto à manutenção do status quo tributário – não se descortina de que forma é que a alteração de política tributária a respeito da taxa de IVA aplicável à utilização de um bem ou à prestação de um serviço possa reconduzir-se, in casu, à violação dos princípios da boa fé ou da justiça”.

Chama-se ainda à colação o Acórdão deste TCAS, de 27.01.2022 (Processo: 679/12.0BELLE), já mencionado supra, onde se referiu a este propósito:

In casu, não se vislumbra, qualquer inconstitucionalidade na interpretação (…) propugnada, porquanto não pretere o princípio da proteção da confiança e segurança jurídica decorrente do Estado de Direito Democrático, não só porque (…), como vimos, é aquela que se melhor se adequa aos elementos atinentes à correta interpretação da letra e da ratio legis, mas também porque tal princípio tem ser analisado e balanceado com a necessidade da prossecução do interesse público, na realização da justiça tributária.

(…) No caso dos autos (…), a conduta da AT, objetivamente considerada, não é de molde a justificar noutrem a convicção fundada e aquisição de uma legítima expetativa, não se podendo, assim, retirar da dita conduta, direta ou indiretamente, a intenção da mesma se encontrar vinculada a uma determinada atitude no futuro.

É certo que, na sequência da redação dada pelo artigo 103.º da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro (OE 2011) à verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA, a AT reviu a posição interpretativa que tinha relativamente à dita verba, através do Ofício-circulado n.º 30124, de 14 de fevereiro de 2011, e fê-lo expressando e reconhecendo a incompatibilidade da interpretação antes veiculada, designadamente no Ofício- Circulado n.º 30088, de 19 de janeiro de 2006, com a eliminação do texto legal da expressão “prática de atividades físicas e desportivas”, revogando, nessa medida, não só o referido Ofício-Circulado, como também quaisquer outros entendimentos que contrariassem essa doutrina.

Mas, é certo, igualmente, que a AT ciente dessa interpretação limitou a produção de efeitos a partir de 01 de março de 2011, salvaguardando as operações efetuadas em janeiro e fevereiro que tenham beneficiado da verba 2.15 com base nos entendimentos revogados.

Assim, à data da prática dos factos tributários o entendimento propugnado pela Recorrente não tem assento nem na letra, nem na ratio legis, não podendo, nessa medida, prevalecer-se do entendimento que a AT tinha da aplicação da norma contida na dita verba 2.15, antes da visada alteração legal.

Conclui-se, assim, que inexiste uma qualquer vinculatividade jurídico-administrativa das referidas expectativas, tudo se reconduzindo a meras expectativas fácticas, sendo que estas não são juridicamente tuteladas, inexistindo, assim, qualquer violação dos aludidos princípios.

De relevar, in fine, que pese embora nos encontremos cientes que a justiça é perspetivada para além de mera legalidade, enquanto dever que impende e tem de nortear toda a sua atuação, até porque, em bom rigor não há “direito sem justiça" (…) a verdade é que, in casu, face a todo o exposto entende-se que toda a atuação da AT se pautou e foi exercida na prossecução da justiça (artigo 55.º da LGT).

No atinente ao princípio da legalidade também não logra provimento o entendimento da Recorrente, desde logo, porque face a todo o expendido anteriormente existiu, tão-só, uma interpretação prospetiva perfeitamente legal e legítima.

Não logrando, outrossim, provimento face a todos os considerandos expendidos anteriormente que os atos impugnados e a sentença recorrida violem a legalidade na sua vertente material de efetiva limitação da margem de livre apreciação da Administração na concretização dos elementos essenciais dos impostos, bem como a limitação do uso de conceitos indeterminados na definição de tais elementos.

(…) Ademais, não se vislumbra que nos encontremos perante um conceito indeterminado que inviabilize ou torne difícil a interpretação e concreta subsunção da realidade fática nos conceitos contemplados na norma, inexistindo, outrossim, qualquer inconstitucionalidade por violação da legalidade, mas na sua dimensão material de tipicidade ou determinabilidade da lei de imposto”.

Atenta esta fundamentação, a que aderimos e sem necessidade de mais considerações, não assiste razão às Impugnantes nesta parte.

III.D. Da falta de pressupostos e da falta de fundamentação das liquidações dos juros compensatórios

No tocante às liquidações de juros compensatórios, consideram as Impugnantes que as mesmas não podem subsistir, sob pena de violação dos princípios da confiança e da boa-fé. Ademais, entendem que a não liquidação se encontra plenamente justificada, pelo que, ainda que se considere ser erróneo o entendimento das Recorrentes, sempre seriam erros que resultam de simples divergência não culposa. Além disso, as mencionadas liquidações padecem de falta de fundamentação, no que tange ao juízo de censurabilidade. Finalmente, cabe à AT a prova do nexo de causalidade e do juízo de censura sobre a conduta.

Vejamos.

Nos termos do art.º 35.º da Lei Geral Tributária (LGT):

“1 - São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.

2 - São também devidos juros compensatórios quando o sujeito passivo, por facto a si imputável, tenha recebido reembolso superior ao devido.

3 - Os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração, do termo do prazo de entrega do imposto a pagar antecipadamente ou retido ou a reter, até ao suprimento, correção ou deteção da falta que motivou o retardamento da liquidação.

4 - Para efeitos do número anterior, em caso de inspeção, a falta considera-se suprida ou corrigida a partir do auto de notícia.

5 - Se a causa dos juros compensatórios for o recebimento de reembolso indevido, estes contam-se a partir deste até à data do suprimento ou correção da falta que o motivou.

6 - Para efeitos do presente artigo, considera-se haver sempre retardamento da liquidação quando as declarações de imposto forem apresentadas fora dos prazos legais.

7 - Os juros compensatórios só são devidos pelo prazo máximo de 180 dias no caso de erro do sujeito passivo evidenciado na declaração ou, em caso de falta apurada em ação de fiscalização, até aos 90 dias posteriores à sua conclusão.

8 - Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.

9 - A liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respetivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas.

10 - A taxa dos juros compensatórios é equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil”.

Por seu turno, o n.º 1 do art.º 96.º do Código do IVA (CIVA) prescrevia que:

“Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou tenha sido recebido reembolso superior ao devido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35.º da lei geral tributária”.

“Os juros compensatórios (…) [t]êm a natureza de uma reparação civil, indemnizando o credor pela perda de disponibilidade de quantia que não foi liquidada oportunamente ou que foi indevidamente reembolsada” (3-Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 283..

Para efeitos de liquidação de juros compensatórios, têm de estar preenchidos elementos objetivos (ter havido atraso na liquidação de imposto, taxa, número de dias) e um elemento subjetivo (o facto ser imputável ao sujeito passivo, a título de dolo ou negligência (4-V. Jorge Lopes de Sousa, «Juros nas relações tributárias», Problemas fundamentais do Direito tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pp. 147 e 148.).

In casu, a posição das Impugnantes centra-se no elemento subjetivo, quer do ponto de vista substantivo, quer do ponto de vista formal.

Pela identidade das questões suscitadas, também a este propósito, chamamos à colação o Acórdão deste TCAS, de 27.01.2022 (Processo: 679/12.0BELLE), a cujo entendimento aderimos. Ali se escreveu:

“Quanto à aduzida violação dos princípios da confiança e da boa-fé remete-se para o já expendido anteriormente, sob pena se incorrer em juízo repetitivo, concluindo-se, sem mais delongas e atenta a ligação intrínseca entre a liquidação de imposto e os juros compensatórios, que inexiste a arguida violação.

No concernente à concreta necessidade de fundamentação do ato de liquidação de juros compensatórios, é inquestionável, enquanto ato tributário que se encontra sujeito a fundamentação (cfr. artigo 77.º da LGT e artigo 268.º, n.º 3, da CRP).

Sendo que, neste concreto particular a Jurisprudência do STA e dos TCA, vem entendendo, de forma uniforme, que no respeitante aos juros compensatórios, as exigências de fundamentação sejam reduzidas ao mínimo, entendendo-se, nesse âmbito, que uma liquidação de juros compensatórios se encontra fundamentada quando indicar a quantia sobre a qual os mesmos incidem, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, com menção desses elementos no próprio ato de liquidação ou por remissão para documento anexo (…)

Como sumariado no acórdão do STA proferido no processo n.º 0805/15, datado de 09 de março de 2016: “Está cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 89º do CIVA e 35º da LGT) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art. 559º nº 1 do CCivil) e o valor dos juros.“

(…) In casu, face ao supra expendido, (…) as liquidações de juros compensatórios (…) não enfermam da arguida falta de fundamentação.

E isto porque, não tendo a liquidação de juros compensatórios de contemplar o juízo de censura, porquanto essa mesma censurabilidade encontra-se nos factos que originam a liquidação do imposto, donde, no respetivo RIT, e contemplando o motivo da liquidação, designadamente, que foi liquidada nos termos do 96.º do CIVA, e 35.º da LGT, contendo a mesma a referência ao montante de imposto sobre o qual foram liquidados os juros compensatórios, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do artigo 559.º nº 1 do CC), o período de tempo em que tais juros são exigíveis, é por demais evidente que a mesma não se verifica no caso vertente.

De relevar, outrossim, que contrariamente ao propugnado pela Recorrente não é possível defender-se que inexista um nexo de imputabilidade e de censura, e que o erro na aplicação da taxa do IVA seja um erro desculpável, quando lido à luz de todo o circunstancialismo supra expendido, já devidamente densificado e para o qual se remete.

(…) [E]stando, como visto, subjacente à obrigação dos juros compensatórios uma ideia de censura ou reprovação da conduta do agente porque podia e devia, nas circunstâncias do caso, ter agido diversamente, ter-se-á de concluir que, inversamente ao propugnado pela Recorrente, os presentes erros não resultam de simples divergência, não culposa, não permitindo afastar a existência de um juízo de culpa e censurabilidade, mormente, em termos de negligência. Inexistindo, como já suficientemente explanado, uma “situação de confiança que se mostra carente de tutela”.

Destarte, tendo presente todos os considerandos de direito supra explanados, e bem assim tudo o que já foi, devidamente, aflorado quanto à legalidade dos atos impugnados, ter-se-á de concluir que no caso vertente é possível formular um juízo de censura à atuação da Recorrente, sendo que face à base legal à data da prática do facto tributário e todas as considerações supra que se dão por reproduzidas, não é possível defender-se que não exista uma nexo de imputabilidade e de censura, e que o erro na aplicação da taxa do IVA seja um erro desculpável, quando interpretado e concatenado com todo o circunstancialismo fático já, suficientemente, aflorado.

E por assim ser, atenta a ligação intrínseca entre a liquidação de imposto e a de juros compensatórios, existindo retardamento do imposto e nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sem qualquer causa de exclusão da culpa, tais pressupostos objetivos e subjetivos verificam-se, não se traduzindo em qualquer injustiça e violação do normativo 55.º da LGT, não padecendo, por conseguinte, os atos de liquidação de juros compensatórios dos arguidos vícios”.

Esta doutrina é transponível in casu, porquanto, não só nos termos mencionados é assacável um juízo de censura à conduta das Impugnantes, como o mesmo se extrai, do ponto de vista da fundamentação, do procedimento inspetivo, concretamente do RIT, no âmbito do qual aquelas acabaram por regularizar a sua situação (motivo pelo qual o termo dos juros compensatórios é definido por referência ao momento dessa regularização), perante a circunstância de não terem liquidado o IVA em causa à taxa normal nem terem regularizado a situação, na sequência de ofício remetido em momento anterior ao do início da ação inspetiva. Estão, pois, demonstrados os pressupostos referidos e estão devidamente fundamentadas as liquidações.

Como tal, não assiste razão às Impugnantes.

III.E. Da falta de fundamentação das decisões proferidas em sede de reclamações graciosas

Consideram ainda as Impugnantes que as decisões proferidas em sede de reclamações graciosas padecem de falta de fundamentação.

O dever de fundamentação dos atos administrativos em geral insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, o dever de fundamentação formal encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…” (5-Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676.), para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Compulsadas as mencionadas decisões, não se acolhe o entendimento das Recorrentes, porquanto tais decisões encontram-se suficientemente fundamentadas, decorrendo das mesmas o itinerário cognoscitivo percorrido pela AT, quer mencionando o quadro legal, quer remetendo, o que é admissível, para o entendimento vertido na instrução administrativa ali indicada. As decisões podem não conter o nível de detalhe que as Recorrentes pretenderiam, mas tal não implica que as mesmas não estejam fundamentadas, justamente porque se consegue alcançar o motivo inerente ao facto de a AT as ter indeferido.

Sempre se acrescente que, mesmo que tais decisões padecessem de falta de fundamentação, tal não comportaria a ilegalidade das liquidações, tanto mais que foram ora apreciados os vícios assacados a estas, considerando-se inexistirem [cfr. o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.05.2020 (Processo: 0274/14.0BEMDL)]

Como tal, improcede o alegado pelas Impugnantes.

Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.05.2014 (Processo: 01953/13): “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade” (sublinhado nosso).

Ora, considera-se que o valor de taxa de justiça devido, calculado nos termos da tabela I.b., do RCP, é excessivo. Assim, não obstante se entender que, face à complexidade / extensão das questões envolvidas e à tramitação dos autos, não deve haver dispensa total do pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda os 275.000,00 Eur., entende-se ser adequado e proporcional, face às caraterísticas concretas dos autos, dispensar o pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda 300.000,00 Eur.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:

a.1. Declarar a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, no que respeita à falta de fundamentação dos atos de indeferimento das reclamações graciosas, à inconstitucionalidade material da Verba 2.15. da lista I anexa ao CIVA, na interpretação defendida pela administração tributária e às ilegalidades assacadas às liquidações de juros compensatórios, e, em substituição, julgar improcedentes os vícios cujo conhecimento foi omitido, nos termos explanados supra;

a.2. Manter a sentença recorrida, quanto ao demais;

b) Custas pelas Recorrentes, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 300.000,00 Eur.;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 29 de fevereiro de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Jorge Cortês)

(Vital Lopes)