Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:539/23.0BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:03/19/2024
Relator:ELIANA PINTO
Descritores:LEI N.º 37/2019, DE 30 DE MAIO
ARTIGOS 63.º E 112.º/2, ALÍNEA B) DO CPA
NOTIFICAÇÃO DA ACUSAÇÃO, EM SEDE DE PROCEDIMENTO DISCIPLINAR, A MANDATÁRIO CONSTITUÍDO
Sumário:I - Há um chamamento constitucional das regras e dos princípios constitucionalmente previstos no processo penal para o procedimento disciplinar público, sintetizado no n.º 10 do artigo 32.º da CRP, onde se postula que, nos processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.
II - Tratando-se de providências que se afigurem convenientes à descoberta da verdade, o regime subsidiário a aplicar nos casos omissos será, em primeira linha, o que resultar dos princípios e normas de natureza probatória decorrentes do processo penal (Código de Processo Penal – CPP – e legislação complementar) que se mostrarem compatíveis com o procedimento disciplinar.
III - Ora, sobre as notificações da acusação, quando haja sido constituído mandatário, disciplina o artigo 72.º/3 do Lei n.º 37/2019, de 30 de maio, que para efeitos do exercício de direitos e poderes processuais, releva a data da notificação efetuada em último lugar.
IV - O disposto nos artigos 63.º e 112.º/2, alínea b) do CPA impõe o prévio consentimento do notificando quando se pretende usar a notificação por email, sendo certo que, quando o mandatário constituído no procedimento disciplinar apenas cedeu ao processo o seu endereço postal não pode, por isso, ser usado o email para o notificar, razão pela qual, ao alegar não ter respondido à “Acusação” por não ter sido notificado, é muito provável que o procedimento disciplinar em litígio padeça de uma nulidade insuprível, decorrente da falta de audiência do arguido e da eventual omissão de diligências essenciais de prova que ele pudesse vir a requerer na resposta à “Acusação”, dando-se como provado o fumus boni iuris.
V - Na ponderação de interesses, ela deve ser feita entre prejuízos ou danos e não entre os interesses em presença, pelo que só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem, de todo em todo, a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação, mercê dos prejuízos e danos que gera, deve prevalecer sobre os prováveis prejuízos causados ao recorrente é que se impõe a execução imediata do ato.
VI - Neste juízo de ponderação intervêm diversos fatores, designadamente os reflexos que a suspensão pode ter nos efeitos de prevenção geral e de reprovabilidade social da medida sancionadora, o círculo onde a infração foi cometida ou se tornou conhecida, o tipo de serviço ou de instituição onde a mesma ocorreu, a natureza das funções aí desempenhadas pelo agente.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I – RELATÓRIO

R......, recorrente, veio interpor recurso da sentença proferida a 10/07/2023, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que indeferiu o decretamento da requerida providência cautelar por si intentada, contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, entidade recorrida, visando a suspensão de eficácia do despacho proferido pelo Ministro da Administração Interna em 03/04/2023, que determinou a aplicação da sanção disciplinar de demissão.
***
Formula a aqui Recorrente, nas respetivas alegações de recurso, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:
“...
1) O presente recurso é interposto da sentença proferida nos autos que negou provimento à providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo consubstanciado na decisão proferida através do despacho, datado de 03-04-2023, do Ministro da Administração Interna, que puniu o recorrente com a pena disciplinar de demissão;
2) O Tribunal recorrido considerou não verificado um dos requisitos positivos impostos por lei para que a providência cautelar pudesse ter procedência, no caso, a ausência do fumus boni iuris, e, na ponderação de interesses, considerou a verificação de maior prejuízo público na sua procedência do que para o recorrente no seu não provimento; com o que este não se conforma;
3) A sentença assim proferida encontra-se eivada, por erro na apreciação dos pressupostos de facto e de direito, os quais impunham uma decisão em sentido contrário ao que foi adotado;
4) Com interesse e relevância para a decisão do mérito da presente causa, foram dados como provados os factos 12 e 13 da sentença, os quais terão, o 12 parcialmente e o 13 na sua integralidade, forçosamente que ser dados como não provados;
5) Dos elementos de prova que constam dos autos, apenas é possível dar como provado, quanto a estes dois factos, porque resulta do processo administrativo e está admitido por acordo, a parte do facto 12 que refere que “Em 09.06.2022 foi deduzida acusação, que foi notificada ao requerente em 15.06.2022”;
6) Nos artigos 12.º e 13.º do r.i., o requerente alega, respetivamente, que “...O requerente foi notificado da acusação em 15-07-2022...”, e que “...Porém, o seu mandatário constituído no processo nunca da mesma (acusação) foi regularmente notificado, pese embora conste do processo, a fls. 199 do PA, um email dirigido para o seu endereço eletrónico da Ordem dos Advogados, com a indicação automática “entrega concluída”, mas não foi enviada nenhuma notificação de entrega pelo servidor de destino, sem qualquer outro tipo de indicação ou comprovativo de receção e/ou de leitura...”;
7) Assim, nem é verdade que tais factos hajam sido admitidos por acordo, com exceção da notificação do requerente, como também o não é que o mandatário do recorrente tenha sido notificado da acusação, conforme facto provado 12, desde logo porque nenhuma prova foi feita que permitisse dar como provada tal factualidade;
8) Não existe qualquer prova nos autos que o mandatário do recorrente haja junto endereço de email ao processo disciplinar, de forma a consentir, expressa ou tacitamente, esta via de notificação, pelo que foram violadas as disposições constantes dos artigos 63.º, nºs 1 e 2 e 112.º, n.º 2, alínea b), ambos do código do procedimento administrativo, constando apenas no PA o email alegadamente enviado ao mandatário, para o seu endereço eletrónico da Ordem dos Advogados, com a acusação, a fls. 199, e a resposta automática do servidor, a fls. 200, e com uma nota a solicitar a acusação da receção do email, com a indicação de que se considera notificado, nos termos do art.º 112.º, n.º 2, al. b) do Código de Procedimento Administrativo, sem que no PA conste a indicação de ter existido qualquer resposta;
9) O facto provado 13, deverá ser dado como integralmente não provado, porquanto, não tendo o mandatário do recorrente sido notificado da acusação, nunca ofereceu a defesa que o Tribunal a quo erradamente entendeu existente, e nem tão pouco se alcança de onde retirou tão errada conclusão;
10) Também com interesse e relevância para a decisão do mérito da presente causa, porque alegados nos artigos 59.º a 62.º do r.i. e não apreciados pelo Tribunal a quo, deverá esse douto tribunal considerar provados os seguintes factos:


“...
59.º
Note-se que, para a tomada da decisão foram atendidos apenas os factos dados como provados no processo-crime adversos à posição do requerente, que foram transcritos para a acusação e relatório final em que foi proposta uma pena expulsiva, já não o sendo, por estranhas razões que não alcançamos, os factos também ali considerados provados que o podiam beneficiavam, designadamente na escolha e medida da pena disciplinar a aplicar.
60.º
Foram, assim, completamente desconsiderados os seguintes factos dados como provados naquele processo-crime, que não podem deixar ser relevantes, a par dos demais que foram tidos em conta, na determinação da pena disciplinar e sua concreta medida:
“...
92.º
Iniciou em 1998 as suas funções na Polícia de Segurança Pública, desempenhando-as na esquadra de Cascais (em Abril e Maio), na esquadra da Parede (entre Maio/1998 e Março/2003), na esquadra de investigação criminal de Cascais (entre Março/2003 e Janeiro/2006), na equipa de intervenção rápida da esquadra de intervenção e fiscalização policial (entre Janeiro/2006 e Junho/2014) e na secção de segurança e instalações da esquadra de Cascais (desde Junho/2014 até à actualidade).
(…)
94.º
Segundo a actual chefia, o arguido é "pessoa cumpridora e obediente que se conforma com as regras da instituição. Está adequado ao exercício da profissão e tem as aptidões necessárias a esse mesmo exercício. Daquilo que se conhece do elemento, é sociável, com boa relação com os colegas e superiores".
(…)
97.º
É tido pelos colegas como um indivíduo humilde, calmo e afável.
(…)
100.º
Dispõe de uma situação económica relativamente equilibrada, assente no vencimento que aufere enquanto agente da polícia e nos rendimentos dos gratificados, de cerca de €1.500,00.
(…)


102.º
Esteve em Angola a trabalhar numa empresa de segurança, durante quatro meses, projecto que só abandonou devido à crise económica daquele país.
103.º
Do seu Certificado de Registo Criminal nada consta.
...”.
61.º
Também ficou provado em tribunal que o requerente nenhum benefício retirou da conduta, designadamente que nenhum valor dos que passaram pela sua conta ficou para si, conforme, à contrario sensu, demonstram os seguintes factos dados como não provados que constavam da acusação, os quais não foram contraditados no sentido de demonstração de realidade diferente na decisão administrativa:
«h) Os arguidos retiveram para si uma parte dos valores que passaram pelas suas contas, para pagamento de dívidas e despesas pessoais;
(…)
l) Era na execução de um plano elaborado entre os demais arguidos que F...... retirava verbas de contas.
(…)
x) Apenas €84.145,50 foi transferido para a Guiné Conacri, pelo que os restantes €221.554,50 terão ficado na posse dos arguidos.».
62º
Tudo isto deveria, obrigatoriamente, ter sido sopesado numa decisão que se demitiu, por completo, de demonstrar a necessidade da aplicação da pena de demissão ao requerente, remetendo, somente e sem mais, para a pena aplicada no processo-crime e para os factos provados no mesmo que a sustentaram...”.
11) Na apreciação da verificação do fumus boni iuris, o Tribunal a quo entendeu não existir um juízo de procedência da ação principal, cujo decaimento por si só impõe a recusa da providência cautelar peticionada; posição com a qual o recorrente discorda totalmente;
12) Quanto aos vícios apontados à decisão administrativa pelo recorrente, e para dar resposta à invocada prescrição do procedimento disciplinar e à inaplicabilidade do novo Estatuto Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei nº 37/2019, de 30 de maio (ED/PSP), que veio revogar o Regulamento Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei 7/90, de 20 de fevereiro, (RD/PSP), que se encontrava em vigor à data dos fatos que são imputados ao recorrente, no processo disciplinar onde foi proferido o despacho em crise nestes autos, o que impedia a sua condenação pela violação do único dever disciplinar de que foi acusado e condenado - o dever de aprumo -, o Tribunal a quo, acolhendo a posição defendida pela entidade administrativa recorrida na sua oposição, entendeu ser de aplicar o primeiro, ou seja, o ED/PSP;
13) Tal posição, de que o recorrente discorda, defende que no confronto dos dois regimes, e em cumprimento do disposto no artigo 6º da Lei nº 37/2019, de 30 de maio, o regime constante do ED/PSP é o mais favorável ao recorrente porque, no seu entendimento, não tem aplicação o principio fundamental previsto no artigo 6.º do RD/PSP que estabelece uma melhor diferenciação relativamente à aplicação das penas de multa e suspensão (art.º 45,º do EDPSP), prevendo para a pena de suspensão simples o limite de 5 dias e já contempla a possibilidade da suspensão da pena ( artigo 43.º do EDPSP), sendo que, no tocante às circunstâncias dirimentes, atenuantes e agravantes não contêm alterações de maior;
14) Porém, ao sufragar uma tal posição, errou o Tribunal a quo na apreciação dos prossupostos de direito que estão na sua génese, desde logo porque desta forma o ED/PSP seria obrigatoriamente de aplicação imediata e automática a todos os processos pendentes, aquando da sua entrada em vigor, e a todos os fatos praticados anteriormente a esta data, e nenhum efeito prático resultaria da norma que regula a aplicação da lei no tempo, prevista neste diploma legal, operando a mesma tese uma revogação tácita daquele preceito (n.º 2, do artigo 6.º do ED/PSP);
15) E nem tão pouco se percebe o que se pretende dizer quando ali se refere que a aplicação do ED/PSP é mais favorável ao arguido porque neste novo regime não tem aplicação o princípio fundamental previsto no artigo 6.º do RD/PSP, o qual refere que “...Constitui princípio fundamental do pessoal com funções policiais da PSP o acatamento das leis e o pontual e integral cumprimento das determinações que lhe sejam dadas em matéria de serviço...”;
16) Acolhendo tal posição, o que o Tribunal a quo afirma, na sua sentença, é que com a revogação do RD/PSP os polícias deixaram de estar obrigados a acatar as leis e a cumprir, pontual e integralmente, as determinações que lhe sejam dadas em matéria de serviço, o que se afigura inadmissível por estas serem obrigações naturais de todos os polícias e que resultam já de outros diplomas legais, sendo perfeitamente prescindível a sua consagração expressa no regime disciplinar dos polícias por evidente desnecessidade;
17) Quanto aos demais motivos elencados para sustentar a aplicação do ED/PSP – melhor diferenciação relativamente à aplicação das penas de multa e de suspensão, a previsão para a pena de suspensão simples o limite mínimo de 5 dias, e contemplar a possibilidade da suspensão da pena –, não têm qualquer aplicabilidade no que à concreta situação do recorrente diz respeito, desde logo porque lhe foi aplicada uma pena de demissão;
18) Assim, porque se aplica o RD/PSP ao processo disciplinar em crise, de acordo com o n.º 2, do artigo 6.º da Lei que aprovou o ED/PSP, que refere que “...O Estatuto Disciplinar apenas é imediatamente aplicável aos factos praticados, aos processos instaurados e às penas em execução na data da sua entrada em vigor quando o seu regime se revele, em concreto, mais favorável ao arguido...”, errou o Tribunal a quo na apreciação dos pressupostos de direito quanto à invocada prescrição do procedimento disciplinar, sendo que, por certamente considerar tal apreciação prejudicada pelo acolhimento da referida tese, não se pronunciou quanto à invocada não violação do dever de aprumo pelo recorrente;
19) Quanto à prescrição do procedimento disciplinar, o recorrente arguiu, nos artigos 38.º a 40.º do r.i., que deverá ser aplicado o prazo máximo de 18 meses, contado entre a decisão de instauração do procedimento disciplinar e a data da decisão final disciplinar, com apelo ao estabelecido no artigo 6.º, nº. 6 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, Lei 58/2008, de 09 de setembro, atualmente consagrado no artigo 178.º da LGTFP, aplicável à PSP por remissão operada pelo artigo 66.º do RD/PSP, assim se preenchendo a lacuna existente neste diploma legal, no que ao prazo de prescrição do procedimento disciplinar diz respeito;
20) O Tribunal a quo entendeu acolher a posição defendida pela entidade recorrida que sustenta que tal lacuna deve ser integrada nos termos do artigo 10.º do Código Civil, aplicando-se, por analogia, o disposto no artigo 121. º, nº 3 do Código Penal;
21) Porém, a seguir-se esta tese, manter-se-ia o vazio legal quanto ao prazo de prescrição do procedimento disciplinar relativamente às condutas que não revestissem simultaneamente ilícito criminal, obrigando a que se deitasse mão de diplomas diversos para preencher a lacuna em função de cada uma das situações, solução esta que colocaria em causa a segurança e a certeza jurídica de uma forma intolerável;
22) A lacuna deverá, pois, ser preenchida por recurso a um único regime legal que permita fazê-lo no seu todo e não de forma fragmentada ou parcial, conforme sucederia ao aceitar-se a tese da aplicabilidade dos prazos do código penal, o que não seria razoável, quando é certo que o regime geral da função pública, que o RD/PSP aponta como primeiro direito subsidiário, permite resolver a questão no seu todo;
23) O prazo de três anos do n.º 1 do artigo 55º. do Regulamento Disciplinar da PSP diz apenas respeito ao direito da PSP instaurar o procedimento disciplinar, salvo se as infrações disciplinares constituírem ilícito penal, caso em que este prazo se alarga nos termos e prazos estabelecidos na lei penal, se os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a três anos, e corre desde a data em que a infração tiver sido cometida, visando o prazo de 18 meses, que se entende aplicável em virtude da lacuna existente no RD/PSP, delimitar o tempo entre o início do procedimento e o seu termo, ou seja, diz respeito ao próprio procedimento em si;
24) Assim, decorrido que se encontram os 18 meses que a administração tinha para concluir o processo disciplinar, prescrito está o procedimento;
25) E também assim, porque basta demonstrar a probabilidade da ocorrência de um dos vários vícios apontados à decisão para que verificado esteja o requisito do fumus boni iuris, e afigurando-se que existe a probabilidade de, na ação principal, ser acolhida a posição defendida pelo recorrente, verificado está o preenchimento deste pressuposto, conforme deverá ser declarado;
26) E verifica-se ainda, embora tal questão não tenha sido apreciada pelo Tribunal a quo, como o deveria ter sido, que o recorrente não violou o dever de aprumo, na versão em que o mesmo se apresentava estabelecido no RD/PSP, porquanto só com a aprovação do ED/PSP foi alargado o leque de comportamentos violadores de tal dever, ao acrescentar a expressão “nomeadamente” ao n.º 2 do artigo 19º, de forma a não limitar as condutas violadoras aos exemplos que enuncia nas suas diferentes alíneas, ao contrário do que sucedia com o RD/PSP, no qual os motivos enunciados nas suas alíneas eram taxativos, e, além da redação da alínea a), do nº. 2 do atual estatuto ser inovatória face ao anterior, no qual não estava prevista qualquer norma com idêntico teor, a redação da alínea m) do RD/PSP, que consta agora, embora com importantes alterações para a posição dos arguidos, na al.ínea f) do ED/PSP, apenas considerava a violação do dever de aprumo quando a prática de ações constitutivas de ilícito criminal fossem praticadas em serviço: m) Não praticar em serviço qualquer ação ou omissão que possa constituir ilícito criminal, contravencional ou contra-ordenacional;
27) Assim, tendo sido a ação ilícita apontada ao recorrente praticada fora de serviço, não se encontram preenchidos os elementos típicos essenciais para que se verifique violado o dever de aprumo e, nesta medida, afigura-se como provável que na ação principal possa ser acolhida esta posição, verificando-se, por isso, também aqui preenchido o requisito do fumus boni iuris;
28) A sentença recorrida considera ainda, erradamente, quanto a nós, que a pena aplicada ao recorrente se mostra fundamentada, quer de facto, como de direito;
29) Uma vez mais, peca a sentença por erro na avaliação dos pressupostos de facto e de direito que presidiram à determinação da pena de demissão que foi aplicada ao recorrente, nada dizendo especificamente, aliás, quanto à invocada violação dos princípios da proporcionalidade, adequação, razoabilidade e necessidade na escolha daquela pena disciplinar;
30) A sentença recorrida entende que a decisão disciplinar considerou todas as circunstâncias agravantes e atenuantes, teve em conta o registo disciplinar do recorrente, as suas classificações de serviço, bem como as medalhas e elogios atribuídos, isto porque todas estes fatores constam enunciados nos pontos 9 e 10 do relatório final;
31) Porém, entre serem enunciados no relatório final e terem sido considerados na decisão final existe uma diferença muito grande, sendo certo que nem tão pouco foi junta pelo instrutor do processo a informação do superior hierárquico e a boa informação do superior do recorrente dada como provada no acórdão que o condenou em sede criminal foi simplesmente ignorada;
32) O instrutor do processo limitou-se, na verdade, a cumprir o dever formal de enunciar tais fatores no seu relatório, contudo, basta uma simples leitura do mesmo para imediatamente se perceber que nenhum tipo de ponderação face à escolha da pena disciplinar a aplicar mereceram;
33) Por outro lado, o Tribunal a quo não deu qualquer tipo de relevância aos factos provados 6, 7 e 8, na ponderação do fumus boni iuris quanto à invocada carência de fundamentação de facto e de direito na escolha da pena de demissão aplicada, no sentido da inviabilidade da manutenção da relação funcional, bem como quanto à violação dos princípios da proporcionalidade, adequação, razoabilidade e necessidade, igualmente na escolha da pena;
34) Resulta claro de fls. 52 do PA que, em 12-08-2019, a entidade administrativa já tinha conhecimento que o recorrente havia sido condenado em primeira instância na pena de 2 anos e seis meses de prisão, suspensa por 4 anos, sujeita a regime de prova, aguardando tal decisão pelo trânsito em julgado, e, ainda assim, entendeu que não havia já razões ou motivos que exigissem ou justificassem que o arguido se mantivesse suspenso de funções, porquanto, dado o tempo decorrido, já se haviam esbatido os perigos que fizeram com que o arguido se mantivesse afastado do serviço, e, consequentemente, a sua presença no serviço já não se revelava inconveniente, tendo, em consequência de tais considerações, sido decidido revogar a medida de suspensão preventiva em que o recorrente se encontrava, desde 24-10-2018, determinando o Diretor Nacional da PSP, por despacho de 28-08-2019, o seu regresso à atividade policial, cfr. fls. 53 a 54 e 55 e verso do PA;
35) Assim, se, no entendimento da entidade administrativa empregadora, naquela altura não havia motivos que justificassem o afastamento do recorrente do serviço, ao ponto de ser revogado o despacho que determinou a sua suspensão de funções e determinado o seu regresso à atividade policial, sabendo esta entidade que havia sido proferida a decisão condenatória no processo-crime, impossível se afigura defender que não existe a probabilidade de na ação principal vir a ser acolhida a invocada violação dos referidos princípios e da falta de fundamentação da inviabilidade da manutenção da relação laboral e, nessa medida, da probabilidade de procedência da ação;
36) O Tribunal a quo defende, de forma errada, a exigência de verificação de uma probabilidade qualificada de procedência da ação principal para que o fumus boni iuris se encontre preenchido, referindo-se sempre à necessidade de se apurar a existência de um carácter fundado da pretensão do requerente, ou na ilegalidade manifesta do ato suspendendo, quando na redação do atual n.º 1 do artigo 120.º do CPTA se exige apenas que seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo venha a ser julgada procedente para que este requisito se mostre verificado;
37) Na ponderação dos interesses em causa, o Tribunal a quo entendeu que no seu confronto estes devem pender em prol do interesse público;
38) Porém, mal andou uma vez mais a sentença recorrida ao tal considerar, errando também aqui na apreciação dos pressupostos de facto e de direito, o que se manifesta, desde logo, na dificuldade que o Tribunal recorrido teve para fundamentar a posição que defendeu, limitando-se a acompanhar genericamente a posição da entidade recorrida e a dar por reproduzido o teor da resolução fundamentada, que, diga-se, pouco de fundamentado tem;
39) A sentença incorre em erro na apreciação dos pressupostos de facto logo quando sustenta que na situação do recorrente está em causa «uma actividade criminal continuada», «no exercício da profissão de agente da autoridade», e que o mesmo foi «condenado pela prática de crimes de corrupção e peculato», quando nada disto corresponde à facilidade que consta dos autos;
40) O Recorrente foi condenado pela prática de um crime de branqueamento de capitais - embora não concorde com a decisão, porque não cometeu os factos que levaram à sua condenação com consciência e vontade de praticar tal crime, mas conformando-se e acatando-a nos seus precisos termos -, e nunca esteve sequer acusado ou foi julgado pelos crimes de corrupção e peculato, e nem tão pouco por qualquer crime continuado, tratando-se este de um caso isolado na vida do recorrente;
41) Não obstante, quanto a este requisito negativo - ponderação de interesses em confronto -, não se vê como pode a entidade recorrida sustentar o prejuízo público que agora alega no caso de ser decretada a suspensão da execução do ato suspendendo até à decisão a proferir na ação principal, quando pelo menos desde 28-08-2019, Já com o conhecimento da condenação do recorrente em primeira instância, entendeu que não havia já razões ou motivos que exigissem ou justificassem que o recorrente se mantivesse suspenso de funções, porquanto, dado o tempo decorrido, já se haviam esbatido os perigos que fizeram com que o mesmo se mantivesse afastado do serviço, e, consequentemente, a sua presença no serviço já não se revelava inconveniente, tendo, em consequência de tais considerações, sido decidido revogar a medida de suspensão preventiva em que se encontrava desde 24-10-2018, e determinado o seu regresso ao serviço policial;
42) Afigura-se, assim e ao invés, que na ponderação de interesses se constata inexistir qualquer prejuízo público e existirem sérios riscos de sobrevivência financeira do recorrente, que se vê, desta forma, privado da totalidade dos seus rendimentos.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra decisão que considere preenchidos todos os requisitos que legitimam a pretensão do recorrente, decretando a providência nos termos requeridos.
...”.

***
A entidade recorrida, notificada, apresentou contra-alegações, pronunciando-se sobre os fundamentos do recurso, concluindo:
“...
20) O Ministério lembra que o recorrido não tem o ónus de formular Conclusões, conforme determina o artigo 639.°, n.ºs 1, 2 e 3, desde logo pela razão constante do artigo 635.°, n.° 4, ambos do Código de Processo Civil.
...”.
Não obstante, em conclusão, reitera, apenas, que a Sentença do Tribunal a quo, recorrida, não padece de qualquer vício, designadamente dos que lhe são assacados pela recorrente.
Defende que deve o presente recurso jurisdicional ser julgado improcedente, por não se verificarem os vícios assinalados pelo recorrente, e, consequentemente, ser mantida a Sentença recorrida.
Conclui pelo acerto da sentença recorrida e que a mesma deve ser confirmada.
Pede que seja negado provimento ao recurso.

***
O Tribunal a quo admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, tendo, no mesmo despacho se pronunciado no sentido de declarar a inexistência de qualquer das nulidades imputadas à decisão recorrida, nos seguintes termos:
“... Compulsados os autos, afigura-se-me que a sentença objeto de recurso não padece de qualquer nulidade, tal como identificado no artigo 615.º do Código de Processo Civil, designadamente, por se encontrar fixada a matéria de facto provada e não provada com relevância para a decisão da causa, bem como, por se encontrarem expostos os fundamentos de facto e de direito que levaram à decisão, e por terem sido apreciadas todas as questões suscitadas pelas partes, suscetíveis de serem conhecidas.
Nestes termos, por entender que a decisão recorrida se baseia em critérios de legalidade, decido mantê-la...”.
***
O Magistrado do Ministério Público (DMMP) deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º e do n.º 2 do artigo 147.º, ambos do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Com dispensa dos vistos, atenta a natureza urgente dos autos, vem o processo à conferência desta Subsecção Administrativo Social para decisão.
***
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 608., n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:
1) erro de julgamento na apreciação da matéria de facto - factos 12 e 13 da sentença e artigo 59.º ao 62.º do r.i;
2) erro na interpretação e aplicação do direito, ao considerar i) não verificado o requisito do fumus boni iuris e, na ponderação de interesses, prevista no n.º 2 do art.º 120.º do CPTA, entendeu existir prejuízo do interesse público, ii) que a pena aplicada se mostra devidamente fundamentada, e iii) improcedente a invocada prescrição do procedimento disciplinar.
***
III – FUNDAMENTOS

i) DE FACTO
Na decisão judicial recorrida foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade:
“...
1) Por despacho datado de 28-09-2018, proferido pelo Comandante do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, foi determinada a instauração de processo disciplinar ao requerente, a que foi atribuído o NUP …….IS ao requerente, em virtude de o mesmo ter sido acusado no âmbito do processo-crime nº 2597/08.8TALRS, nesta altura distribuído para julgamento ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 14, despacho cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. fls. 2 do proc.º instrutor e admissão por acordo).
2) Em 23.10.2018, o requerente foi notificado da instauração do referido processo disciplinar, despacho cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. fls. 33 do proc.º instrutor e admissão por acordo).
3) Em 23.10.2018, o requerente, foi ainda notificado, do despacho do Diretor Nacional da PSP datado de 09-10-2018, que determinou a sua suspensão de funções e desarmamento até à decisão final absolutória no processo-crime, ainda que não transitada em julgado, ou até à decisão final condenatória, ao abrigo do artigo 38º do Regulamento Disciplinar então em vigor, aprovado pela Lei 7/90, de 20 de fevereiro, despacho cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. fls. 34 do proc.º instrutor e admissão por acordo).
4) A suspensão de funções e desarmamento, supra referida, foi publicada na ordem de serviço com o nº 213, de 07-11-2018, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. fls. 38 do proc.º instrutor e admissão por acordo).
5) Por despacho do Comandante do Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública, datado de 19-07-2019, foi determinada a suspensão do procedimento disciplinar até à conclusão do processo-crime pendente, despacho cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. fls. 49 do proc.º instrutor e admissão por acordo).
6) Por despacho do Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, datado de 07-08-2019, acolhendo o parecer do Diretor do Gabinete de Assuntos Jurídicos daquela mesma unidade policial, datado de 05-08-2019, foi determinada a reapreciação das situações de todos os elementos policiais que se encontravam suspensos preventivamente ao abrigo do artigo 38º do RD/PSP, no sentido de apurar se a manutenção de tal situação ainda se justificava, despacho cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. fls. 53 e 54 do proc.º instrutor e admissão por acordo).
7) Em 12-08-2019, foi elaborada Informação/Proposta pelo instrutor do processo disciplinar, no sentido da revogação do despacho que determinou a suspensão de funções do requerente, uma vez já se encontrarem esbatidos os perigos que levaram ao seu afastamento de funções e a sua presença já não revelar qualquer inconveniência para o serviço, despacho cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. fls. 55 do proc.º instrutor e admissão por acordo).
8) Por despacho do Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, datado de 22-08-2019, acolhendo a proposta do instrutor do processo, que mereceu concordância do Comando Metropolitano de Lisboa, foi revogado o seu anterior despacho, datado de 09-10-2018, que havia determinado a suspensão de funções do requerente, despacho cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. fls. 63 do proc.º instrutor e admissão por acordo).
9) O despacho supra foi notificado ao requerente em 02-09-2019, retomando, desde então, as suas funções ( cfr. fls. 66 do proc.º instrutor e admissão por acordo).
10) Em 12-04-2022, foi proferido despacho pelo Comandante do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, determinando a cessação da suspensão do processo disciplinar, sendo dada continuidade à sua instrução, despacho cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. fls. 163 do proc.º instrutor e admissão por acordo).
11) Mediante acórdão de 02.12.2020, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, transitado em julgado em 17.06.2021, foi negado provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo arguido e mantida a decisão da 1.ª instância, que condenou o requerente pela prática de um crime de branqueamento p. e. p. no artigo 368.º A n.ºs 1 a 4 do C.P, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspendendo-se a execução da mesma pelo prazo de 4 (quatro) anos, mediante sujeição a plano individual de reinserção social a elaborar pela DGRSP, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. Proc.º instrutor e admissão por acordo).
12) Em 09.06.2022 foi deduzida acusação, que foi notificada ao requerente em 15.06.2022, e ao seu mandatário em 17.08.2022, acusação cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. Proc.º instrutor e admissão por acordo).
13) O requerente ofereceu defesa nos autos de processo disciplinar nos termos e fundamentos que aqui se dão por reproduzidos (cfr. Proc.º instrutor e admissão por acordo).
14) Em 14.09.2022 foi encerrada a fase de defesa (cfr. Proc.º instrutor e admissão por acordo).
15) Em 14.09.2022 foi elaborado relatório final, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. Proc.º instrutor e admissão por acordo).
16) Em 03.04.2023, foi proferido despacho pelo Ministro da Administração Interna, que lhe aplicou a pena de demissão, despacho cujo teor aqui se dá por reproduzido ( cfr. fls. 226 e segs do proc.º instrutor e admissão por acordo).
17) O despacho, supra identificado, foi proferido nos autos de procedimento disciplinar, adoptou ainda na sua fundamentação o relatório final produzido nos autos de processo disciplinar instaurado ao requerente, de concordância com o relatório final daquele procedimento, relatório cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. fls. 209 e segs. do proc.º instrutor e admissão por acordo).
18) A entidade requerida proferiu, no âmbito da presente providência cautelar, resolução fundamentada, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. Doc.º. junto com a oposição).
19) O registo disciplinar do requerente consta dos autos de procedimento disciplinar, cujo teor aqui se dá por reproduzido ( cfr. Doc.º 1 junto com o r.i., e proc.º instrutor).
20) O requerente obteve as classificações de serviço patentes no doc.º 1 junto com o r.i., cujo teor aqui se dá por reproduzido cfr. doc.º 1 junto com o r.i., e proc.º instrutor).
...”.

ii) DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso, segundo a sua ordem de precedência.
Alega o recorrente que o presente processo cautelar de suspensão de eficácia tem por objeto a suspensão de execução de ato administrativo, consubstanciado no despacho proferido em 03.04.2023, pelo Ministro da Administração Interna, que puniu o requerente com a pena disciplinar de demissão, solicitando uma tutela cautelar de natureza conservatória, isto é, requerendo a suspensão de eficácia do ato administrativo.
E quanto aos requisitos, alega:

1º - Do “fumus boni iuris” e do juízo de procedência da ação principal

Sustenta o recorrente que o ato suspendendo padece de a) erro nos pressupostos da matéria de facto, com implicações na aplicação do direito, bem como que se mostra ferido de nulidade, arguindo a prescrição do procedimento disciplinar, e, ainda, que o ato suspendendo padece dos seguintes vícios: b) falta de fundamentação de facto e de direito, quanto aos factos provados para efeitos da medida e graduação da pena aplicada; c) violação dos princípios da proporcionalidade, adequação, razoabilidade e necessidade, igualmente na escolha da pena disciplinar aplicada.
Erro na matéria de facto e de direito

Alega o recorrente que foram dados como provados os “factos 12 e 13” da sentença, mas o “facto provado 12.” apenas parcialmente está provado, pois que a acusação não foi notificada a 15-06-2022 e muito menos se pode dizer que tal facto estaria provado por acordo e o “facto 13.2 deve ser dado como “não provado”. O recorrente, no artigo 12.º do seu r.i. o que admite é ter sido notificado a 15-07-2022 e que o seu mandatário nunca foi da acusação licitamente notificado, apesar da existência de um email da ordem dos Advogados com a indicação de “entrega concluída”, inexistindo qualquer comprovativo de efetiva receção de leitura.
Ainda conclui que o seu mandatário nunca entregou nos autos qualquer email de modo a consentir a sua notificação por essa via.
Quanto ao “facto 13” não tendo sido o seu mandatário notificado da acusação, nunca apresentou defesa, pelo que não entende como o Tribunal deu como provado o contrário.
Nessa sequência é pedido ao presente Tribunal ad quem que acrescente aos “factos provados” outros: os factos 92.º, 94.º, 97.º, 100.º dados como provados no processo-crime.
Apreciando.
A CRP dignifica com tutela de direito fundamental fora do catálogo, direito fundamental de natureza análoga aos “direitos, liberdades e garantias”, por via do artigo 17.º, o direito a “audiência e defesa” dos trabalhadores da Administração Pública no procedimento disciplinar – artigo 269.º, n.º 3. da CRP.
De resto, a alusão expressa à garantia de audiência e defesa em processo disciplinar não significa que a isso se reduzam os direitos do trabalhador nesse processo. Este deve configurar-se como um processo justo, aplicando-se-lhe, na medida do possível, as regras ou princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal, designadamente as garantias de legalidade, o direito à assistência de um defensor (artigo 32.º/3 da CRP), o princípio do contraditório (artigo 32.º/5 da CRP), o direito de consulta do processo, entre outros.
Assim, é direito fundamental do trabalhador em funções públicas a sua audiência e defesa em procedimento disciplinar, representando a falta dessa audiência ou a preterição de formalidades essenciais de defesa nulidade insuprível do procedimento disciplinar, por ofensa do âmago daquele direito fundamental.
No mesmo seguimento, há um chamamento constitucional das regras e dos princípios constitucionalmente previstos no processo penal para o procedimento disciplinar público, sintetizado no n.º 10 do artigo 32.º da CRP, onde se postula que, nos processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa. Os princípios da constituição processual criminal, elencados no artigo 32.º da CRP, valem não só para o processo penal, mas, com as devidas adaptações, para o procedimento disciplinar de natureza pública (categoria em que se insere o procedimento disciplinar no vínculo do empregador público).
Tratando-se, todavia, de providências que se afigurem convenientes à descoberta da verdade, o regime subsidiário a aplicar nos casos omissos será, em primeira linha, o que resultar dos princípios e normas de natureza probatória decorrentes do processo penal (Código de Processo Penal – CPP – e legislação complementar) que se mostrarem compatíveis com o procedimento disciplinar, regras essas a seguir com as adaptações que a natureza deste procedimento tornar necessárias, tendo-se ainda presente que ao processo penal são subsidiariamente aplicáveis as normas do processo civil que com o mesmo se harmonizem (artigo 4.º do Código de Processo Penal – CPP).
Ora, sobre as notificações da acusação, disciplina o artigo 72.º e 93.º da Lei n.º 37/2019, de 30 de maio:
Artigo 72.º
Notificações
1 - As notificações de atos processuais que devam ser feitas ao arguido ou ao seu representante são igualmente feitas ao mandatário.
2 - Para efeitos do exercício de direitos e poderes processuais, releva a data da notificação efetuada em último lugar.

Artigo 93.º
Notificação da acusação
1 - Da acusação extrai-se cópia, no prazo de 48 horas, sendo a mesma entregue ao arguido mediante notificação pessoal ou, não sendo esta possível, por carta registada com aviso de receção, para, no prazo de 15 dias, querendo, apresentar a sua defesa escrita.
2 - Quando não seja possível a notificação nos termos do número anterior, designadamente por ser desconhecido o paradeiro do arguido, é publicado aviso na 2.ª série do Diário da República, notificando-o para apresentar a sua defesa em prazo não inferior a 15 nem superior a 30 dias contados da data da publicação.
3 - O aviso apenas contém menção de que se encontra pendente procedimento disciplinar contra o arguido e o prazo fixado para apresentar a sua defesa.

Mesmo aqui, o antecedente estatuto Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, em matéria de notificações, era menos favorável ao arguido, porquanto referia, no artigo 65.º/3 da Lei 7/90, de 20 de fevereiro, que “... Mesmo estando constituído advogado, as notificações serão sempre feitas ao arguido, sem prejuízo de as mesmas serem feitas ao seu mandatário, nos termos da legislação geral sobre o patrocínio judiciário...”.
Já o artigo 81.º/1 deste diploma legal estatuía que “... 1 - Da acusação extrair-se-á cópia no prazo de 48 horas, a qual será entregue ao arguido, mediante notificação pessoal ou, não sendo esta possível, por carta registada com aviso de receção para a sua residência, marcando-lhe um prazo entre 10 e 20 dias para apresentar a defesa...”.
Daqui resulta que a notificação do mandatário, se feita posteriormente à notificação do trabalhador, é a que releva para a contagem do exercício dos demais direitos, designadamente para a apresentação da sua defesa, por ser a concretizada em último lugar.
Como foi referido na sentença recorrida do Tribunal a quo, na sucessão no tempo de regimes legais disciplinares, tal como no Direito Penal, vigora o princípio da aplicação da lei disciplinar mais favorável, consagrado no artigo 29.º, n.º 4 da CRP e no artigo 2.º, n.º 4 do Código Penal. Para tanto, impõe-se que se proceda a uma análise comparativa dos regimes, de forma a detetar a lei mais favorável.
Ora, à semelhança do processo crime em que o processo só prosseguirá para a fase seguinte – para a fase de julgamento – se os procedimentos de notificação que ao Ministério Público cabe realizar tiverem resultado ineficazes (segunda parte do n.º 5 do artigo 283.º CPP).
Não é de somenos que essa notificação seja efetivamente realizada nos termos preconizados pela lei, como não é indiferente a fase processual em que o arguido é notificado da acusação. O que está em causa é a salvaguarda do direito de defesa do arguido - que pode querer requerer a abertura da instrução.
Pois bem, resulta dos autos, e do processo administrativo, que foi enviado email, em 17 de agosto de 2022, ao mandatário do trabalhador no processo disciplinar, notificando-o do conteúdo da “Acusação”, constando do email enviado “... Solicita-se que V. Ex.ª acuse a recepção deste email, com a indicação de que se considera notificado...”] - cfr. fls 199 do PA físico, digitalizado a fls 381 do SITAF. Ainda consta de fls 200 do PA físico que “... A entrega a estes destinatários está concluída, mas não foi enviada nenhuma notificação de entrega pelo servidor de destino...” – a fls 381 do SITAF.
O trabalhador visado não exerceu o seu direito de defesa face à “Acusação”, razão pela qual o “facto provado 13” padece de erro grosseiro e não pode ser dado como “provado”, como, aliás, foi referido pelo autor logo no seu r.i. (artigo 13.º), apontando que nunca fora regularmente notificado.
Ora, recorda-se o disposto nos artigos 63.º e 112.º/2, alínea b) do CPA que impõe o prévio consentimento do notificando quando se pretende usar a notificação por email. Por outro lado, determina o artigo 113.º/5 do CPA que a notificação por meios eletrónicos apenas se considera efetuada no momento em que o destinatário acede ao correio enviado para a sua caixa postal, apenas se podendo comprovar esse acesso com a receção de recibo de leitura. Ou seja, é necessário que o destinatário tenha aberto o email específico que a Administração lhe destinou.
A isto se soma o facto de a notificação continha uma menção expressa para que o destinatário reagisse expressamente àquela receção, passando a ideia ao seu destinatário de que se tal reação não sucedesse, a notificação não estaria perfeita. Não retirou a entidade recorrida qualquer ilação dessa ausência de reação do senhor mandatário, porquanto, independentemente dessa condição de receção da notificação, criada por si, decidiu prosseguir a instrução do procedimento disciplinar e decisão final.
Ora, não existindo prova nos autos de tal acesso, presume-se que a notificação se tornou perfeita 25 dias depois – conforme artigo 113.º/6 do CPA – mas trata-se de presunção iuris tantum, ou seja, ou seja, admite prova do contrário.
Todavia, tudo isto estaria certo se o mandatário em causa, no processo disciplinar, na respetiva procuração, constante a fls 381 do SITAF, tivesse facultado, além do seu endereço postal, o seu endereço de email, mas não foi o caso.
O mandatário não deu efetiva autorização a essa utilização, pelo que não resta outra alternativa ao Tribunal senão considerar verificada a imperfeição da notificação da “Acusação” ao mandatário do trabalhador visado e, com isso, face ao disposto no artigo 72.º/2 do Lei n.º 37/2019, de 30 de maio, não se iniciou a contagem do prazo para responder à “Acusação”, ou seja, não se pode dar como iniciado o prazo para o trabalhador visado poder exercer o seu direito fundamental de defesa, já que é a notificação feita em último lugar, quando o trabalhador constitui mandatário, que marca o termo a quo a partir do qual responderá à “Acusação”.
Em consequência, e nos termos dos artigos 149.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), altera-se a matéria de facto nos termos seguintes:
FACTOS NÃO PROVADOS
1) Em 09.06.2022 foi deduzida acusação, que não foi notificada ao mandatário do requerente.
2) O requerente não ofereceu defesa nos autos de processo disciplinar nos termos e fundamentos que aqui se dão por reproduzidos.
Ora, o direito de audiência no âmbito de procedimento disciplinar é um direito fundamental e compreende não só o direito do trabalhador arguido a ser ouvido, como o direito a defender-se da acusação, podendo, até, exigir o recurso a outros meios de prova.
Portanto, fazendo uma análise perfunctória da factualidade e do direito aplicável, é muito provável que o procedimento disciplinar em litígio padeça de uma nulidade insuprível, decorrente da falta de audiência do arguido e da eventual omissão de diligências essenciais de prova que ele pudesse vir a requerer na resposta à “Acusação”, sendo desnecessário analisar de modo sumário a alegação da prescrição, da violação de princípios invocados e da errada interpretação da lei na determinação da sanção aplicada. É que as apreciações individuais e pormenorizadas de todos estes vícios alegados terão o seu espaço próprio de discussão que é na ação principal, porquanto pressuporão a apreciação do mérito da causa principal, estando isso vedado em sede de tutela cautelar, a qual reveste uma apreciação sumária e provisória, e não um julgamento antecipado da causa principal.
Por isso, numa apreciação perfunctória, não há manifesta falta de fundamento nas alegações do recorrente e fazendo um juízo de prognose, apoiado em simples critérios próprios do homo prudens, quanto à probabilidade de o direito, de que o requerente se arroga titular, vir a ser tutelado na ação principal de que a providência cautelar depende, se dirá ser provável.
Efetivamente, o juízo que releva fazer é um juízo no qual o objetivo é proceder a uma avaliação sumária de que não há na alegação uma manifesta falta de fundamento. E basta analisar a probabilidade de existir uma nulidade insuprível, como a acima relatada, para se dar como provado o “fumus boni iuris”. Recorda-se que a lei não exige que o direito efetivamente exista. Exige apenas que exista essa possibilidade ou probabilidade, isto é, exige que o requerente demonstre que pode ser o titular do direito por si invocado.
Agora, há que averiguar, desde logo, se o Tribunal a quo fez uma justa e adequada ponderação dos interesses públicos e privados em conflito, já que deu como provado o periculum in mora, que não foi objeto de recurso.
Ponderação de Interesses

Alega o recorrente que não há prejuízo para o interesse público o regresso ao serviço do recorrente, uma vez que no âmbito da sua condenação no processo crime fora já decidido não se justificar a manutenção da suspensão de funções, por já se terem esbatido os perigos que fizeram com que se determinasse o seu afastamento, razão pela qual foi revogada a suspensão preventiva que estava ordenada desde 24-10-2018.
Já a entidade recorrida alegou prejuízo para o interesse público no caso de ser concedida a presente providência e o ato suspendendo não for objeto de execução, ou seja, invoca que a eventual lesão dos interesses do recorrente tem de ser objeto de confronto com a eventual lesão de outros interesses, “in casu”, a lesão do interesse público. O que nos remete para o disposto no artigo 120.º, nºs. 2, 3 e 4, do C.P.T.A., atento, ainda, o facto de que a entidade requerida veio alegar lesão do interesse público, sendo inaplicável ao caso vertente o disposto no artigo 120.º, n.º 5, do CPTA.
O recorrente, todavia, confunde a inexistência de perigo do ponto de vista criminal na manutenção da suspensão de funções, com a lesão para o interesse público a PSP ter ao seu serviço como agente de autoridade alguém condenado por crime de branqueamento de capitais. Os juízos que são convocados no procedimento disciplinar assumem natureza e finalidades distintas dos juízos criminais.
Por outro lado, a apreciação do requisito negativo enunciado no n.º 2 do artigo 120.º não se traduz num juízo de ponderação entre o interesse público e o interesse privado, visto que o que releva são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos sejam eles públicos ou privados.
Os índices dos interesses públicos que impõem a eficácia ou execução imediata do ato e danos daí derivados decorrentes da concessão da providência suspendenda têm que se encontrar no circunstancialismo que rodeou a sua prática, especialmente nos fundamentos e nas razões invocadas. Assim, neste juízo de ponderação intervêm diversos fatores, designadamente os reflexos que a suspensão pode ter nos efeitos de prevenção geral e de reprovabilidade social da medida sancionadora, o círculo onde a infração foi cometida ou se tornou conhecida, o tipo de serviço ou de instituição onde a mesma ocorreu, a natureza das funções aí desempenhadas pelo agente.
A introdução do critério da ponderação de interesses foi uma novidade absoluta, em 2004, no nosso contencioso administrativo, exigindo que a justa comparação dos interesses em jogo, proceda, em cada caso, à ponderação equilibrada dos eventuais danos, contrabalançando os riscos que a concessão da providência pode envolver com a amplitude dos danos que a sua recusa possa trazer. E esta novidade permaneceu no tempo.
A ponderação a efetuar deve ser feita entre prejuízos ou danos e não entre os interesses em presença, sendo que a lei não consagra em abstrato qualquer prevalência do interesse público face aos demais interesses em conflito, respeitando-se o princípio da proporcionalidade.
Tudo dito, só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem, de todo em todo, a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação, mercê dos prejuízos e danos que gera, deve prevalecer sobre os prováveis prejuízos causados ao recorrente é que se impõe a execução imediata do ato, indeferindo-se, por esse facto, o pedido cautelar de suspensão.
Resta-nos, então, apreciar e avaliar dos prejuízos para o interesse público, alegado pela entidade requerida.
Pois bem,
no que respeita ao prejuízo para o interesse público, a salvaguarda do mesmo reporta-se à tutela da legalidade, estando em causa a atividade criminal continuada do ora requerente, no exercício da profissão de agente da autoridade, condenado que foi pela prática de crimes de corrupção e peculato, sendo que as autoridades policiais têm por missão prevenir e combater a criminalidade.
Por esta razão, o Tribunal ad quem não pode deixar de acompanhar a apreciação feita pelo Tribunal a quo neste particular, sob pena de ser comprometida a idoneidade e credibilidade da PSP, enquanto autoridade policial, não podendo deixar de se ter em linha de conta a gravidade das infrações criminais imputadas ao recorrente, pois são ameaçadoras da autoridade e confiança social que as forças de segurança devem gozar junto da sociedade.
Aliás, se não houver execução do ato suspendendo, ocorrerá indiscutivelmente uma lesão concreta, atual e efetiva do interesse público, contribuindo para a falta de confiança social nos agentes de autoridade, valores essenciais num Estado de Direito Democrático e, por isso, não podemos deixar de concluir que, neste juízo de ponderação de interesses, sobressai a lesão do interesses público, o que impede o decretamento da providência cautelar, atenta a exigência da verificação cumulativa dos requisitos legais de que depende o seu decretamento.
A reforçar o supra expendido a jurisprudência recente tem vindo a confirmar decisões de recusa de decretamento de providência de suspensão de eficácia, precisamente com apelo à ponderação de interesses, em que o interesse público prevalece não obstante a pena disciplinar grave aplicada, como a de demissão, citando, desde já, os seguintes Acórdãos deste TCA Sul, disponíveis on line in www.dgsi.pt, tais como:
1) proferido nos autos de recurso com o n.º 11800/15, em 26/02/2015, cujo sumário se reproduz em seguida: “... I - Os requisitos para o decretamento de uma providência cautelar não são somente os previstos no nº 1 do artigo 120º do CPTA, porque é essencial o terceiro requisito previsto no nº 2 (a que se liga o nº 5); II - Atenta a factualidade aqui alegada e provada, prevalece o interesse público concreto, cuja lesão seria grave ou elevada se a pena disciplinar sindicada fosse suspensa até à sua apreciação de mérito no processo principal, sendo, por outro lado, muito leve os pesos dos interesses concretos prosseguidos pelo requerente e dos respetivos danos prováveis...“;
2) proferido nos autos de recurso com o n.º 11062/14, em 24/07/2014, cujo sumário se reproduz em seguida: “...I – Numa providência cautelar em que o que está em causa é obviar, em tempo útil, a ocorrências que possam comprometer a utilidade do processo principal, para decidir se é de conferir ou não a tutela cautelar e, em especial, para apreciar se, na esfera do requerente, se preenchem ou não os requisitos do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora” [ou, tratando-se de providências conservatórias, do “fumus non malus iuris”], o tribunal não procede a juízos definitivos, que apenas cumpre realizar no processo principal, mas a apreciações perfunctórias, baseadas em juízos sumários sobre os factos a apreciar. II – Tendo o requerente da providência invocado para demonstrar não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular no processo principal, a ocorrência de vários vícios, bastava não ser manifesta a falta de fundamento da ocorrência de um deles para justificar ter por verificado o requisito do “fumus boni iuris”. III – A apreciação duma eventual manifesta falta de fundamento da pretensão, mesmo em sede cautelar, impõe ao juiz uma análise, ainda que perfunctória, de todos os vícios dirigidos ao ato suspendendo, já que só se relativamente a todos eles essa falta de fundamento for manifesta é que se verifica o “fumus malus”, a determinar a imediata rejeição da providência requerida. IV – O requisito do “periculum in mora” encontra-se preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, a mesma já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis. V – Incumbe ao requerente da providência alegar e provar factos concretos que permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade ou de difícil reparação da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente. VI – Sendo a remuneração do recorrido a única componente do seu rendimento, a mesma é indispensável para assegurar a sua subsistência e a dos restantes membros do seu agregado familiar, pelo que a privação dessa remuneração é suscetível de pôr em risco a satisfação das respetivas necessidades básicas. VII – O interesse público exige que após a condenação penal por vários crimes de corrupção passiva para ato ilícito, um militar da GNR não possa manter-se no exercício das suas funções, por estar irremediavelmente quebrada a confiança no cabal cumprimento da missão confiada à GNR, na medida em que a mesma é incompatível com a permanência ao serviço de militares condenados judicialmente por vários ilícitos daquela natureza. VIII – A gravidade das infrações praticadas pelo requerente, refletida em termos de disciplina, não deixará de produzir reflexos na vida interna da GNR e para a imagem que dela devem ter, não só os restantes profissionais, como a população em geral, que esperam e confiam que a GNR não possua no seu seio militares que adotam condutas como as praticadas pelo requerente. IX – A lesão para os interesses de natureza privada prosseguidos pelo requerente decorrentes da não suspensão do ato punitivo, traduzida na diminuição dos seus rendimentos e na afetação do seu nível de vida é, por isso, menor em relação à lesão para o interesse público, que ocorreria caso fosse de manter a decisão recorrida, que decretou a suspensão de eficácia do ato de aplicação da pena disciplinar de reforma compulsiva e a imposição de apresentação do requerente ao serviço...”.
Deve-se, assim, concluir que na ponderação de interesses esta prevalece a favor da entidade requerida.
***
Em consequência, será de negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos e em manter a sentença recorrida, com a fundamentação antecedente.
*

IV – DISPOSITIVO

Tudo visto e ponderado, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Seção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recuso, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
Registe e Notifique.

Lisboa, dia 19 de março de 2024

(Eliana Pinto - Relatora)

(Teresa Correia – 1.º Adjunto)

(Frederico Macedo Branco – 2.º Adjunto)