Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:423/16.2BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:04/20/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:ERRO NA FORMA DO PROCESSO
CAUSAS DE PEDIR (204.º DA LGT)
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
REPOSIÇÃO VERBAS SUBSÍDIO DESEMPREGO
CONVOLAÇÃO PROCESSUAL
Sumário:I-O erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado, daí que, se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo.
II- A circunstância de as causas de pedir delineadas não constituírem, porventura, fundamentos válidos de oposição à execução fiscal, não constitui motivo para julgar verificado o erro na forma de processo, mas, ao invés, motivo para a improcedência do pedido com base nessa causa de pedir.
III-Se o Recorrente pretende que se afira do incumprimento injustificado do projeto de criação do próprio emprego e se tal implica, como decretado, a revogação do apoio concedido e inerente reposição das quantias pagas, tais causas de pedir contendem com a ilegalidade em concreto da dívida cuja discussão está vedada no âmbito do processo de oposição ao processo executivo.
IV-O ato sindicado e cuja ilegalidade é assacada pelo Oponente, seja na dimensão de vícios formais, seja na materialização de vícios de violação de lei, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, consubstancia uma decisão direta e imediatamente impugnável e lesiva, na medida em que determina a reposição dos montantes pagos, a título de prestações de desemprego, produzindo, desde logo, efeitos na sua esfera jurídica, donde, poderia/deveria o Oponente ter reagido contra este, mediante a dedução da competente ação administrativa especial.
VI-Havendo lugar à improcedência inexistem razões jurídicas que justifiquem um juízo de eventual convolação processual, o qual apenas deverá ter lugar nas situações de erro na forma de processo, sendo certo que, a mesma estaria, desde logo, apartada e inviabilizada face a uma incompetência material, na medida em que a ação idónea teria de ser deduzida junto dos Tribunais Administrativos
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

A. A., veio interpor recurso dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou verificada a exceção dilatória do erro na forma de processo prevista nos artigos 193.º e 577.º, al. b), do CPC tendo, em consequência, absolvido o Exequente IGFSS da instância nos termos do artigo 278.º, n.º 1, al. b), do mesmo código, com as demais consequências legais.


O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


“I. O Recorrente não se conforma com a Douta Sentença proferida nos presentes autos, que veio julgar verificada a exceção dilatória de erro na forma de processo (artigo 193.º e alínea b) do artigo 577.º do CPC), sem possibilidade de convolação;

II. Entende o Recorrente que não existe qualquer exceção de erro no processo, e que mal andou o Douto Tribunal a quo ao concluir pela verificação da mesma, contudo, e por mero dever de patrocínio, cumpre referir que o erro na forma de processo consubstancia uma nulidade [Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 08.03.2019, no âmbito do Processo n.º 7829/17.9T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt] (artigo 192.º do CPC) e não uma exceção, como foi decidido pelo Tribunal a quo;

III. Tratando-se de uma nulidade, entende o Recorrente que a mesma se encontra, neste momento, sanada, uma vez que, de acordo com o n.º 1 do artigo 198.º do CPC, a nulidade de erro na forma de processo apenas pode ser arguida até à contestação ou neste articulado – o que não aconteceu nos presentes autos;

IV. Mal andou o Tribunal a quo quando refere que o ora Recorrente vem apenas suscitar a ilegalidade concreta do reembolso que lhe é solicitado pelo Exequente, pois, o que o Recorrente pretende é a sindicância dos fundamentos que subjazem ao pedido de reposição – o que não se traduz em “legalidade concreta”, mas sim em “legalidade abstrata” [Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 0558/15.0BEMDL, de 21.02.2018 – in www.dgsi.pt.];

V. A extinção da execução, que é o que por ora se requer, é a finalidade última da oposição à execução e, analisando o elenco de hipóteses de fundamento para oposição à execução previsto nas alíneas a), h) e i) do artigo 204.º do CPPT, não podemos conceder que a apreciação da ilegalidade abstrata fundamento da oposição apresentada não possa ser feita nesta sede;

VI. Contudo, e mesmo que se entenda que se deveria estar perante uma impugnação judicial e não uma oposição à execução, no que não concedemos, e por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que o Tribunal a quo poderia ter convolado a oposição à execução em impugnação judicial, uma vez que, conforme a nossa jurisprudência [Cfr. Acórdão do Tribunal central Administrativo Sul, processo n.º 1919/10.6BESNT, de 21.06.2018 – in www.dgsi.pt.], a convolação do meio processual de oposição à execução para impugnação judicial é legalmente admissível, por ser tempestivo (de acordo com o artigo 102.º do CPPT), adequando-se o pedido formulado da oposição à execução à nova forma processual a seguir (impugnação judicial, de acordo com o artigo 99.º do CPPT), e aproveitando todos os atos praticados, por respeito ao princípio de economia processual.

VII. Pelo que, e face ao acima exposto, não existem fundamentos para recusar a aplicação do instituto da convolação nos presentes autos, pelo que deve a Douta Sentença recorrida ser anulada e substituída por outra que convole para o meio processual – impugnação judicial – e conheça do mérito da ação, considerando procedente o pedido formulado pelo Autor/oponente.”


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A Recorrida, devidamente notificada, não apresentou contra-alegações.



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Os autos foram com vista ao DMMP que emitiu parecer no sentido de ser mantida a decisão.



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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.



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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão a proferir, consideram-se provados pelos documentos constantes dos autos, não impugnados, os seguintes factos:

A. Em 09/02/2011 o Oponente requereu junto do Centro de Emprego de Santarém a atribuição de prestações de desemprego por extinção do posto de trabalho. – (cfr. doc. de fls. 27 e 28 dos autos).


B. Em 26/01/2012, o Diretor da Segurança Social remeteu ao Oponente oficio de notificação com o seguinte teor:





(cf. doc. de fls. 29 dos autos).


C. Em 01/11/2013 foi remetido ao Oponente oficio de notificação por incumprimento injustificado do projeto de criação do próprio emprego, com o seguinte teor:





(cf. doc. de fls. 30 dos autos).


D. Em 06/11/2013 o oponente endereçou ao Diretor da Segurança Social resposta a referir que cumpre os requisitos legais, juntando documentos e concluindo que não existe lugar à restituição de qualquer verba. – (cf. doc. de fls. 31 dos autos).


E. Em 14/11/2013 o Centro Distrital de Santarém do Instituto da Segurança Social, I.P. remeteu ao Oponente notificação com o seguinte teor:








(cfr. doc. de fls. 56 e 57 dos autos).


F. Em 02/12/2013, por referência ao oficio de 14/11/2013, o Oponente remeteu ao Diretor da Segurança Social requerimento a discordar do teor do mesmo e a concluir pela inexistência de razão para a devolução do montante recebido. – (cf. doc. de fls. 58 a 60 dos autos).


G. Em 12/02/2014 o Centro Distrital de Santarém remeteu ao Oponente informação de que o recurso hierárquico interposto foi remetido ao Gabinete de Assuntos e Contencioso do ISS, IP, entidade competente para a pronuncia sobre o ato administrativo praticado. – (cf. doc. de fls. 86 dos autos).


H. Em 04/11/2015 a SPE de Santarém do IGFSS instaurou contra o Oponente o PEF n.º ….588, por divida de subsidio de desemprego no montante de € 13.024,50. – (cf. docs. de fls. 5 e 8 dos autos).


I. Em 13/11/2015 a SPE de Santarém citou pessoalmente o Oponente, mediante carta registada com aviso de receção para o PEF identificado no ponto antecedente. – (cf. docs. de fls. 6 a 9 dos autos).


J. Em 15/12/2015 deu entrada na SPE de Santarém da petição inicial da presente Oposição. – (cfr. informação de fls. 2 dos autos).



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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:


“Inexistem outros factos com relevo para a decisão e que importe registar.”



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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:


“Cumpre ainda referir que da prova testemunhal efetuada nos autos, por parte da entidade exequente, da mesma não resultaram quaisquer factos com interesse para a decisão da causa para além dos já provados por documento, razão pela qual a mesma não é tida em consideração.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, o Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou verificado o erro na forma do processo e, em consequência, absolveu da instância o IGFSS.


Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.


Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim:


- Decidir se a decisão prolatada pelo Tribunal a quo, deve manter-se na ordem jurídica analisando, para o efeito, o pedido e as concretas causas de pedir e, consequentemente, se a pretensão do Recorrente é insuscetível de apreciação neste meio processual.


- Aquiescendo-se pela existência de erro na forma do processo, aferir da sua conformação jurídica enquanto nulidade processual e, nessa medida, aferir se o mesmo não poderia ter sido decretado atenta a sua sanação.


- Ajuizar, in fine, do erro de julgamento atinente à insusceptibilidade de convolação processual.


Vejamos, então.


O Recorrente alega, desde logo, que contrariamente ao evidenciado pelo Tribunal a quo inexiste qualquer erro na forma do processo na medida em que pretende, tão-só, a sindicância dos fundamentos que subjazem ao pedido de reposição – o que não se traduz em “legalidade concreta”, mas sim em “legalidade abstrata”, subsumível no artigo 204.º, nº1, alínea a), ou no limite nas alíneas h) e i) do CPPT.


Mais advoga que, pretende a extinção da execução fiscal e que essa é, efetivamente, a finalidade da oposição ao processo executivo.


Sufraga, de todo o modo, que o erro na forma de processo consubstancia uma nulidade e não uma exceção, como foi decidido pelo Tribunal a quo, e que, in casu, se encontra, efetivamente, sanada de acordo com o n.º 1 do artigo 198.º do CPC.


Ressalvando, a final, e por mero dever de patrocínio, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quando ajuizou que se encontrava inviabilizada qualquer convolação processual, porquanto a convolação do meio processual de oposição à execução para impugnação judicial é legalmente admissível, por ser tempestivo, adequando-se, por conseguinte, o pedido formulado da oposição à execução à nova forma processual a seguir, devendo, assim, conhecer-se do mérito da ação, com a peticionada procedência.


Vejamos, então, se a decisão recorrida padece do erro de julgamento que lhe é assacado, começando por ter presente a fundamentação jurídica em que assentou o sentenciado erro na forma do processo.


O Tribunal a quo começa por convocar o teor do artigo 204.º, do CPPT, e a natureza taxativa dos seus fundamentos, para depois analisar a concreta pretensão do Oponente à luz do pedido e das causas de pedir elencadas na p.i., discernindo, para o efeito, o seguinte:“[o] Oponente pretende com a presente oposição a extinção do processo de execução fiscal por entender que as prestações de desemprego auferidas não devem ser devolvidas, porque considera, em suma, não haver lugar à sua restituição por reunir os requisitos legais para o efeito. Todavia, como veremos, o Oponente não pode nestes autos de oposição ao processo executivo discutir a legalidade em concreto da dívida exequenda. Com efeito, em sede de oposição à execução fiscal, apenas se pode discutir a ilegalidade em abstrato da dívida exequenda e, por isso, mostra-se excluída do âmbito da oposição a possibilidade de discussão da ilegalidade concreta da liquidação, fundamento que, assim, não é admitido em sede de oposição à execução fiscal.”


Afastando, depois, a possibilidade de subsunção normativa na al. i), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT , na medida em que “[e]sta apenas admite outros fundamentos não referidos nas alíneas anteriores e desde que “não envolvam a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda”., como sucede com a pretensão formulada nos presentes autos em que se visa que o Tribunal aprecie tal legalidade da liquidação.”


E bem assim na alínea h) “[p]orquanto só é possível discutir a ilegalidade concreta da liquidação se a lei não assegurar meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação, o que não sucede no caso vertente pois o Oponente, conforme resulta da factualidade provada, teve ao seu dispor a possibilidade de recorrer hierarquicamente para o Presidente do Conselho Diretivo do ISS ou impugnar contenciosamente no prazo de 3 meses a contar a notificação da decisão. O que, aliás, o Oponente não deixou de fazer uma vez que, conforme resulta dos autos, foi instaurado recurso hierárquico da decisão sindicada.”


Densificando, depois, que “[o] Oponente indica no preâmbulo da petição que deduz oposição ao processo executivo nos termos do disposto no artigo 204.º do CPPT mas a sua causa de pedir não se subsume a nenhuma das alíneas desta disposição legal. Sendo manifesto, perante a factualidade invocada na petição inicial, que o Oponente pretende apenas sindicar a legalidade concreta das contribuições apuradas, defendendo a sua ilegalidade porque considera reunir as condições legais para não devolver a quantia recebida da Segurança Social a titulo de subsidio de desemprego, argumentação que não pode fundamentar a oposição à execução.”


Concluindo, assim, que “[a] presente oposição judicial é um meio processual inadequado para a satisfação da sua pretensão, sendo que o meio processual adequado, neste caso, será, efetivamente, a ação administrativa, pelo que existe erro na forma processual empregue.”


Aquilatando, depois, da possibilidade de convolação processual, refutando-a da seguinte forma: “[n]o caso vertente, por um lado, constata-se que o pedido é de extinção da execução fiscal, ou seja, não é compatível com a ação administrativa especial. Existe uma inadequação do pedido. Por outro lado tal ação deveria ser apresentada no prazo de 3 meses, como resulta do disposto no artigo 58.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pelo que, tendo sido notificado do ato em 2013, há muito que se esgotou o prazo para o efeito pelo que é clara a intempestividade da nova forma processual.”


Desfechando, assim, pela verificação do erro na forma do processo.


Vejamos, então, se existe, efetivamente, erro de julgamento na assunção da impropriedade do meio processual.

O erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado, (1) daí que, se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (2) Logo, para se aferir da existência ou não de erro na forma de processo, cumpre atentar no pedido que foi formulado e na concreta pretensão de tutela jurisdicional podendo servir de elemento coadjuvante a causa de pedir invocada.(3)

Atentemos, então, qual o pedido constante na petição inicial de oposição sob recurso, fazendo a devida transcrição:


“Nestes termos e nos mais de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa, deve a presente oposição à execução ser julgada procedente por provada, julgando-se extinta a execução.”


Ora, atentando no aludido pedido dimana inequívoco que o mesmo é, efetivamente, adequado ao processo de oposição à execução fiscal, que visa precisamente a extinção da execução- conforme resulta, ademais, expresso nas alegações de recurso, nas quais o Recorrente reconhece e sublinha ser esse o desiderato da presente ação.


Aliás, a decisão recorrida também assim o entendeu, todavia não interpretou da melhor forma a extensão e amplitude do erro na forma do processo, na medida em que julgou verificada a impropriedade do meio processual, socorrendo-se da causa de pedir e não, como se impunha, do pedido.


Como se decidiu em Acórdão do STA, proferido no âmbito do processo nº 01086/13, com data de 28 de maio de 2014, segundo o qual “as causas de pedir aduzidas podem ou não suportar esse pedido é matéria que se situa no âmbito da procedência. Por isso, com o fundamento de que as causas de pedir invocadas não são adequadas ao pedido formulado poderá decidir-se no sentido da improcedência da acção (eventualmente, até do indeferimento liminar da petição inicial), mas não no sentido da verificação do erro na forma do processo.”


De facto, atentando na fundamentação jurídica constante na decisão recorrida, perante a concreta petição inicial de oposição, o Meritíssimo Juiz, começa, como visto e muito bem, por aferir se o pedido é conforme ao processo de oposição, respondendo afirmativamente, e aferindo, depois, se os fundamentos se subsumem aos legalmente impostos na conformação substancial desta forma de processo, concluindo em sentido negativo.


Ulteriormente, e não obstante afirmar, de forma expressa, que o pedido deduzido é próprio do processo de oposição-que foi o deduzido- acaba por concluir pela verificação de um erro na forma do processo, e por afastar qualquer possibilidade de convolação processual, atenta, desde logo, a conformidade do pedido e a intempestividade do meio processual reputado adequado.


Contudo, e como já referido, a circunstância de as causas de pedir delineadas não constituírem, porventura, fundamentos válidos de oposição à execução fiscal, não constitui motivo para julgar verificado o erro na forma de processo, mas, ao invés, motivo para a improcedência do pedido com base nessa causa de pedir.


E por assim ser, procede a alegação do Recorrente no sentido de que inexiste erro na forma do processo, ainda que, como veremos, sem os efeitos por si arguidos e almejados.


Senão vejamos.


Ainda que se anua, como visto, com o entendimento do Recorrente no sentido de que inexiste uma verdadeira impropriedade do meio processual, atento desde logo o pedido que é adequado e idóneo à extinção da execução fiscal-que peticiona in fine-, a verdade é que, ainda assim, o seu recurso está votado ao insucesso na medida em que, como veremos, se secunda a insusceptibilidade de subsunção normativa em qualquer um dos fundamentos consignados no artigo 204.º, nº1, do CPPT, apenas nos distanciando da cominação perfilhada na decisão recorrida.


In casu, de facto, todas as causas de pedir alegadas estão concatenadas com a ilegalidade do ato que determinou a reposição das quantias pagas a título de prestações de subsídio de desemprego, contendendo, assim, e contrariamente ao advogado pelo Recorrente, com a ilegalidade concreta do mesmo.


Mas expliquemos, porque assim o entendemos, fazendo o competente exame da petição inicial.


O Recorrente começa por fazer o enquadramento normativo no artigo 204.º, nº1, alínea i), do CPPT, descrevendo depois a realidade fática atinente ao efeito, concretamente a situação de desemprego, o inerente pedido de pagamento das respetivas prestações, e o subsequente recurso a um projeto de criação do próprio emprego.


Densificando, depois, que foi notificado em 29 de outubro de 2013, para proceder à restituição do valor pago a título de prestações de desemprego, e que reagiu a essa notificação, em 06 de novembro de 2013, refutando a aludida interpelação, na medida em que cumpria os requisitos associados ao aduzido projeto de criação do próprio emprego.


Relevando, adicionalmente, que não obstante tais esclarecimentos, foi notificado a 14 de novembro de 2013, da decisão de manutenção do pedido de restituição do montante global das prestações de desemprego, da qual reagiu mediante interposição do respetivo recurso hierárquico e no qual foi proferida decisão de manutenção da restituição de tais prestações, a qual reputa de ilegal.


Centrando-se, depois, todo o articulado na arguição dos vícios de que padece esse mesmo ato administrativo, concretamente, falta de fundamentação, preterição do direito ao contraditório/audiência prévia, violação de lei e objeto impossível.


Com efeito, e de forma absolutamente clara, sufraga que “[a] decisão proferida pelo Exmo Senhor Diretor Distrital da Segurança Social de Santarém, de 14.11.2013, que manteve a decisão de restituição do montante global das prestações de desemprego, com base nos fundamentos indicados na notificação de 29.10.2013, mais não é do que um ato administrativo ilegal. (…) o referido ato administrativo padece dos vícios de falta de fundamentação, falta do direito ao contraditório/audiência prévia do aqui Executado, violação de Lei e objecto impossível.”


Refutando, de forma expressa, a aduzida violação de lei que estribou o pedido de restituição, evidenciando, neste conspecto, que “quer porque a actividade desempenhada pelo Executado se manteve inalterada, quer porque durante a execução do contrato não se verificou qualquer incumprimento das condições que determinaram a sua aprovação, uma vez que, e contrariamente ao alegado pela entidade administrativa, não era exigível que os beneficiários não pudessem acumular o exercício dessa atividade com outra atividade normalmente remunerada durante o período em que os mesmos eram obrigados a manter aquela atividade-conforme resulta do nº3, do Artigo 34.º, do Decreto-Lei nº 220/2006, de 03 de novembro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 64/2012, de 15 de março.(…) motivo pelo qual não poderia vir a Segurança Social impor ao Executado a restituição do montante global das prestações de desemprego.”


Ora, face ao supra expendido, e conforme propugnado na decisão recorrida -ainda que, como visto, este Tribunal esteja em dissonância com a cominação porquanto se coaduna com a improcedência e não com o erro na forma do processo- tais alegações contendem com a ilegalidade em concreto da dívida, porquanto com as mesmas visa, tão-só, que lhe seja reconhecida a inexistência de qualquer quantia a repor e, por conseguinte, de cobrança coerciva, donde tal causa de pedir contende com a ilegalidade em concreto da dívida cuja discussão está vedada nos presentes autos de oposição ao processo executivo.


Noutra formulação, pretende o Recorrente que se afira do alegado incumprimento injustificado do projeto de criação do próprio emprego e se tal implica, como decretado, a revogação do apoio concedido e inerente reposição das quantias pagas.


Note-se que, em sede de oposição ao processo executivo, apenas se pode discutir a ilegalidade em abstrato da dívida exequenda. É certo que a alínea h), constante no nº1, do citado artigo 204.º, consagra essa possibilidade, no entanto, condiciona-a a inexistência de meio atinente ao efeito, ou seja, só é possível discutir a ilegalidade concreta da dívida exequenda, em sede de oposição, quando a lei não assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação.


In casu, e como evidenciado pelo Tribunal a quo, não se verifica tal condicionalismo, na medida em que o Oponente podia/devia ter lançado mão da ação atinente ao efeito, ou seja, dedução da competente ação administrativa especial


Com efeito, resulta do plasmado, à data, artigo 46.º do CPTA, que “seguem a forma da ação administrativa especial, com a tramitação regulada no capítulo III do presente título, os processos cujo objecto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de atos administrativos, bem como de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo.


2 - Nos processos referidos no número anterior podem ser formulados os seguintes pedidos principais: a) Anulação de um ato administrativo ou declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica; b) Condenação à prática de um ato administrativo legalmente devido; c) Declaração da ilegalidade de uma norma emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo; d) Declaração da ilegalidade da não emanação de uma norma que devesse ter sido emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo.”


O ato sindicado e cuja ilegalidade é assacada pelo Oponente, seja na dimensão de vícios formais, seja na materialização de vícios de violação de lei, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, consubstancia uma decisão direta e imediatamente impugnável e lesiva, na medida em que determina a reposição dos montantes pagos, a título de prestações de desemprego, a A. A., produzindo, desde logo, efeitos na sua esfera jurídica, donde, poderia/deveria o Oponente ter reagido contra este, mediante a dedução da competente ação administrativa especial.


E por assim ser, a questão em apreço não é, outrossim, passível de subsunção na citada alínea h), do nº1, do artigo 204.º do CPPT.


Note-se, neste particular, que esta alínea visa, tão-só, abranger as situações em que o título é uma mera nota informal que não integra nenhum ato administrativo ou em que não há propriamente um ato de liquidação anterior à execução.

Com efeito, “[c]asos em que a lei não assegura meios de impugnação dos actos de liquidação são aqueles em que se permite a extracção de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio, definidor da obrigação". (4)

Dir-se-á, portanto, que não assiste razão ao Recorrente quando pretende a sua subsunção na citada alínea, visto que a cobrança coerciva teve na sua génese o correspondente “ato de liquidação” (ato administrativo de apuramento da dívida, ora, objeto de cobrança coerciva) emitido pelo Instituto da Segurança Social, logo o Recorrente teve a possibilidade de a discutir em sede e momento próprio. Logo, se não abriu a via contenciosa sibi imputet, não podendo, assim, discutir em sede de oposição a legalidade da dívida.


Neste particular, vide, designadamente, o Aresto do STA prolatado no âmbito do processo nº 01373/09.5, de 16 de fevereiro de 2022, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“[o]s vícios alegados pela então Oponente, ora Recorrida, nos presentes autos, respeitam à legalidade concreta da dívida e podiam ter sido objecto de um escrutínio por meio de um mecanismo adequado (a saber, a acção administrativa especial com vista à anulação do despacho) – como, reiteradamente, vem recordando este Supremo Tribunal, designadamente no seu acórdão de 11 de Abril de 2018, vertido no Processo n.º 281/14: “II - Só quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação é que a oposição à execução fiscal poderá ter por fundamento a concreta ilegalidade da liquidação da dívida exequenda – de harmonia com o disposto na alínea h) do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”; no mesmo sentido, vd. o acórdão de 12 de Fevereiro de 2015, no Processo n.º 292/14: “A ilegalidade da liquidação da dívida exequenda apenas constitui fundamento de oposição à execução fiscal quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação (artigo 204.º, n.º 1, alínea h) do CPPT).”.
Por outro lado, a conclusão pela inaplicabilidade de tal alínea é inevitável porque o espectro de aplicação da mesma está intimamente relacionado, como vimos, com a existência de uma liquidação proprio sensu, a qual é inexistente in casu, derivando antes a dívida exequenda de uma verba a reembolsar em resultado de despacho proferido nesse sentido pelo director do Centro de Emprego do Seixal, caso em que a tutela do sujeito se faz por meio da ação administrativa especial – neste sentido, entre muitos outros, vd. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de Maio de 2015, lavrado no Processo n.º 1958/13: “A utilização do processo de impugnação judicial ou da acção administrativa especial depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial, se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável a acção administrativa especial.” (disponíveis em www.dgsi.pt).”

Mas, o mesmo se diga no atinente ao alegado enquadramento na alínea a), do citado normativo.

De facto, a citada alínea estatui que é fundamento de oposição a “Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva liquidação”, no entanto, como é bom de ver, não pretende aqui abarcar a discussão da ilegalidade em concreto, sendo que “[a] ilegalidade em abstrato a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT - não reside diretamente no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, decorrente da inexistência de lei em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação que preveja a sua liquidação ou da não autorização da sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva liquidação". (5)

Logo, ainda que o Recorrente reclame que a dívida é inexistente, por entender que estão reunidos todos os requisitos legais para a atribuição/manutenção das quantias pagas a título de prestações de desemprego, a verdade é que atentando na causa de pedir da inexistência do facto tributário, verifica-se que a mesma, como já explanado anteriormente, mais não se reconduz que a uma errada apreciação dos pressupostos de direito que levou, ilegalmente, ao apuramento da quantia a repor e objeto de cobrança coerciva nestes autos.


De relevar, neste concreto, particular que o Acórdão convocado pelo Recorrente nas suas alegações de recurso [Acórdão do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0558/15.0, de 20.03.2019] não é, de todo, transponível para o caso vertente, na medida em que, por um lado, se discutia a dívida dimanante de uma taxa, e por outro lado, a ilegalidade convocada não se consubstanciava num vício próprio do ato de liquidação, mas sim da própria norma regulamentar que criou esse tributo, por inconstitucional.


A final, importa, outrossim, refutar o enquadramento na visada alínea i), uma vez que, desde logo, a questão a provar não se cinge apenas a prova documental, tendo, como visto, o Recorrente arrolado, desde logo, testemunhas, como envolve a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda.


E por assim ser, secunda-se o expendido na decisão recorrida no sentido de que nenhuma das causas de pedir se enquadra no elenco taxativo da oposição, apenas nos distanciando, como já devidamente evidenciado, da cominação inerente ao efeito, porquanto, como visto, não traduz qualquer erro na forma do processo, mas sim a improcedência da ação.


Com efeito, se o pedido se coaduna com a extinção do processo de execução fiscal, significa que o mesmo é idóneo à forma processual de oposição adotada, mas se as concretas causas de pedir invocadas não são aptas e adequadas a essa forma, a questão vai entroncar com a viabilidade do pedido, conduzindo, naturalmente, à sua improcedência. [Vide neste sentido, designadamente, Acórdãos do STA, prolatados nos processos: 01824/18, de 03.06.2020; 01549/13, de 18.06.2014; 0484/13, de 17.04.2013 e 0114/13, de 20.02.2013].

De relevar, in fine, que havendo lugar à improcedência inexistem razões jurídicas que justifiquem um juízo de eventual convolação, o qual apenas deverá ter lugar nas situações de erro na forma de processo. (6) Como aduzido no Acórdão do STA, prolatado no processo nº 01824/18, datado de 03 de junho de 2020: “A convolação do meio processual só é de ponderar caso ocorra erro na forma do processo, nulidade a aferir pelo ajustamento do meio processual ao pedido que se pretende fazer valer. Se o pedido formulado em juízo pelo executado é de que seja extinta a execução fiscal, é adequado o meio processual de oposição à execução fiscal.”

De todo o modo, sempre se dirá que a mesma estaria, desde logo, apartada e inviabilizada face a uma incompetência material, na medida em que a ação idónea teria de ser deduzida junto dos Tribunais Administrativos.


A este propósito, escreveu-se no já citado Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 01373/09.5, de 16 de fevereiro de 2022: “o meio processual adequado para escrutinar a legalidade de um ato administrativo que não configure uma liquidação é a acção administrativa especial e não a impugnação judicial na qual, indevidamente, a sentença recorrida pretendeu convolar a oposição dos autos.

Sucede que uma tal acção administrativa especial não poderia correr nos tribunais tributários, mas antes nos tribunais administrativos (leia-se, na Secção Administrativa dos Tribunais Administrativos e Fiscais), o que configura um impedimento de natureza competencial que sempre obstaria à desejada convolação processual". (7)

Face ao supra expendido, e uma vez que se ajuizou no sentido da inexistência de erro na forma de processo, resultam, necessariamente, prejudicadas todas as alegações concatenadas com o mesmo, concretamente, da sua concreta natureza, qualificação e eventual sanação.


Uma nota final para evidenciar que a presente decisão não traduz qualquer preterição do princípio da tutela jurisdicional efetiva, na medida em que, ainda que seja da competência do Juiz tudo fazer para dirimir/eliminar os litígios que são submetidos ao seu julgamento, nomeadamente interpretando os normativos que consagram os direitos das partes e a validade dos seus atos formais, sempre no sentido do alargamento e proteção desses direitos e nunca da sua restrição, a verdade é que o mesmo não pode desrespeitar, para o efeito, as normas legais vigentes.


Com efeito, a sua atuação pauta-se pela análise, interpretação e correta transposição do regime jurídico vigente à situação fática dos autos, não a podendo subverter em ordem a “agilizar” procedimentos específicos, e admitir formas processuais que não têm a mínima correspondência com a letra da lei.


In casu, o Tribunal a quo limitou-se a cumprir o regime legal constante no artigo 204.º CPPT, a aferir da concreta subsunção normativa no mesmo, logo, como é bom de ver, em nada traduz ou pode traduzir uma preterição do aludido princípio constitucional basilar.


E por assim ser, a falta de subsunção normativa no citado normativo conduz à manifesta improcedência da presente ação.



***


IV. DECISÃO


Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, julgando não verificado o erro na forma do processo, e em consequência, julgar improcedente a presente oposição, com todas as legais consequências.

Custas a cargo do Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 20 de abril de 2023


(Patrícia Manuel Pires)


(Jorge Cortês)


(Luísa Soares)
















1) vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01549/13, com data de 18 de junho de 2014
2) Cf. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262, e ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 378
3) Neste sentido vide Acórdão do STA, proferido no processo n.º 01223/16, de 18 de janeiro de 2017
4) Vide, designadamente, Aresto do STA datado de 14.06.2012., prolatado no âmbito do processo nº 0443/12
5) In Aresto do STA, datado de 09.04.2014, proferido no processo n.º 076/14
6) Vide Acórdãos do TCA Sul, proferidos nos processos nº 126/16 e 641/17, datados de 29.03.2019 e 08.05.2019
7) No mesmo sentido, vide Acórdãos proferidos pelo TCA Norte de 12.06.2012, processo nº 04512/11; 12.12.2014, processo nº 00427/13, e acórdão de 20.04.2017, processo n.º 00754/13, bem como o acórdão deste TCAS datado de 13.01.2022, proferido no processo n.º 2457/06.