Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:410/09.8BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:01/21/2021
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:ART. 238.º DO DECRETO-LEI N.º 59/99, 02.03.;
CADUCIDADE;
RESCISÃO DO CONTRATO DE EMPREITADA;
PRAZO DE CADUCIDADE;
TERMO A QUO;
Sumário:O prazo de caducidade conta-se desde o conhecimento inicial do facto que lhe serve de fundamento, seja facto instantâneo ou continuado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Massa Insolvente de H... – Construção Civil, Lda, ora Recorrente, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 07.06.2012, que julgou improcedente a ação por si deduzida contra o Município de Silves, na qual havia peticionado, a final:

i) fosse declarado resolvido o contrato de empreitada celebrado entre as partes;

ii) o R. condenado a pagar à A. a quantia em dívida, no valor de € 108 178,46;

iii) o R. condenado a devolver à A. as cauções prestadas em garantia de boa execução, correspondente a 10% do valor do contrato; e

iv) o R. condenado ao pagamento de juros de mora vincendos desde a citação até integral pagamento.

Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 928 e ss., ref. SITAF:

«(…)

I – Na presente acção a A. pede a declaração de rescisão do contrato de empreitada, celebrado com o R., e, em consequência, a devolução das garantias de boa execução prestadas.

II – A decisão do Tribunal a quo decidiu de forma contrária à matéria de facto provada, nomeadamente constante dos pontos 24 e 28, constituindo, assim, nulidade da sentença, nos termos do artigo 668º, nº 1, al. c) do C.P.C.

III – Quanto à caducidade do direito à rescisão contratual pela A., tal não se verifica, atenta a matéria de facto provada.

IV – Com efeito, quando a A. pede a rescisão contratual ao R., em 19/03/2009, encontra-se em prazo, ou seja, dentro dos 15 dias após a verificação do facto constitutivo do direito de resolução, ou seja, a mora superior a 132 dias na realização de qualquer pagamento, atento os vencimentos das Notas de Débito em dívida à data. (vide doc. nº 20 da p.i.)

V - Tendo o pedido de rescisão contratual sido endereçado pela A. em 19/03/2009 e a acção para declaração da rescisão judicial dado entrada em 01/06/2009, não se mostra ultrapassado o prazo de 132 dias estabelecido pelo artigo 255.º do RJEOP para a propositura das acções judiciais.

VI - Por carta datada de 27/04/2009, o R. enviou à A. deliberação sobre a invocação da excepção de não cumprimento pela mesma (ponto 28 da matéria de facto assente), que, ainda que não verse directamente sobre o pedido de rescisão, toma uma posição claramente antagónica com a posição e o direito que a A. se arroga.

VII - Pelo que, deve ser desta data que se deve contar o prazo estabelecido no artigo 255º para a propositura da acção pela A..

VIII - Não se verifica, pois, a ultrapassagem dos prazos legais para a A. fazer valer judicialmente os seus direitos, não se verificando, assim, a caducidade do direito da A. à rescisão contratual.

IX - Por outro lado, tendo ficado provada a mora do R. nos pagamentos aquando da carta da A., tem a mesma direito à rescisão contratual, atento o disposto no nº 2 do artigo 213º do RJEOP.

X – Quanto à excepção do não cumprimento do contrato, mal andou o Tribunal a quo ao considerar que a mesma se não aplica aos contratos públicos.

XI – Com efeito, o entendimento dominante, à data da execução do contrato sub judice, era o da aplicação do regime consagrado no Código Civil aos contratos públicos, de tal forma que, hoje o Código dos Contratos Públicos estabelece expressamente tal prerrogativa.

XII – Resultando da matéria de facto provada que, aquando da invocação a excepção pela A., encontrava-se em dívida a quantia de € 259.636,90 -vide ponto 23. da matéria de facto –, bem como o facto de a recepção provisória da obra ter ocorrido em 17.09.2007, então mostram-se preenchidos os pressupostos de invocação pela A. do instituto da excepção do não cumprimento do contrato.

XIII – Tendo a A. direito à rescisão contratual, tem também direito à devolução das garantias prestadas, correspondentes a 10% do valor da empreitada.

XIV – Assim, atento todo o exposto, deve ser revogada a sentença proferida em primeira instância.(…).»

O Recorrido Município de Silves, devidamente notificado para o efeito, apresentou as suas contra-alegações, tendo concluído como se segue – cfr. fls. 977 e ss., ref. SITAF:
«(…)
A. O presente recurso jurisdicional vem interposto pela Recorrente contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, em 07.06.2012, no âmbito do Processo n.º 410/09.8BELLE, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa comum, intentada pelo Recorrente, junto desse órgão jurisdicional;
B. Tal aresto não se encontra inquinado nem com a nulidade que a Recorrente lhe imputa, nem com os vícios de julgamento que a mesma parte processual lhe atribui, pelo que deverá o decisório proferido pelo Tribunal a quo manter-se na ordem jurídica, conforme sumariamente demonstrado nas conclusões subsequentes (e nas respectivas alegações de base);
C. Contrariamente ao que parece ser o entendimento da Recorrente, existe um prazo, taxativa e legalmente, previsto para o exercício do referido direito de rescisão contratual, conforme previsto no artigo 238.º, n.º 1, do RJEOP, que, in casu, e tal como decidido em primeira instância, não foi cumprido;
D. Tendo em conta o caso concreto, é de considerar que o atraso no pagamento de juros moratórias, tratando-se de um facto que ocorria desde meados de 2007, para além de não possuir qualquer efeito impeditivo, não tem a aptidão de protelar, sine die, o período temporal, legalmente estipulado, que delimita em 15 dias o prazo para exercício do direito de rescisão, o qual, uma vez ultrapassado, implica a respectiva caducidade;
E. No mais, a jurisprudência administrativa tem vindo a decidir uniformemente no sentido de que o prazo de rescisão de contratos de empreitada de obra pública, previsto no artigo 238.º, n.º 1, do RJEOP, se conta desde o conhecimento inicial do facto que lhe serve de fundamento, quer se trate de facto instantâneo, quer se trate de facto continuado, pelo que nada há a apontar de errado à decisão recorrida;
F. É ainda de referir que nunca tal rescisão poderia operar na situação concreta, na medida em que inexistem fundamentos válidos e legitimantes de tal pedido da Recorrente, pois, conforme alegado e demonstrado, nenhum incumprimento contratual pode ser imputável à Recorrida;
G. No contexto do aludido pedido de rescisão por parte da Recorrente, é ainda de referir que não se constata a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo (cfr. o artigo 668.º, n.º 1, alínea c) do CPC), pois, não se vislumbra qualquer contradição assacável à mesma e que seja relevante para o objecto decisório, sendo que, no rigor dos termos, o Recorrente nem sequer explica os termos dessa alegada contradição, circunstância que se afigura bem elucidativa da improcedência da linha argumentativa da Recorrente;
H. A Recorrente invocou uma excepção de não cumprimento num contrato de empreitada de obra pública regulado pelo RJEOP quando tal figura não existe nos contratos regulados por esse diploma, o que também não pode deixar de ser referido, espelhando a sentença recorrida o entendimento correcto, também quanto a esse ponto;
I. ln casu, dever-se-ão manter as garantias prestadas (que são independentes e acessórias do respectivo contrato), tanto mais que a integralidade do contrato de empreitada permanece por cumprir (com a reparação dos diversos defeitos que ainda se constatam na obra), independentemente da hipótese de poder ou não ser resolvido o contrato celebrado entre o empreiteiro e o dono da obra (o que não se concede, mas se pondera apenas por cautela de patrocínio);
J. Em sentido concordante com o determinado pelo Tribunal a quo, importa concluir pela improcedência do pedido de devolução das garantia prestadas ou, em rigor, com o pedido de revogação do decisório adaptado pelo Tribunal a quo, quanto a esse ponto. (…)»

Neste tribunal, o DMMP, notificado para o efeito, não emitiu parecer.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

I. 1. Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida i) é nula, ao ter decidido de forma contrária à matéria de facto provada, nomeadamente constante dos pontos 24 e 28, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC - cfr. Conclusão II; e, bem assim, se incorreu nos seguintes erros de julgamento:

ii) Quanto à caducidade do direito à rescisão contratual pela A., atenta a matéria de facto provada, designadamente, a mora do R. nos pagamentos aquando da carta da A., pelo que entende esta ter direito à rescisão contratual, atento o disposto no nº 2 do art. 213.º do RJEOP, ao contrário do que decidiu o tribunal a quo – cfr. Conclusão VIII. E ainda porque, tendo a A. direito à rescisão contratual, teria esta também direito à devolução das garantias prestadas, correspondentes a 10% do valor da empreitada” - Conclusão XIII.

E, por fim,

iii) quanto à exceção do não cumprimento do contrato, ao ter considerado que a mesma se não aplica aos contratos públicos – cfr. Conclusão X.

II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis:
«(…)
1. A Autora é uma empresa comercial que se dedica à construção civil e a obras públicas.
2. Em 17 01.2006, as Partes celebraram um contrato para execução da empreitada de Construção da Escola EB1 de Armação de Pêra.
3. Através do contrato de empreitada dos autos, a Autora obrigou-se a executar a empreitada de Construção da Escola EB1 de Armação de Pêra em conformidade com a proposta apresentada.
4. O preço da empreitada era de € 635.000,00, acrescido de IVA.
5. O pagamento do preço da empreitada seria pago de acordo com os autos de medição elaborados e visados pelo Técnico Municipal responsável pela obra.
6. O prazo de execução da empreitada era de 180 dias, contado da assinatura do auto de consignação.
7. A Autora prestou uma caução correspondente a 10% do valor total da empreitada através de garantia bancária, no valor de € 63.500,00.
8. A obra foi consignada em 06.02.2006.
9. Em 15.09.2006, as partes celebraram um contrato relativo à adjudicação da execução de trabalhos a mais, no valor de € 24.710,01, acrescido de IVA.
10. A execução dos trabalhos a mais, objecto do contrato celebrado em 15.09.2006, foi caucionada pela Autora através de seguro-caução, com a apólice n.° 7..., emitida pela M... S.A., no valor de € 2.471,00.
11. Em 31.10.2006, as partes celebraram novo contrato relativo à adjudicação da execução de trabalhos a mais, no valor de € 111.224,98, acrescido de IVA.
12. A execução dos trabalhos a mais, objecto do contrato celebrado em 31.10.2006, foi caucionada pela Autora através de seguro-caução, com a apólice n.° 7..., emitida pela M... S.A., no valor de € 11.122,50.
13. Em 04.12.2006, as partes celebraram novo contrato relativo à adjudicação da execução de trabalhos a mais, no valor de € 19.104,79, acrescido de IVA.
14. A execução dos trabalhos a mais objecto do contrato celebrado em 04.12.2006 foi caucionada pela Autora através de garantia bancária, emitida pela L..., S.A., no valor de € 1.910,48.
15. Em 21.05.2007, as partes celebraram novo contrato relativo à adjudicação referente a erros e omissões, no valor de € 163.493,00.
16. Por referência ao contrato celebrado em 21.05.2007, a Autora apresentou seguro- caução, com a apólice n.° 7…, emitida pela M..., S.A., no valor de € 16.349,30.
17. Em 22.11.2007, as partes celebraram novo contrato relativo à adjudicação referente a erros e omissões, no valor de € 133. 101,30.
18. Por referência ao contrato celebrado em 22. 11.2007, a Autora apresentou seguro- caução, com a apólice n.° 7…, emitida pela M..., S.A., no valor de € 13.310,13.
19. A recepção provisória da obra ocorreu em 17.09.2007
20. Aquando da recepção provisória da obra, a mesma foi considerada em condições de ser recebida a título provisório.
21. O Réu dirigiu à Autora dois faxes, datados de 07.05.2008 e 24.06.2008, respectivamente, denunciando defeitos da obra e solicitando a sua reparação pela Autora.
22. Por carta de 06.10.2008, o Réu solicitou à Autora, novamente, a reparação de anomalias verificadas na obra pela Fiscalização, pelo prazo de 30 dias.
23. Por carta de 17.10.2008, a Autora menciona que a R. lhe solicitou por carta datada de 3.10.2008, a resolução das anomalias existentes na obra, no prazo de 30 dias e contrapõe que a conta corrente do Réu apresenta um saldo em dívida de € 259 636,90, com o que não podia proceder às reparações sem que o saldo em dívida fosse regularizado.
24. Por carta registada com aviso de recepção datada de 19.03.2009, a Autora requereu ao Réu a rescisão do contrato de empreitada, fundamentando tal pedido no alegado facto de o Réu não ter procedido ao pagamento do saldo em dívida.
25. À data do pedido de rescisão do contrato de empreitada, encontrava-se em dívida o valor global de € 108.178,46.
26. Aquando da recepção provisória da obra, foram ressalvadas anomalias verificadas que constam do auto de recepção respectivo.
27. Em 30.04.2008, a Fiscalização da empreitada detecta o surgimento de novas e outras diversas anomalias na obra.
28. Por carta datada de 27.04.2009, foi enviado pelo Réu à Autora parecer jurídico de 13.03.2009 – Doc. nº 1 da Contestação que aqui se dá como reproduzido
29. Os trabalhos não recebidos aquando da recepção provisória da obra foram recebidos em 14.04.2008.
30. Através de carta de 08.06.2009, a Autora respondeu ao parecer do Réu.
31. A primeira factura emitida pela Autora venceu-se a 30.05.2006.
32. O Réu pagou a factura vencida em 30.05.2006 em 30.01.2007
33. O pagamento efectuado pelo Réu em 30.01.2007 foi o primeiro pagamento efectuado por referência à empreitada.
34. A Autora suportou os custos da empreitada, sem que o Réu procedesse a qualquer pagamento por referência à mesma.
35. Em 17.09.2007, data da recepção provisória da obra, encontravam-se em dívida as seguintes facturas e notas de débito:
• Factura n.° 104, com vencimento em 19.11.2006, no valor de € 25.945,51;
• Factura n.° 121, com vencimento em 05.01.2007, no valor de € 97 874,83;
• Factura n.° 132, com vencimento em 29.01.2007, no valor de € 18.911,16;
• Facturan.° 100128, com vencimento em 04.02.2007, no valor de € 20.060,03;
• Factura n.° 100132, com vencimento em 19.02.2007, no valor de € 155.616,41;
• Factura n.° 20, com vencimento em 01.04.2007, no valor de € 11.158,80;
• Nota de Débito n.°4, com vencimento em 01.04.2007, no valor de € 1.550,28;
• Factura n.° 1000014, com vencimento em 29.04.2007, no valor de € 1.985. 14;
• Factura n.° 43, com vencimento em 29.05.2007, no valor de € 1.505,58;
• Factura n.° 100041, com vencimento em 29.06.2007, no valor de € 28.919,55;
• Factura n.° 100055, com vencimento em 12.08.2007, no valor de € 145.420,34;
• Nota de Débito n.° 39, com vencimento em 28.08.2007, no valor de € 18.208,01;
• Factura n.° 87, com vencimento em 02.09.2007, no valor de € 12.578,12;
• Factura n.° 88, com vencimento em 02.09.2007, no valor de € 9.554,16.
36. A obrigação de capital referente à empreitada estava cumprida pelo Réu à data da propositura da acção.
37. As facturas, por liquidar à data da propositura da acção, diziam respeito a obrigações de juros.
38. A Autora executou os trabalhos de empreitada.
39. Na data da rescisão do contrato (19/03/2009), o capital estava pago.
40. O Réu nunca procedeu ao pagamento atempado das facturas que foram sendo emitidas pela Autora ao longo da execução dos trabalhos e de acordo com os autos de medição visados por aquele.
41. O suportar dos custos da empreitada pela Autora foi penoso para a sua estrutura financeira.
42. A Autora procedeu ao contacto dos seus subempreiteiros para reparação das anomalias denunciadas pelo Réu.
43. Na sequência dos faxes do Réu de 07/05/2008 e de 24/06/2008, a Autora informou os seus subempreiteiros das anomalias denunciadas pelo Réu.
44. Ainda subsistem anomalias ou defeitos por reparar, na obra.
Não se provou:
45. Que, a determinada altura, a reparação das anomalias denunciadas pelo Réu não tivesse sido permitida pelos responsáveis do estabelecimento de ensino, dado o encerramento da escola durante as férias escolares.»

II.2. De direito

i) Da nulidade da sentença recorrida, ao ter decidido de forma contrária à matéria de facto provada, nomeadamente constante dos pontos 24 e 28, nos termos do art. 615º, nº 1, alínea c) do CPC - cfr. Conclusão II.

e

ii) Do erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida ao ter considerado verificada a caducidade do direito à rescisão contratual pela A., em contradição com a matéria de facto provada, pois, face à mora do R. nos pagamentos aquando da carta da A., teria a mesma direito à rescisão contratual, atento o disposto no nº 2 do art. 213.º do RJEOP,– cfr. Conclusão VIII – e porque, tendo a A. direito à rescisão contratual, teria também direito à devolução das garantias prestadas, correspondentes a 10% do valor da empreitada - Conclusão XIII.

Analisaremos conjugadamente a suscitada nulidade e o invocado erro de julgamento – cfr. alíneas i) e ii) supra – em virtude de a sua apreciação estar umbilicalmente ligada, até pela forma como foram invocadas pela Recorrente em sede de recurso.

Vejamos.

O discurso fundamentador da sentença recorrida contra o qual se insurge a Recorrente, foi o seguinte:

«(…) Dispõe o artº 213º nº 2 do RJEOP (DL nº 59/99, 2 Março, ao abrigo do qual foi estabelecido o contrato de empreitada dos autos): Se o atraso na realização de qualquer pagamento se prolongar por mais de 132 dias, terá o empreiteiro o direito de rescindir o contrato.

E acrescenta o artº 238º nº 1: Nos casos em que no presente diploma seja reconhecido ao empreiteiro o direito de rescisão do contrato, o exercício desse direito terá lugar mediante requerimento, dirigido ao dono da obra nos 15 dias subsequentes à verificação do facto justificativo do direito, e no qual o pedido fundamentado é instruído com os documentos que possam comprovar as razões invocadas.

In casu, a Autora requereu ao R. a rescisão do contrato de empreitada em 19/03/2009, declarando que ¯ não procederá a qualquer acção de manutenção da obra, ao abrigo do instituto da excepção do não cumprimento prevista no artº 428º do CC‖ (cf. nº 24 do probatório e doc. nº 20, fls. 55/56 dos autos físicos).

Ora, em 19/03/2009, já tinha ocorrido a recepção provisória (em 17/09/2007 e 14/04/2008). Nessa data encontrava-se em dívida o valor global de € 108 178,46, que o R. acabou por liquidar já na pendência da acção (nº 25 do probatório).

No entanto, “O prazo de rescisão do contrato de empreitada previsto no artº 238º nº 1 do DL nº 59/99, de 2 de Março, conta-se a partir do momento da verificação do facto constitutivo, seja instantâneo ou continuado” (1).

E “o carácter continuado dos factos que servem de fundamento à caducidade não pode ser razão para impedir que o respectivo prazo decorra a partir do momento em que o direito puder ser legalmente exercido, uma vez que admitir tal efeito seria retirar a razão de ser e fundamento da caducidade que é a de combater a inércia de modo a evitar que as situações sujeitas a prazo daquela natureza se protele por demasiado tempo em situação indefinida (…)”.(2)

Vale isto por dizer que, na data em que a Autora pediu a rescisão do contrato, já o seu direito havia caducado, nos termos do artº 238º nº 1 RJEOP. (…)»

Desde já se adianta que o assim decidido é para manter.

Vejamos porquê.

Decorre da jurisprudência unânime dos tribunais superiores, coeva com o regime jurídico aplicável às empreitadas de obras públicas à data dos factos em apreço, a seguinte doutrina inteiramente aplicável ao caso em apreço (3):

«(…) A sentença recorrida considerou que o prazo para o empreiteiro pedir a rescisão do contrato, nos termos do artigo 238.º n.º 1 do DL 55//99, de 2 de Março era um prazo de caducidade, nos termos do artigo 298.º n.º 2 do CCIV, por estar em questão um direito que deve ser exercido dentro de certo prazo e a lei não se lhe referir como prescrição.

Considerou em seguida que por aplicação do artigo 329.º CC começa a decorrer no momento em que o direito puder ser legalmente exercido e o seu decurso é impedido apenas pela prática, dentro do prazo, do acto a que a lei atribua efeito impeditivo, conforme o artigo 331.º n.º 1 do CC.

E, aplicando estas normas ao caso concreto, considerou que a suspensão da execução dos trabalhos e o atraso no pagamento sendo factos que ainda se verificam, não poderiam protelar o tempo estritamente limitado para o exercício do direito que o prazo de caducidade introduz.

E decidiu correctamente, quer em face das normas legais que convocou e que ficaram referidas, quer em face da interpretação e aplicação que delas vem efectuando a jurisprudência quer do STJ quer deste STA.

Na verdade, o carácter continuado dos factos que servem de fundamento à caducidade não pode ser razão para impedir que o respectivo prazo decorra a partir do momento em que o direito puder ser legalmente exercido uma vez que admitir tal efeito seria retirar a razão de ser e fundamento da caducidade que é a de combater a inércia de modo a evitar que as situações sujeitas a prazo daquela natureza se protelem por demasiado tempo em situação indefinida.

No caso, o direito de rescindir o contrato é sujeito a um prazo apertado com o objectivo de evitar que a subsistência do contrato e as respectivas consequências sobre o avanço e a realização da obra pública fiquem dependentes da oportunidade determinada por efeito da vontade do contratante privado.

Este objectivo seria gorado se a manutenção dos factos que servem de causa à pretendida rescisão conduzisse a igual manutenção em aberto do início da contagem do prazo de rescisão. Isto é, a razão de ser objectiva e de interesse público desapareceria e em seu lugar passaria a figurar uma razão de defesa exclusiva da parte que pudesse invocar facto continuado - neste sentido, Vaz Serra, RLJ, 107, p. 24.

(…)

Neste STA também a questão tem sido decidida uniformemente no sentido de que o prazo de caducidade se contar desde o conhecimento inicial do facto que lhe serve de fundamento, seja facto instantâneo ou continuado, como p.e. no Ac. citado na sentença de 16.05.2002, Proc. 48414 e nos Ac. de 14.7.92, Proc. 30958¸de 2002.10.22, Proc. 171/02 e de 16.05.2002, Proc. 48414. (…)».

Ora, resultando da matéria de facto provada que:

Em 17.09.2007, data da receção provisória da obra, encontravam-se em dívida as seguintes faturas e notas de débitocfr. factos n.º 19 e 35:

• Factura n.° 104, com vencimento em 19.11.2006, no valor de € 25.945,51;

• Factura n.° 121, com vencimento em 05.01.2007, no valor de € 97 874,83;

• Factura n.° 132, com vencimento em 29.01.2007, no valor de € 18.911,16;

• Facturan.° 100128, com vencimento em 04.02.2007, no valor de € 20.060,03;

• Factura n.° 100132, com vencimento em 19.02.2007, no valor de € 155.616,41;

• Factura n.° 20, com vencimento em 01.04.2007, no valor de € 11.158,80;

• Nota de Débito n.°4, com vencimento em 01.04.2007, no valor de € 1.550,28;

• Factura n.° 1000014, com vencimento em 29.04.2007, no valor de € 1.985. 14;

• Factura n.° 43, com vencimento em 29.05.2007, no valor de € 1.505,58;

• Factura n.° 100041, com vencimento em 29.06.2007, no valor de € 28.919,55;

• Factura n.° 100055, com vencimento em 12.08.2007, no valor de € 145.420,34;

• Nota de Débito n.° 39, com vencimento em 28.08.2007, no valor de € 18.208,01;

• Factura n.° 87, com vencimento em 02.09.2007, no valor de € 12.578,12;

• Factura n.° 88, com vencimento em 02.09.2007, no valor de € 9.554,16.

Que a 17.10.2008 a A. enviou à R. uma carta, onde, entre o mais, reiterava a existência de que a conta corrente com o R. apresenta um saldo em dívida de € 259 636,90, com o que não podia proceder às reparações sem que o saldo em dívida fosse regularizado - cfr. facto n.º 23.

Que na data da rescisão do contrato - 19.03.2009 -, o capital estava pago – cfr. factos n.º 24 e 39.

E aplicando o art. 238.º do Decreto-Lei n.º 59/99, à luz da doutrina que decorre da jurisprudência supra citada aos factos em apreço, duvidas não há que, tal como decidiu a decisão recorrida, à data da rescisão do contrato pela A. – 19.03.2009 -, decorrido que estava mais de um ano da já identificada mora no pagamento – que ocorreu, pelo menos, a 17.09.2007 – cfr. factos n.º 19 e 35 - os prazos de 132 e de 22 dias, previstos no art. 213.°, n.° 2 e 5, respetivamente, do referido diploma legal – relativo à mora no pagamento - acrescido dos 15 dias para exercício do direito - cfr. citado art. 238.º -, se encontravam largamente ultrapassados.

Improcedendo, assim, nesta parte, e face a todo o exposto, o recurso da Recorrente quanto à invocada nulidade da sentença, na medida em que resulta evidente que não existe qualquer contradição na lógica interna da decisão recorrida e, bem assim, o correspondente erro de julgamento.

iii) Do erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida quanto à exceção do não cumprimento do contrato, ao ter considerado que a mesma se não aplica aos contratos públicos – cfr. Conclusão X.


Sobre este aspeto, o discurso fundamentador da sentença foi apenas o seguinte: «(…) quanto à anunciada excepção de não cumprimento, não podia a Autora lançar mão de tal faculdade, por ela não vigorar no contrato de empreitada de obras públicas e não ser admissível no RJEOP4 - neste sentido é unânime a jurisprudência, cf. por todos, Jorge Andrade da Silva, in anotação ao artº 238º. (…)».

Porém, conforme resulta também da sentença recorrida – fls. 11 e 12 - «(…) Em causa está saber se deve o Tribunal declarar resolvido o contrato de empreitada celebrado entre as partes e, em consequência, ser o R. condenado a devolver à Autora as cauções prestadas para garantia de boa execução, uma vez que o R. efectuou o pagamento da quantia peticionada nos autos, tendo sido proferida sentença homologatória de desistência do pedido, nesta parte (cf. fls. 159 a 161 dos autos físicos).

É, assim, apenas e tão só um problema de Direito que se discute, pugnando a Autora pela Resolução do Contrato, com a consequente devolução das garantias, defendendo o Réu, ao contrário, a retenção das garantias, por ser o último recurso financeiro ao seu dispôr para poder ver os defeitos corrigidos.

Como questão prévia releva o facto da insolvência da Autora, tendo sido substituída nos autos por " Massa Insolvente" (cf. Procuração de fls. 170) de que sempre resultaria a caducidade do contrato de empreitada, se a insolvência tivesse ocorrido antes da recepção provisória (n° 19 e 29 do probatório) .

Assim sendo, as anomalias e defeitos ainda por reparar (cf. n° 44 do probatório) já não podem ser reparadas pela Autora.

No entanto, o que aqui importa estabelecer é se a Autora tinha direito a ver resolvido o contrato, ou não. (…)»

Perante o que, carece a Recorrente de qualquer interesse em recorrer da parte da sentença que entendeu que, em sede de contratos públicos e ao abrigo do regime decorrente do Decreto-Lei n.º 59/99, de 02.03., não tinha aplicação a exceptio non rite adimpleti contractus – em virtude de não decorrer da revisão desta questão nenhuma utilidade para si, atendendo a que o R., ora Recorrido, efetuou o pagamento da quantia peticionada nos autos, tendo sido proferida sentença homologatória de desistência do pedido, nesta parte, e que, face à insolvência da A., tendo sido substituída por "Massa Insolvente (…)" - cfr. Procuração de fls. 170, ref. SITAF -, as anomalias e defeitos que estão na base da invocação da suscitada exceptio pela Recorrente – cfr. facto n.º 23 supra - já não podem ser por si reparadas, pelo que é a própria questão que deixou de fazer sentido, por impossibilidade.

Em face do que, por falta de interesse em recorrer quanto a esta questão, não se conhece da questão suscitada pela Recorrente identificada na alínea iii) que antecede.

Nestes termos, imperioso se torna negar provimento ao recurso interposto e em manter a sentença recorrida, embora com fundamentação não inteiramente coincidente.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e em manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 21.01.2021.

Dora Lucas Neto

*

A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.°- A do Decreto-Lei n.° 10- A/2020, de 13.03., aditado pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.° 20/2020, de 01.05., têm voto de conformidade com o presente acórdão os senhores magistrados integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Pedro Nuno Figueiredo e Ana Cristina Lameira.

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(1) Ac STA de 2004.02.03, citado por Jorge Andrade da Silva em anotação ao art° 238°, in RJEOP, pg 696 da 10a edição.
(2) Ac STA de 2004.03.02, in CJA 44°, pg 75, citado por Jorge Andrade da Silva, como na nota anterior, pg 697.
(3) Por todos, v. ac. STA, de 03.02.2004, P. 02032/03, disponível em www.dgsi.pt