Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13/23.4BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/23/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO
PROCESSO CAUTELAR
SUSPENSÃO PREVENTIVA
PRESUNÇÃO ILIDIDA
Sumário:I – Não tendo a decisão disciplinar sob escrutínio cumprido as exigências mínimas de fundamentação, dado não ter incluído quaisquer considerações que permitissem compreender com que base foi considerado estarem preenchidos os pressupostos de aplicação da medida de suspensão preventiva não automática, mostra-se inadequado aplicar a referida suspensão.
II - A justificação associada a um ato administrativo é tanto mais necessária, relevante e útil quanto maior for a liberdade decisória do órgão que o pratica; estando em causa a aplicação de uma norma em cujo enunciado figuram conceitos altamente indeterminados o órgão que aplica a medida preventiva está especialmente onerado a respeito da sua fundamentação:
III - Face à matéria de facto apurada e à prova produzida, não estando reunidos indícios suficientes no sentido de ter sido praticada qualquer infração pelo Recorrido, fica qualquer sanção aplicada, ainda que preventivamente, necessariamente comprometida.
IV – Embora o relatório do árbitro beneficie de uma presunção de veracidade (prevista na alínea f) do artigo 13.° do RDLPFP), mas tendo tal presunção sido colocada em causa pelo Recorrido, tendo sido juntos diversos documentos em suporte vídeo que contrariam o relatado no referido relatório, tal permite ilidir a referida presunção.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Foi no presente Processo Arbitral proferida Decisão singular pelo Relator em 20 de fevereiro de 2023, tendo a FPF vindo a apresentar da mesma Reclamação para a Conferência.

I – RELATÓRIO
A Demandada Federação Portuguesa de Futebol, nos Autos em que é Demandante H....., tendo tomado conhecimento do sentido e teor do acórdão arbitral proferido em 08-11-2022, e com ele não se conformando, vem dele interpor RECURSO para este Tribunal Central Administrativo do Sul.

Efetivamente, decidiu-se Arbitralmente conceder provimento à pretensão do Demandante, revogando-se a decisão recorrida de aplicação de “20 dias de suspensão preventiva não automática”.

Apresentou a Recorrente/FPF as seguintes Conclusões:
“1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, notificado em 8 de novembro de 2022, que julgou procedente o recurso apresentado pelo ora Recorrido, que correu termos sob o n.º 12/2022.
2. Em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitral em revogar a decisão do CD mediante a qual se determinou a suspensão preventiva não automática do Recorrido, ao abrigo do disposto no artigo 41.º, n.º 1 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (à frente, RDLPFP), para salvaguarda da autoridade e do prestígio da organização desportiva do futebol.
3. O Conselho de Disciplina - Secção Profissional da Federação Portuguesa de Futebol ao abrigo dos poderes disciplinares que lhe são conferidos pelo artigo 41.º, n.º 4 do RDLPFP deliberou determinar a suspensão preventiva não automática do Recorrido por considerar necessária para salvaguardar a autoridade e o prestígio da organização desportiva do futebol.
4. O Colégio Arbitral entendeu, em suma, que o a decisão é anulável por violação do dever de fundamentação e que, em qualquer caso, não estão reunidos indícios suficientes no sentido de ter sido praticada nenhuma infração pelo Recorrido pelo que nunca estariam reunidas as condições necessárias da aplicação da medida em causa.
5. A decisão é passível de censura porquanto existe uma grave omissão de pronúncia, que leva a um erro na matéria de facto dada como provada e erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado.
6. O Tribunal incorre em omissão do dever de pronúncia.
7. De acordo com o entendimento do Tribunal - adiante-se, errado - aquele órgão disciplinar não alegou nem demonstrou quais os factos em que sustenta aquela sua decisão, violando, por isso, o dever de fundamentação que lhe é imposto.
8. Nos termos do artigo 41.º, n.º 4 do RDLPFP, o Conselho de Disciplina - Secção Profissional da Demandada pode determinar a suspensão preventiva não automática de agentes desportivos quando tal se revele necessário para salvaguarda da competição.
9. O Recorrido foi sancionado através do mapa de sumários de 25.01.2022, com 30 dias de suspensão e multa de 6.375,00€, por factos ocorridos no jogo entre a …… CP, SAD e a SC ...... SAD, de dia 22.01.2022, a contar para a 19º jornada da Liga Portugal Bwin.
10. No dia 26.01.2022 intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), um processo que classificou como "intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias", pedindo que a Requerida, a FPF, fosse "condenada a admitir a impugnação necessária deduzida [nesta data] com efeito suspensivo, retroagido, à data da sua interposição", relativamente ao recurso para o Pleno do Conselho de Disciplina da Requerida da pena disciplinar que lhe foi aplicada, em processo sumário, de suspensão por 30 dias, por referência ao artigo 136.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal".
11. No dia 26.01.2022, o Juiz Presidente do TCA Sul julgou improcedente a providência cautelar, pelo que o Recorrido veio a desistir dessa ação, que correu termos sob o n.º 6/2022.
12. No dia 02.02.2022 intentou no TAD, contra a FPF, uma ação de impugnação de ato administrativo com requerimento de providência cautelar de suspensão de eficácia do ato impugnado, que corria, à data da decisão proferida, termos sob o número 7/2022, pedindo que fosse "decretada a medida cautelar de suspensão da eficácia da decisão recorrida na pendência da presente ação e, a final, ser a presente ação julgada procedente, revogando-se a decisão recorrida", relativamente ao acórdão de 29.01.2022 do Pleno do Conselho de Disciplina da Requerida que confirmou a pena disciplinar que lhe havia sido aplicada, em processo sumário, de multa no montante 6.375€ e de suspensão por 30 dias.
13. No dia 07.02.2022, o Juiz Presidente do TCA Sul decretou a providência cautelar de suspensão de efeitos da sanção de suspensão por 30 dias requerida por H......
14. Determinou-se, na decisão do CD objeto dos autos, a suspensão preventiva não automática do Recorrido, pelo prazo de 20 dias (prazo máximo regulamentarmente previsto), de acordo com o disposto no artigo 41.º, número 4 do RDLPFP, não só por existirem exigências de prevenção especial relacionadas com a necessidade de prevenir comportamentos semelhantes por parte do mesmo mas também para evitar um prejuízo grave para o prestígio da organização desportiva.
15. A previsão regulamentar desta suspensão preventiva não automática visa ainda evitar a desigualdade inerente à presença nos jogos seguintes de agentes desportivos relativamente aos quais existem fortes indícios de ilícitos graves, quando outros agentes desportivos responsáveis por condutas menos censuráveis ficam imediatamente impedidos de participar na competição por força do seu sancionamento em sumário.
16. Mais, entendeu o Conselho de Disciplina que pese embora a natureza não sancionatória, cautelar, desta medida não se coadune com a audiência prévia do arguido, sempre a mesma se mostra dispensada nos termos do artigo 124º, n.º 1, al. c), do Código do Procedimento Administrativo («[sjeja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão»), aplicável ex vi do n.º 1 do artigo 16.º do RDLPFP.
17. Este itinerário percorrido pelo Conselho de Disciplina, que vai desaguar na decisão de ordenar a aplicação da suspensão preventiva não automática ao Recorrido, de que este recorreu, compõe o fundamento factual e de direito em que aquele órgão se apoiou para tomara decisão que tomou de modo a salvaguardar a autoridade e o prestígio da organização desportiva do futebol, como bem fundamentou.
18. Resulta, pois, claro da deliberação sub judice qual foi a motivação da Recorrente ao ordenar a suspensão preventiva não automática do Recorrido.
19. Esta fundamentação encontra-se expressamente consagrada em deliberação proferida pelo CD da Recorrente, a qual se requereu, na contestação, que fosse junta ao processo.
20. Com efeito, o requerimento probatório da Recorrente referia o seguinte: "Requer-se que seja oficiada a Comissão de Instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, onde corre o processo disciplinar instaurado ao Demandante em 15 de fevereiro de 2022, para vir aos autos juntar o processo administrativo, o qual se encontra na sua posse, em particular, a deliberação de instauração de processo e de determinação da suspensão preventiva não automática ao Demandante, proferida pela Seção Profissional do Conselho de Disciplina, bem como para informarem que data a notificou ao Demandante".
21. Verifica agora a Recorrente, com a presente decisão arbitral de que recorre, que não só esta diligência probatória não foi ordenada, como sobre ela não recaiu qualquer despacho, quer de admissão quer de rejeição.
22. Essa deliberação é absolutamente essencial para se aferir do cumprimento do dever de fundamentação por parte do CD da Recorrente, pelo que a sua junção aos autos é de importância evidente e fulcral.
23. Ao não se pronunciar sobre o requerido, não levando em linha de conta o exposto em sede de contestação, a decisão arbitral é nula por omissão de pronúncia, por aplicação do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA e 61.º da lei do TAD.
24. A deliberação do Conselho de Disciplina - Secção Profissional da Recorrente encerra suficiente fundamentação de facto e direito pelo que não atuou aquela em violação daquele dever cumprindo o disposto no artigo 268.º, n.º 3 da CRP, nos artigos 152.º e 153.º do CPA, devendo, portanto, o acórdão arbitral ser revogado.
25. Entende ainda o Tribunal a quo que a deliberação do Conselho de Disciplina - Secção Profissional da Recorrente, de 15 de fevereiro de 2022, na parte que ditou a sua suspensão preventiva não automática, não reúne os pressupostos gerais que determinam a sua suspensão preventiva não automática, em face da ausência de fundamento de facto e de direito e que, por isso, deve ser revogada na parte que determinou a sua aplicação.
26. Ora, atento o conteúdo da deliberação, de 15 de fevereiro de 2022, do Conselho de Disciplina da Recorrente que determinou a suspensão preventiva não automática do aqui Recorrido resultam, desde logo, factos suscetíveis de consubstanciarem a prática de infrações disciplinares previstas e punidas pelo RDLPFP com sanção de suspensão, se provadas, em sede de procedimento disciplinar.
27. Factos estes notoriamente contrários aos valores que aqui se pretendem proteger com a determinação da suspensão preventiva não automática do Recorrido, a autoridade e o prestígio da organização do futebol.
28. Deste modo, o CD da Recorrente com a devida ponderação e fundamentação de facto e de direito, que fez constar na sua deliberação, entendeu ser de aplicar ao Recorrido a suspensão preventiva não automática de 20 dias por entender estarem em causa, como se pode observar, a salvaguarda da autoridade e o prestígio da organização desportivo do futebol.
29. Do discorrido facilmente se conclui, ao contrário do que o TAD determinou, que se encontram reunidos os pressupostos gerais que, ao abrigo do artigo 41. n.º 4 do RDLPFP, ditaram a suspensão preventiva não automática do Recorrido, devendo improceder os fundamentos avançados por este, por erróneos e infundados que são.
30. Deste modo, andou mal o Tribunal a quo, devendo a decisão arbitral ser revogada e substituída por outra que mantenha a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da ora Recorrente.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deverá o Tribunal Centra! Administrativo Sul dar provimento ao recurso e revogar o Acórdão Arbitral proferido, com as devidas consequências legais, assim se fazendo o que é de lei e de Justiça.”

Das Contra-alegações de Recurso apresentadas pelo Recorrido/H....., constam as seguintes Conclusões:
“A. O requerimento probatório formulado pela Demandada na sua contestação não coloca qualquer questão a resolver pelo Tribunal, que se pronuncia no acórdão (e no antecedente despacho n.º 1) sobre todas as verdadeiras questões que lhe são colocadas.
B. Quer se leia o despacho n.º 1 do Tribunal como um indeferimento do requerimento da Recorrente, quer como a ausência de resposta (satisfatória) ao mesmo, certo é que a Recorrente se conformou com a posição expressa pelo Tribunal de considerar a instrução encerrada e de estar em condições de proferir sentença, disso não reclamando, não arguindo qualquer irregularidade processual, e expressamente prescindindo até de apresentar alegações finais.
C. Os documentos cuja junção a Recorrente requereu fosse oficiada junto de terceiros são, na realidade, da sua autoria, estavam em seu poder (ao menos em formato digital), e era ela própria, enquanto autora da decisão administrativa impugnada e notificante da mesma ao seu destinatário, quem estava obrigada à sua função, nos termos do artigo 84.° do CPTA.
D. A conduta processual da Recorrente — que omite a junção do processo administrativo, requer que terceiros juntem documentos que ela própria produziu e possui, se conforma com o encerramento da instrução e depois argui nulidade por omissão de pronúncia — é errática, censurável e roça a má-fé.
E. O desenrolar do procedimento administrativo que culminou com a aplicação da suspensão preventiva ao Recorrido encontra-se documentalmente demonstrado nos autos, constando da matéria dada como provada no acórdão recorrido, a qual não vem impugnada pela Recorrente.
F. A medida adotada pela Recorrente na decisão impugnada e anulada pelo acórdão recorrido não encerra qualquer tipo de fundamentação mínima que pudesse justificar a sua aplicação ao Recorrido; não se trata sequer de um caso de fundamentação deficiente, insuficiente ou contraditória, dado que ela é absolutamente inexistente.
G. Além de a decisão que a aplicou não estar fundamentada, os próprios requisitos de que depende o decretamento da medida de suspensão preventiva não se mostravam minimamente preenchidos no caso concreto, e não foram sequer indagados.
H. Sendo a medida provisória instrumental de um dado procedimento disciplinar, ela só pode ter razão de ser quando haja pelo menos uma aparência séria, ou uma indiciação suficiente, da existência da própria infração disciplinar que justificaria a instauração e subsistência de um processo disciplinar.
I. O facto de a Recorrente ter vindo a determinar o arquivamento do processo disciplinar sem quaisquer outros elementos além dos que possuía desde a pronúncia do Recorrido demonstra ã saciedade que a sua análise atenta não foi feita nesse primeiro momento, visto que teria conduzido ã inevitável conclusão de que inexistia qualquer fundamento que autorizasse sequer a instauração de procedimento disciplinar, e, consequentemente, que não teria cabimento o decretamento de qualquer medida provisória.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser mantida a douta decisão arbitral recorrida e negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, com o que se fará justiça.

O Recurso foi admitido por Despacho de 11 de janeiro de 2023, mais se sustentando a decisão recorrida, atenta a nulidade suscitada, nos seguintes termos:
“(…) De acordo com a Demandada, o acórdão sub judice padeceria do vício de omissão de pronúncia, o que fundamentaria a nulidade ao abrigo da al. d) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil (doravante, "CPC"). No seu entendimento, a referida omissão justificar-se-ia pela ausência de resposta, pelo Tribunal, ao requerimento probatório apresentado na respetiva contestação, através do qual se solicitava que a Comissão de Instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, onde corre o processo disciplinar instaurado, fosse oficiada para vir aos autos juntar o processo administrativo, o qual se encontra na sua posse, em particular, a deliberação de instauração de processo e de determinação da suspensão preventiva não automática ao Demandante, proferida pela Seção Profissional do Conselho de Disciplina, bem como para informar em que data a notificou ao Demandante.
Vários argumentos militam no sentido da improcedência da mencionada arguição de nulidade.
Em primeiro lugar, a omissão de pronúncia está limitada às situações em que «[o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» (al. d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC). Ora, não está manifestamente em causa uma questão que as partes tenham submetido à apreciação do colégio arbitral (n.° 2 do artigo 608.° do CPC). Em concreto, foi solicitado a este Tribunal que se pronunciasse sobre a legalidade da decisão de suspensão preventiva do Demandante H....., nos termos do artigo 41,° do RDLPFP, tendo por base três alegados vícios (i) a incompetência do órgão que praticou o ato, (ii) a violação do dever de fundamentação e da violação do direito de defesa do Demandante; (iiij a inexistência da infração subjacente ao processo disciplinar e não preenchimento dos requisitos de cuja verificação depende a aplicação do n.° 4 do artigo 41.° do RDLPFP. Conforme resulta da decisão sub judice, o Tribunal pronunciou-se sobre as três questões suscitadas.
Em todo o caso, o Tribunal notificou as partes, através do despacho n.° 1, de 23 de maio de 2022, de que a instância se encontrava saneada e inexistia produção de prova adicional a realizar, estando em condições de proferir sentença. Note-se que, nos termos do n.° 6 do artigo 43.° da Lei do TAD, «o colégio arbitral procede à instrução no mais curto prazo possível, podendo recusar diligências que as partes lhe requeiram se entender não serem relevantes para a decisão ou serem manifestamente dilatórias).
Acaso a Demandada [agora Recorrente) sufragasse um entendimento distinto, deveria tê-lo transmitido em resposta ao referido requerimento. Não só tal seria o momento processualmente adequado - cfr. artigo 199.° do CPC -, como seria a única atuação compatível com o dever de cooperação que deve pautar a interação entre as partes e entre estas e o Tribunal - cfr. artigo 7.° do CPC. Pelo contrário, a Demandada (agora Recorrente) veio apenas informar o Tribunal de que prescindia de produzir alegações orais.
Por último, várias razões sustentam a irrelevância do requerimento probatório da Demandada (agora Recorrente) e, consequentemente, a improcedência da arguição de nulidade sob escrutínio.
Contrariamente ao que a Demandada parece fazer crer, é sobre si que impende o dever de junção do processo administrativo, nos termos do n.° 1 do artigo 84.° do CPTA.
Nos termos do n.° 6 do mesmo artigo, a falta do envio do processo administrativo não obsta ao prosseguimento da causa, mas determina que os factos alegados pelo autor se considerem provados, se aquela falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade.
No entanto, a posição apresentada pela Demandada nas suas alegações confunde duas realidades distintas - na aferição do dever de fundamentação não está em causa saber se existe uma fundamentação material da decisão tomada, mas antes apurar se foi cumprida uma exigência formal de fundamentação.
A Demandada não coloca em causa que, no dia 15 de fevereiro de 2022, pelas 16:36 horas, apenas remeteu ao Demandante um mapa, assinado por uma formação de três vogais do seu Conselho Diretivo, de onde consta a aplicação ao Demandante de uma medida de 20 dias de "suspensão preventiva não automática", acompanhada da instauração de processo disciplinar contra o mesmo (cfr. facto 10 da matéria provada).
Ou seja, tal como referido no Acórdão sub judice, «a decisão comunicada ao Demandante cinge-se a um quadro que compreende a medida aplicada e as normas que a preveem.
Na mesma não foram incluídas, portanto, quaisquer considerações que permitam compreender com que base considerou a Demandada estarem preenchidos os pressupostos de aplicação da medida em causa» - cfr. página 16 do Acórdão.
Assim, para efeitos de cumprimento do dever de fundamentação, irreleva saber se a decisão tomada possuía efetivamente fundamento; o que se pretende é garantir a compreensão e escrutínio do ato pelo seu destinatário. Nesse sentido aponta, desde logo, o disposto da al. d) do n.° 1 do artigo 151° e os artigos 152.° e 153.° do Código do Procedimento Administrativo.
Pelo visto, a nulidade de omissão de pronúncia invocada pela Demandada deve ser julgada improcedente (…).”

O Ministério Público, já neste Tribunal, notificado em 24 de janeiro de 2023, nada veio dizer, requerer ou Promover.

II – Objeto do recurso:
Em face das conclusões formuladas, cumpre verificar e decidir se, como alegado, se se verificará omissão de pronuncia, para além dos vícios declarados em 1ª Instância, de violação do dever de fundamentação e de violação do direito de defesa do Demandante, bem como a Inexistência da infração subjacente ao processo disciplinar e não preenchimento dos requisitos de cuja verificação depende a aplicação do n.° 4 do artigo 41.° do RDLPFP, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III - Fundamentação De Facto:
No acórdão recorrido, relativamente à fixação da matéria de facto, consta o seguinte:
“1. No dia 11 de fevereiro de 2022, realizou-se o jogo oficial n.° 203.01.190.0 (12201), disputado entre a Futebol Clube ......, Futebol SAD e a ...... CP, SAD a contar para a 22.ª jornada da Liga Portugal Bwin;
2. O Demandante é Diretor Desportivo da ...... Clube de Portugal - Futebol, SAD (...... CP), funções que acumula, em dias de jogo, com as inerentes ao cargo de Delegado do Clube;
3. Foi na qualidade de Delegado ao Jogo que o Demandante foi inscrito na ficha técnica do jogo mencionado no ponto 1;
4. Após o final do jogo mencionado no ponto 1, o Demandante recebeu ordem de expulsão;
5. A expulsão mencionada no ponto 4 baseou-se na perceção de que o Demandante tinha entrado no terreno de jogo para provocar um conflito com um adversário;
6. No dia 14 de fevereiro de 2022, pelas 18:45 horas, o Conselho de Disciplina da Demandada informou a sociedade desportiva ...... CP que o Demandante poderia, “até às 16 (dezasseis) horas do dia de amanhã'’, “dizer por escrito, querendo, o que se lhe oferecer sobre a factualidade a si respeitante presente nos relatórios oficias quanto ao jogo oficial em que interveio’’:
7. Em anexo à mensagem referida no ponto 6, para além do relatório da equipa de arbitragem, seguiu um esclarecimento complementar com o seguinte teor:
(Relativamente a expulsão do Sr. H..... por provocar um conflito com um adversário, o mesmo sucedeu pelo seguinte facto:
- O Sr. H....., dirigiu-se ao jogador adversário n°3(P…..), num momento em que os ânimos no terreno de jogo se estavam a acalmar, e ao chegar perto do referido jogador agarrou/empurrou-lhe o braço tendo-lhe, de seguida, dirigido palavras, palavras estas que não consegui entender, esta ação/comportamento, do Sr. H....., provocou uma reação violenta por parte do jogador adversário n°3 P......, bem como que se gerasse um conflito entre diversos elementos das duas equipas.»
8. Em resposta enviada pelas 15:26 horas do dia seguinte, 15 de fevereiro, o Requerente transmitiu ao CD que não podia aceitar, por não corresponder à verdade, a imputação factual que lhe era feita no relatório da equipa de arbitragem.
9. Da mensagem mencionada no ponto 8 constava o seguinte:
«O arguido foi expulso pelo Árbitro do encontro porque após o final do jogo, alegadamente, na expressão do relatório do Sr. Árbitro, “Entrou no terreno de jogo para provocar um conflito com um adversário.”
Esclareceu ainda o Sr. árbitro, a pedido da Comissão de Instrução Disciplinar, que "O Sr. H....., dirigiu-se ao jogador adversário n°3(P......), num momento em que os ânimos no terreno de jogo se estavam a acalmar, e ao chegar perto do referido jogador agarrou/empurrou-lhe o braço tendo-lhe, de seguida, dirigido palavras, palavras estas que não consegui entender, esta ação/comportamento, do Sr. H....., provocou uma reação violenta por parte do jogador adversário n°3 P......, bem como que se gerasse um conflito entre diversos elementos das duas equipas."
São rotundamente falsos os factos relatados e imputados ao arguido. Isso mesmo decorre da mera visualização das imagens que se anexam, das quais decorre, muito claramente, que:
1. o arguido se abeira do jogador P...... num momento em que este se trava de razões com o Sr. Árbitro e este último se afasta (não podendo deixar de se atribuir a este afastamento a errada perceção e subsequente reporte do Sr. Árbitro):
2. o arguido aborda o jogador P...... de forma calma e tentando mesmo tranquilizá-lo e apaziguar a situação, estendendo-lhe a mão:
3. o jogador P...... reage intempestivamente, dando uma palmada no braço do arguido:
4. ato contínuo, o jogador P......, perante a estupefação do arguido, encosta o peito ao seu ombro, de modo provocatório e agressivo:
5. no mesmo instante, o jogador P...... desfere um pontapé, com os pitões da sua bota, no tornozelo do arguido - o que foi relatado pelo Sr. Árbitro e se constata pela fotografia que ora se apresenta:
6. os próprios colegas de equipa do jogador P...... procuram afastá-lo do arguido;
7. no segundo seguinte, o Sr. Árbitro expulsa o arguido, e volvidos alguns segundos expulsa o jogador P.......
Das imagens decorre portanto, sem margem para qualquer dúvida, que o arguido não praticou qualquer dos comportamentos descritos pelo Sr. Árbitro, e sobretudo não praticou qualquer comportamento que seja suscetível de configurar a prática de qualquer ilícito disciplinar: o arguido não provocou um conflito com um adversário (pelo contrário): não agarrou nem empurrou o braço do jogador P......: nem lhe dirigiu palavras, fossem quais fossem, aptas a integrar a prática de qualquer infração (nem o Sr. Árbitro identifica quais tivessem sido).
De resto, se sobre isso dúvida restasse, que não resta, ela sempre deveria ser resolvida em benefício do arguido.
Das imagens resulta, sim, que o aglomerado de intervenientes que naqueles momentos se gerou teve por única e exclusiva origem a atitude intempestiva, agressiva, despropositada e hostil do jogador P.......
Acrescente-se que, conforme decorre dos vídeos igualmente juntos, alguns minutos volvidos o arguido dirigiu-se novamente ao jogador P...... para, juntamente com o seu treinador Sérgio Conceição, o chamar à razão e dar o incidente por ultrapassado; e que o próprio treinador do FC ......, que a tudo assistiu, não se coibiu de, em conferência de imprensa após o final do jogo, assinalar que o arguido, como ele próprio, mais não fez do que procurar acalmar os ânimos.
Não obstante o antecedentemente exposto e demonstrado, desde já se adverte que no caso de se entender que as imagens em apreço não são suficientes para colocar em causa os esclarecimentos prestados pelo árbitro do jogo, o Arguido não prescinde da inquirição dos elementos que integram a equipa de arbitragem, que deverá ser realizada na sua presença.
O arguido reserva ainda o seu direito de apresentar participação disciplinar detalhada relativamente aos factos descritos.»
10. No dia 15 de fevereiro de 2022, pelas 16:36 horas (ou seja, 1 hora e 10 minutos após a pronúncia do arguido), a Demandada publicou um mapa, assinado por uma formação de três vogais do seu Conselho Diretivo, de onde consta a aplicação ao Demandante de uma medida de 20 dias de "suspensão preventiva não automática", acompanhada da instauração de processo disciplinar contra o mesmo.

Sumariou-se no Acórdão Arbitral recorrido:
“1. A decisão sob escrutínio não cumpriu as exigências mínimas de fundamentação, dado não incluir quaisquer considerações que permitam compreender com que base considerou a Demandada estarem preenchidos os pressupostos de aplicação da medida de suspensão preventiva não automática, sendo que a ausência das referidas informações tem um impacto claro na capacidade de reação do Demandante, dificultando o escrutínio da atividade da Demandada:
2. A justificação associada a um ato administrativo é tanto mais necessária, relevante e útil quanto maior for a liberdade decisória do órgão que o pratica; estando em causa a aplicação de uma norma em cujo enunciado figuram conceitos altamente indeterminados o órgão que aplica a medida preventiva está especialmente onerado a respeito da sua fundamentação:
3. Face à matéria de facto apurada e à prova produzida, não estão reunidos indícios suficientes no sentido de ter sido praticada qualquer infração pelo Demandante, o que sempre seria condição necessária da aplicação da medida em causa:
4. A Demandada não apresenta qualquer justificação concreta para demonstrar a necessidade de aplicação da sanção de suspensão, não cumprindo minimamente o ónus de alegação e o ónus probatório que sobre si impendem:
5. Muito embora o relatório do árbitro beneficie de uma presunção de veracidade (prevista na alínea f) do artigo 13.° do RDLPFP), tal presunção de veracidade foi devidamente colocada em causa pelo Demandante na resposta à audiência de interessados, tendo remetido vários documentos em suporte vídeo que contrariam o relatado no referido relatório.”

Vejamos;
Vem recorrido o Acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto que decidiu conceder provimento à pretensão do Demandante, revogando-se a decisão recorrida que havia aplicado ao demandado “20 dias de suspensão preventiva não automática”.

No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador do Acórdão Recorrido:
“(…) Vício decorrente da violação do dever de fundamentação e da violação do direito de defesa do Demandante
Segundo o Demandante, a Demandada violou o seu dever de fundamentação, resultante quer do n.° 2 do artigo 224.° do RDLPFP, quer do n.° 2 do artigo 82.° do CPA, dado não constar na medida adotada qualquer tipo de fundamentação - sendo que tal exigência de fundamentação sempre resultaria, de resto, do disposto na al. a) do n.° 1 do artigo 152.° do CPA. No entendimento do Demandante, não está em causa uma mera insuficiência ou incompletude na fundamentação, mas a sua total inexistência, com reflexos nas garantias de defesa do arguido constitucionalmente protegidas (n.° 10 do artigo 3ó.° da CRP).
Diferente entendimento é sufragado pela Demandada, segundo a qual a decisão impugnada não padece de qualquer vício que afete a sua validade. Em concreto, considera a Demandada que a decisão se encontra adequadamente fundamentada, de facto e de direito, não violando nenhum princípio nem nenhuma norma jurídica aplicável. No mais, mesmo que assim não se considerasse, defende a Demandada que a decisão nunca poderia ser considerada nula por violação do dever de fundamentação previsto no n.° 3 do artigo 268.° da CRP e concretizado nos artigos 152.° e 153.° do CPA, visto não ter existido uma preterição total de fundamentação.
Cumpre decidir.
Conforme resulta da matéria de facto provada, a decisão comunicada ao Demandante cinge-se a um quadro que compreende a medida aplicada e as normas que a preveem. Na mesma não foram incluídas, portanto, quaisquer considerações que permitam compreender com que base considerou a Demandada estarem preenchidos os pressupostos de aplicação da medida em causa. A ausência das referidas informações tem um impacto claro na capacidade de reação do Demandante, dificultando o escrutínio da atividade da Demandada.
De acordo com Mário Aroso de Almeida, «[a] fundamentação do ato administrativo é, por conseguinte, uma declaração que deve constar do ato, na qual se justifica a sua prática», sendo a justificação «uma declaração através da qual o autor do ato explica os termos em que procedeu ao preenchimento dos pressupostos legais, ou seja, descreve as circunstâncias de facto que, correspondendo, no seu entender, à previsão legal, o levaram a concluir que existia uma situação de interesse público à qual se tornava necessário dar resposta através da prática daquele tipo de ato administrativo»'.
A decisão sub judice não integra qualquer justificação nos moldes descritos, não cumprindo, por isso, as exigências mínimas de fundamentação. Repare-se que, para a conclusão alcançada, irreleva saber se o n.° 2 do artigo 224.° do RDLPFP - e o crivo mais exigente em termos de fundamentação do ato que o mesmo acarreta - era aplicável nesta sede. Ainda que tal norma não seja aplicável, face à regulação específica constante no n.° 4 do artigo 41,°, o referido dever de fundamentação decorre (a) dos artigos 152.° e 153.° do CPA; e (b) da circunstância de o n.° 4 do artigo 41.° apenas ser aplicável mediante o preenchimento de certos requisitos - o que implica um dever, imposto à Demandada, de justificar por que razão os referidos pressupostos se encontram verificados. Aliás, na verdade, a justificação associada a um ato administrativo é tanto mais necessária, relevante e útil quanto maior for a liberdade decisória do órgão que o pratica. Assim, estando em causa a aplicação de uma norma em cujo enunciado figuram conceitos altamente indeterminados - como «autoridade e do prestígio da organização desportiva» e «dignidade, estabilidade e tranquilidade» - o órgão que aplica a medida preventiva está especialmente onerado a respeito da sua fundamentação (i.e., no que toca à exposição dos factos que considera estarem verificados, assim como do raciocínio que subjaz à subsunção dos mesmos na norma). Uma vez mais, a adoção deste crivo acrescido resulta não da aplicação do artigo 224.° do RDLPFP, mas da consideração da norma e do tipo de decisão em causa.
Neste domínio, assume especial interesse o paralelismo traçado pelo Senhor Juiz Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul na decisão que pôs termo ao processo cautelar. De acordo com o mesmo, a aplicação da medida preventiva tem de respeitar um juízo de proporcionalidade face ao comportamento do agente transgressor e aos valores defendidos com e no próprio procedimento sancionatório. Em concreto, e chamando à colação jurisprudência no âmbito dos procedimentos disciplinares, a medida preventiva «apenas se justifica em razões de ordem funcional - relativas à necessidade de defesa do prestígio dos serviços públicos - e de ordem processual - relativas à necessidade de recolha de provas que pode ser frustrada pela presença do arguido. O que sempre deverá ser concretizado e demonstrado pelo órgão com competência disciplinar (cfr. o ac. de 70.72.20 deste TCAS, no proc. n.° 302/J8.08EFUN); ou, no dizer do STJ, na demonstração de que “a presença continuada do trabalhador pode prejudicar o procedimento disciplinar ou o próprio inquérito" (ac. de 2.04.2008, proc. n° 07S4104)»2.
É neste contexto que o Senhor Juiz Presidente conclui, à semelhança deste Colégio Arbitral, que se verifica um manifesto incumprimento do dever de fundamentação, enfatizando que, face a esta falha, nem sequer é possível «submeter a decisão à prova da regra de proporcionalidade, no sentido de verificar da exigibilidade e adequação da medida provisória decretada pelo Conselho de Disciplina da Requerida».
No mais, tal como evidenciado pelo Senhor Juiz Presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul, é notório que a suspensão do Demandante foi aplicada sem o efetivo cumprimento do seu direito de defesa e do princípio do contraditório. Neste âmbito, importa frisar que os princípios tipicamente associados ao direito penal valem igualmente no domínio sancionatório - destacando-se, em especial, as garantias resultantes do artigo 32.° da Constituição. Muito embora a Demandada tenha promovido uma audiência de interessados, o tempo de resposta concedido ao Demandante e a prontidão com que a decisão final foi tomada e comunicada (assim como o seu conteúdo) revelam que tal oportunidade de defesa foi meramente aparente, consistindo apenas no cumprimento do dever formal de notificação para pronúncia e no rececionamento dessa resposta (tempestiva}: nada se demonstra que sobre aquela tenha havido um juízo valorativo mínimo ou que esta tenha sido sequer considerada antes da decisão»
Ainda assim, o desvalor associado ao vício de violação do dever de fundamentação e à violação do direito de defesa do Demandante é, em princípio e salvo casos mais excecionais, a anulabilidade. Para tal conclusão militam (i) em primeiro lugar, a elevação da anulabilidade a desvalor regra no domínio do direito administrativo; e (iij em segundo lugar, a dificuldade em considerar preenchida alguma das causas de nulidade que figuram no n.° 2 do artigo 161.° do CPA (em especial, a compreendida na alínea d}, que comina com a nulidade os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental).
Inexistência da infração subjacente ao processo disciplinar e não preenchimento dos requisitos de cuja verificação depende a aplicação do n.° 4 do artigo 41.° do RDLPFP
Por fim, destaca o Demandante que, em todo o caso, não se mostravam minimamente preenchidos quaisquer dos requisitos de que o RD e o CPA fazem depender a aplicação de uma medida provisória como a que foi aplicada. No seu entendimento, os factos descritos no relatório - para além de falsos - em nada se relacionam com qualquer dos valores, receios, utilidades ou lesões mencionados no n.° 4 do artigo 41.° e no n.° 1 do artigo 224.° do RDLPFP, assim como no artigo 89.° do CPA.
A Demandada não partilha deste entendimento, considerando que alegou e demonstrou, ainda que de forma indiciária, os factos que estão na base da sua decisão. No mais, defende que importa atender ao propósito prosseguido por este mecanismo de suspensão preventiva não automática: o de evitar a criação de uma situação de desigualdade em que agentes desportivos relativamente aos quais existem fortes indícios de ilícitos graves estão presentes nos jogos seguintes, quando outros agentes desportivos responsáveis por condutas menos censuráveis ficam imediatamente impedidos de participar na competição, por força do seu sancionamento em processo sumário. Assim sendo, (ij face à identificação de factos suscetíveis de consubstanciarem a prática de infrações disciplinares previstas e punidas pelo RDLPFP com sanção de suspensão e (ii) atendendo à conclusão de que tais factos contrariam manifestamente os valores da autoridade e do prestígio da organização do futebol, encontra-se justificada a aplicação da medida de suspensão preventiva não automática do Demandante.
Em primeiro lugar, importa frisar que a aplicação de medidas provisórias só deve ter lugar quando a prática da infração disciplinar se encontrar minimamente indiciada. Porém, face à matéria de facto apurada e à prova produzida, conclui este Tribunal que não estão reunidos indícios suficientes no sentido de ter sido praticada qualquer infração pelo Demandante. Vários argumentos apontam neste sentido.
Em segundo lugar, a Demandada não apresenta qualquer justificação concreta (a não ser uma breve menção a procedimentos disciplinares anteriores) para demonstrar a necessidade de aplicação da sanção de suspensão. Assim, não cumpre minimamente o ónus de alegação e o ónus probatório que sobre si impendem - ainda mais relevantes por, como visto, estarem em causa conceitos altamente indeterminados (e, até mesmo, de duvidoso amparo constitucional) como a reputação e prestígio da competição e por estar em causa direito sancionatório que, em alguma medida, restringe determinados direitos fundamentais.
É certo que o relatório do árbitro beneficia de uma presunção de veracidade (prevista na alínea f) do artigo 13.° do RDLPFP), o que, à primeira vista, colocaria o ónus sobre o Demandante - e já não, como referido, sobre o Demandante. Sucede que tal presunção de veracidade foi devidamente colocada em causa pelo Demandante na resposta à audiência de interessados, tendo remetido vários documentos em suporte vídeo que, na opinião deste Tribunal, contrariam o relatado no referido relatório. Face às imagens enviadas pelo Demandante à Demandada em altura própria (e posteriormente juntas aos autos), não existe qualquer conduta que, de forma clara, assuma relevância disciplinar- e, por maioria de razão, que seja manifesta ao ponto de suscitar a aplicação do n.° 4 do artigo 41.° do RDLPFP.
Face ao exposto, não se encontravam reunidos os pressupostos de que dependia a aplicação da medida de suspensão do Demandante, o que, por si só, configura outra causa de invalidade da decisão sob apreço - neste caso, o vício de erro sobre os pressupostos, que conduz à sua anulabilidade.”

Vejamos:
Da omissão de pronúncia
Refira-se, desde logo, que se ratifica o entendimento adotado pelo Tribunal Arbitral e supra transcrito, ao ter sustentado a decisão recorrida quanto à invocada omissão de pronuncia.

Refira-se acrescidamente, em qualquer caso, que a invocada nulidade decorreria da circunstancia da aqui Recorrente ter requerido, nomeadamente, a junção do Processo Administrativo, o que não teria merecido resposta do Tribunal arbitral.

Sublinha-se, desde logo, que a responsabilidade pela junção do Processo administrativo seria da própria Federação, sendo que a omissão ocorre quando deixe de resolver alguma das “questões que as partes tenham submetido ã sua apreciação’'' (art. 608.° n.° 2 CPC), o que não é manifestamente aqui o caso, sendo que o Tribunal se pronunciou relativamente a todas as questões/vícios que vinham suscitados, a saber:
i. Vício de incompetência;
ii. V/cio decorrente da violação do dever de fundamentação e da violação do direito de defesa do Demandante;
iii. Inexistência da infração subjacente ao processo disciplinar e não preenchimento dos requisitos de cuja verificação depende a aplicação do n* 4 do artigo 41.° do RDLPFP.

Não tendo o Tribunal Arbitral dado seguimento ao pedido formulado quanto à junção do PA, cuja responsabilidade, reafirma-se, cabia à própria Federação, sendo caso disso, sempre esta deveria ter arguido tal questão no Processo, à luz do Artº 199º CPC.

Como se sumariou no Acórdão deste TCAS de 6 de Setembro de 2018, no Procº n° 1428/09.6BESNT, “A falta de pronúncia sobre um requerimento probatório não constitui fundamento para a nulidade decisória, nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.° do CPC” sendo que “Constituindo a falta de decisão sobre o requerimento probatório a omissão de um ato processual do juiz, deveria ter sido suscitada a nulidade processual, no primeiro ato processual praticado pela parte, nos termos do n.° 1 do artigo 199.° do CPC”.

Como resulta do já afirmado, nos termos do artigo 84 °, n.° 1 do CPTA, com a contestação, ou dentro do respetivo prazo, cabe à entidade demandada a obrigação de proceder ao envio do processo administrativo, não podendo o Requerido, aqui Recorrente, responsabilizar o tribunal por uma obrigação que é sua.

Em face de tudo quanto se descreveu, não se reconhece a verificação da imputada omissão de pronuncia.

Do erro de julgamento quanto à declarada falta de fundamentação e Falta de fundamento
Entende a Recorrente que a decisão arbitral padecerá de erro de julgamento por ter considerado existir falta de fundamentação e Falta de Fundamento da decisão objeto de impugnação.

i) Falta de fundamentação da decisão objeto de impugnação
Para mais fácil perceção do regime regulamentar aqui em causa, infra se transcreve o Artº 224º do RDLPFP – Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional:
“Artigo 224.º
Medidas provisórias
1. Nos casos expressamente previstos no presente Regulamento, a Secção Disciplinar poderá adotar medidas provisórias destinadas a acautelar o efeito útil da decisão final do procedimento ou a evitar a produção de lesão grave ou de difícil reparação dos interesses públicos envolvidos na organização das competições profissionais de futebol.
2. As medidas provisórias são adotadas pelo Presidente da Secção Disciplinar mediante despacho especialmente fundamentado e sob proposta do instrutor ou, no caso do procedimento se encontrar pendente naquele órgão, do relator.
3. O despacho que adote medidas provisórias é imediatamente notificado ao visado.

É desde logo manifesto que nos termos do transcrito n.° 2 do artigo 224.° do RDLPFP, as medidas provisórias são adotadas mediante despacho “especialmente fundamentado”.

Essa exigência de fundamentação sempre decorreria do regime geral constante do Artº 152.° n.° 1 a) do CPA, por estar em causa um ato punitivo, que afeta potencialmente direitos e interesses legalmente protegidos do seu destinatário, sendo que resulta dos elementos disponíveis que a pena aplicada é predominantemente conclusiva, pois que não assenta em qualquer fundamentação relevante.

Em bom rigor, nem se alcançam quais os factos e pressupostos que justificam a aplicação da pena em causa, apenas se sabendo que se mostra aplicada uma pena de 20 dias de suspensão preventiva não automática.

É incontornável que a invocada prática de infração disciplinar constante do relatório remetido ao então arguido sempre teria de enunciar, no mínimo, o preenchimento autónomo dos requisitos previstos nos artigos 41.°/4 e 224°/1 do RD e 89.° do CPA, o que não ocorre.

Se é certo que se não pretende a fundamentação da fundamentação, no entanto, é expectável que seja facultada ao destinatário de uma qualquer pena, nomeadamente de cariz disciplinar, o conjunto de factos que terão contribuído para a aplicação da referida sanção, ainda que por remição. Não se alcança, nem se descortina, pois qualquer descrição de facto e de direito especialmente fundamentada (224.° n.° 2 RD).

Como se afirmou na decisão sumária correspondente deste tribunal, no âmbito do pedido cautelar (Procº nº 50/22.6BCLSB), '‘mesmo a entender-se que a Secção Disciplinar poderia aplicar a medida provisória, sempre esta teria que ser aplicada após a devida enunciação das razões que a determinavam. Ou seja, como anteriormente se deixou dito, haveria que estar justificado que a suspensão provisória era “necessária para a salvaguarda da autoridade e do prestígio da organização desportiva do futebol e, bem assim, da dignidade, estabilidade e tranquilidade das respetivas competições”. Sobre isso nada é dito, nem a mínima alusão é feita.”

Por outro lado, mas no mesmo sentido, e como se afirma no Acórdão Arbitral aqui Recorrido, “na verdade, a justificação associada a um ato administrativo é tanto mais necessária, relevante e útil quanto maior for a liberdade decisória do órgão que o pratica.
Assim, estando em causa a aplicação de uma norma em cujo enunciado figuram conceitos altamente indeterminados - como «autoridade e do prestigio da organização desportiva» e «dignidade, estabilidade e tranquilidade» — o órgão que aplica a medida preventiva está especialmente onerado a respeito da sua fundamentação (i.e.), no que toca à exposição dos factos que considera estarem verificados, assim como do raciocínio que subjaz à subsunção dos mesmos na norma). Uma vez mais, a adoção deste crivo acrescido resulta não da aplicação do artigo 224.º do RDLPFP, mas da consideração da norma e do tipo de decisão em causa.”

Em face do que precede, não merece, também neste aspeto, censura o Acórdão Arbitral Recorrido.

ii) Da falta de fundamento da decisão objeto de impugnação
Como já verificado, a decisão de aplicação de uma medida provisória depende, nos termos das citadas disposições do RD, da demonstração da sua necessidade e utilidade para a salvaguarda da autoridade e prestígio da organização desportiva do futebol e da dignidade, estabilidade e tranquilidade das respetivas competições (41.° n.° 4), por forma a acautelar o efeito útil da decisão final do procedimento ou a evitar a produção de lesão grave ou de difícil reparação dos interesses públicos envolvidos na organização das competições profissionais de futebol (224.° n.° 1 RD).

Importa ainda, nos termos do Artº 89.° do CPA, a existência de um justo receio de que, sem tais medidas cautelares, se constitua uma situação de facto consumado ou que se produzam prejuízos de difícil reparação para os interesses públicos ou privados em presença.

Aqui chegados e atenta a circunstância já verificada de acordo com a qual não constam do controvertido ato quaisquer fundamentos ou sequer quaisquer factos justificativos em que o ato se tenha suportado, está bem de ver que a decisão federativa objeto de impugnação se não poderia manter.

Acresce que a situação material que gerou a controvertida aplicação de pena de natureza disciplinar se mostra imprecisa, pois que não é sequer possível percecionar quem fez o quê.

Assim, não tendo a aqui Recorrente logrado sequer demonstrar o preenchimento dos requisitos impostos quer pelo RD aplicável, quer pelo CPA, ou CPTA para que, com toda a suficiente certeza e adequação se pudesse afirmar estarem preenchidos os requisitos de que depende a aplicação de uma medida provisória como a que foi aplicada ao Recorrido, mostra-se que o Acórdão Arbitral, também neste aspeto, não merece censura, ao ter anulado o ato objeto de impugnação.

iii) Da infração
Como mais uma vez afirmado pela decisão cautelar já tomada neste TCAS, a aplicação de medida provisória não pode ser indiferente à circunstância de não se encontrar sequer indiciada a prática do ilícito disciplinar que justificasse a instauração do procedimento.

Efetivamente, sempre teriam de se mostrar verificados os pressupostos de que depende a aplicação da medida provisória em si, o que a aqui Recorrente não logrou conseguir, mormente no próprio ato punitivo, o qual se consubstancia numa mera abstração não densificada.

Com efeito, sendo a medida provisória meramente instrumental de um procedimento disciplinar conexo, sempre teríamos de estar perante uma infração perfeitamente delineada e objetivada, o que não é o caso, pois, como ficou já dito, nem sequer é percetível dos elementos de prova disponíveis, “quem fez o quê”?

Importa não perder de vista que o teor do relatório do árbitro nem sequer é corroborado pelas imagens televisivas, o que desde logo compromete, por natureza, a aplicabilidade de uma qualquer sanção disciplinar, mormente de natureza provisória.

É aliás incontornável e sintomático o afirmado pelo Recorrido, de acordo com o qual, “(…) já na pendência destes autos. Com efeito, no dia 19 de Abril de 2022, o Recorrido foi notificado do acórdão proferido no processo disciplinar em causa (de que a decisão impugnada, de o suspender preventivamente, constituiu “incidente” prévio), no qual a Recorrente decidiu o seguinte (pág. 15, par. 23):
“O Conselho de Disciplina adere, nos termos do artigo 234.°, n.° 3, al a) do RDLPFP, à proposta de arquivamento formulada pelo Ilustre Instrutor, quanto ao Arguido H....., delegado ao jogo da ...... Clube Portugal - Futebol SAD, por entender que da prova produzida não resulta suficientemente indiciada a prática das infrações disciplinares previstas nos artigos 131.° n.° 1, 136.°, n.° 1 e 141.°, aplicáveis ex vi artigo 168.° n.° 1 todos do RDFPFP. E face à desnecessidade de realização de outras diligências institórias, ordena o arquivamento cios autos, nos termos do citado artigo 234. °, n. °3, alínea a) do RDLPFP.
(Doc. 1 do articulado superveniente junto aos autos a 20/04/2022)”.

Como se lê na decisão sumária do TCAS no âmbito do referido pedido cautelar correspondente (Procº nº 50/22.6BCLSB), “o que desde logo transparece dos autos é que a medida disciplinar (provisória) foi aplicada ao Requerente sem o efetivo cumprimento do seu direito de defesa. Na verdade, a defesa existente no procedimento sancionatório em causa, conforme resulta do probatório fixado, concretamente dos pontos b), c), d) e) e J), foi meramente aparente, consistindo apenas no cumprimento do dever formal de notificação para pronúncia e no rececionamento dessa resposta (tempestiva); nada se demonstra que sobre aquela tenha havido um juízo valorativo mínimo ou que esta tenha sido sequer considerada antes da decisão.”

Assim, acompanhando o entendimento adotado quer no Acórdão Arbitral recorrido quer na decisão cautelar proferida no Procº nº 50/22.6/BCLSB, entende-se dever ser negado provimento ao Recurso, confirmando-se o Acórdão Arbitral Recorrido.
* * *
Correspondentemente, em 20 de fevereiro de 2023 foi proferida decisão singular pelo Relator, nos termos e para os efeitos do Artº 656º CPC, negando-se provimento ao Recurso, mais se mantendo a decisão arbitral recorrida.

Em 2 de março de 2023 veio a FPF apresentar Reclamação para a Conferência da referida Sentença, afirmando-se, a final, que “Deverá o coletivo de juízes revogar a decisão singular proferida, determinando procedente o recurso apresentado, e, consequentemente, a revogação do Acórdão Arbitral, proferido pelo TAD, com as necessárias consequências, assim se fazendo o que é de lei e de Justiça.

O Recorrido vem a responder à reclamação em 13 de março de 2023 afirmando, a final, “(…) que o mero facto de a reclamação não enunciar qualquer vício ou razão de discordância face ao despacho reclamado deve ser, por si só, suficiente para determinar a sua rejeição – cfr. acórdãos do STJ de 22-02-2016 tirado no proc. 490/11.6TBVNG.P1-A.S1 e do TRG de 14-01-2016 (proc. 3718/14.7T8VNF-A.G1), termos em que deve ser negado provimento à reclamação deduzida pela Recorrente.”

IV – DECISÃO
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, indeferir a reclamação para a conferência, mantendo a decisão sumária do relator de negar provimento ao Recurso, mais confirmando a decisão arbitral recorrida.

Custas pela Reclamante

Lisboa, 23 de março de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa