Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13518/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/02/2017
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
REVELIA
Sumário:I - Cabe ao Ministério Público, segundo jurisprudência uniformizada, o ónus da prova dos factos‐fundamento do conceito jurídico indeterminado “inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa”;

II - Cabe ao Ministério Público o ónus da alegação dos factos negatórios dos fatores de integração real ou de ligação efetiva à portugalidade; isto é, à nação portuguesa como uma comunidade histórico-cultural com vocação ou aspiração a uma comunidade política, caracterizável espiritual e culturalmente, onde avultam a história comum, atitudes e estilos de vida, maneiras de estar, ideia de futuro.

III – O disposto no artigo 351º do Código Civil aplica-se na ação administrativa negatória imposta ao Ministério Público, para defesa da legalidade democrática, prevista no artigo 57º/8 do Decreto‐Lei nº 237‐A/2006 e nos arts. 9.º, alínea a) e 10.º da Lei n.º 37/81, na redação que lhe foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006;

IV – O disposto nos artigos 567º e 574º do Código de Processo Civil também se aplica na ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade ou cidadania portuguesa;

V – Se o cidadão estrangeiro não contestar, consideram-se confessados os factos alegados pelo M.P. (artigo 567º/1 do Código de Processo Civil);

VI – Se o réu contestante não impugnar, de entre os factos alegados pelo M.P., os que sejam pessoais ou outros que deva conhecer, tais factos consideram-se admitidos por acordo (artigo 574º/2/3 do Código de Processo Civil).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa processo especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa contra

ANA ………………………, de nacionalidade angolana.

Por sentença de 02-02-2016, o referido tribunal julgou a ação procedente.

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Inconformada com tal decisão, a ré interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

1) O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida em 02/02/2016, que julgou procedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade portuguesa, requerida pela Recorrente ao abrigo do art. 3.0 da Lei n.0 37/81 (Lei da Nacionalidade).

2) Para fundamentar a sua decisão. a douta sentença considera provada nos autos a oposição deduzida pelo Ministério Público, por não ter a Ré, ora Recorrente, produzido prova suficiente para comprovar o requisito de ligação efetiva à comunidade portuguesa, legalmente exigido.

3) Sucede, contudo, que era ao Ministério Público que cabia a demonstração da inexistência de ligação efetiva da requerente à comunidade nacional, conforme ditam as regras do ónus da prova e constitui entendimento da jurisprudência recente dos tribunais superiores sobre a matéria, em especial os Acórdãos do STA de 28/05/2015 (processo nº 01548/14) e do TCA de 25/06/2015 (Proc n.º 11011/ 14).

4) Com efeito, decorre do art. 57.º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa que quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade (como sucede neste caso), deve pronunciar-se, entre outros aspetos, sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional, não lhe cabendo juntar à declaração a prestar, documentos comprovativos dessa ligação efetiva à comunidade nacional.

5) Deste modo, é ao Ministério Público que cabe, para fundamentar a sua oposição à aquisição da nacionalidade, nos termos da alínea a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade, demonstrar, com factos objetivos, a inexistência dessa ligação efetiva, nos termos das regras sobre o ónus da prova decorrentes do art. 342º do CC.

6) Na presente situação, contudo, o Ministério Público limitou-se a invocar a falta de prova de tal ligação efetiva por parte da recorrente, sem nada trazer ao processo a demonstrar tal facto, o que é manifestamente insuficiente para fundamentar a procedência da oposição deduzida.

7) Razão pela qual, só por esta razão, deve a sentença recorrida ser anulada, por padecer de manifesto erro de julgamento.

8) Mas mais ainda, considera-se inaceitável concluir, como feito na douta sentença, que a prova produzida nos autos não permite apurar que a Ré possa ter criado laços com a cultura portuguesa, já que tal conclusão manifestamente desconsidera elementos que resultam dos autos e que não foram postos em causa.

9) Com efeito, resulta dos autos que a Ré, ora Recorrente, está casada com um cidadão português há 6 anos, sendo no mínimo de dar a devida relevância a tal circunstância, no que se refere ao estabelecimento de laços com a comunidade nacional que daí possam resultar.

10) Por outro lado, decorre ainda da prova realizada que a recorrente tem dois filhos de nacionalidade portuguesa: Sheilla ……………………., nascida em 07/05/ 1996 e Victor ……………………., nascido em 01/04/2009, um dos quais está neste momento a estudar em Portugal, o que claramente demonstra que o projeto de vida da Ré, ora Recorrente, designadamente o projeto educativo dos seus filhos, passa pela comunidade nacional.

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Não houve contra-alegação (tal como não houve contestação).

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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cabe, ainda, sublinhar que os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cfr. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou declare nula, deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, reunidos que se mostrem no caso os pressupostos e condições legalmente exigidos.

As questões a resolver neste recurso são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS

1– A Ré Ana ……………….., de nacionalidade angolana, nasceu a 18.09.1981, em Luanda, República Popular de Angola, filha de pais também de nacionalidade angolana.

2– A Ré contraiu casamento civil, em 01.04.2010, em Bengo, Angola, com o cidadão português Mauro ……………………….., conforme certidão de assento de casamento do Consulado Geral de Portugal, em Luanda, Angola, com o nº. ……….., do ano de 2013.

3– Em 17.10.2014, no Consulado Geral de Portugal, em Luanda, Angola, foi apresentado requerimento, no qual a Ré prestou declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, ao abrigo do artº. 3º/Lei 37/81, com fundamento no celebrado casamento, na sequência do que foi instaurado o processo nº. 7 835/15, na Conservatória dos Registos Centrais.

4– A Ré reside na Rua …………………….., nº.8, M…………., República Popular de Angola.

Ao abrigo do artigo 662º/1 do Código de Processo Civil, adita-se como provada a seguinte factualidade alegada pelo M.P. e confessada por efeito da revelia (cfr. artigo 567º/1 do Código de Processo Civil):

5 – A Ré é filha de pais angolanos.

6 – Não reside, nunca residiu, nem tem qualquer residência em Portugal.

7 – Não trabalha, nem nunca trabalhou no nosso País.

8 – Não mantém, nem nunca manteve residência em Portugal.

9 - Nunca teve contacto com Portugal e/ou as suas gentes.

10 - Funda a sua cultura, usos, costumes e tradições na sua nacionalidade e residência, angolanas.

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Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões que constituem o objeto deste recurso.

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II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Aqui chegados, há, pois, condições para se compreender esta apelação e para, num dos momentos da verdade do Estado de Direito (o do controlo jurisdicional) e da efetividade do seu sistema jurídico (1), ter presentes, “inter alia”, os seguintes princípios jurídicos fundamentais: (i) juridicidade e legalidade administrativas, ao serviço do bem comum; (ii) igualdade de tratamento material e axiológico de todas as pessoas humanas; (iii) certeza e segurança jurídicas; e (iv) tutela jurisdicional efetiva e não meramente formal.

Em consequência, este tribunal utiliza um método jurídico adequado à garantia efetiva, previsível e transparente dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, através de um processo decisório teleologicamente orientado apenas (i) à concretização dos valores da Constituição e (ii) ao controlo racional de coerência dos nexos da sistematicidade jurídica que precedam a resolução do caso.

Ora, o presente recurso de apelação demanda que conheçamos do seguinte:

A factualidade provada demonstra ou não demonstra que a Ré não tem uma ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa?

Vejamos.

a)

A resposta a esta questão, que é de qualificação pelo julgador dos factos provados (matéria de direito), exige no momento atual que precisemos previamente o seguinte:

- O entendimento plasmado nos Acs. de UJ do STA nº 3/2016 e nº 4/2016 é aqui por nós pressuposto; refere-se à “espinha dorsal de todo o processo civil” (ANTUNES VARELA, Manual…, 2ª ed., pág. 448, nota 1), que é o ónus da prova, ou seja, à conclusão que o juiz deve retirar, a final, se não ficarem provados os factos relevantes suficientes (artigos 342º ss do Código Civil) ou, durante a instrução, se tiver dúvidas quanto à demonstração de certo facto relevante (artigo 414º do Código de Processo Civil). Não se refere, pois, às situações processuais reguladas nos artigos 566º ss e 574º do Código de Processo Civil.

Como se sabe, a distribuição do ónus da prova é um instituto de direito material regulado nos artigos 342º ss do Código Civil atual, que pode ser definido como a regra de julgamento segundo a qual, num contexto processual hibrido de dispositivo e inquisitório, como o nosso, onde sobressaem os artigos 411º e 413º do Código de Processo Civil (princípios do inquisitório e da aquisição processual), a parte que invoque a seu favor uma situação jurídica tem contra si o risco de não serem adquiridos no processo todos os factos positivos ou negativos que, segundo a lei material, sejam idóneos a fazer nascer a situação jurídica favorável invocada; é uma regra que, devido à sua origem histórica e à sua ligação ao ónus de alegação, se projeta durante a instrução nos termos previstos no artigo 414º do Código de Processo Civil – cfr.: A. ANSELMO DE CASTRO, DPCD, III, págs. 345-365; ANTUNES VARELA et al., Manual…, 2ª ed., págs. 447-456; F. FERREIRA DE ALMEIDA, DPC, II, 2015, págs. 230 ss, maxime pág. 233; REMÉDIO MARQUES, Acção Declarativa…, 3ª ed., págs. 590 ss).

Citando o Consº FERREIRA DE ALMEIDA, na ob. cit., págs. 231 e 233:

“(…). Deste modo, o princípio a observar, em caso de dúvida, quer sobre a realidade de um facto, quer sobre a repartição do ónus da prova (…), é o de que a mesma se resolve contra a parte a quem o facto aproveita (…). Daí que ter o ónus da prova redunde, afinal, na conveniência de assumir a iniciativa probatória (…)”; “A essência da postulação legal das normas de distribuição do ónus da prova não reside propriamente na distribuição do encargo da prova pelos sujeitos processuais (…). O que tais regras, no fundo, visam é determinar o sentido em que o tribunal deve decidir (e contra quem deve decidir) quando o resultado probatório não é alcançado, isto é, quando aquele que invoca o direito não faz prova dos factos constitutivos do direito alegado (…) ou aquele contra quem a invocação (do direito) é feita não consegue provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado (…). Daí que se fale, a este propósito, da instituição de uma regra de julgamento ou regra de decisão ou de um ónus da prova objetivo ou material”.

Ora, tal pressuposto, assente nos cits. Acs. do STA, quer dizer que este TCA Sul, que anteriormente aplicava entendimento diferente (cfr., entre muitos outros, o Acórdão deste tribunal de 19-05-2016, Processo nº 12987/16), considera hoje o seguinte:

(1º) na ação administrativa negatória, imposta ao M.P. para defesa da legalidade e prevista no artigo 57º/8 do Decreto-Lei nº 237-A/2006 e nos arts. 9.º, alínea a) e 10.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, na redação que lhe foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, cabe ao Ministério Público o ónus de prova dos factos-fundamento do conceito jurídico indeterminado “inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa”;

(2º) tal ação declarativa não é de simples apreciação negativa (cfr. artigo 10º/2/3 do Código de Processo Civil), não se lhe aplicando o disposto no artigo 343º/1 do Código Civil.

É, pois, o oposto do antes entendido pelo STJ e por este TCA Sul.

Note-se, porém, que tal ponto controverso pode vir a ser irrelevante, tudo dependendo da dimensão da factualidade negativa provada ou adquirida nos autos. É que, se o autor invocar suficientes factos negativos dos fatores de ligação efetiva e esses factos ficarem provados (seja por confissão decorrente de revelia do réu – cfr. artigo 567º/1 do Código de Processo Civil, seja por acordo decorrente da falta de impugnação de factos pessoais ou que o réu deva conhecer – cfr. artigo 574º/2/3 do Código de Processo Civil, seja por “prova judicial” baseada no senso comum e na normalidade – cfr. artigo do 351º Código Civil), não relevará autonomamente o problema da distribuição do ónus da prova.

b)

Como se sabe, a ligação efetiva à nação portuguesa, pressuposta no artigo 9º/a) da Lei da Nacionalidade e no Decreto-Lei nº 237-A/2006, exprime-se, de um ponto de vista positivo, através de factos pessoais e sociais do cidadão estrangeiro, de modo a se aferir fatores de integração ou de ligação efetiva como

- Domicílio habitual,

- Família,

- Relações sociais e ou profissionais,

- Comunhão social, axiológica e cultural com a sociedade portuguesa,

- Sentimento de pertença à comunidade nacional portuguesa.

Mas, por via dos Acs. do STA cits, tais elementos relevam de um ponto de vista negativo, de acordo com o conceito indeterminado negativo que é a “falta de ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa”.

Cumpre ainda, tentando esclarecer o terreno movediço em que nos podemos estar a situar, precisar alguns conceitos jurídico-constitucionais muito pertinentes para o tema em apreço; assim:

(i) como a Lei da Nacionalidade e o Decreto-Lei nº 237-A/2006 se referem à “comunidade nacional portuguesa”, pode-se concluir que tal legislação adota as noções de povo e de nação, para os efeitos em causa na presente ação de oposição (a aquisição da nacionalidade ou da cidadania portuguesa);

(ii) ora, nação é a comunidade histórico-cultural com vocação ou aspiração a comunidade política, caracterizável espiritualmente e culturalmente, onde avultam a história comum, atitudes e estilos de vida, maneiras de estar, ideia de futuro (JORGE MORANDA, Manual…, III, págs. 68 ss; e Curso de D.C., 2, pág. 31-32); não se trata apenas de sociedade civil;

(iii) e povo (conceito jurídico) corresponde aos membros do Estado como sujeito e objetos do poder político (ROUSSEAU); é uma unidade de ordem, uma comunidade, definida através da cidadania, pois está sujeita às leis do Estado e os seus membros estão ligados de modo permanente com o poder político; a “universitas civium”, cuja unidade é a sua matriz fundamental; ou como dizia KELSEN, é a vigência pessoal da ordem jurídica; não se trata da população de um país, pois esta é apenas o conjunto de residentes em certo território, sejam estrangeiros ou cidadãos (vulgo, nacionais);

(iv) um dos grandes princípios do Direito internacional é o da ligação efetiva das pessoas ao Estado de cidadania, sobretudo no sentido de evitar a sua perda;

(v) leis como as L.O. nº 1/2013, nº 8/2015 e nº 9/2015 espelham a delicadeza desta matéria e provam que o legislador se move cautelosamente, com bom senso, sem voluntarismos e com liberdade decisória (dentro do sistema jurídico).

Parece-nos, pois, que tanto o Decreto-Lei nº 237-A/2006, como a Lei da Nacionalidade, não se referem apenas a uma qualquer ligação à sociedade portuguesa, mas sim a uma ligação – efetiva – à atual nação portuguesa e ao atual povo português.

Daqui resulta, por exemplo, que, caso se considerasse que a ordem jurídica portuguesa (Constituição da República Portuguesa, Código Civil, Código de Processo Civil, Lei da Nacionalidade e Decreto-Lei nº 237-A/2006) exige ao cidadão de outro Estado, para este se poder tornar também cidadão português, a alegação dos factos-fundamento da cit. ligação efetiva, este ónus de alegação teria então de conter sempre, no mínimo, o convívio habitual com vários cidadãos portugueses num ambiente social e ou cultural português.

Porém, no contexto atual e com base nos cits. Acs. do STA, entende-se que o M.P. tem o ónus de alegar (e o ónus de provar) os factos-fundamento da não ligação efetiva do cidadão estrangeiro à atual nação portuguesa (comunidade histórico-cultural com vocação ou aspiração a comunidade política) e ao atual povo português (“universitas civium”, cuja unidade é a sua matriz fundamental).

c)

Ora, com os factos concretos aqui provados e atrás descritos (sobretudo os confessados em consequência da revelia – artigo 567º/1 do Código de Processo Civil), pode-se concluir, dentro da normalidade, que a Ré, mulher com mais de 35 anos e que nunca viveu ou trabalhou em Portugal, mantendo os seus laços sociais e culturais com Angola, não tem uma ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa.

Quer dizer, a cit. factualidade alegada e depois adquirida no processo (cfr. artigos 411º, 413º, 414º e 567º/1 do Código de Processo Civil) integra-se suficientemente no conceito jurídico de “falta de ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa” por parte da ré, no âmbito das seguintes disposições legais: artigos 9º/a) e 10º da Lei da Nacionalidade e artigos 14º, 31º ss e 56º ss do Decreto-Lei nº 237-A/2006.

Em síntese: na presente ação administrativa negatória, o autor M.P. logrou (alegar e) obter factos negativos concretos suficientes para, de acordo com os cits. fatores de ligação efetiva, integrarmos a realidade pessoal, social e cultural do cidadão estrangeiro no conceito jurídico indeterminado negativo de “inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa”.

Concluímos, pois, assim:

I - Cabe ao Ministério Público, segundo jurisprudência uniformizada, o ónus da prova dos factos‐fundamento do conceito jurídico indeterminado “inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa”;

II - Cabe ao Ministério Público o ónus da alegação dos factos negatórios dos fatores de integração real ou de ligação efetiva à portugalidade; isto é, à nação portuguesa como uma comunidade histórico-cultural com vocação ou aspiração a uma comunidade política, caracterizável espiritual e culturalmente, onde avultam a história comum, atitudes e estilos de vida, maneiras de estar, ideia de futuro.

III – O disposto no artigo 351º do Código Civil aplica-se na ação administrativa negatória imposta ao Ministério Público, para defesa da legalidade democrática, prevista no artigo 57º/8 do Decreto‐Lei nº 237‐A/2006 e nos arts. 9.º, alínea a) e 10.º da Lei n.º 37/81, na redação que lhe foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006;

IV – O disposto nos artigos 567º e 574º do Código de Processo Civil também se aplica na ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade ou cidadania portuguesa;

V – Se o cidadão estrangeiro não contestar, consideram-se confessados os factos alegados pelo M.P. (artigo 567º/1 do Código de Processo Civil);

VI – Se o réu contestante não impugnar, de entre os factos alegados pelo M.P., os que sejam pessoais ou outros que deva conhecer, tais factos consideram-se admitidos por acordo (artigo 574º/2/3 do Código de Processo Civil).

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III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto pela ré.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 02-02-2017


(Paulo H. Pereira Gouveia, relator)

(Nuno Coutinho)

(Carlos Araújo)

(1)Conjunto organizado e racional de regras e princípios jurídicos, caracterizado pela adequação valorativa e pela unidade interna, cujo núcleo irradiante e atrativo é a Constituição em sentido material.