Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:938/11.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:06/22/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DAS LIQUIDAÇÕES
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA FUNDAMENTAÇÃO
NOTIFICAÇÃO DE PROJETO DE RELATÓRIO-FORMALIDADES
58.º A DO CIRC REGISTO CONTABILÍSTICO
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
Sumário:I-O ato de dispensa de prova testemunhal está na esfera decisória do Juiz do Tribunal a quo que, desde logo, pondera e decide em conformidade, logo não pode ser entendido como um ato que tem de ser realizado obrigatoriamente, mormente como uma nulidade processual, em nada podendo traduzir uma nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.
II-Da interpretação conjugada do teor da liquidação da qual consta uma menção expressa conforme “fundamentação já remetida”, com o teor do ofício de notificação do Relatório de Inspeção Tributária no qual é feita alusão que “A breve prazo, os Serviços da DGCI procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar.” é possível discernir que a fundamentação do ato de liquidação radica no respetivo Relatório Inspetivo, corporizando uma fundamentação remissiva, por adesão às conclusões de um Relatório de Inspeção (artigos 63.º, n.º 1 do RCPIT e 77.º, n.º 1 da LGT).
III-Assim, depreendendo-se que qualquer declaratório normal teria objetivamente estabelecido aquela relação e retratando o respetivo Relatório Inspetivo, não só os pressupostos de facto, mas também de direito que legitimaram as correções aritméticas e posterior emissão de ato de liquidação adicional, ter-se-á de concluir que não se verifica a arguida falta de fundamentação formal das liquidações.
IV-Não tendo a liquidação de juros compensatórios de contemplar o juízo de censura, porquanto essa mesma censurabilidade encontra-se nos factos que originam a liquidação do imposto, donde, no respetivo RIT, e contemplando a liquidação visada o motivo da liquidação, com indicação da respetiva base legal, contendo a mesma a referência ao montante de imposto sobre o qual foram liquidados os juros compensatórios, a taxa ou taxas aplicáveis e o período de tempo em que tais juros são exigíveis, a mesma não padece de falta de fundamentação.
V-O artigo 43.º do RCPIT, constitui norma própria quanto à notificação para o exercício do direito de audição relativamente ao Projeto de Relatório resultante de procedimento de Inspeção Tributária, nele se preceituando que deve ser efetuada por carta registada a enviar para o domicílio fiscal do sujeito passivo, presumindo-se a sua notificação quando cumpridas tais formalidades ainda que seja objeto de devolução.
VI-O artigo 58.º A, do CIRC, na versão primitiva, optou por uma abordagem contabilística, na óptica do adquirente, contudo a possibilidade de consideração desse VPT para efeitos de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC, apenas se aplica em aquisições realizadas a partir de 1 de janeiro de 2004.
VII- A caducidade do direito à liquidação não constitui matéria de conhecimento oficioso, pelo que compete à Recorrente arguir tal vício no seu articulado inicial, não podendo, ulteriormente, e sem qualquer superveniência sindicar novos vícios ao ato impugnado. Comportando um inadmissível ius novarum não pode o Tribunal ad quem emitir qualquer juízo de reavaliação ou reexame, por tal questão não ter sido, de todo, analisada na decisão recorrida.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Tribunal Central Administrativo Sul 46/46
Av. 5 de outubro, n.º 202, 1050 - 065 Lisboa
( 21 7922300 Fax: 21 7960295
E-mail: lisboa.tca@tribunais.org.pt

I-RELATÓRIO

U… Lda (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, no âmbito do processo de impugnação judicial deduzido contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do ano de 2009, e dos respetivos Juros Compensatórios (JC) no valor de € 32.004,82.

A Recorrente apresentou alegações, tendo concluído da seguinte forma:

“1) Conforme resulta de fls., a Alegante veio deduzir impugnação, nos termos do disposto nos artigos 102º e seguintes, do Código de Procedimento e de Processo Tributário “ex vi” artigos 92º, nº 8 e 95º e seguintes da Lei Geral Tributária, as liquidações referentes ao IRC do ano de 2009, no montante fixado de € 32.004,82, Juros compensatórios de €980,00 e Estorno no montante de € 1.634,99, alegando o que acima se transcreveu;

2) Notificada a Fazenda Pública veio a mesma apresentar contestação, alegando o que consta de fls.;

3) Por Sentença de fls., decidiu o Meritíssimo Juiz o acima transcrito;

4) Conforme resulta de fls., a Recorrente impugnou a decisão que deu causa a esta impugnação, contestou o relatório elaborado pela administração fiscal, como já havia contraditado o relatório que foi dado como provado na sentença recorrida aquando da inspecção, arrolou prova, etc;

5) Na sentença recorrida nada é dito sobre todas as questões apresentadas pela Recorrente na impugnação, na parte que julgou improcedente a impugnação e decide-se como se de facto a Recorrente nada tivesse dito em concreto, indicando as normas legais violadas, a violação da interpretação e aplicação da lei por parte da entidade impugnada, etc;

6) Foram cometidas outras nulidades na sentença recorrida, na parte que julgou improcedente a impugnação, pois na sentença recorrida decidiu-se pelo que consta do relatório, sendo certo que o mesmo foi impugnado pela Recorrente, pelo que teria obrigatoriamente de ter sido marcada data para julgamento e inquirem-se todas as testemunhas arroladas e apreciada toda a prova indicada em audiência de julgamento;

7) O nosso direito não permite que sejam tidos em conta relatórios elaborados pelos serviços fiscais, quando os mesmos são impugnados e apresentadas conclusões muito diversas daquelas que os serviços apresentam, sem qualquer justificação legal, como foi o caso neste processo;

8) Tendo inclusivamente nas diversas passagens do processo, o Impugnante respondido e arrolado prova para o efeito;

9) Estas notificações efectuadas pelo Exmo. Sr. Director-Geral – J… - não contêm os fundamentos de facto e de direito, conforme exige a Lei;

10) Nem o facto destas notificações conterem umas contas (?) e indicação de umas rubricas, se podem considerar fundamentadas nos termos da Lei;

11) A entidade impugnada teria forçosamente de indicar a fórmula de cálculo, bem como os fundamentos de direito desses cálculos;

12) Nem sequer a entidade impugnada nestas notificações, refere se porventura já antecipadamente comunicou à contribuinte (Impugnante) o cálculo do montante das liquidações que aqui reclama, bem como a fórmula de apresentar reclamação ou impugnação;

13) As notificações aos contribuintes, neste caso Impugnante, têm de conter, sob pena de nulidade, os factos descritivos (perceptíveis para qualquer português que paga impostos) e as normas legais que deram causa à sua emissão, o que não é o caso nesta situação em concreto;

14) Nenhuma norma legal é indicada nas notificações, e os factos que deram causa à sua emissão, também não constam delas, mesmo resumidamente;

15) Não existem nenhumas razões, quer de facto, quer de direito, para que possa ser pedida a quantia constante das liquidações que se juntaram e que deram causa a esta impugnação, porque a escrita da Recorrente está devidamente organizada; todos os documentos estão classificados e bem lançados; todos os proveitos e despesas foram lançados com os reais valores recebidos pela Recorrente; não existem recebimentos não declarados; a escrita da Recorrente é feita por um Técnico de uma sociedade exterior à Impugnante, cujo responsável directo pela escrita, está habitado para o efeito, bem como está reconhecido, não só pela ordem dos Técnicos das Contribuições e Impostos, como pela própria administração fiscal; etc.;

16) Têm as liquidações aqui impugnadas de serem anuladas, por não existirem fundamentos legais para manterem-se;

17) Não existem fundamentos legais, para que a Recorrente seja notificada para pagar os valores constantes das liquidações, conforme já acima se disse;

18) A entidade impugnada, antes de emitir as liquidações, estava obrigada a ouvir a Recorrente, nos termos dos artigos 100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força da alínea c) do artigo 2º e artigo 62º da LGT, bem como artigo 60.º do RCPIT;

19) Esta entidade antes de ter decidido da forma que o fez, teria que ter enviado à Impugnante o seu “projecto” de decisão, para esta, querendo, pronunciar-se;

20) Certo é que isto não aconteceu, nos termos em que as referidas normas legais, impõem, o que constitui desde logo uma ilegalidade insanável, nulidade esta que aqui e desde logo se requer a sua apreciação;

21) As liquidações impugnadas, não estão fundamentadas tanto de facto e de direito como exige a Lei, conforme já se disse;

22) Fácil é de verificar que, quanto à matéria de facto, nem sequer qualquer referência lhe é feita, em qualquer das notificações juntas;

23) E, as poucas normas legais/fiscais (nenhumas) que fazem referência nas notificações juntas, não têm aplicação ao caso em apreço;

24) As notas de liquidação adicionais juntas, violam estas disposições legais, uma vez que não referem qualquer fundamentação, tanto de facto como de direito para a sua decisão;

25) As notas de liquidação juntas, não estão fundamentados como exigem as normas referidas, tendo por esse facto de ser anuladas essas liquidações, nulidade esta, que aqui mais uma vez se requer;

26) A fundamentação da matéria tributária (IRC) apresentada pelos serviços fiscais está destituída de qualquer razoabilidade e verdade, tanto de facto como de direito, conforme já acima se disse, para efeitos de poder fixar alteração do IRC da forma e modo como foi feito pela administração fiscal;

27) Os critérios que serviram para calcular os montantes em dívida (!?) da contribuinte, não são legais, e nem sequer estão fundamentados, conforme já acima fartamente se disse;

28) O IRC fixado à Impugnante, através das liquidações impugnadas, e que deram causa a esta impugnação, é “INJUSTO” “ILEGAL e INCONSTITUCIONAL”, e daí esta impugnação;

29) Não existem quaisquer dúvidas da razão que assiste à Impugnante, e que esta não pode sofrer qualquer “sanção”, pelo facto de errado comportamento dos serviços fiscais;

30) Na prova já constante dos autos, verifica-se a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, conforme acima se alegou e já provou;

31) Nesta fase não existe direito da administração fiscal fixar juros compensatórios, dado que os valores ainda estão a ser reclamados, e neste caso impugnados;

32) A Lei não permite que se calculem juros de hipotéticas dívidas fiscais, quando ainda não decorreu o prazo de fixação final dessas dívidas fiscais, como sucede neste caso;

33) Não faz sentido, como faz a administração fiscal, fixar os valores de juros nas quantias que ainda não estão fixadas e ainda estão em prazo para poderem ser impugnadas;

34) Como é sabido, o IRC vence-se em Maio do ano seguinte ao da liquidação;

35) Se analisarmos o doc. nº 2, no que respeita a juros compensatórios, estes foram calculados desde o dia 2009-01-01, sendo a liquidação referente ao ano de 2009;

36) O cálculo de juros, caso existissem fundamentos para o efeito, que não existem pelas razões supra aduzidas, e que abaixo também se alegarão, apenas poderia ser calculado a partir do dia 01/06/2010, pois o IRC referente ao ano de 2009, apenas poderá ser pago até ao dia 31/05/2010;

37) As quantias de juros fixados pela administração fiscal, e constantes das notificações juntas, têm de ser anulados totalmente, independentemente de serem ou não anuladas as liquidações dos valores iniciais, o que desde já e aqui também se requer;

38) Também pela análise ao processo principal, a Recorrente teve conhecimento de que os custos lançados na contabilidade sobre o valor patrimonial não foram aceites pela entidade impugnada – custos estes cujos valores foram fixados pela entidade impugnada;

39) A entidade impugnada para efeitos de IMT atribuiu valores aos imóveis e depois não permitiu que a Recorrente lançasse na sua escrita os valores desses imóveis pelo valor fixado pela própria administração fiscal;

40) No entanto a administração fiscal, cobra anualmente o IMI pelo valor que atribuiu a título de IMT aos imóveis – isto é que vai uma crise – para receber a administração fiscal fixa valores insuportáveis e sem que reflictam o valor real dos imóveis – na escrita da Recorrente não aceita os próprios valores que fixou;

41) Obviamente que está errada a forma de proceder da entidade impugnada, e daí que tenham as liquidações de serem anuladas;

42) A Recorrente não tem capacidade económica para pagar tais valores fixados, e que a manterem-se, será levada à insolvência, assim como os seus gerentes;

43) A entidade impugnada interpretou e aplicou deficientemente as normas legais que têm aplicação ao caso em concreto;

44) E daí e emissão das liquidações impugnadas;

45) E a administração tributária tem de assumir a responsabilidade pelas informações que dá aos contribuintes, como foi o caso;

46) Nos termos do artigo 45º da Lei Geral Tributária, mesmo que por mera hipótese existisse a possibilidade de à Impugnante ser fixado o valor de IRC qualquer, que não aquele que consta da decisão sob impugnação, tal direito de liquidar os respectivos tributos, já havia caducado nos termos das normas indicadas;

47) Caducidade esta, que aqui se invoca para todos os efeitos legais, e que deverá ser apreciada previamente;

48) A Sentença recorrida, na parte que se recorre, interpretou deficientemente todas as normas legais que indica nessa sentença, e como tal impõe-se a revogação de tal sentença;

49) Daí e necessidade também, de se considerar nulo todo o processado pela administração fiscal, nesta matéria e até ao momento, incluindo o decidido na sentença de recorrida, pelo facto de embora ter sido alegada esta matéria, a mesma não foi sequer conhecida – omissão de pronúncia;

50) Nem sequer está fundamentada a sentença recorrida nesta parte, limita-se apenas a dizer que está correcto, sem se fundamentar o porquê dessa correcção;

51) Além de não ter apreciado todas as questões apresentadas na impugnação, ainda existe falta de fundamentação de acordo com o que a lei impõe – violando o disposto nos artigos, 153º e 615º do CPC, e artigos 123º, 124º e 125º, do CPPT;

52) Dispõe o n.º3 do art.º74.º da LGT, «Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação;

53) Deixando o Meritíssimo Juiz “a quo” de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, nomeadamente as já alegadas nesta peça processual;

54) Lendo, atentamente, a Sentença recorrida, nesta parte, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo de poder decidir-se como de facto se decidiu;

55) Isto é, o (Tribunal) o Meritíssimo Juiz “a quo” com a decisão recorrida não assegurou a defesa dos direitos da Recorrente, e não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e ao ter interpretado deficientemente as normas legais que enumera na sentença recorrida;

56) A sentença recorrida, na parte que se recorre violou:

a) Artigos 124º e 125º, do Código do Procedimento Administrativo;

b) Artigo 1º – a) do Decreto-lei n.º 256-A/77de 17 de Junho;

c) Artigos 20º, 13º, 205º, 207º, 208º, 266º, e nºs 3, 4 e 5, do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa;

d) As alíneas b), c) e d) do artigo 615º da C. P. C. , aplicáveis por força do disposto no artigo 1º do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho.

Termos em que, se requer a V. Exas. a Revogação da Sentença recorrida, na parte que se recorre, por ser de Lei, Direito e: JUSTIÇA.”


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A Recorrida devidamente notificada optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da não procedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a apreciação da causa, consideram-se provados pelos documentos constantes dos autos e no processo administrativo apenso, os seguintes factos:


A)

Em 21-03-2011, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria elaboraram relatório final do procedimento de inspeção efetuada à ora Impugnante, de âmbito geral, aos exercícios de 2007, 2008 e 2009, onde consta, designadamente, o seguinte:

“III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Artigos 17º, 20º, 23º e ex-58º-A – Código do IRC
Após diligências junto do sujeito passivo verificou-se nomeadamente o seguinte:
- No ano de 2002 o sujeito passivo adquiriu os prédios rústicos inscritos na matriz predial sob os artigos nº ….., secção …, …, secção … e ….º, secção T, da freguesia de Aldeia G…, concelho de Alenquer;
- Estes prédios rústicos foram posteriormente convertidos numa operação de loteamento (140 lotes) contabilizada em produtos e trabalhos em curso (conta 351);
- No período de tributação de 2007, o sujeito passivo efetuou um lançamento contabilístico considerando como compra de matérias primas (conta 316111) o montante de 2.314.360,00€, por contrapartida da conta de reservas de reavaliação (conta 561);
- O referido montante provinha do somatório das avaliações efetuadas, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), aos 140 lotes de terreno para construção
urbana, resultantes da operação de loteamento dos mencionados artigos rústicos, adquiridos na Aldeia G…;
-No final desse ano, esse montante global foi transferido para custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas (conta 61);
- No período de tributação de 2007, parte do referido montante (1.414.600,00€) foi imputado à obra em curso na Aldeia G… 1.ª e 2.ª fase (conta 351) e a outra parte, no montante de 899.760,00€, respeitante à avaliação dos lotes de terreno para construção urbana, considerados alienados nesse mesmo ano, foi apenas o custo do período, via conta 61;
- No período de tributação de 2008, foi o custo do exercício (via variação da produção) a parte das avaliações, imputadas a obras em curso, correspondentes aos lotes considerados alienados nesse ano, no montante de 778.180,00€;
- No período de tributação de 2009, foi a custo do exercício (via variação da produção) a parte das avaliações, imputadas a obras em curso, correspondentes aos lotes considerados alienados nesse ano, no montante de 98.680,00 (não considerando apenas as avaliações dos lotes 2 e 3, cujos valores foram repartidos pelo custo dos lotes que ficaram em stock (obras em curso), no final desse ano;
- Ainda no exercício de 2007, verificou-se que o contribuinte não tinha contabilizado a venda do lote 92, identificado como artigo matricial urbano n.º 2…9, da freguesia da Aldeia G…, concelho de Alenquer, pelo preço de 20.000,00€.
(…)
Nos termos acima referidos, deverá ser acrescida à matéria coletável de IRC o montante de 98.680,00€, referente a custos contabilizados não dedutíveis para efeitos fiscais, por se referirem às avaliações dos lotes considerados alienados nesse ano.
(…)
IX. Direito de Audição
Aos 01-03-2011 foi enviada ao sujeito passivo notificação do projeto de relatório da Inspeção tributária e para exercer o direito de audição.
Até à presente data não foi exercido o direito de audição. (…). – (cfr. fls. 3 a 15 do processo administrativo apenso).


B)


Com data de 25-03-2011 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria remeteram à ora Impugnante, mediante registo com aviso de receção, o oficio n.º 2132 de notificação do relatório de inspeção mencionado na alínea antecedente, o qual foi devolvido ao remetente com a indicação dos Serviços Postais de “Objeto não reclamado”. – (cfr. doc. de fls. 25 a 34 do processo administrativo apenso).

C)


Em 20-04-2011 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu em nome da ora impugnante a liquidação de IRC n.º 20118310002551, do exercício de 2009, no montante de 32.004,82, a demonstração da liquidação de juros e a respetiva demonstração de acerto de contas, com data limite de pagamento de 29-06-2011, da quantia de € 30.369,83. – (cfr. fls. 17 a 19 dos autos).

D)


Em 21-07-2011 deu entrada no Serviço de Finanças de Porto de Mós a petição inicial da presente impugnação judicial. – (cfr. oficio de fls. 1 destes autos).

Encontra-se ainda provado que:


E)


Com data de 01-03-2011 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria remeteram à ora Impugnante, mediante registo, o oficio de notificação do projeto de relatório de inspeção mencionado na alínea A). – (cfr. doc. de fls. 47 a 71 do processo administrativo apenso).

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A decisão recorrida consignou como factos não provados os seguintes:

Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes dos presentes autos, todos objecto de análise concreta, não se provaram quaisquer outros passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito e que importe registar como não provados.


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A motivação da matéria de facto alicerçou-se no seguinte: “A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes destes autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme se refere em cada alínea do probatório.”


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“Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.”

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A motivação da matéria de facto fundou-se no seguinte: “OTribunal alicerçou a sua convicção na apreciação conjugada de toda a prova documental junta aos autos pela Impugnante e pela Fazenda Publica, indicada relativamente a cada um dos factos, cujos documentos não foram impugnados.

O depoimento da testemunha não trouxe aos autos nada de relevante, limitando-se a mesma a concordar com a tese da Impugnante.”


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

F) A 25 de março de 2011, foi emitido o ofício nº 2132, pela Direção de Finanças de Leiria, visando a notificação do Relatório de Inspeção Tributária evidenciado em A), do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“Fica V. Exa, por este meio notificado, nos termos do artº 77º da LGT e do artº 62.º do RCPIT, das Correções resultantes da acção de inspecção, cujo relatório/conclusões se anexa como parte integrante da presente notificação, relativamente ao seguinte:
Das correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou imposto sem recurso a métodos indirectos, cujos fundamentos constam do referido relatório. A breve prazo, os serviços da DGCI procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar IRC de 2007/2008 e 2009 conforme ponto III do relatório anexo.
Da presente notificação e respectiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação.
Com os melhores cumprimentos.
Junta- Relatório e anexos com 24 folhas.
-Duas notas de diligência nº NDO2011109/10.” (cfr. fls. 25 do PA apenso);

G) A liquidação de IRC nº 2011 8310002551, respeitante ao exercício de 2009, e evidenciada em C), no valor de €32.004,82, apresentava o teor que infra se descreve:

«Imagem no original»

«Imagem no original»

(cfr. liquidação junta a fls. 17 dos autos);

H) A liquidação de juros compensatórios e moratórios com o nº 2011 00002247503, respeitante ao exercício de 2009, e evidenciada em C), apresentava o teor que infra se descreve:

«Imagem no original»

(cfr. doc. fls.18 dos autos);


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC, e respetivos JC, respeitantes ao exercício de 2009, no valor de €32.004,82.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece:


- De nulidade por:


o Omissão de pronúncia;


o Falta de fundamentação;


o Oposição entre os fundamentos e a decisão.


- De erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, na medida em que os atos impugnados padecem dos seguintes vícios:


i. Falta de fundamentação das liquidações;


ii. Falta de fundamentação da notificação das liquidações;


iii. Falta de notificação para o exercício do direito de audição prévia,


iv. Erro na quantificação da matéria coletável;


v. Violação dos princípios do inquisitório, da colaboração, da participação, da legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade, boa fé e celeridade.


vi. Ilegalidade dos juros compensatórios;


vii. Caducidade do direito à liquidação.


Apreciando.


Comecemos pela nulidade por omissão de pronúncia.


Apreciando.


A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.


Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.


Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida apreciação do Tribunal.


Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas a apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.


Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS (1) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.


“[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” .


Apreciando.


A Recorrente começa por sustentar que a decisão recorrida padece da aludida nulidade, porquanto nada é dito sobre todas as questões apresentadas pela Recorrente na impugnação, na parte que julgou improcedente a impugnação, decidindo como se de facto a Recorrente nada tivesse dito em concreto, não indicando as normas legais violadas, e sem sustentar a violação da interpretação e aplicação da lei por parte da entidade impugnada.


Porém, não lhe assiste razão, na medida em que o Tribunal a quo conheceu de todas as questões que foram convocadas na petição inicial, concretamente, falta de fundamentação das liquidações, falta de fundamentação da notificação das liquidações; falta de notificação para o exercício do direito de audição prévia, erro na quantificação da matéria coletável; violação dos princípios do inquisitório, da colaboração, da participação, da legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade, boa fé e celeridade e Ilegalidade no cômputo dos juros compensatórios.


Sendo que inversamente ao aduzido pela Recorrente, foram elencados todos os fundamentos de facto e de direito que permitiam sustentar o seu juízo de entendimento.


É certo que, atentando no teor das alegações de recurso, e se bem interpretamos as suas alegações, é convocada a falta de pronúncia inerente à caducidade do direito à liquidação, no entanto, tal questão nunca foi suscitada na sua petição inicial, sendo certo que, como é consabido, é no articulado inicial que devem ser arguidos os vícios atinentes ao ato impugnado.


Dir-se-á, portanto, que a matéria concatenada com o vício de violação de lei por decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação não foi alegado no articulado competente para o efeito, a saber a p.i, na medida em que não sendo a questão da caducidade do direito à liquidação matéria de conhecimento oficioso, cumpriria à Recorrente arguir tal vício no seu articulado inicial, não podendo, ulteriormente, e sem qualquer superveniência sindicar novos vícios ao ato impugnado (2) Quanto à possibilidade de modificação da instância em processo tributária, vide, designadamente, o Aresto do STA proferido no processo nº 0150/13, com data de 23 de outubro de 2013..


Neste particular, atente-se no teor do Aresto do STA, proferido no processo nº 0559/11, de 14 de setembro de 2011, cujo sumário se transcreve:

“ I- A caducidade do direito de liquidação não é de conhecimento oficioso.

II- É na petição inicial que devem ser alegados os factos integrantes da causa de pedir e formulado o pedido que daquela decorre, sendo que os poderes do tribunal estão por tal delimitados, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso.

III-Ainda que o tribunal não esteja submetido à qualificação jurídica que as partes atribuem aos factos articulados, deve o autor na petição inicial invocar todos os factos integradores dos vícios, bem como invocar expressamente os vícios invalidantes do acto impugnado.”

Face ao exposto, ter-se-á de concluir que inexiste omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo, porquanto não estava vinculado à apreciação de um vício não arguido, em tempo e em sede própria.


Por outro lado, e ainda neste particular, a aludida nulidade reside, outrossim, na circunstância da decisão recorrida ter limitado o seu juízo ao que consta do Relatório de Inspeção Tributária, sendo certo que o mesmo foi impugnado, pelo que teria obrigatoriamente de ter sido marcada data para julgamento e produzida prova testemunhal.


Porém, não lhe assiste, de todo, razão, desde logo, porque o Tribunal a quo estabeleceu um juízo critíco sobre os vícios arguidos pela Recorrente, e considerou, como legalmente se impõe, a fundamentação contemporânea do ato, analisando da sua concreta legalidade, concluindo, para o efeito, pelo acerto da posição da AT e manutenção do ato de liquidação, logo, como é bom de ver, tal realidade em nada pode traduzir uma nulidade por omissão de pronúncia, quando muito erro de julgamento.


No concernente à vinculação da realização da prova testemunhal, cumpre evidenciar que o ato de dispensa de prova testemunhal está na esfera decisória do Juiz do Tribunal a quo que, desde logo, pondera e decide em conformidade, logo não pode ser entendido como um ato que tem de ser realizado obrigatoriamente, mormente como uma nulidade processual, em nada podendo traduzir uma nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.


Com efeito, a avaliação da prova testemunhal depende de uma apreciação casuística do Juiz, competindo, assim, ao mesmo aferir se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes em face das normas que regulamentam a admissibilidade desse meio de prova, e, em caso afirmativo, aquilatar da pertinência e acuidade da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas.


Aliás, tal é o que dimana do consignado no artigo 13.º, n.º 1, do CPPT segundo o qual “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.”

No caso dos autos, o Tribunal a quo dispensou a produção de prova testemunhal, mediante despacho prolatado a 22 de setembro de 2014, no âmbito do qual justificou o seu juízo de entendimento adensando, para o efeito, que a factualidade alegada na petição inicial era conclusiva, e insuscetível de produção de prova testemunhal, na medida em que atinente a vícios formais e questões de direito.

Logo, não só o Juiz do Tribunal a quo ponderou, adequada e acertadamente, a questão da prova testemunhal, como a mesma não traduz qualquer nulidade ou deficit instrutório, aliás, nem tão-pouco, alegado.

E por assim ser, improcedem as arguidas nulidades.

Prosseguindo, ora, com a nulidade atinente à falta de fundamentação da decisão recorrida.

A Recorrente alega que a sentença recorrida é nula por não ter especificado os fundamentos de facto e de direito, plasmados no artigo 125.º n.º 1 do CPPT.

Apreciando.

Dispõe o artigo 123.º, nº2, do CPPT que: “O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.”

Mais preceitua o artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que:

“ 1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

Dir-se-á, neste particular, que esta norma corresponde ao regulamentado no normativo 615.º, nº1, alínea b), do CPC, segundo o qual “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão”.

De convocar, ainda neste conspecto, o comando constitucional contemplado no artigo 205.º da CRP o qual prevê que: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Com efeito, a nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artigo 607.º, nº 3, do CPC, que impõe ao juiz não só o dever de discriminar os factos que considera provados, como também de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

Como doutrina Alberto dos Reis (3) Código de Processo Civil, Vol. V, p. 139., “[u]ma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base.”

Mais importa ter presente que, no atinente à falta de fundamentação de facto, a doutrina tem entendido que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito, o mesmo sucedendo com a Jurisprudência dos Tribunais Superiores a qual aduz que “[P]ara que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário (4) Vide, designadamente, Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 09420/16, de 29.06.2016.

”.

No caso em apreço, compulsado o teor da decisão recorrida verifica-se que no item III, epigrafado de “fundamentação de facto e de direito” estão elencados os factos provados deles constando, expressa e individualmente, o meio probatório que permitiu a fixação da aludida factualidade.

No atinente à factualidade não provada, o Tribunal a quo consignou que inexistem factos a registar enquanto tal, evidenciando depois na motivação da decisão de facto as razões em que se fundou o seu juízo de entendimento.

Ora, face ao supra aludido não assiste qualquer razão à Recorrente quando aduz que a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação, porquanto, contrariamente ao por si propugnado, a mesma contempla toda a factualidade relevante para dirimir o litígio nos moldes em que foi decidido, explicitando, na motivação da matéria de facto, e ulteriormente, na fundamentação de direito quais os motivos porque entendeu julgar improcedente os vícios invocados. Note-se que, se a interpretação dos pressupostos de facto ao regime jurídico vigente não traduz a solução perfilhada pelo Tribunal a quo, tal situação em nada traduz nulidade, quando muito erro de julgamento (5) A propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, diz-nos Alberto dos Reis que é preciso distinguir-se entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”, In Ob. citada, Vol. V, pág. 140..

E por assim ser não pode, pois, sustentar-se que a decisão em crise seja nula por falta de fundamentação de facto e de direito, pois que os pressupostos de facto e de direito que conduziram ao sentido decisório acolhido na decisão recorrida se mostram nele evidenciados de forma objetiva, lógica e racional, com a devida apreciação crítica da prova produzida nos autos.

Improcede, assim, a arguida nulidade por falta de fundamentação.

Subsiste, ainda, por analisar a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão.

Preceitua o artigo 125.º, nº1, do CPPT, que constitui causa de nulidade da sentença “[a] oposição dos fundamentos com a decisão.”


Dimanando tal nulidade também do artigo 615.º alínea c) do CPC, em obediência ao preceituado no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando: “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.


De relevar, desde já, que são realidades díspares e não confundíveis a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão e a mera discordância com a fundamentação jurídica.


A nulidade em análise concatena-se com a necessidade de um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do CPC.


Com efeito, o vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adotada (6) Vide Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985..

No atinente a esta nulidade a Recorrente limita-se a convocar a mesma, sem a concreta e necessária substanciação, o que, per se, vota a sua arguição ao insucesso.

Sem embargo do exposto, sempre se dirá que atentando no teor da decisão recorrida constata-se, inequivocamente, que a mesma não padece da aludida nulidade, uma vez que ponderando o seu teor conclui-se, inequivocamente, que a mesma não comporta nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que tendo decidido pela improcedência dos vícios formais e substanciais do ato impugnado, a fundamentação jurídica vai no mesmo sentido.


De relevar, neste particular, que a factualidade convocada e concatenada com a fundamentação de direito está em total harmonia com o decidido pelo Tribunal a quo. Com efeito, cotejando a fundamentação da decisão supra expendida, resulta que o decisor enuncia a factualidade e, depois, convocando o direito que entende aplicável ao caso vertente, decide, de forma coerente e lógica-ainda que a Recorrente discorde da aludida fundamentação jurídica.

E por assim ser, improcede, na íntegra, a aduzida nulidade.

Atentemos, ora, nos erros de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito.

Iniciemos pelo vício formal da falta de fundamentação das liquidações.

Advoga, neste âmbito, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que as liquidações impugnadas não estão fundamentadas tanto de facto, como de direito, como legalmente exigível, inexistindo normativos legais que justifiquem a sua emissão, e qualquer fundamentação atinente aos cálculos que as legitimam.

O Tribunal a quo assim o não entendeu tendo relevado, expressamente, que “[v]isto o relatório de inspeção tributária que deu origem à liquidação de IRC aqui em causa, não se vislumbra qualquer insuficiência ou deficiência à fundamentação legalmente exigida pois o mesmo permite perceber, de forma clara que a sua motivação reside na não aceitação de custos contabilizados não dedutíveis para efeitos fiscais, por se referirem às avaliações dos lotes considerados alienados nesse ano, o que se encontra devidamente explicitado no relatório inspetivo.”

E, de facto, não se vislumbra qualquer erro de julgamento na análise e valoração do vício formal da falta de fundamentação, tendo o Tribunal a quo interpretado adequada e acertadamente o regime jurídico vigente com a devida transposição para o caso vertente.

Mas, expliquemos porque assim o entendemos.

Ab initio, importa ter presente que a fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se, especificamente, previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” (7) cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675..

Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente (8) neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt..

“[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto (9) Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.”.

É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação.

Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.

Logo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o ato, implicando, por isso, uma análise casuística.

Com efeito, se “[a] fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09) (10) Vide Acórdão deste TCA, proferido no processo n.º 06134/12, de 04.12.2012

(destaques nossos).

Feitos estes considerandos apliquemos ao caso vertente.

In casu, conforme dimana inequívoco do acervo fático dos autos, a liquidação impugnada tem na sua génese uma ação inspetiva, a qual, como visto, constatou diversas irregularidades e com base nelas materializou um conjunto de correções meramente aritméticas, que culminou na elaboração do correspondente Relatório Definitivo e consequente liquidação adicional. Aliás, todo esse circunstancialismo resulta, devidamente, evidenciado no seu articulado inicial.

De resto, atentando na demonstração de Liquidação de IRC, verifica-se que da mesma consta, desde logo, uma expressa menção “conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida”. Logo, face à menção constante no ato de liquidação e ao procedimento inspetivo que a originou era, perfeitamente, plausível e razoável a assunção de que a fundamentação da liquidação radicava no Relatório Inspetivo, até porque tem um conteúdo em tudo correspondente ao que resulta do aludido Relatório.

O que significa, portanto, que a nota de liquidação corporiza uma fundamentação por remissão, legalmente admissível. Mas mais, no ofício de notificação do Relatório de Inspeção Tributária, plasmado na alínea F) do probatório consta, expressamente, a seguinte menção:

“Fica V. Exa, por este meio notificado, nos termos do art. 77.º da LGT e art.º 62º do RCPIT, das correções resultantes da acção de inspecção, cujo relatório (conclusões se anexa como parte integrante da presente notificação, relativamente ao seguinte:

Das correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou ao imposto, sem recurso a métodos indirectos, cujos fundamentos constam do do referido relatório A breve prazo, os Serviços da DGCI procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar. IRC de 2007/2008 e 2009 conforme ponto III do relatório anexo.

Da presente notificação e respectiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação.”

Ora, tais realidades fáticas -interpretadas, necessária e naturalmente, no seu conjunto- permitem discernir que a fundamentação do ato de liquidação radica no respetivo Relatório Inspetivo, existindo uma fundamentação remissiva, por adesão às conclusões de um Relatório de Inspeção (artigos 63.º, n.º 1 do RCPIT e 77.º, n.º 1 da LGT), retratando, não só os pressupostos de facto, mas também de direito que legitimaram as correções e posterior emissão de ato de liquidação adicional, o qual, como visto, já havia advertido, expressamente, a emissão de tal ato.

Como doutrinado no Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0921/15.6, de 16 de setembro de 2020: “[d]aquela demonstração de liquidação (i. e., do acto de liquidação) não constava a referência expressa ao relatório de inspecção tributária, mas, como se concluiu – e bem – na sentença recorrida, a notificação do relatório de inspecção (onde a “Administração Tributária identificou cabalmente os factos tributários, os montantes sobre os quais incidia o imposto, a taxa a aplicar, sustentando a sua decisão na legislação aplicável”) que pré-anunciava a emissão daquele acto e a sua posterior notificação, com um conteúdo em tudo correspondente ao que resulta do relatório, constituem elementos bastantes para que se considere preenchido, in casu, o dever de fundamentação do acto de liquidação. É que, nestes casos, o acto de liquidação tem de ser analisado e interpretado em conformidade com o relatório de inspecção e, como também se afirma na sentença recorrida, o “cumprimento defeituoso do dever de comunicação dos fundamentos não se podem reflectir na validade do acto comunicando”. Ora, no caso, a existir alguma irregularidade (mera irregularidade), ela atem-se à falta de referência expressa no acto de liquidação aos elementos identificativos do relatório de inspecção; irregularidade que não prejudicou a correcta compreensão pelo sujeito passivo da relação entre ambos (como atesta a presente acção), não sendo sequer necessário mobilizar: i) primeiro, o princípio da razoabilidade para sustentar que, atento o conteúdo de ambos (do relatório de inspecção, cuja notificação antecedeu a do acto tributário), qualquer declaratório normal teria objectivamente estabelecido aquela relação e, com isso, teria tido acesso à fundamentação da liquidação; ou ii) subsidiariamente, a aplicação do regime do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 37.º do CPPT no quadro de uma relação de colaboração leal e de boa-fé nas relações tributárias, para concluir que não existe a alegada falta de fundamentação.” (destaques e sublinhados nossos).

Assim, face a todo o exposto, estando o ato de liquidação suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater famíliae (artigo 487.º nº 2 do Código Civil) possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação-e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efetivo controle da legalidade do ato- aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual, ter-se-á de concluir, face a todo o exposto que, in casu, inexiste a arguida falta de fundamentação.

No concreto particular da liquidação de juros compensatórios, e quanto à fundamentação concatenada com os próprios cálculos, e razões de facto e de direito, importa relevar que a Jurisprudência do STA e dos TCA, vem entendendo, de forma uniforme, que no respeitante aos juros compensatórios, as exigências de fundamentação sejam reduzidas ao mínimo, entendendo-se, nesse âmbito, que uma liquidação de juros compensatórios se encontra fundamentada quando indicar a quantia sobre a qual os mesmos incidem, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, com menção desses elementos no próprio ato de liquidação ou por remissão para documento anexo (11) Vide, designadamente, Acórdãos do STA, de 21.4.2010, proc. n.º 743/09; de 16.10.2010, proc. n.º 830/10; de 30.11.2011, proc. n.º 619/11; de 29.2.2012, proc. n.º 928/11; e de 14.2.2013, proc. n.º 645/12..

Como sumariado no acórdão do STA proferido no processo n.º 0805/15, datado de 09 de março de 2016: “Está cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 89º do CIVA e 35º da LGT) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art. 559º nº 1 do CCivil) e o valor dos juros.“

Ora, face ao supra expendido, e não tendo a liquidação de juros compensatórios de contemplar o juízo de censura, porquanto essa mesma censurabilidade encontra-se nos factos que originam a liquidação do imposto, donde, no respetivo RIT, e contemplando a liquidação visada o motivo da liquidação, com indicação da respetiva base legal, contendo a mesma a referência ao montante de imposto sobre o qual foram liquidados os juros compensatórios, a taxa ou taxas aplicáveis e o período de tempo em que tais juros são exigíveis, é por demais evidente que a mesma não se verifica no caso vertente.

E por assim ser, improcede o arguido erro de julgamento.

Continuando.

Atentemos, ora, na falta de fundamentação da notificação da liquidação.

Alega a Recorrente que a Entidade Impugnada nas visadas notificações, não refere, tão-pouco, se porventura já antecipadamente comunicou à Impugnante o cálculo do montante das liquidações que aqui reclama, bem como a fórmula de apresentar reclamação ou impugnação.

Mais advogando que, não é invocada qualquer norma legal atinente ao efeito.

De relevar, desde já, que a Recorrente estabelece uma alegação toda ela atinente à falta de fundamentação do próprio ato de liquidação, ainda que convoque a notificação da mesma embora não externando qualquer realidade a ela, expressamente, concernente, sendo certo que, como é consabido, a falta de fundamentação da notificação da liquidação não é confundível com a falta de fundamentação do ato tributário.

Conforme expendido pelo Tribunal a quo e que, ora, se secunda “esta alegação da impugnante parece querer reportar-se à falta de fundamentação das liquidações e não à sua ausência nas notificações. É que o ato de liquidação de imposto não se confunde com o ato de notificação desse mesmo imposto, porquanto as notificações, enquanto requisito da sua eficácia, destinam-se a dar conhecimento ao respectivo destinatário do ato, funcionando como mero ato instrumental, o chamado “nuncius transmissivo” do ato, pois visam apenas comunicar o mesmo, sem contudo, fazer parte dele, não passando de mero requisito de eficácia. A notificação, por não ser um elemento intrínseco do ato não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia.”

Ademais, importa sublinhar e ter presente que o legislador tributário consagrou no artigo 37.º do CPPT com a epígrafe “Comunicação ou notificação insuficiente”, a possibilidade de sanação de deficiências dos atos de notificação, ou seja, se o ato de notificação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reação contra o ato notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o sujeito passivo requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omissos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.

Logo, sem embargo do supra exposto, sempre a Recorrente tinha ao seu dispor a faculdade de lançar mão do pedido de passagem de certidão de fundamentos, pelo que não logrando dos autos elementos que permitam provar que tenha lançado uso do mesmo, nem tão-pouco sido alegado nesse sentido, sibi imput.

Daí que se imponha concluir, como se concluiu no acórdão do STA de 7 de outubro de 2009, no processo nº 128/09, que “a notificação sem todos os requisitos exigidos, mas que contenha aqueles sem os quais ela é considerada nula, indicados no n.º 9 do art. 39.º do CPPT, não deixará de valer como ato de comunicação ao destinatário quanto a tudo o que comunicou, produzindo os efeitos próprios de uma notificação quanto àquilo de que o informou, só não produzindo, no caso de o destinatário utilizar tempestivamente a faculdade prevista no art. 37.º, n.º 1, do CPPT, o efeito de determinar o início dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa do ato notificado.” (12) Entendimento este que, de resto, o STA tem vindo a plasmar, reiteradamente, em muitos outros acórdãos, como sejam, designadamente, aqueles que proferiu em 12.05.2010, no processo nº 632/09, em 13.10.2010, no processo nº 493/10, em 12.01.2011, no processo nº 789/10, em 22.01.2014, no processo nº 1108/12, e em 29.10.2014, no processo nº 1381/12.

Assim, face a todo o exposto promana a improcedência do arguido.

Vejamos, então, se a decisão recorrida padece da falta de audição prévia, por previamente ao ato de liquidação não ter sido notificado do Projeto do Relatório.


Atentemos, desde já, no quadro normativo que releva para a apreciação da questão.


O princípio da audiência prescrito nos artigos 100.º e seguintes do CPA assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no artigo 8.º do mesmo Código, surgindo na sequência e em cumprimento do comando constitucional contemplado no artigo 267.º da CRP, obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrador à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado.


Tal princípio veio, igualmente, a ser acolhido no âmbito do procedimento tributário no artigo 60.º da LGT, sob a forma de “direito de audição do contribuinte”, e no artigo 45.º do CPPT.


De harmonia com o disposto no artigo 60.º da LGT, sob a epígrafe de direito de participação, com a redação, à data, aplicável dispunha-se que:

“1- A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;

d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

2-É dispensada a audição:

a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;

b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado.

4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.

5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.

Importa, outrossim, ter presente o consignado no artigo 60.º do RCPIT, que sob a epígrafe de “conclusão do procedimento de inspeção tributária” dispõe que:

“1 - Concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação.

2 - A notificação deve fixar um prazo entre 10 e 15 dias para a entidade inspeccionada se pronunciar sobre o referido projecto de conclusões.

3 - A entidade inspeccionada pode pronunciar-se por escrito ou oralmente, sendo neste caso as suas declarações reduzidas a termo.

4 - No prazo de 10 dias após a prestação das declarações referidas no número anterior será elaborado o relatório definitivo.”

E no concreto particular atinente à presunção das notificações cumpre convocar o consignado no artigo 43.º, nº1, do RCPIT, do qual dimana que:

“Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta.”

Resulta, assim, do regime jurídico traçado anteriormente, que é imposto o direito de audição antes da liquidação, antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições, antes da decisão de aplicação de que é imposto o direito de audição antes métodos indiretos, e antes da conclusão do relatório da inspeção tributária, só sendo dispensada tal formalidade quando o sujeito passivo já teve oportunidade de o fazer na fase do procedimento, que culminou nos atos de liquidação, e nas demais situações enunciadas no transcrito nº 2, do artigo 60.º da LGT.


Com efeito, o direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objeto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Daí que, estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projeto da mesma, a sua fundamentação, com todos os elementos que norteram o apuramento adicional de imposto, o prazo em que o mesmo pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (13) Cfr.Ac. STA, proferidos nos processos nº.21244; rec.684/03, datados de 25.1.00 e 2.7.03; Ac TCAS, processo nº 1510/06, de 17.09.2013 Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg., sendo que há lugar à presunção de notificação do projeto de Relatório, quando expedido por carta registada para o domicílio do sujeito passivo, ainda que atestada a sua devolução.


Razão pela qual, a falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (14) cfr.artigo 135, do CPA, então em vigor; Ac.TCAS processo nº 9810/16 e 5428/12, de 27.10.2016 e 9.03.2017.; Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.515; Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.437.


Neste concreto particular, e no atinente ao âmbito e extensão da notificação e inerentes presunções no decurso do procedimento de Inspeção Tributária, concretamente, audição prévia atinente ao projeto de Relatório, cumpre chamar à colação o Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0347/10, de 17 de outubro de 2018, do qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“Sendo inquestionável que a aludida notificação devia ser realizada, como foi, por mera carta registada – em conformidade com o disposto no art.º 60º nº 4 da Lei Geral Tributária (LGT) e nos art.ºs 60º e 38º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) – o Mmº Juiz incorreu, porém, em erro ao julgar validamente efectuada a notificação numa situação, como a dos autos, em que a carta enviada para o domicílio fiscal do sujeito passivo foi devolvida com uma dupla menção: “não atendeu em 22.05.2009” e posteriormente “objecto não reclamado” (cfr. ponto 5. do probatório), pois segundo o disposto no art.º 43º nº 1 do RCPIT «Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta».

Perante esta inequívoca norma legal, a jurisprudência dos tribunais superiores tem reiteradamente afirmado que a notificação para efeitos de exercício do direito de audição do projecto de relatório no procedimento de inspecção tributária encontra-se especialmente regulada no RCPIT e perante este diploma é irrelevante a devolução da carta registada em ordem a demonstrar que a notificação não foi validamente efectuada sempre que essa devolução haja ocorrido porque o destinatário, apesar de lhe ter sido deixado aviso para reclamar a carta na estação dos correios, não o fez – neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 13/03/2013, no recurso nº 01394/12, de 28/01/2015, no recurso nº 0803/14 e de 15/06/2016, no recurso nº 01863/13

Como se deixou referido no acórdão proferido no recurso nº 01394/12, que analisou caso similar, «Assente que ficou que a notificação podia ser efectuada por carta registada, não faz sentido esgrimir com a devolução da carta em ordem a demonstrar que a notificação não foi validamente efectuada, uma vez que essa devolução apenas ocorreu porque o destinatário, apesar de lhe ter sido deixado aviso para o efeito, não a foi levantar na estação dos correios onde a carta ficou depositada. Na verdade, o art.º 43º, nº 1, do RCPIT, diz: «Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta».

Só assim não seria, admitimos, caso não se demonstrasse que foi deixado o aviso ao destinatário, mas da factualidade que foi dada como assente – e só dessa nos podemos servir, uma vez que esta Supremo Tribunal Administrativo funciona como tribunal de revista – resulta que o ora Recorrido foi avisado para esse efeito.

Na verdade, a fórmula estandardizada que foi referida na alínea C) dos factos provados – “Não reclamado” – significa que foi deixado aviso para levantamento da correspondência na estação, e ignorado, no prazo concedido, pelo avisado. O não recebimento da correspondência é, pois, imputável ao destinatário.

Não há sequer, contrariamente ao que parece sustentar a Juíza do Tribunal a quo, que invocar aqui o disposto no nº 5 do art.º 39º do CPPT, pela simples razão de que, no que respeita à presunção de notificação no caso em que esta é a efectuar por carta registada, o RCPIT dispõe de norma própria, o que parece significar que o legislador quis optar por um regime diferente, porventura menos rigoroso, do que o estabelecido no CPPT para a generalidade dos actos em matéria tributária (lex specialis derrogat legi generali).

Nem se diga que o CPPT, porque é ulterior ao RCPIT, terá derrogado o regime neste previsto. Desde logo, porque art.º 7.º do CC dispõe, no seu n.º 3, que «[a] lei geral não derroga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador».

Depois, porque o RCPIT, após a entrada em vigor do CPPT, conheceu alterações e o art.º 43.º, n.º 1, do RCPIT, manteve-se inalterado.

Finalmente, porque está garantida ao destinatário a possibilidade de ilidir a presunção, afastando assim qualquer dúvida quanto à conformidade constitucional desta solução.».

Em suma, a falta de reclamação/levantamento deste tipo de correspondência junto da estação dos correios implica que se tenha de imputar ao destinatário a sua falta de recebimento, fazendo espoletar a presunção legal de notificação contida no art.º 43º nº 1 do RCPIT; e porque o destinatário não invocou nem demonstrou a inexistência de qualquer aviso para levantamento da carta, nada nos autos permite dar por ilidida a referida presunção.”

Feitos os considerandos de direito que relevam para o caso dos autos, vejamos, então, o que resulta do acervo probatório dos autos.


Ora do probatório dimana inequívoco que, com data de 01 de março de 2011, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria remeteram à ora Recorrente mediante carta registada, expedida para o seu domicílio fiscal, o ofício de notificação do projeto de relatório de Inspeção Tributária, logo, face ao quadro normativo expendido anteriormente, há que concluir no sentido da validade da notificação, porquanto cumpridas as formalidades consignadas na lei. Note-se, ademais, que, in casu, não resulta alegado, nem, tão-pouco, se infere dos elementos constantes dos autos que o mesmo tenha sido objeto de qualquer devolução.


De resto, há que ter presente face ao quadro legal supra expendido que “[a] falta de reclamação/levantamento deste tipo de correspondência junto da estação dos correios implica que se tenha de imputar ao destinatário a sua falta de recebimento, fazendo espoletar a presunção legal de notificação contida no art.º 43º nº 1 do RCPIT; e porque o destinatário não invocou nem demonstrou a inexistência de qualquer aviso para levantamento da carta, nada nos autos permite dar por ilidida a referida presunção (15) In Ac. STA, citado, proferido no processo nº 0347/10, de 17.10.2018..”


E por assim ser improcede o arguido erro de julgamento.


Analisemos, ora, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito-errónea quantificação da matéria coletável.


Alega a Recorrente que a entidade impugnada para efeitos de IMT atribuiu valores aos imóveis e depois não permite que a Recorrente lance na sua contabilidade os valores desses imóveis pelo valor fixado pela própria AT, o que traduz um erróneo juízo de entendimento, mormente, violação dos artigos 58.º A do CIRC, e comina a correção de ilegalidade.


Neste concreto particular, o Tribunal a quo fundou a improcedência convocando, alegadamente, a seguinte fundamentação jurídica: “[o] referido valor de € 98.680,00 que a impugnante contabilizou como custos em relação aos prédios alienados em 2009, respeita à avaliação dos lotes de terreno para construção e não ao seu custo efetivo. Por radicar em avaliação, aquele valor não constitui um custo indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a tributação, pelo que não integra custo elegível fiscalmente, sendo certo que a norma do artigo 58.º-A do Código do IRC, aditado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, não estava em vigor na data de aquisição dos prédios rústicos.


Acresce que o âmbito de aplicação do artigo 58.º-A do Código do IRC – correspondente ao atual artigo 64.º do Código do IRC - se refere aos imóveis adquiridos – no caso prédios rústicos – e não o obtido através de posteriores alterações, como foi o caso devido à transformação de rústicos em lotes de terreno para construção urbana.


Por conseguinte, não se vislumbra qualquer irregularidade na atuação da AT ao acrescer o sobredito valor à matéria coletável.”


Atentemos, ora, na fundamentação contemporânea do ato. Resulta do Relatório de Inspeção Tributária que as correções assentaram nas seguintes premissas:


- No ano de 2002, o sujeito passivo adquiriu os prédios rústicos inscritos na matriz predial sob os artigos nº 17, secção U, 23, secção T e 43.º, secção T, da freguesia de Aldeia G…, concelho de Alenquer, os quais, foram ulteriormente convertidos numa operação de loteamento (140 lotes) contabilizada em produtos e trabalhos em curso (conta 351).


- Sendo que, no exercício de 2007, o sujeito passivo efetuou um lançamento contabilístico considerando como compra de matérias primas (conta 316111) o montante de 2.314.360,00€, por contrapartida da conta de reservas de reavaliação (conta 561), cujo montante provinha do somatório das avaliações efetuadas, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), aos 140 lotes de terreno para construção.


- Tendo no final desse ano, o montante global sido transferido para custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas (conta 61);


- E no atinente ao exercício de 2009, foi a custo do exercício (via variação da produção) a parte das avaliações, imputadas a obras em curso, correspondentes aos lotes considerados alienados nesse ano, no montante de 98.680,00, o qual deverá ser acrescido à matéria coletável porquanto respeitantes a custos contabilizados não dedutíveis para efeitos fiscais, por se referirem às avaliações dos lotes considerados alienados nesse ano.


Aqui chegados, cumpre, desde logo, relevar que a Recorrente não sindica a fundamentação externada na decisão recorrida, concretamente na inaplicabilidade do artigo 58.º A do CIRC, atenta a data da sua implementação legal e bem assim a inerente alteração do imóvel visado, concretamente de prédio rústico para terreno para construção, limitando-se a reiterar a fundamentação constante na petição inicial, o que, per se, faz claudicar o erro de julgamento sindicado.


Sendo certo que, a fundamentação gizada pelo Tribunal a quo que validou a posição da AT, não merece censura, porquanto legal.


Senão vejamos.


Importa, relevar, ab initio, que, em regra, todos os custos contraídos por um sujeito passivo serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável, conforme dimana expressamente do artigo 17.º, nº1, do CIRC. De resto, por imperativo constitucional, estatuído no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real.


Contudo, conforme dimana da letra do artigo 23.º do CIRC, o legislador não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais, porquanto só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável os custos ou perdas que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.


Neste âmbito, há, outrossim, que ter presente o consignado no normativo 58.º A do CIRC, implementado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, o qual preceituava que os alienantes e os adquirentes para efeitos de apuramento do lucro tributável devem optar por valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos (VPT) que serviram de base à liquidação do IMT ou, que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.


Dele dimanando que sempre que nas transmissões onerosas o valor constante do contrato seja inferior ao VPT definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para efeitos de determinação do correspondente lucro tributável. Isto, naturalmente, caso não tenha sido utilizado o procedimento contemplado no artigo 129.º do CIRC, ou tendo, o mesmo não tenha logrado provimento.


Daí que, na esfera jurídica do sujeito passivo adquirente-versão primitiva-desde que se registasse contabilisticamente o imóvel pelo seu VPT, deveria tomar-se tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel. O que significa que na redação- vigente de 2004 a 2009- ”[o]ptou-se por uma «abordagem fiscal», na óptica do alienante, e por uma abordagem contabilística, na óptica do adquirente (…)” (16) Vide, J. F. Cunha Guimarães, ob. cit, p.35. .


Contudo, e como evidenciado na decisão recorrida esta possibilidade apenas se aplica em aquisições realizadas a partir de 1 de janeiro de 2004, data em foi implementado o artigo 58.ºA do CIRC, no âmbito da Reforma do Património, conforme expressamente se prescreve no artigo 32.º, nº5, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro.


Sendo, outrossim, de secundar que apenas se preceituava a contabilização do custo adicional pela diferença positiva existente entre o custo de aquisição e o VPT definitivo, quando superior, sendo que, naturalmente, o VPT concernia ao imóvel adquirido, no caso, artigos matriciais rústicos, e não aos dimanantes de ulteriores alterações, concretamente, lotes de terreno para construção.


De relevar, in fine, que não há que chamar à colação o regime vertido no artigo 100.º do CPPT, atinente à fundada dúvida, na medida em que o erro sobre os pressupostos de facto e de direito não entronca numa questão probatória e que redunde na sua dúvida e que mereça, por isso, a convocação do regime do in dubio contra fiscum.


E por assim não se vislumbra que a decisão recorrida padece da visada censura.


Prosseguindo.


O Recorrente volta a convocar a violação de princípios constitucionais basilares, concretamente, violação dos princípios do inquisitório, da colaboração, da participação, da legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade, boa fé e celeridade, mas nada substancia para o efeito, limitando-se a, genérica e conclusivamente, enumerar os aludidos princípios, sem concretizar de que forma, em que medida, e qual a concreta extensão dos aduzidos vícios de violação de lei, o que determina, naturalmente, a sua improcedência.


Sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, secunda-se o aduzido pelo Tribunal a quo, no sentido de que “[q]uanto a esta violação de princípios, a Impugnante não densifica, nem, bem assim, concretiza em que medida é que o ato ora em crise viola os referidos princípios. E, como tem vindo a ser decidido pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, “não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios do CPA ou princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado" [Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 02758/99, de 19-02-2004, in www.dgsi.pt.]”


E por assim ser improcede, igualmente, o aduzido erro de julgamento.


Analisemos, ora, a questão atinente ao erro de julgamento concernente aos juros compensatórios.


A Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que contrariamente ao ajuizado inexiste direito da AT a fixar juros compensatórios, porquanto os valores estão a ser impugnados.


Por outro lado, o seu cômputo padece de erro de quantum na medida em que os mesmos apenas poderiam ser calculados a partir do dia 01 de junho de 2010, pois o IRC referente ao ano de 2009, poderá ser pago até ao dia 31 de maio de 2010.


O Tribunal a quo fundou a improcedência relevando, designadamente, o seguinte:


“[o]s juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo para a apresentação da declaração até ao suprimento, correção ou deteção da falta que motivou o retardamento da liquidação e integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.


Ora, resulta do probatório que os juros compensatórios aqui em causa foram liquidados desde o dia seguinte ao termo do prazo de apresentação da Mod. 22 de IRC, até à data da conclusão do relatório final de inspecção tributária, indicando expressamente a liquidação a que respeita, a norma legal, o valor sobre que incidem e a respectiva taxa legal. (Portaria 291/2003, de 8 de Abril, que fixa em 4% a taxa dos juros legais e dos estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo).


Não constitui impedimento à liquidação de juros a discussão sobre a legalidade da liquidação do imposto a que respeitam, contrariamente ao afirmado pela Impugnante.”


E a verdade é que da interpretação literal do quadro jurídico relevante para a questão em contenda, não resulta qualquer erro de julgamento na posição ajuizada na decisão recorrida.


Senão vejamos.


Preceituava o artigo 94.º do CIRC, à data vigente, que:

“1 - Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente ou a reter no âmbito da substituição tributária ou obtido reembolso indevido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios à taxa e nos termos previstos no artigo 35.º da lei geral tributária.
2 - São igualmente devidos juros compensatórios nos termos do número anterior pela entrega fora do prazo ou pela falta de entrega, total ou parcial, do pagamento especial por conta.
3 - Os juros compensatórios contam-se dia a dia nos seguintes termos:
a) Desde o termo do prazo para a apresentação da declaração até ao suprimento, correcção ou detecção da falta que motivou o retardamento da liquidação;
b) Se não tiver sido efectuado, total ou parcialmente, o pagamento especial por conta a que se refere o artigo 98.º, desde o dia imediato ao termo do respectivo prazo até ao termo do prazo para a entrega da declaração de rendimentos ou até à data da autoliquidação, se anterior, devendo os juros vencidos ser pagos conjuntamente;
c) Se houver atraso no pagamento especial por conta, desde o dia imediato ao do termo do respectivo prazo até à data em que se efectuou, devendo ser pagos conjuntamente;
d) Desde o recebimento do reembolso indevido até à data do suprimento ou correcção da falta que o motivou.
4 - Entende-se haver retardamento da liquidação sempre que a declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 109.º seja apresentada ou enviada fora do prazo estabelecido sem que o imposto devido se encontre totalmente pago no prazo legal.”.

Estatuindo, por seu turno, o artigo 35.º da LGT que:

“1 - São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.
2 - São também devidos juros compensatórios quando o sujeito passivo, por facto a si imputável, tenha recebido reembolso superior ao devido.
3 - Os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração, do termo do prazo de entrega do imposto a pagar antecipadamente ou retido ou a reter, até ao suprimento, correcção ou detecção da falta que motivou o retardamento da liquidação.
4 - Para efeitos do número anterior, em caso de inspecção, a falta considera-se suprida ou corrigida a partir do auto de notícia.
5 - Se a causa dos juros compensatórios for o recebimento de reembolso indevido, estes contam-se a partir deste até à data do suprimento ou correcção da falta que o motivou.
6 - Para efeitos do presente artigo, considera-se haver sempre retardamento da liquidação quando as declarações de imposto forem apresentadas fora dos prazos legais.
7 - Os juros compensatórios só são devidos pelo prazo máximo de 180 dias no caso de erro do sujeito passivo evidenciado na declaração ou, em caso de falta apurada em acção de fiscalização, a partir dos 90 dias posteriores à sua conclusão.
8 - Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.
9 - A liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas.
10 - A taxa dos juros compensatórios é equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil.”.

Ora, da interpretação conjugada dos aludidos normativos resulta que a existência do direito a juros compensatórios visa ressarcir o Estado pelo atraso na liquidação por facto imputável ao sujeito passivo, dependendo, por isso, do preenchimento de dois pressupostos, concretamente, do retardamento da liquidação ou reembolso superior e da imputabilidade desses factos ao sujeito passivo.


Com efeito, a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (17) Vide Ac. Pleno, STA, processo nº 0632/14, de 21.01.2015., não legitimando, portanto, a discussão da legalidade da dívida exequenda qualquer suspensão da liquidação.


Na verdade, a pendência de processo judicial em nada permite obstar à liquidação de juros compensatórios, na medida em que a reconhecer-se a ilegalidade do ato de liquidação, tal determina, necessária e consequentemente, a sua anulação.


No respeitante ao erro de quantum, não se vislumbra, de todo, qualquer erro de quantificação na medida em que a liquidação em contenda respeitou o consignado no artigo 35.º, nº3 da LGT, porquanto foram liquidados desde 0 dia 1 de junho de 2010, coincidindo, portanto, o seu dies a quo com a data limite de pagamento do IRC, respeitante ao exercício de 2009 -aliás em integral consonância com o evidenciado pela Recorrente nas suas alegações-.


Uma última nota quanto ao vício de caducidade do direito à liquidação de IRC, para sublinhar que -conforme fundamentação já evidenciada em sede de omissão de pronúncia e para a qual, ora, se remete- não cumpre emitir pronúncia sobre a mesma na medida em que consubstancia questão nova.


Como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, não servindo para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição (18) cfr. Ac. do STA, proferido no processo nº 13331, de 22 de janeiro de 1992; Ac.TCA Sul,2ª. Secção, proferido no processo nº proc.2442/08, de 1 de março de 2011 e Ac.TCA Sul-2ª. Secção, processo nº 6817/13, de 9 de julho de 2013..


E por assim ser, comportando um inadmissível ius novarum quanto à questão suscitada pela Recorrente e não sendo, como visto, de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal emitir qualquer juízo de reavaliação ou reexame, pois, e como já se disse, tal questão não foi, de todo, analisada na decisão recorrida.


Assim sendo, constituindo a matéria suscitada pela Recorrente relativamente à caducidade do direito à liquidação, inquestionavelmente, questão nova, nos termos acima caracterizados, não pode assim ser apreciada.


Destarte, em face de tudo o que vem sendo dito, o ato tributário impugnado não padece de nenhum dos vícios arguidos pela Recorrente, pelo que a sentença que assim o decidiu não padece de qualquer juízo de censura, devendo, por isso, manter-se.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e manter a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.

Lisboa, 22 de junho de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)