Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7711/14.1BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRC
MÉTODOS INDIRETOS
CUSTOS
PRESUNÇÃO
EXCESSO DE QUANTIFICAÇÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I- Compete à Administração Tributária demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indiretos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação;
II- As contas 32 - Mercadorias e 36 - Matérias-primas, subsidiárias e de consumo revelam, por meio do seu saldo no fim do exercício, o valor das respetivas existências, isto é, o valor das existências finais que vão figurar no balanço, porquanto estas não foram vendidas.
III- Nunca tendo sido colocado em causa que a conta 32 não se encontrava em conformidade com o inventário, com os stocks -nada resultando do Relatório de Inspeção Tributária nesse sentido, inexistindo, igualmente, qualquer alegação da Recorrida com esse teor -, ter-se-á de inferir, necessariamente, que se o valor já saiu da conta 32 é porque já foi contabilizado como custo. Assistindo, por conseguinte, razão à Recorrente quando aduz que, contrariamente ao propugnado pelo Tribunal a quo, não foram desconsiderados os custos, inexistindo, assim, o ajuizado excesso de quantificação.
IV- O critério utilizado pela Administração Tributária na quantificação da matéria tributável por métodos indiretos tem de revelar-se adequado e justificado –modo adequado de aproximação à realidade –, não pode, contudo, ser atacado com o fundamento de que outro ou outros métodos/critérios se revelariam mais ajustados, na medida em que a quantificação por presunção é imputável exclusivamente ao contribuinte, que seria tributado pelo lucro real, caso tivesse cumprido com as obrigações que sobre ele impendiam, mormente, declaração de todos os proveitos incorridos;
V- Atentando ao especial de dever de fundamentação consignado no artigo 77.º, nº4 da LGT, encontra-se formalmente fundamentada a decisão do Diretor de Finanças, que, desde logo e fazendo uso da fundamentação por remissão, convoca e remete para o Relatório de Inspeção Tributária o qual, de forma clara e expressa, descreve os motivos e os factos que determinaram o recurso aos métodos indiretos, materializando a análise efetuada à contabilidade da Recorrida, a qual permitiu concluir que não se encontram refletidas todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, explicitando, ulteriormente, quais os critérios subjacentes à determinação da avaliação presuntiva, com a devida subsunção normativa, e a inerente densificação e explicação do método tendente à determinação do valor presumível, com concreta evidenciação das existências iniciais, compras e existências finais e respetivo apuramento do valor médio dos pneus vendidos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO



O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “C….., Lda” contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) referentes aos exercícios de 2000 e 2001, nos montantes de €67.852,49 e €21.369,75, respetivamente.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

a) Foram violados pela douta sentença o artigo 54° do CIRC à data vigente, o artigo 90/1 alínea i) da LGT, o artigo 74/1 e 3 da LGT e os artigos 342/1 e 344/2 do Código Civil, o direito contabilístico na análise feita à contabilização das mercadorias e aos conceitos de custo e de existências, o artigo 668/1 alínea c) e 669/1 alínea a) do CPC [actual artigo 615/1 alínea c) do CPC], foi violado o princípio da capacidade contributiva manifestada pela impugnante patenteada no relatório de inspecção tributária ora em causa.

b) Como bem nota o tribunal “a quo”, os fundamentos para aplicação de métodos indirectos pela inspecção tributária centram-se todos na demonstração exaustiva da evasão fiscal perpetrada pela impugnante a jusante, ou seja, relativamente ao valor das vendas de pneus omitido à contabilidade nos anos 2000 e 2001. Fundamentos estes que se baseiam na análise efectuada à contabilidade, a qual, dando a conhecer os custos, isto é, os pneus adquiridos ao longo do ano e os valores dos inventários (os pneus em stock no início de cada ano), omite parte dos pneus vendidos. A análise feita pela inspecção parte precisamente dos custos declarados, os quais nunca coloca em causa, pelo que nunca poderia a inspecção proceder ao cálculo presumido de eventuais custos suportados, uma vez que foi a partir dos custos contabilizados e declarados pela impugnante e depois escalpelizados, sancionados e dados como bons pela inspecção, que esta chegou à conclusão da necessidade inelutável do recurso a métodos indirectos para cálculo da matéria tributável em falta.

c) Depois note-se que a douta sentença, para além de validar os fundamentos para aplicação de métodos indirectos, referidos por exemplo em 4° das presentes alegações, lembra e fez constar da matéria de facto que a inspecção explicita que propõe “que as vendas sejam alteradas com recurso a métodos indirectos, nos termos do n° 1 do artigo 52° do CIRC e alínea c) do artigo 88° da LGT” e que “a determinação do lucro tributável será efectuada com base no artigo 54° do CIRC e alínea i) do n° 1 do artigo 90° da LGT”, ou seja, a douta sentença valida a análise efectuada à contabilidade pela inspecção que sanciona como bons os custos e aquisições de pneus, daí partindo a inspecção, após análise dos documentos que suportam as vendas e conclusão da inidoneidade de muitos deles, para a necessidade inelutável da alteração do cálculo das vendas por métodos indirectos, vindo então a douta sentença, inexplicavelmente, concluir a final que houve desconsideração de custos na quantificação da matéria tributável. Assim, haverá nulidade da douta sentença nos termos do artigo 668/1 alínea c) e 669/1 alínea a) do CPC [actual artigo 615/1 alínea c) do CPC], em virtude da sua ambiguidade ou obscuridade e em virtude dos fundamentos estarem em oposição com a decisão.

d) Violou a douta sentença o direito contabilístico na análise feita à contabilização das mercadorias e aos conceitos de custo e de existências uma vez que as contas 32 – Mercadorias e 36 – Matérias-primas, subsidiárias e de consumo, ao serem creditadas no fim do exercício, por débito da conta 61 – Custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas –, pelo custo das mercadorias vendidas durante o exercício e das matérias-primas, matérias subsidiárias e outros materiais consumidos durante o exercício (o custo das mercadorias vendidas e o consumo de matérias-primas, matérias subsidiárias e outros materiais é igual à soma das existências iniciais com as compras durante o exercício deduzidas das existências finais respectivas), já tinham incorporado o custo do número de pneus vendidos omitidos à contabilidade de acordo com o critério valorimétrico adoptado pela impugnante (necessariamente em obediência desde logo ao artigo 25.º do CIRC sob pena de correcção dos custos), pelo que não houve qualquer desconsideração de custos pela inspecção tributária, validando e aceitando esta os que foram dados a conhecer à contabilidade e que estão na origem das correcções à matéria tributável a jusante, ou seja, nas vendas omitidas.

e) Note-se que é evidenciado pela inspecção tributária que não conseguiu, “através das demonstrações financeiras, perceber o motivo dos sucessivos prejuízos declarados”, daí partindo para a “análise quantitativa às vendas de pneus”, pois que a evasão fiscal se encontrava na omissão à contabilidade e às obrigações fiscais acessórias da venda de pneus.

f) Foi violado pela douta sentença o artigo 90/1 alínea i) da LGT, tendo em conta que o critério de correcção adoptado foi de facto cumprido pela inspecção tributária, uma vez que é dado a conhecer o iter cognoscitivo seguido pela inspecção, tendo esta feito “uma relação congruente e justificada” (sublinhado nosso) entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte”, violando, assim, também a douta sentença, o princípio da capacidade contributiva manifestada pela impugnante patenteada no relatório de inspecção tributária ora em causa.

g) Foram violados pela douta sentença os artigos 74/1 e 3 da LGT e os artigos 342/1 e 344/2 do Código Civil. Nos termos do artigo 74/3 da LGT “em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.” A impugnante / recorrida, embora argumentando haver excesso na quantificação da matéria tributável, nunca juntou aos autos qualquer documento a provar e fundamentar o excesso na quantificação, também nunca logrando provar o excesso na quantificação através da prova testemunhal, conforme a bondade da conclusão a que chegou a douta sentença relativamente à prova testemunhal carreada aos autos, revelando-se esta inconclusiva e/ou irrelevante. A impugnante nunca cumpriu, pois, o ónus que lhe é imputado pelo artigo 74/3 da LGT.

h) Assim, deverá a impugnação improceder por não se achar feita qualquer prova de que houve excesso na quantificação da matéria tributável, ónus que carregava o impugnante nunca cumprido.

i) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos e da douta sentença, tendo sido juntos quer pela impugnante/recorrida, quer pela fazenda.”


***

A Recorrida, devidamente notificada optou por não apresentar contra-alegações.

***

O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
a) Entre 20/09/2002 e 21/10/2002 a contabilidade de impugnante, relativa aos exercido de 2001 e 2002 foi inspecionada (cfr. “Credencial e período em que decorreu a acção” do relatório de inspecção);
b) Concluiu-se no relatório de inspecção, serem de efectuar as seguintes correcções em sede de IRC, com recurso a métodos indirectos (cfr. quadro de fls. 4 do PAT):

2000-186.763,85€

2001 - 78.832,03€

c) Do relatório de inspecção datado de 16/12/2002 lê-se, além do mais (cfr. relatório de fls. 5 a 18 do PAT):

“Capítulo IV — Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos

1. Na contabilidade não se encontram reflectidas todas as operações efectuadas pela empresa:

1.1 - Foi efectuada uma análise quantitativa às vendas de pneus (novos e recauchutados) nos exercícios objecto de análise. Para calcular o número de pneus vendidos em cada um dos exercícios, foi feita uma contagem dos pneus adquiridos (anexo II e III) os quais foram adicionados os pneus em stock no início de cada ano e subtraídos os pneus que se encontravam em armazém em 31 de Dezembro (valores dos respectivos inventários) (anexo II). Os valores resultantes foram bastante superiores ao número de pneus contabilizados como vendidos (anexos IV, V, VI, VII), 2310 e 1058 pneus, respectivamente em 2000 e 2001.

1.2           - O sujeito passivo emite as facturas através de um programa informático, no entanto as vendas a dinheiro são emitidas manualmente, reproduzindo em simultâneo três vias do documento com o auxílio da papel químico, ficando uma das cópias na sua posse para servir de base aos lançamentos contabilísticos. Através da auditoria fiscal efectuada foi detectado um grande número de vendas a dinheiro, 519 em 2000 e 512 em 2001, em que a via arquivada na contabilidade está preenchida a tinta e não a papel químico, referindo-se sempre ao mesmo tipo de serviço (furo) e com o mesmo valor (513$00).

1.3 - Ainda relativamente às vendas a dinheiro verifiquei que alguns destes documentos se encontram anulados, tendo constatado que relativamente a 31 destes documentos apenas se encontra arquivada uma das vias do mesmo, no mapa seguinte estão relacionados os números das referidas vendas a dinheiro:

(...)

2.             Conclusão

Sou de parecer, tendo em conta o referido no ponto anterior, que na contabilidade não se encontram reflectidas todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, contrariando o disposto no artigo 115.° e alínea b) do n.°3 do artigo 17.° ambos do CIRC, pelo que não reflecte a verdadeira situação patrimonial da empresa, nem o resultado efectivamente obtido da sua actividade.

Capítulo V - Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos

1.     Propõe-se que as vendas sejam alteradas com recurso a métodos indirectos, nos termos do n.°1 do artigo 52.° do CIRC e alínea c) do artigo 88.° da LGT. A determinação do lucro tributável será efectuada com base no artigo 54.° do CIRC e alínea i) do n.°1 do artigo 90.° da LGT.

2.     Determinação do valor presumível

2.1-IRC

2.1.1 — Análise quantitativa dos pneus vendidos

Uma vez que não consegui, através das demonstrações financeiras, perceber o motivo dos sucessivos prejuízos declarados, optei por fazer uma análise quantitativa às vendas de pneus, visto ser a principal actividade do sujeito passivo (venda de pneus novos e recauchutados).

A análise baseou-se na contagem de pneus adquiridos e vendidos, através dos respectivos documentos de compra e venda contabilizados, e ainda os pneus constantes dos inventários. Tendo chegado aos seguintes resultados:

 
Exercício de 2000
Exercício de 2001
Observações
Existências iniciais de pneus
(a)
2928
3818
Ver anexo I
Compras de pneus
(b)
6714
5.037
Ver anexos II e III
Existências finais de pneus
(c)
3818
4287
Ver anexo I
Vendas presumidas de pneus
(d) = (a) + (b) – (c)
5824
4568
Vendas declaradas de pneus
(e)
3.514
3.510
Ver anexo IV, V, VI e VII
Correcção às vendas de pneus
(f) = (d) – (e)
2.310
1.058
2.1.2. Preço Médio dos pneus vendidos

Após ter calculado desvios das vendas de pneus em quantidades, havia necessidade de o valorizar, perante a impossibilidade de chegar ao preço real dos bens, optei por calcular o preço médio dos pneus vendidos e declarados.

Para tal foi necessário recolher, para cada um dos documentos, o valor das vendas de pneus contabilizadas. O preço médio dos pneus, conforme mapa que se segue, é de 16.209$00 e 14.938$00, respectivamente para os exercícios de 2000 e 2001.

Exercício de 2000Exercício de 2001Observações
Valor das vendas de pneus(a)56.959.145$0052.431.326$00
Ver anexos VI e VIII
Quantidade de pneus vendidos(b)35143.510
Preço médio dos pneus (escudos)(c) = (a) / (b)16.209$0014.398$00
Preço médio dos pneus (euros)(d) = (c) / 200,482€ 80,85€ 74,51
Capítulo VII — Infracções Verificadas

1. IRC

1.1 Correcções à matéria Colectável

Pelos motivos invocados no capítulo V, desta informação, o lucro tributável dos exercícios de 2000 e 2001 é o seguinte:

Descrição
2000
2001
EscudosEurosEscudosEuros
1. Prejuízo tributável declarado-2.356.761,00-11.755,47-4.004.363,00-19.973,68
Correcções Métodos Indirectos
2. Vendas Presumidas37.442.790,00186.763,8515.804.404,0078.832,03
Resultado Corrigido (-1+2)35.086.029,00175.008,3711.800.041,0058.858,36

















a) Do anexo II ao relatório de inspecção consta relação das “Aquisições de pneus em quantidades — Exercício de 2000”, relativa ao diário de Fornecedores, com a identificação dos fornecedores, documento de fornecedores e quantidade de pneus registados a partir de cada factura (cfr. anexo II ao relatório da inspecção, documento de fls. 16 a 23 do PAT);
b) Do anexo III ao relatório de inspecção consta relação das “Aquisições de pneus em quantidades — Exercício de 2001”, relativa ao diário de Fornecedores, com a identificação dos fornecedores, documento de fornecedores e quantidade de pneus registados a partir de cada factura (cfr. anexo II ao relatório da inspecção, documento de fls. 24 a 30 do PAT);
c) Do anexo IV ao relatório de inspecção, consta “listagem das vendas a dinheiro de 2000”, na qual a AT confronta o valor da venda de pneus com o seu custo unit. (cfr. anexo IV ao relatório de inspecção, documento de fls. 39 a 41);
d) Do anexo V ao relatório de inspecção, consta “Listagem das vendas a dinheiro de 2001”, na qual a AT confronta o valor da venda de pneus com o seu custo unitário (cfr. anexo IV ao relatório de inspecção, documento de fls. 42 a 53);
e) A 13/01/2003 foi proferido despacho, onde se lê (cfr. despacho de fls. 3 do PAT):

“Sanciono as conclusões do relatório.

IRC

Nos termos dos artigos 87.°, 88.° alínea c) e 90.° da LGT e 54.° do CIRC e com base nos fundamentos e critérios constantes do relatório e parecer, elaborados após a notificação do direito de audição nos termos dos artigos 60.° LGT e 68.° do RCPIT, fixo com recurso a aplicação de métodos indirectos em 2000 o lucro tributável de 175 008,38 euros e em 2001 o lucro tributável de 58 858,35 euros.(...)”
f) A 11/02/2003 foi recebida na Repartição de Finanças da Guarda pedido de revisão da matéria colectável, nos termos do artigo 91.° da LGT (cfr. documento de fls. 81 e seguintes do PAT e respectivo carimbo a fls. 81);
g) A 18/03/2003 teve lugar a reunião de peritos para apreciação do pedido de revisão a que se refere a alínea anterior (cfr. acta da reunião de fls. 224 do PAT);
h) Na reunião de peritos não houve acordo (cfr. acta da reunião de fls. 224 e ss. do PAT);
i) A 28/03/2003 foi proferido despacho pelo Director de Finanças da Guarda, onde se lê (cfr. despacho de fls. 233 e seguintes do PAT):

“1. Com base em relatório da Inspecção Tributaria foram fixados, com recurso a métodos indirectos, nos termos dos artigos 87.° a 90.° da LGT, 51.° e 52.° do Código do IRC e 84.° do Código do IVA, a matéria tributável de IRC e o IVA relativos aos anos de 2000 e 2001, assim discriminados:

Lucro Trib. IRC
IVA
2000 -
€ 175.008,38
€ 31.749,85
2001 -
€ 58.858,35
€ 13.401,45

2. O sujeito passivo apresentou pedido de revisão nos termos do art° 91.° da LGT, que foi apreciado pelos peritos do contribuinte e da administração tributaria, não tendo sido estabelecido acordo, pelo que cabe decidir nos termos do n.°6 do artigo 92° da LGT.

3. O perito da Administração tributária, depois de analisar e corroborar os fundamentos das correcções (referindo ainda o facto de o contribuinte ter apresentado, sem justificação, prejuízos durante 6 anos consecutivos) e de rebater os argumentos invocados pelo contribuinte no pedido de revisão, conclui que:

- verificaram-se os pressupostos para a realização da avaliação indirecta;

- considera correctos e bem apoiados os critérios e cálculos utilizados na avaliação;

- no debate contraditório o próprio perito do contribuinte, relativamente ao ano de 2000, chegou a conclusão que houvera omissões nas vendas, não tendo querido retirar conclusões em relação a 2001.

4. O perito do contribuinte refere em síntese que:

- Não há fundamentos para aplicação dos métodos indirectos;

- Em relação a quantificação, deveriam ter sido presumidos também os custos ou o seu aumento.

- Há falta de fundamentação da avaliação e dos critérios utilizados, não permitindo a um destinatário normal conhecer o iter cognosdtivo e valorativo, estando o critério utilizado desfasado da realidade;

- Foi efectuada a contagem integral dos pneus pela reclamante, apurando-se valores diferentes dos apurados pela fiscalização, manifestando-se excessiva a matéria tributável quantificada;

5. Considerando as posições de ambos os peritos, bem como os documentos juntos, designadamente o relatório da Inspecção Tributária que serviu de base à fixação, cumpre apreciar e decidir:

5.1. Quanto aos pressupostos do recurso a avaliação indirecta:

- Como vem referido no parecer do perito da Administracção Tributária, no mencionado relatório constam os factos justificativos, a saber: omissão de vendas de pneus tanto na contabilidade como na declaração, face a análise directa dos documentos e peça contabilísticas na posse do contribuinte, em especial os elementos relativos as existências iniciais e finais, assim como as compras e vendas.

- Os valores constantes dos inventários e de outros elementos da contabilidade revelam que não foram escrituradas nem declaradas todas as vendas e tais erros e inexactidões, aliadas ao facto de se tratar de produtos de vários tipos e preços, impossibilitavam a determinação directa e exacta da matéria tributável, pressuposto do recurso a avaliação indirecta (aL. b) do art° 87.° e al. c) do art° 88.° da LGT).

- O próprio perito do contribuinte não contraria a verificação de tais erros ou inexactidões;

- Tanto no relatório como nas fixações efectuadas consta a respectiva fundamentação de direito.

5.2. Relativamente à quantificação dos valores, em falta:

- Encontram-se devidamente explicitados os critérios e cálculos utilizados, estando devidamente fundamentado o apuramento dos respectivos valores;

- Foram considerados os elementos do próprio contribuinte, quer na quantificação das mercadorias (pneus) vendidas que foram omitidas na escrita e nas declarações, quer na sua “valoração”.

5.2.1.   Para a quantificação das mercadorias vendidas foram consideradas as quantidades constantes dos inventários iniciais e finais de cada um dos exercidos bem como de todos os documentos de compra e de venda, discriminados nos anexos ao relatório da Inspecção Tributária.

Não foram identificados erros que eventualmente tivessem sido praticados na discriminação efectuada nessas relações e cálculos e que pusessem em causa os valores apurados:

- Esse apuramento não foi efectuado com base em qualquer amostragem, mas tomando em consideração apenas, mas exaustivamente, todos os documentos de compra e venda do contribuinte e os seus inventários;

- Alias, do próprio resumo efectuado pelo contribuinte na parte final do anexo junto ao pedido constam omissões significativas, que não consubstanciam meros erros de pormenor.

5.2.2.    O correspondente valor das vendas omitidas encontra-se igualmente fundamentado com elementos do contribuinte, resultando do preço médio de venda dos pneus apurado com base nos seus documentos, conforme discriminação exaustiva que foi efectuada.

Esse valor médio e mét0do utilizado também não foi posto em causa.

5.3. Quanto à presunção dos custos mínimos referida no parecer do perito do contribuinte:

- Antes de mais convém referir que a al. g) do n.° 1 do art° 42.°1 do Código do IRC refere expressamente que não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os encargos não devidamente documentados, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício, o que afasta, em princípio, o recurso à presunção de custos ou pelo menos a sua obrigatoriedade.

- De qualquer forma, o contribuinte fez já constar dos seus elementos de escrita e declarativos custos de montante significativo (€ 328.492,50 em 2000 e € 298.604,20 em 2001), superiores aos próprios proveitos declarados em cada um dos correspondentes exercícios, não havendo por isso, e independentemente da citada disposição legal, qualquer justificação ou fundamento para presunção de custo mínimos ou para alterar os escriturados e declarados.”
j) A impugnante vendia à data a que se referem as liquidações pneus novos e recauchutados (conforme ponto IV, 1.1 do relatório e confirmado pela primeira testemunha);
k) Os pneus usados podem ser alvo de recauchutagem (cfr. depoimento da primeira testemunha);
l) A recauchutagem feita nos pneus dos clientes não implica a venda de pneus aos mesmos (cfr. depoimento da primeira testemunha).”


***

A decisão recorrida consignou que “não há factos não provados com interesse para a decisão da causa”.

***

A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

 “Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e constantes do PAT, não impugnados, assim como do depoimento das testemunhas, nos termos identificados em cada alínea do probatório.

Quanto à prova testemunhal cumpre referir:

A primeira testemunha, foi o TOC da sociedade à data dos factos. O depoimento foi inconclusivo, sendo opinativo, quanto à existência de dificuldades financeiras da impugnante. Recorreu aos seus conhecimentos enquanto cidadão comum, que não ao conhecimento adquirido junto da impugnante, quer directa quer indirectamente, quanto ao tipo de pneus mais vendidos pela impugnante. Afirmou que a sociedade ora impugnante vende pneus recauchutados, e sabe que a impugnante faz descontos aos seus clientes habituais, que identificou na ordem dos 5% a 10%.

Explicou que a recauchutagem era feita aos pneus dos clientes, sendo também feita a recauchutagem em carcaças de pneus, sendo deixados na sociedade por clientes, a título gratuito.

A segunda testemunha é cliente da impugnante. Inquirido sobre que tipo de pneus vende mais a impugnante, afirmou “julgar” serem os relativos aos veículos ligeiros, o que justificou do conhecimento que tem das visitas que faz à impugnante.

O impugnante faz descontos à testemunha, não conhecendo a percentagem de desconto.

Este depoimento nada relevou para a descoberta de verdade material.

A terceira testemunha foi vendedor da D….., um dos fornecedores de pneus da impugnante nos anos a que se referem as liquidações impugnadas. Afirmou vender em maior quantidade os pneus ligeiros, afirmando que os retalhistas tinham médias no máximo de 18%.

O depoimento da testemunha é irrelevante para a descoberta de verdade nos presentes autos, pois tal como evidenciou o Exmo. RFP este não era o único fornecedor da impugnante pelo que é inconclusivo o facto de este fornecedor em concreto vender mais pneus de baixa gama à impugnante.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “C….., LDA”, contra as liquidações adicionais de IRC respeitantes aos exercícios de 2000 e 2001, no montante de €67.852,49 e €21.369,75, respetivamente.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:
- Se a decisão recorrida padece de nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão, sendo a mesma obscura e ambígua.
- Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter decidido pelo excesso de quantificação da matéria coletável apurada por recurso a métodos indiretos, porquanto não foram ponderados e tidos em consideração quaisquer custos.
- Procedendo o aludido erro de julgamento, se existe erro de quantum por terem sido desconsideradas realidades fáticas atinentes à especificidade da atividade da Recorrida.
- Improcedendo, o aludido erro de quantificação, se procede a arguida falta de fundamentação formal.

Vejamos, então.

A Recorrente defende que a decisão recorrida violou os artigos 54.° do CIRC, 90.º, nº1, alínea i) e 74.º, números 1 e 3 ambos da LGT e 342.º, nº1 e 344.º, nº2 ambos do Código Civil, o direito contabilístico na análise feita à contabilização das mercadorias atento os conceitos de custo e de existências, o artigo 668.º, nº 1 alínea c) e 669.º, nº1, alínea a) ambos do CPC e o princípio da capacidade contributiva.

Comecemos pela arguida nulidade da sentença.

Alega a Recorrente que a decisão recorrida padece de nulidade nos termos do artigos 668.º, nº 1, alínea c) e, 669.º, nº 1, alínea a), ambos do CPC (atual artigo 615.º, nº1, alínea c) do CPC), em virtude da sua ambiguidade ou obscuridade e dos fundamentos estarem em oposição com a decisão, visto que para além de validar os fundamentos para aplicação de métodos indiretos, fez constar da matéria de facto que a inspeção explicita que propõe “que as vendas sejam alteradas com recurso a métodos indiretos, nos termos do n° 1 do artigo 52° do CIRC e alínea c) do artigo 88° da LGT” e que “a determinação do lucro tributável será efectuada com base no artigo 54° do CIRC e alínea i) do n° 1 do artigo 90.° da LGT”.

No fundo, valida a análise efetuada à contabilidade pela inspeção que sanciona como bons os custos e aquisições de pneus, concluindo, depois, de forma inexplicável, que houve desconsideração de custos na quantificação da matéria tributável.

Vejamos, então.

Preceitua o artigo 125.º, nº1, do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que:

“Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

De harmonia com o disposto no artigo 615.º alínea c) do CPC, em obediência ao preceituado no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, dispõe-se que é nula a sentença quando: “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

De relevar, desde já, que são realidades díspares e não confundíveis a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão e a mera discordância com a fundamentação jurídica.

A nulidade em análise concatena-se com a necessidade de um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do CPC.

Com efeito, o vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adotada[1].

No caso sub judice, não vislumbra este Tribunal que a decisão recorrida padeça da nulidade em análise, uma vez que atentando no seu teor conclui-se que a mesma não comporta nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que, tendo decidido pela anulação do ato impugnado por padecer de vício de violação de lei, concretamente, excesso de quantificação, a fundamentação jurídica vai no mesmo sentido.

Com efeito, o Tribunal a quo no acervo fático dos autos, transcreve na parte que reputa relevante para o efeito o Relatório de Inspeção Tributária, concretizando os competentes anexos que fundamentam os cálculos das vendas, alegadamente, omitidas, e bem assim o trâmite processual ocorrido em sede de pedido de revisão da matéria coletável e inerente decisão, depois em sede de fundamentação de direito densifica quais os pressupostos de aplicação dos métodos indiretos, validando os fundamentos enunciados pela Administração Tributária e concluindo, nessa medida, que a realidade fática se subsume na segunda parte, da alínea c), do artigo 88.º da LGT, estando, por conseguinte, legitimado o recurso à avaliação indireta.

Por seu turno, em sede de quantificação invoca que a Administração Tributária “presumiu as vendas a partir da análise quantitativa de compras e vendas, mas atribuindo um valor de venda presumido aos pneus que não encontrou no inventário, devia ter levado em consideração o CMVMC relativo aos pneus que presumiu terem sido vendidos”.

Computando, nessa medida, que houve uma “desconsideração de custos” o que se reconduz a “um excesso de quantificação”, com a consequente “ilegalidade das liquidações impugnadas, o que terá de ter como consequência a sua anulação”.

Tendo, por conseguinte, no dispositivo da decisão recorrida anulado as liquidações impugnadas com todas as consequências legais.

Ora, cotejando a fundamentação da decisão supra expendida, resulta que o decisor enuncia a factualidade e, depois, convocando o direito que entende aplicável ao caso vertente, decide, de forma totalmente coerente e lógica-ainda que a Recorrente discorde da aludida fundamentação jurídica-que há lugar à anulação do ato impugnado.

Conclui-se, assim, que o sentido da decisão não se encontra em contradição ou oposição com os fundamentos, visto que os fundamentos expressos pelo Tribunal não conduziriam a uma solução de sentido antagónico, o mesmo é dizer que a proposição final (conclusão) revela-se compatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), inexistindo, assim, vício de raciocínio, donde nulidade.

Ademais, e conforme já evidenciado anteriormente a nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão.

De relevar, in fine, que não se verifica qualquer ambiguidade ou obscuridade da sentença que a torne ininteligível, donde nula. De resto, nem tão-pouco a Recorrente a substanciou, devidamente, como era seu ónus.

Improcede, assim, a arguida nulidade por omissão de pronúncia.

Vejamos, ora, se a decisão recorrida padece do arguido erro de julgamento quanto aos pressupostos de facto e de direito.

A Recorrente, em termos de erro de julgamento defende que os fundamentos que determinaram a aplicação dos métodos indiretos, por omissão de proveitos basearam-se na análise efetuada à contabilidade, a qual, dando a conhecer os custos, isto é, os pneus adquiridos ao longo do ano e os valores dos inventários (os pneus em stock no início de cada ano), omite parte dos pneus vendidos.

Com efeito, sublinha que a análise realizada pela Inspeção Tributária parte precisamente dos custos declarados, os quais nunca foram colocados em causa, pelo que nunca poderia a inspeção proceder ao cálculo presumido de eventuais custos suportados, uma vez que foi a partir dos custos contabilizados e declarados pela Recorrida e ulteriormente escalpelizados, sancionados e dados como bons pela Inspeção, que se concluiu pela necessidade inelutável do recurso a métodos indiretos para cálculo da matéria tributável em falta.

Densifica, neste particular, que o ajuizado pelo Tribunal a quo viola o direito contabilístico na análise feita à contabilização das mercadorias e aos conceitos de custo e de existências uma vez que as contas 32 – Mercadorias e 36 – Matérias-primas, subsidiárias e de consumo, ao serem creditadas no fim do exercício, por débito da conta 61 – Custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas, já tinham incorporado o custo do número de pneus vendidos omitidos à contabilidade, de acordo com o critério valorimétrico adotado pela Recorrida.

Logo, não houve qualquer desconsideração de custos pela Inspeção Tributária, validando e aceitando, aliás, os que foram dados a conhecer à contabilidade e que estão na origem das correções à matéria tributável a jusante, ou seja, nas vendas omitidas.

Sublinha, ademais, que a Recorrida embora argumente a existência de excesso na quantificação da matéria tributável, nunca juntou aos autos qualquer documento a provar e fundamentar o excesso na quantificação, nunca logrando, igualmente, provar o excesso na quantificação através da prova testemunhal, conforme resulta claramente da decisão recorrida que a qualificou como inconclusiva e/ou irrelevante.

Conclui com a violação do artigo 90.º, nº1, alínea i), da LGT, visto que o critério de correção adotado foi, de facto, cumprido pela Inspeção Tributária, tendo sido dado a conhecer o iter cognoscitivo seguido pela Inspeção, com “uma relação congruente e justificada” entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte.

Sumariada a posição da Recorrente, atentemos, ora, no discurso jurídico constante na decisão recorrida.

O Tribunal a quo, como já evidenciado, entendeu que se encontrava legitimado o recurso à avaliação indireta para os anos de 2000 e 2001, sublinhando, para o efeito, que “[a]inda que a AT da diferença entre cada referência comprada pela impugnante, no ano em análise ou anterior, e o inventário achasse em concreto quais os pneus que haviam sido vendidos sem que a venda fosse faturada e registada na contabilidade, não poderia saber qual o valor efetivo a que cada pneu foi de facto vendido.”

Quanto ao excesso de quantificação fundamentou a procedência com base na seguinte argumentação:

“No caso concreto a AT verificou existir a omissão de vendas comparando existências, ie., unidades de pneus adquiridos no ano em análise e em anos anteriores (que assim constavam das existências iniciais), e as existências finais, daí presumindo as vendas dos pneus que embora comprados não existiam na empresa no fim das exercícios respectivos, o que significa que as existências que estiveram na base dos resultados presumidos já encontravam contabilizados como compras, mas tal não significa que se encontrassem já contabilizados em sede de custo.

Dizendo de outra maneira, a AT presumiu as vendas a partir da análise quantitativa de compras e vendas, mas atribuindo um valor de venda presumido aos pneus que não encontrou no inventário, devia ter levado em consideração o CMVMC relativo aos pneus que presumiu terem sido vendidos.

É que importa recordar que as compras, nos termos do código de contas e notas explicativas do POC, Decreto-Lei n.° 410/89, não são levadas a custos no momento da sua aquisição, apenas sendo levado a custo o valor contabilístico das mesmas, calculado com base numa das formas de custeio previstas na lei, FIFO, LIFO, custo especifico, custo padrão, ou custo medio ponderado, depois de vendidas, no fim do ano.

Não o tendo feito a AT presumiu a venda não declarada de 2.310 pneus no exercício de 2000 e de 1.058 no exercício de 2001, não atribuindo valor ao custo relativo a cada um dos pneus cuja venda presumiu omitida.

Ora, tal desconsideração de custos reconduz-se de forma clara a um excesso de quantificação, pois que a actuação da AT não tem como objectivo chegar apenas à verdade dos proveitos dos sujeitos passivos, mas sim chegar à capacidade contributiva, o que terá sempre de considerar os custos, mais a mais os custos directos, relacionados às vendas.

E tanto é quanto basta para concluir pela ilegalidade das liquidações impugnadas, o que terá de ter como consequência a sua anulação.”

Apreciando.

Comecemos por aferir qual a metodologia adotada pela Administração Tributária, por forma a aferir se existiu, efetivamente, excesso de quantificação por desconsideração de custos, como sentenciou o Tribunal a quo.

A Administração Tributária tomou por base os elementos contabilísticos da Recorrida, realizando uma análise quantitativa às vendas de pneus (novos e recauchutados) nos exercícios de 2000 e 2001.

A análise baseou-se na contagem de pneus adquiridos e vendidos, através dos respetivos documentos de compra e venda contabilizados, e ainda os pneus constantes dos inventários.

Para efeitos de apuramento dos pneus vendidos, efetuou uma contagem dos pneus adquiridos nos exercícios em apreço, adicionando os pneus em stock no início de cada ano e subtraindo os pneus que se encontravam em armazém em 31 de dezembro (valores dos respetivos inventários), tendo, nessa conformidade, obtido um valor diferencial bastante superior ao contabilizado enquanto vendas, concretamente 2310 e 1058 pneus, relativamente aos anos de 2000 e 2001, respetivamente.

Isto é, atento o número de pneus existentes em armazém no início do exercício (existências iniciais), adicionado ao número de pneus adquiridos nos exercícios analisados (compras) e aferido o número de pneus existentes no final dos exercícios e ainda o número de pneus vendidos pela empresa, verifica-se que a empresa, ora Recorrida, deveria ter em stock mais 2310 pneus no exercício de 2000 e 1058 pneus no exercício de 2001.

Após apuramento do aludido diferencial, a Administração Tributária, perante a impossibilidade de chegar ao preço real dos bens, optou por calcular o preço médio dos pneus vendidos e declarados, recolhendo, o valor integral das vendas de pneus contabilizadas, obtendo, nessa medida, o preço médio dos pneus €80,85 e €74,51, para os anos de 2000 e 2001.

O Tribunal a quo, como visto, entendeu que foram desconsiderados custos, entendimento refutado pela Administração Tributária visto que, por um lado, é descurado que foi, precisamente, com base nesses custos que foram aferidas as vendas omitidas, e por outro lado, porque viola o direito contabilístico na análise feita à contabilização das mercadorias e aos conceitos de custo e de existências.

E de facto, assiste razão à Recorrente. Senão vejamos.

A classe 3- existências-do Plano Oficial de Contabilidade (vigente à data) serve para registar, consoante a organização existente na empresa: a) As compras e os inventários inicial e final, e b) O inventário permanente.

Sendo que, na elaboração dos inventários das existências devem ser observados os seguintes procedimentos:

a) Quando se utilize o sistema de inventário intermitente, as contagens físicas devem ser efetuadas com referência ao final do exercício;

b) Quando se utiliza o sistema de inventário permanente, as contagens físicas devem ser efectuadas: com referência ao final do exercício; ou ao longo do exercício, de forma rotativa, de modo que cada bem seja contado, pelo menos, uma vez em cada exercício;

c) Os inventários físicos respeitantes às existências devem identificar os bens, em termos da sua natureza, quantidade e custo unitário[2].

Importa, desde já, evidenciar que, lança-se, nesta conta o custo das aquisições de matérias-primas e de bens aprovisionáveis destinados a consumo ou venda.

Sendo, igualmente, lançadas nesta conta, por contrapartida de 228 “Fornecedores - Fornecedores - Faturas em receção e conferência”, as compras cujas faturas não tenham chegado à empresa até essa data ou não tenham sido conferidas, devendo nela ser também incluídas as despesas adicionais de compra.

De relevar, neste particular, que, eventualmente, estas despesas podem passar pela classe 6, devendo depois, para satisfazer os critérios de valorimetria, ser imputadas às contas de existências respetivas.

Sendo que, como ensina António Borges[3]:

“Esta conta saldará, em todas as circunstâncias, por débito das contas de existências.

Esta conta é debitada pelas compras efectuadas e despesas em compras. Será creditada pelas deduções em compras-descontos e abatimentos e devoluções, e pela transferência do saldo para a respectiva conta de existências.

A conta 31 Compras não é conta de balanço, é uma conta transitória, daí que o seu saldo deva ser transferido para a adequada conta de existências. O momento de tal transferência depende do sistema informativo (SIP ou SII).”

Com efeito, no sistema de inventário permanente, o saldo será transferido, quando da entrada dos bens adquiridos em armazéns, enquanto que no sistema de inventário intermitente, o saldo será transferido, no fim do período, para a conta de existências que se mostre adequada.

Por seu turno, a conta 32 mercadorias respeita aos bens adquiridos pela empresa com destino a venda, desde que não sejam objeto de trabalho posterior de natureza industrial-POC.

Com efeito, utilizando o Sistema de Inventário Intermitente “a conta 32 Mercadorias é movimentada em regra no fim do exercício-data em que normalmente se proceda à inventariação física das existências-para efeitos de apuramento dos resultados do exercício. Durante o período não há movimentos na conta 32 mercadorias, que evidencia a débito as existências iniciais; no final do período acolhe, a débito, o montante das compras realizadas. O saldo desta conta no final do período deverá coincidir com o quantitativo das existências finais apuradas por inventariação física; para tal efeito há que proceder à regularização da conta em apreço por contrapartida da 61 custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (CMVMC).[4]

Ora, tendo por base os considerandos expendidos anteriormente, conclui-se que assiste, efetivamente, razão à Recorrente quando propugna, com base em doutrina que cita e transcreve nos excertos que reputa relevantes[5], que as contas 32 - Mercadorias e 36 - Matérias-primas, subsidiárias e de consumo revelam, por meio do seu saldo no fim do exercício, o valor das respetivas existências, isto é, o valor das existências finais que vão figurar no balanço, porquanto estas não foram vendidas.

Sendo, igualmente, acertada a conclusão de que as contas 32 - Mercadorias e 36 - Matérias-primas, subsidiárias e de consumo, ao serem creditadas no fim do exercício, por débito da conta 61 - Custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas - pelo custo das mercadorias vendidas durante o exercício e das matérias-primas, matérias subsidiárias e outros materiais consumidos durante o exercício, já tinham incorporado o custo do número de pneus vendidos omitidos à contabilidade de acordo com o critério valorimétrico adotado pela Recorrida.

Note-se, neste particular, que nunca foi colocado em causa que a conta 32 não se encontrava em conformidade com o inventário, com os stocks -nada resultando do Relatório de Inspeção Tributária nesse sentido, inexistindo, igualmente, qualquer alegação da Recorrida com esse teor -, pelo que, ter-se-á de inferir, necessariamente, que se o valor já saiu da conta 32 é porque já foi contabilizado como custo.

Noutra formulação, dir-se-á, que se a Administração Tributária faz o devido e inerente confronto entre o inventário e a contabilidade, então a conclusão que se impõe retirar é, necessariamente, que tudo aquilo que já não se encontra no inventário e na contabilidade é porque foi vendido e, nessa medida, não estando na contabilidade o número dos pneus das vendas omissas é porque já se encontrava registado como custo. A não ser assim, então a conta 32 teria de relevar muitas mais mercadorias do que aquelas que, em rigor, tinham sido consideradas no inventário. Em boa verdade, o inventário e a contabilidade teriam que evidenciar os 2310 e 1058 pneus, relativamente aos anos de 2000 e 2001, respetivamente, o que, como constatado pela Autoridade Tributária, não sucedia.

Face a todo o exposto, assiste razão à Recorrente quando aduz que, contrariamente ao propugnado pelo Tribunal a quo, não foram desconsiderados os custos, inexistindo, neste segmento, o ajuizado excesso de quantificação.

Porém, conforme resulta expresso da sua petição inicial, a Recorrida entendeu que o excesso de quantificação apresentava noutros pressupostos distintos para além do supra analisado, cuja análise resultou prejudicada face ao entendimento preconizado pelo Tribunal a quo.

Com efeito, atentando no articulado inicial verifica-se que a Recorrida defendeu que a quantia apurada pela Administração Tributária padecia de outras incorreções, concretamente, que o preço médio apurado pela entidade fiscalizadora descurou a realidade e especificidade do negócio, porquanto:
Ø Existiu uma errónea assunção da margem de lucro da sociedade em relação aos produtos que comercializa, e que se cifrava em 10%;
Ø Tratou a situação como se não existissem diferenças de referências, tipos e tamanhos de mercadoria, não atendendo ao facto da Recorrida comercializar em maior número pneus de mais baixo valor;
Ø Descurou a circunstância de existirem muitas vendas de pneus recauchutados;
Ø Não considerou as vendas com desconto a clientes habituais, as quais se cifram, no mínimo em 30%;

Porém, conforme veremos, entendemos que não merece provimento a esteira de razão da Recorrida, não resultando que a Administração Tributária tenha incorrido no aludido erro de quantum.

Note-se que, pese embora a Recorrida tenha feito expressa alusão a tais realidades de facto, a verdade é que do probatório não resulta provada qualquer factualidade que suporte as aludidas alegações.

Com efeito, atentando na matéria de facto assente resulta, tão-só, que a Recorrida vendia pneus novos e recauchutados. Mais dimanando assente, em termos do âmbito e abrangência da recauchutagem que, por um lado, os pneus usados podem ser alvo de recauchutagem e por outro lado, que a recauchutagem feita nos pneus dos clientes não implica a venda dos mesmos.

Ora, como é bom de ver, tais realidades fáticas em nada permitem inferir qualquer erro de quantum, porquanto para existir um erro sobre os pressupostos de facto e de direito consubstanciado em excesso de quantificação seria curial que a factualidade alegada pela Recorrida resultasse, inequivocamente, provada com a devida circunscrição espácio-temporal, o que, como é bom de ver, não resulta, de todo, no caso vertente.

Ademais, importa ter presente que, in casu, foi produzida prova testemunhal não tendo a Recorrida procedido à impugnação da matéria de facto, mediante apresentação de ampliação de recurso. Pese embora se encontrasse vedada à Recorrida a interposição de recurso porquanto a decisão lhe foi favorável, a verdade é que sempre poderia ao abrigo do artigo 636.º do CPC, proceder à ampliação do âmbito do recurso, impugnando, para o efeito, determinados pontos da matéria de facto, requerendo o seu aditamento, substituição ou mesmo supressão[6].

Note-se, ademais, que na decisão recorrida consta, de forma expressa, na motivação da matéria de facto que os depoimentos não trouxeram mais valia para a lide, por se revelarem inconclusivos, opinativos, genéricos e sem a devida substanciação e pormenor que lhes era exigível.

Atente-se, para o efeito, na respetiva motivação, na qual é expressamente evidenciado que o depoimento da primeira testemunha, foi inconclusivo, sendo opinativo. No concernente à segunda testemunha evidenciou, expressamente, que esse depoimento nada relevou para a descoberta de verdade material, o mesmo sucedendo quanto à terceira testemunha, qualificando-o como irrelevante para a descoberta de verdade material, porquanto inconclusivo.

Ora, face a todo o expendido anteriormente, os factos que a Recorrida logrou demonstrar e que se encontram vertidos no probatório não constituem base factual bastante para se poder concluir pelo erro, excesso ou inadequação do método utilizado pela Administração Tributária na quantificação da matéria coletável.

Mais importa ter presente que a mera circunstância de existirem, eventualmente, outros critérios de quantificação porventura mais ajustados à realidade do contribuinte -os quais a Recorrida, nem tão-pouco concretiza, visto que não alegou, concretizou e densificou a existência de um outro critério mais credível, por coerente e adequado à quantificação exata e justa, que reclama-não é fundamento, per se, para se concluir pela inadequação do critério escolhido pela Administração Tributária na medida em que represente também ele um esforço de aproximação à realidade.

Como doutrinado, em Aresto do STA, proferido no processo nº 0407/12, de 19 de novembro de 2014: “O critério usado pela AT na quantificação da matéria tributável por métodos indiciários tem de revelar-se adequado e racionalmente justificado – um modo adequado de aproximação à realidade –, mas não pode ser atacado com o fundamento de que outro ou outros se revelariam mais ajustados, pois não pode perder-se de vista que a quantificação por presunção é imputável exclusivamente ao contribuinte, que se queria ser tributado pelo lucro real, deveria ter cumprido com as obrigações que sobre ele recaíam.”

De resto, importa relevar, in fine, que a prova do erro ou excesso de quantificação ou da manifesta inadequação do critério de quantificação à realidade concreta do sujeito passivo, tem de ser positiva e concludente.

Improcede, assim, o arguido excesso de quantificação.

Aqui chegados, importa analisar a questão referente à falta de fundamentação formal da decisão de fixação da matéria coletável, cujo conhecimento resultou, igualmente, prejudicado pela solução dada ao litígio.

Vejamos, então.

A Recorrida sustenta que a decisão do Diretor de Finanças tomada no uso do poder atribuído pelo artigo 92.º da LGT, sofre de falta de fundamentação por contrariedade e insuficiência.

Mais defende que no domínio da avaliação indireta a atuação da Administração Tributária tem de ser mais exigente, devidamente ponderada, transparente, dando a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo seguido na avaliação, o que não sucede, de todo, no caso vertente, visto que o despacho de fixação é omisso, inexistindo qualquer referência às posições concretas expressas pelos peritos, nomeadamente do perito do contribuinte.

Termina sustentando que o valor fixado não está fundamentado, por insuficiência e mesmo por contrariedade e surge incompreensível como decisão final do processo de reclamação que visou resolver, sendo certo que não explicou as razões porque optou pelo critério constante do relatório em detrimento de outros e bem assim não explicou o modo de ponderação dos fatores que influenciaram a determinação do seu resultado.

Apreciando.

A determinação do rendimento coletável, tem por base a declaração Modelo 22, a qual deve ser entregue pelo sujeito passivo, vigorando o princípio da verdade declarativa. Preceitua, neste âmbito, o artigo 75.º, nº1, da LGT, no sentido de que se presumem verdadeiras as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei.

O princípio da verdade declarativa coloca, assim, na esfera de atuação dos contribuintes a iniciativa no procedimento de apuramento, fixação e pagamento dos impostos, logo a Administração Tributária está vinculada a liquidar os tributos com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, a posteriori, ao controlo dos factos declarados.

Com efeito, só passa a competir ao contribuinte a prova de que declarou todas as situações a que estava legalmente vinculado quando, efetivamente, a Administração Tributária tenha carreado elementos de facto que sejam suscetíveis de abalar a dita presunção de veracidade da escrita. Nessa medida, se por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no citado normativo 75.º, n.º 1 da LGT deixar de funcionar, a Administração Tributária fica legitimada a efetuar a determinação da matéria tributável, com recurso para o efeito e preferencialmente de métodos diretos ou, quando tal não seja, de todo, possível, a métodos indiretos.

Conforme decorre do nº2, do artigo 104.º, Constituição da República Portuguesa (CRP):

 "A tributação das empresas incidirá fundamentalmente sobre o seu rendimento real".

Devendo, portanto, evitar-se a existência de imposto sem rendimento efetivo.

Contudo, o mesmo não pode ser visto em termos absolutos resultando tal asserção, desde logo, do moderador de sentido “fundamentalmente”. O mesmo é dizer que a tributação das empresas pelo seu rendimento real constitui um princípio ou uma regra que permite, excecionalmente, desvios ou exceções.

Assim, em relação às empresas que não dispõem de contabilidade em condições de traduzir os seus rendimentos reais, a tributação irá incidir sobre um rendimento apurado por presunção.

Importa, pois, que sejam mencionados, descritos e fundamentados todos os dados e elementos de facto encontrados pela Administração Tributária que determinaram o recurso à avaliação indireta e que seja demonstrado qual o iter cognoscitivo para ter optado por determinados valores (presumidos).

Daí que, tenha existido a preocupação legal de se objetivarem as situações em que a matéria coletável pode ser fixada através de métodos indiretos, consagração legislativa taxativa, atualmente regulada no artigo 81.º da LGT o qual dispõe que a matéria coletável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a Administração Tributária proceder à avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstas na lei.

Preceituava, à data, o artigo 52.º, nºs 1 e 2, do CIRC, sob a epígrafe de aplicação de métodos indiretos que:

“1 - A aplicação de métodos indiretos efetua-se nos casos e condições previstos nos artigos 87.º a 89.º da lei geral tributária.

2 - O atraso na execução dos livros e registos contabilísticos, bem como a sua não exibição imediata, a que se refere o artigo 88.º da Lei Geral Tributária, só dá lugar à aplicação de métodos indiretos após o decurso do prazo fixado para a sua regularização ou apresentação sem que se mostre cumprida a obrigação.”

O artigo 87.º, concretamente, o nº 1 alínea b), dispunha que: “ 1 - A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”.

Dispondo, por seu turno, o artigo 88.º da LGT, relativamente à impossibilidade de determinação direta e exata da matéria tributável que:

“A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:

a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;

b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;

c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.

d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.”

Ainda no âmbito da fundamentação, na sua dimensão formal, importa reter que:

O dever de fundamentação insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se especificamente previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

O n.º 4 do citado normativo 77.º da LGT impõe um especial dever de fundamentação no recurso a métodos indiretos, preceituando que:

“A decisão da tributação pelos métodos indiretos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exata da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objetivos da atividade de base científica ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável”.

Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” [7].

Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente[8].

 “[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto[9]”.

Visto o direito que releva para a presente lide, importa transpor para o caso vertente, relevando, desde já, que não assiste razão à Recorrida, porquanto a decisão do Diretor de Finanças encontra-se, devidamente, fundamentada, em nada se podendo considerar obscura, contraditória ou omissa.

Senão vejamos.

Atentando na alínea i) da factualidade assente, verifica-se que a aludida decisão convoca, desde logo e fazendo uso da fundamentação por remissão, para o Relatório de Inspeção Tributária o qual, conforme dimana inequívoco da alínea c), descreve os motivos e os factos que determinaram o recurso aos métodos indiretos, materializando a análise efetuada à contabilidade da Recorrida, a qual permitiu concluir que não se encontram refletidas todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, explicitando, ulteriormente, quais os critérios subjacentes à determinação da avaliação presuntiva, com a devida subsunção normativa, e a inerente densificação e explicação do método tendente à determinação do valor presumível, com concreta evidenciação das existências iniciais, compras e existências finais e respetivo apuramento do valor médio dos pneus vendidos.

Mais importa sublinhar que o aludido despacho, e contrariamente ao propugnado pela Recorrida, procede à descrição do trâmite do procedimento de revisão, com concreta alusão ao entendimento do perito da Administração Tributária e ao perito do contribuinte e aos fundamentos em que assentaram os seus juízos de valoração, posteriormente enumeram-se os pressupostos que legitimaram o recurso aos métodos indiretos, explicitando-se a quantificação dos valores em falta, o valor médio e método utilizado, rebatendo, in fine, a requerida presunção de custos.

Pelo que, como é bom de ver, não resta qualquer dúvida sobre a validade formal da fundamentação da decisão proferida pelo Diretor de Finanças, tendo sido adotada uma fundamentação clara, suficiente e congruente que permitiu ter perfeita perceção sobre o iter cognoscitivo adotado para a determinação da matéria coletável por recurso aos métodos indiretos, respetivo enquadramento normativo, metodologia e quantum apurado, e que permitiu à Recorrida defender-se em toda a sua plenitude.

Noutra formulação, é claramente percetível o enquadramento da situação em termos de recurso aos métodos indiretos e que permite a apreensão, de forma expressa, clara e congruente, do percurso cognoscitivo e valorativo que a Administração Tributária percorreu para chegar à decisão do procedimento de revisão.

Note-se, ademais, que atentando na sua petição inicial infere-se, claramente, que o mesmo percecionou as razões que estão na génese do procedimento, permitindo-lhe refutar, contraditar e sindicar, por um lado, os pressupostos e a legitimação à avaliação indireta e, por outro lado, a respetiva quantificação, mormente o seu excesso.

Face ao supra aludido, o ato de fixação da matéria coletável que esteve na base das liquidações impugnadas não padece de vício de forma por falta de fundamentação que lhe imputou a Recorrida, pelo que também não será com fundamento no erro de julgamento quanto a esse vício que o recurso poderá ser provido[10].

Uma nota final para referir que não se vislumbra qualquer violação de princípios constitucionais basilares, mormente, dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, sendo certo que a Recorrida nem tão-pouco substanciou, como era seu ónus, de que forma a atuação da Administração Tributária se mostrava desconforme com os aludidos princípios basilares.

Face a todo o exposto, a decisão que julgou a impugnação judicial procedente não pode manter-se na ordem jurídica, tendo, por isso, de ser revogada.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO revogando a sentença recorrida e, em substituição, julgar improcedente a impugnação judicial com a consequente manutenção do ato de liquidação impugnado e respetivos juros compensatórios.

Custas pela Recorrida.

Registe. Notifique.


Lisboa, 25 de junho de 2020

 (Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Tânia Meireles da Cunha)


 

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[1] vide Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985.
[2] José Alves Rodrigues-Plano Oficial de Contabilidade-POC, 21ª edição:Editora Rei dos Livros, p.115.
[3] Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues: Elementos de Contabilidade Geral-Áreas Editora: 23ª edição, p.457.
[4] In Ob. Cit.,p.460.
[5] José Bento e José Fernandes Machado-POC Explicado:27ª edição, em anotação à classe 3-Existências”
[6] Vide António Santos Abrantes Geraldes-Recursos no Novo Código de Processo Civil:5ªEdição, Almedina, p.124.
[7] cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675.
[8] neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
[9] Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[10] No mesmo sentido, vide o Aresto deste Tribunal proferido no processo nº 04749/11, de 18 de fevereiro de 2016, com identidade fática com o dos presentes autos, reportando-se às correções realizadas em sede de IVA.