Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:303/10.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:NOTIFICAÇÃO AUDIÇÃO PRÉVIA
PROVA DA EXPEDIÇÃO
DEFICIT INSTRUTÓRIO
Sumário:I-A notificação do projeto de despacho de reversão com vista ao exercício do direito de audição prévia deve realizar-se mediante expedição de carta registada a enviar para o domicílio fiscal do revertido (cfr. artigo 60, nº.4, da LGT).

II-A presunção contemplada non artigo 39.º, nº1, do CPPT, apenas atua, por um lado, caso a notificação tenha sido concretizada de acordo com os formalismos legais, circunscrevendo-se o ónus de tal demonstração na esfera jurídica da AT e, por outro lado, apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida.

III-A existência de um documento intitulado de audição prévia, endereçado para a Recorrida ainda que contemplando uma indicação alfanumérica, não permite retirar, com segurança, que existiu expedição registada desse ofício para o domicílio da Recorrida, porquanto para além desse código alfanumérico não constar em qualquer envelope/carta de envio, mas, tão-só, aposto nesse mesmo ofício, nada se sabe da concreta data de expedição e do resultado da mesma, inexistindo nos autos qualquer elemento probatório nesse sentido.

IV-Assim, sendo controversa a questão da efetiva expedição para efeitos de notificação de audição prévia em sede de reversão, torna-se prematuro julgar afastada a presunção do n.º 1 do artigo 39.º do CPPT. Logo, não tendo a factualidade pertinente para a decisão da notificação para efeitos de audição prévia, sido, devidamente, indagada, fixada e ponderada na decisão recorrida, padece a mesma de deficit instrutório.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a oposição deduzida por M..., no âmbito do processo de execução fiscal n.º 31402003010... e apensos, instaurado no Serviço de Finanças da Amadora 2, inicialmente em nome da sociedade devedora originária denominada de “S..., LDA”, e que contra si foi revertido, para cobrança coerciva da quantia de €24.846,30, relativa a dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) de 2003 e Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) de 2002.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“I. O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória de procedência da oposição, deduzida pela revertida contra o Processo de Execução Fiscal n.º 31402003010... e Apensos, instaurado no Serviço de Finanças da Amadora-2, para cobrança coerciva de dívidas de IVA de 2003 e IRC de 2002, de que é devedora originária a sociedade “S..., LDA”.

II. Concretizando, a decisão em crise anulou o despacho de reversão, por entender que não ficou provada a notificação da oponente, para efeitos de audição prévia, do projeto de despacho de reversão em causa nos autos, conclusão esta com a qual não pode a Fazenda Pública deixar de discordar.

III. A oponente e ora recorrida, alegou de forma vaga, que a reversão não tinha sido precedida de notificação, para efeitos de exercício de audição prévia.

IV. Contudo, considerou a douta sentença, como facto não provado (ponto 2 dos factos não provados) que a notificação para efeitos de audição prévia mencionada em D) dos factos provados, tenha sido colocada à disposição da oponente na morada nela indicada.

V. A recorrente também discorda dos efeitos jurídicos a retirar da alínea D) dos factos dados como provados e que seriam necessariamente diversos dos contidos na douta sentença a quo.

VI. Assim, a questão decidenda consiste em saber se deve ser considerada como provada a colocação à disposição da oponente, a notificação efetuada nos termos do disposto no artigo 60.º da LGT, na morada nela indicada, sendo convicção da Fazenda Pública que existiu erro na apreciação da prova.

VII. Na verdade, consta expressamente da alínea D) da factualidade assente que a carta de notificação, para o exercício do direito de audição prévia, foi remetida para a morada da oponente, por correio registado sob o n.º RM35911...PT (cf. fls. 43 do PEF apenso), encontrando-se assim assente a emissão da carta de notificação, bem como a realização do seu registo ao qual foi atribuído o n.º RM35911...PT.

VIII. Ora, o número de registo supra mencionado e que se encontra aposto na carta, constitui uma prova indubitável do ato de registo da carta e da sua receção pelos serviços dos CTT, porquanto a etiqueta de registo é emitida informaticamente pelos CTT e colada na carta no momento em que é efetuado o registo.

IX. Efetivamente, no ato da entrega de uma carta junto dos serviços dos CTT, para proceder ao respetivo registo, estes serviços emitem uma etiqueta, através dos meios informáticos, a qual contém a identificação do número do registo que lhe foi atribuído e que fica aposta na correspondência entregue.

X. É nosso entendimento, e salvo o devido respeito por melhor opinião, que do exposto resulta a demonstração categórica da entrega da carta de notificação junto dos CTT, na medida em que é este serviço que emite a etiqueta com o número identificativo do registo, que se encontra aposta na carta.

XI. Como é do conhecimento geral, são os CTT que emitem os talões de registo, nos quais o consumidor preenche os campos do remetente, do destinatário e dos serviços pretendidos e apenas com a entrega da carta nos serviços dos CTT, é gerada uma etiqueta de registo, com o mesmo número que consta no talão de registo respetivo, pelo que apenas após a entrega da carta junto de serviços dos CTT é possível a obtenção da etiqueta aposta na carta de notificação em causa nos presentes autos.

XII. Não carecendo de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral (Cf. artigo 514.º CPC), a etiqueta de registo, aposta na notificação constante dos autos consubstancia o “recibo de aceitação” da carta registada pelos serviços postais, previsto nos n.ºs 2 e 4 do artigo 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios, e que é documento idóneo para provar que a carta foi remetida e colocada ao alcance do destinatário.

XIII. Pelo que, com a exibição da etiqueta de registo aposta da carta expedida sob registo, a qual consubstancia o recibo da apresentação em mão, a administração tributária produziu prova suficiente do “recibo de aceitação” da carta registada pelos serviços postais e, não tendo a carta sido devolvida, presume-se que a notificação se efetuou no 3.º dia posterior ao registo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT.

XIV. É assim nosso entendimento que a factualidade assente na alínea D) está em contradição com o ponto 2 dos factos não provados, na medida em que a douta sentença proferida, dá como provado que a carta de notificação, para efeitos de audição prévia, foi remetida por correio registado sob o n.º RM35911...PT, para a morada da oponente (cf. fls. 43 do PEF apenso), mas considera resultar como não provado que a notificação referida em D) tenha sido colocada à disposição da oponente na morada nela indicada.

XV. Deste modo, se ficou assente na sentença a quo que a carta foi remetida por correio registado, foi integralmente cumprido o ónus de prova que recaía sobre a AT, relativo à emissão da carta de notificação do ato tributário e o registo nos serviços postais, através da apresentação da carta em mão, mediante recibo- entendimento este acolhido pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.5.2012, proferido no processo n.º 01181/11 e mencionado na douta sentença proferida.

XVI. Pelo exposto, deveria a factualidade dada como assente na alínea D) do probatório ter sido melhor valorada e considerada pelo respeitoso Tribunal a quo, retirando as ilações jurídico-factuais corretas do acervo documental constante dos autos, especialmente o constante a fls. 43 do PEF apenso.

XVII. Aqui chegados, afigura-se-nos que a douta sentença a quo deveria ter conferido uma maior acuidade ao escopo das normas contidas nos artigos 99.º da LGT; artigo 13.º, 35º a 39º do CPPT; artigo 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC); artigos 411.º, 436.º e 662.º ambos do CPCivil, aplicáveis ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT.

XVIII. E deviam ter sido acolhidos e devidamente ponderados os princípios antiformalistas, "pro actione" e "in dubio pro favoritate instanciae", o princípio da degradação das formalidades essenciais em não essenciais, o princípio da oficialidade, o princípio do Inquisitório, bem como as regras da experiência comum, combinada com a mais recente jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.

XIX. A factualidade assente, o acervo documental dos autos, e os demais elementos constantes dos autos, deveriam ter conduzido à conclusão de improcedência da oposição, pois que o acervo factual do caso vertente não tem a devida correspondência com a forma como as normas jurídicas que fundamentam da decisão sindicada, deveriam ter sido aplicadas e interpretadas, causando assim erro de julgamento.

XX. Por outro lado, a vicissitude processual suscitada pela recorrida, não tem correspondência na realidade, atenta a existência do registo da carta de notificação e dada como provada no item D) dos factos dados como assentes, sendo certo que esta também se concretizou através da citação da reversão.

XXI. O direito de audição, consagrado no artigo 60º da LGT abrange a faculdade do contribuinte se pronunciar sobre a fundamentação de facto e de direito do projeto de decisão, bem como e a faculdade de apresentar quaisquer elementos de prova admissíveis em direito (cfr. artigos 50º do CPPT e 72º da LGT), suscetíveis de conduzir a Administração Tributária a decisão em sentido diverso (da constante do projeto de decisão).

XXII. Assim, na hipótese de não ter sido cumprido o preceituado no artigo 60.º da LGT, o que não se aceita e apenas se coloca por mera hipótese e necessidade de raciocínio, cumpre referir que a decisão de reversão seria a mesma,

XXIII. Porque nenhum dos fundamentos aduzidos na oposição deduzida (além do argumento que conduziu à procedência da oposição) conduziria à anulação do despacho de reversão, o que resulta cabalmente demonstrado na douta sentença a quo, atenta a prova produzida, relativamente ao exercício das funções de gerente de facto pela recorrida - Cf. alínea H), I) e J) dos factos provados e ponto 1 dos factos não provados.

XXIV. Como inexiste alegação ou junção de qualquer outro elemento de prova, pela recorrida, conducente à anulação do despacho de reversão, este sempre seria proferido, nos precisos termos em que foi proferido, determinando a degradação em formalidade não essencial da alegada (infundadamente) falta de notificação para o exercício do direito de audição- (tanto no despacho de reversão, como posteriormente, recebida a oposição, ao não ter revogado o acto ao abrigo do art. 208º/2 do CPPTributário) - (neste sentido vide Acórdão do STA, 2.ª Secção, no Proc. n.º 0983/11, datado de 30.11.2011).

XXV. E, neste caso a preterição de uma formalidade não implica a sua invalidade, por daí não ter resultado, como efectivamente não resultou, numa lesão efectiva e real dos interesses ou valores protegidos pela norma alegadamente violada.

XXVI. Por fim, o princípio do inquisitório, plasmado nos artigos. 13.º do CPPT e 99.º da LGT, visa a superação de insuficiências de alegação e de prova das partes, sem ferir a limitação relativa aos factos alegados e de conhecimento oficioso,

XXVII. Concretizando, salvo o devido respeito por melhor opinião, a douta sentença a quo deveria ter sido precedida pela realização das diligências necessárias para apuramento da verdade material, o que, a não ter sucedido, constitui uma insuficiência de instrução, de qual resulta a anulação da decisão, nos termos previstos no artigo 662º/CPCivil ex vi art. 2.º, al. e) do CPPTributário.

XXVIII. Dito por outras palavras, face à prova apresentada pela administração tributária, referente ao envio da notificação para direito de audição prévia, e antes de decidir pela sua insuficiência, afastando a presunção de que as mesmas haviam sido recebidas, deveria o Tribunal proceder a diligências adicionais (em abono do princípio da descoberta da verdade material e em respeito ao princípio do inquisitório e da aquisição processual de prova e dos factos) e só depois proceder à sua valoração (manifestando a sua posição mediante a qualificação deste facto como provado ou não provado).

XXIX. É assim nosso entendimento que a douta sentença a quo violou o disposto no n.º 1 do artigo 99.º da LGT, n.º 1 do artigo 13.º do CPPT e, ainda, o disposto nos artigos 411.º e 436.º, ambos do CPCiviI ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT.

XXX. Em suma, a douta sentença proferida a quo fez, a nosso ver, relativamente à questão aqui tratada, uma incorreta valoração da prova documental que a fundamenta, incorrendo assim em erro de julgamento de facto e de direito, devendo, por esse motivo, ser revogada, com as legais consequências, mantendo-se na ordem jurídica o despacho de reversão, objeto de oposição.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exªs., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”


***

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

***


A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, por deficit instrutório, alegando, designadamente, para o efeito que “[a] matéria fáctica é insuficiente para permitir a conclusão extraída pela douta sentença. Acresce, que havendo dúvidas sobre a expedição da carta registada e concretização da notificação, deve o Tribunal, nos termos do artigo 13.º do CPPT e 95.º, nº1 da LGT, encetar as diligências necessárias, notificando a parte para apresentar comprovativo da expedição da carta, nomeadamente, talão de aceitação da carta pelos serviços do CTT pois através do mesmo se poderá ver se corresponde ao registo constante do termo de notificação de fls. 42 do PEF apenso.”

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal a quo fixou a seguinte factualidade:

“1. De Facto

Com interesse para a decisão da causa considera-se assente a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) Em 11.03.2004 e 19.07.2004 foram emitidas pelo Serviço de Finanças, em nome da sociedade “S..., LDA”, as certidões de dívida cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, relativas a dívidas de IVA dos períodos de abril, maio e julho a novembro de 2003, respetivamente nos valores de € 4.095,79, € 5.158,84, € 2.816,13, € 3.469,80, € 3.464,63, € 2.580,85 e € 2.644,38, cujos prazos de pagamento voluntário terminaram em 11.06.2003, 10.07.2003, 10.09.2003, 10.10.2003, 10.11.2003, 10.012.2003 e 12.01.2004, as quais deram origem aos processos de execução fiscal (PEF’s) n.ºs 3140200401... e 31402004010..., apensados ao PEF n.º 31402003010..., eleito processo principal – cf. fls. não numeradas do PEF apenso.

B) Em 09.09.2009 foi elaborada informação no PEF identificado em A), onde foi feito constar, além do mais, não terem sido identificados bens penhoráveis em nome da sociedade através das diligências de pesquisa no sistema informático da DGCI, mais identificando os gerentes da sociedade – cf. fls. não numeradas do PEF apenso.

C) Por despacho de 09.09.2009 foi ordenada a notificação da aqui Oponente para efeitos do exercício do direito de audição prévia com vista à reversão no PEF n.º 31402003010... e aps., pelo valor total de € 54.117,82 – cf. fls. 43 do PEF apenso.

D) A carta de notificação para efeitos de audição prévia foi remetida para a morada da ora Oponente por correio registado sob o n.º RM35911...PT – cf. fls. 43 do PEF apenso.

E) Por despacho de 28.09.2009 foi determinada a reversão contra a ora Oponente, pelo valor de € 24.846,30, relativo a dívidas de IVA de 2003 e IRC de 2002, com os fundamentos de fls. 47 do PEF apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e que se baseia, além do mais, na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT – cf. fls. 47 do PEF apenso.

F) Em 29.12.2009 o ora oponente foi citada para a execução fiscal identificada e A), mediante nota afixada na porta da sua residência, em cumprimento do mandado de citação emitido em 16.12.2009 – cf. fls. finais não numeradas do PEF.

G) A sociedade “S..., LDA” foi constituída em 23.02.1994, pela ora Oponente, S... e N..., tendo por objeto o comércio a retalho de artigos têxteis, artigos de vestuário, calçado, perfumaria e bijuteria – cf. fls. 19 a 23 do PEF apenso.

H) A referida sociedade “S..., LDA” obrigava-se com a assinatura de dois gerentes, tendo sido designados gerentes os três sócios fundadores identificados em G) – cf. fls. 30a) e 30b) do PEF apenso.

I) A ora oponente assinou documentos relacionados com a gestão da sociedade – por confissão (cf. art.º 32.º da p.i. e 9.º da contestação).

J) A ora Oponente assumiu no estabelecimento comercial da sociedade “S..., LDA” as mesmas funções dos demais sócios, designadamente, contratou funcionários, contactou com fornecedores e tomou decisões, tal como assinava cheques em conjunto com o sócio N... – prova testemunhal.


***

O Tribunal a quo fixou como factualidade não provada o seguinte:

“Com interesse para a decisão da causa, resultam não provados os seguintes factos:

1) Que a ora Oponente renunciou à gerência no ano de 2000 (cf. artigos 33.º da petição inicial).

2) Que a notificação para efeitos de audição prévia mencionada em D) tenha sido colocada à disposição da ora Oponente na morada nela indicada (cf. artigo 5.º da contestação).”


***

Consta na motivação da decisão de facto, que “a decisão da matéria de facto assenta nos documentos constantes dos autos, conforme indicado nas respetivas alíneas do probatório, os quais não foram impugnados nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade, com base na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados e, ainda, com fundamento no depoimento da testemunha S..., que foi objetivo, demonstrando conhecimento direto dos factos sobre os quais foi questionada, contribuindo para a formação da convicção do tribunal no que respeita ao facto dado como provado em J).

Quanto aos factos julgados não provados resulta da falta de elementos de prova que, atenta a natureza dos mesmos, haveria de ser documental.”


***

III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a oposição à execução fiscal, por falta de demonstração da expedição da notificação para efeitos de audição prévia, ficando, por isso, afastada a presunção do artigo 39.º, nº1, do CPPT, e cominando, nessa medida, de anulabilidade o despacho de reversão proferido.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, compete ao Tribunal ad quem aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao decidir que a Recorrida não foi notificada para efeitos de audição prévia, no âmbito do processo de execução fiscal nº 31402003010... e apensos.

Apreciando.

A Recorrente defende, desde logo, que a factualidade assente na alínea D) está em contradição com o ponto 2 dos factos não provados, na medida em que dá como provado que a carta de notificação, para efeitos de audição prévia, foi remetida por correio registado sob o n.º RM35911...PT, para a morada da oponente (cf. fls. 43 do PEF apenso), mas considera resultar como não provado que a notificação referida em D) tenha sido colocada à disposição da oponente na morada nela indicada.

Porém sem razão. Senão vejamos.

Como visto a Recorrente entende que existe uma contradição constante na factualidade inserta no probatório -a qual configura enquanto erro de julgamento, nunca arguindo qualquer nulidade da decisão recorrida-, concretamente, entre a factualidade contemplada na alínea D), e a factualidade constante no facto não provado nº2.

Comecemos, então, por convocar o teor das visadas alíneas.

A alínea D) do probatório apresenta o seguinte teor:

“A carta de notificação para efeitos de audição prévia foi remetida para a morada da ora Oponente por correio registado sob o n.º RM35911...PT – cf. fls. 43 do PEF apenso.”

Por seu turno, a factualidade não provada contempla a seguinte redação:

“Que a notificação para efeitos de audição prévia mencionada em D) tenha sido colocada à disposição da ora Oponente na morada nela indicada (cf. artigo 5.º da contestação).”

Ora, cotejando as aludidas alíneas entende-se que as mesmas não são contraditórias e conflituantes, porquanto, pese embora se reconheça que a redação da alínea D) não é tão clara quanto se impõe, e possa, em rigor, dar azo a alguma confusão interpretativa, a verdade é que da interpretação conjugada das mesmas verifica-se que o julgador apenas pretendeu consignar como provado que foi emitido um documento, endereçado para a Recorrida, do qual constava a evidência do registo alfanumérico nele contemplado, não resultando, contudo, provado que a aludida notificação tenha sido colocada à disposição na morada visada, razão pela qual contempla tal asserção fática enquanto factualidade não provada. Aliás, atentando na fundamentação jurídica da decisão recorrida resulta evidente que foi esse o juízo de valoração do Tribunal a quo.

Assim, entende-se que as aludidas alíneas não são contraditórias, contudo e por forma a melhor clarificar a realidade fática em contenda, o Tribunal ad quem, procede à alteração da redação da factualidade contemplada em D), passando a mesma a contemplar a seguinte redação:

D) A 09 de setembro de 2009, foi emitido pelo Serviço de Finanças da Amadora 2, documento intitulado como “Notificação Audição-Prévia (Reversão)”, endereçado para a ora Recorrente, para a morada Rua V...-Quinta da Beloura, contemplando, no canto superior direito, a menção a um registo alfanumérico RM 35911...PT”, e com teor que infra se reproduz:


«Imagem no original»

(Cfr. fls. 42 PEF)

***

Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto, vejamos, então, se assiste razão à Recorrente quando aduz que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto.

A Recorrente propugna, ab initio, que encontrando-se provada a emissão da carta de notificação, bem como a realização do seu registo ao qual foi atribuído o n.º RM35911...PT, ter-se-ia de considerar, necessariamente, que a Recorrente foi notificada para exercer o direito de audição prévia.

Com efeito, sustenta que o evidenciado número de registo que se encontra aposto no despacho, constitui uma prova indubitável do ato de registo da carta e da sua receção pelos serviços dos CTT, porquanto a etiqueta de registo é emitida informaticamente pelos CTT e colada na carta no momento em que é efetuado o registo, sendo que os factos notórios não carecem de alegação, nem de prova.

Concluindo, assim, que a exibição da etiqueta de registo aposta da carta expedida sob registo, consubstancia o recibo da apresentação em mão, donde a AT fez prova suficiente do “recibo de aceitação” da carta registada pelos serviços postais, logo não tendo a carta sido devolvida, presume-se que a notificação se efetuou no 3.º dia posterior ao registo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT.

De todo o modo, sustenta que a decisão recorrida deveria ter sido precedida da realização das diligências necessárias para o apuramento da verdade material, o que, a não ter sucedido, constitui uma insuficiência de instrução, com a consequente anulação da decisão, nos termos previstos no artigo 662.º do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT.

Concretizando, neste particular, que face à prova apresentada pela AT, referente ao envio da notificação para direito de audição prévia, e antes de decidir pela sua insuficiência, afastando a presunção de que as mesmas haviam sido recebidas, deveria o Tribunal a quo ter procedido a diligências adicionais, em ordem ao cabal cumprimento do princípio da descoberta da verdade material e em respeito ao princípio do inquisitório e da aquisição processual de prova e dos factos, e só depois proceder à sua valoração (manifestando a sua posição mediante a qualificação deste facto como provado ou não provado).

Apreciando.

Como visto, a questão a dirimir no presente recurso, consiste em determinar se a AT fez ou não prova de que notificou a Recorrente para o exercício do direito de audição de prévia, e assentindo-se pela ausência de prova se existe deficit instrutório, que acarrete a anulação da decisão recorrida.

Comecemos por convocar a fundamentação jurídica em que assentou a procedência decretada pelo Tribunal a quo.

A decisão recorrida após proceder à concretização dos conceitos de direito que relevam para o caso vertente, e à competente transposição para o acervo fático dos autos, sustenta que “[n]ão resta dúvida que a Administração Tributária emitiu o documento de “NOTIFICAÇÃO-AUDIÇÃO PRÉVIA (Reversão)”, conforme resulta de fls. 42 do PEF apenso, contudo, não logrou demonstrar que o mesmo foi enviado à respetiva destinatária porquanto, para além da ausência do recibo de aceitação da carta registada pelos serviços postais, previstos nos n.ºs 2 e 4 do artigo 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios, nenhum outro elemento consta dos autos do qual seja possível retirar a conclusão de que a carta em causa foi efetivamente remetida e colocada à disposição da destinatária e que esta só não acedeu à mesma porque não teve interesse nisso, circunstancialismo de facto necessário para poder fazer funcionar a presunção de notificação no 3.º dia seguinte ao do registo, sendo certo, além do mais, que nem sequer resulta dos autos qual a data em que terá ocorrido o registo correspondente ao n.º aposto na referida carta de notificação, desconhecendo-se, em última instância, e perante a inexistência do mencionado recibo de aceitação por parte dos serviços dos CTTT, se a carta chegou a ser expedida.”

Concluindo, assim, que “[v]indo alegada a falta de notificação para efeitos de audição prévia, não logrou a Fazenda Pública, como se lhe impunha, demonstrar a remessa da respetiva notificação. Como tal, fica afastada a presunção do n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, procedendo a alegação da Oponente e, em consequência a presente oposição, uma vez que a falta de notificação para o exercício do direito de audição gera, no caso, a invalidade do despacho de reversão proferido (invalidade, que se traduz na anulabilidade do despacho).”

Vejamos, então, se a decisão recorrida padece do erro de julgamento que lhe é assacado, convocando o regime jurídico que releva para o caso dos autos.

Resulta do artigo 23.º, nº4, da LGT que a AT está obrigada a assegurar a audiência prévia do visado antes da reversão, constando inequivocamente no aludido normativo que “a reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação”.

Por seu turno, estabelece o artigo 60.º, nº 4, da LGT, que tal notificação para o exercício do direito de participação deve ser concretizada por correio postal registado dimanando da letra da lei que “o direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte”.

Mais dispõe, o artigo 36.º, n.º 1, do CPPT que: “[o]s atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”, pelo que entre os referidos pressupostos figura a notificação validamente efetuada ao sujeito passivo.

De convocar, outrossim, o consignado no artigo 39.º, nºs 1 e 2 do CPPT, o qual a propósito das notificações efetuadas por carta registada consigna, expressamente, que:

“1 - As notificações efetuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

2 - A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efetiva da receção.”

De relevar, outrossim, e no atinente à presunção consignada no citado normativo que a mesma apenas atua caso a notificação tenha sido concretizada de acordo com os formalismos legais, concretamente, expedição de carta registada para o domicílio da pessoa a notificar, circunscrevendo-se o ónus de tal demonstração na esfera jurídica da AT.

Mais importa ter presente que a aludida presunção apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida, conforme se infere, desde logo, do teor citado no nº 2 do artigo 39.º do CPPT, na qual se retira que apenas se admite a possibilidade de ilidir a presunção demonstrando que a notificação ocorreu em data posterior à presumida, e já não quando a notificação não tiver ocorrido, nomeadamente, porque a carta foi devolvida.

Neste particular, convoque-se o sumariado no recente Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0435/16, de 10 de março de 2021, do qual se extrata, na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“IV - De acordo com a lei, a notificação (no caso, do revertido) com vista ao exercício do direito de audição prévia à decisão de reversão deve realizar-se através de carta registada a enviar para o seu domicílio fiscal (cfr.artº.60, nº.4, da L.G.T.).

V- A presunção prevista no citado artº.39, nº.1, do C.P.P.T., tem como pressuposto que a notificação tenha sido efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar. Mais se devendo referir que o ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação cabe à Fazenda Pública.

VI - A presunção sob exame apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida, como se pressupõe no nº.2 do mesmo preceito, em que apenas se admite a possibilidade de ilidir a presunção demonstrando que a notificação ocorreu em data posterior à presumida, e já não quando a notificação não tiver ocorrido, nomeadamente, porque a carta foi devolvida (1). "

Visto o direito que releva para o caso vertente, vejamos o que resulta da factualidade assente.

Atentando no recorte probatório dos autos, apenas se retira que foi emitido pelo Serviço de Finanças competente, um documento intitulado de audição prévia, endereçado para a Recorrida e com o teor descrito em D) supra, não se podendo, de todo, extrapolar que esse documento foi, efetivamente, expedido por carta registada, para o domicílio da Recorrida.

É certo que, o mesmo contempla uma indicação alfanumérica, porém contrariamente ao propugnado pela Recorrente tal não permite, sem mais, retirar, com segurança, que existiu expedição registada desse ofício. Até porque, esse código alfanumérico não consta em qualquer envelope/carta de envio, mas apenas aposto nesse mesmo ofício, sendo que é a própria Recorrente que reconhece que qualquer código tem de ficar aposto na correspondência entregue. E, de facto, dos autos não consta o envelope da carta enviada, nem o talão de aceitação dos serviços dos CTT.

Acresce que, nada se sabe da concreta data de expedição e do resultado da mesma.

De sublinhar, outrossim, que carece de qualquer fundamento a alegação da Recorrente no sentido de que nos encontramos perante factos notórios, carecendo, necessariamente, de uma inequívoca e casuística prova. Note-se, ademais, que tal esteira de entendimento afrontaria as normas constitucionais de notificação dos atos administrativos que afetam os direitos e interesses protegidos dos contribuintes, cuja concretização prática depende do seu conhecimento e cuja prova tem de ser particularizada e pormenorizada.

Pelo que, não logra provimento a alegação da Recorrente no sentido de que a “etiqueta de registo, aposta na notificação constante dos autos consubstancia o “recibo de aceitação” da carta registada pelos serviços postais (…) e que é documento idóneo para provar que a carta foi remetida e colocada ao alcance do destinatário.”

Resulta, assim, que nos autos não foi feita qualquer prova da expedição do ofício referente à audição prévia e naturalmente do seu curso, mormente, que não foi objeto de qualquer devolução.

Porém, aqui chegados, somos confrontados com a questão inerente ao inquisitório, arguida pela DRFP e reiterada pelo DMMP, no sentido de que o Juiz devia ter requerido elementos atinentes a suprir essa falta prova.

E, de facto, ainda que o princípio do inquisitório não possa servir para eximir as partes do cumprimento do ónus probatório que sobre as mesmas impende, a verdade é que alegando a Recorrente que não foi notificada para exercer o direito de audição prévia e entendendo-se que os elementos constantes no PEF apenso não são suficientes para se concluir que foi expedida carta registada e que a mesma chegou ao conhecimento do visado, o Tribunal a quo deveria ter ido mais além.

Com efeito, sendo controversa a questão da, efetiva, expedição para efeitos de notificação de audição prévia em sede de reversão, torna-se prematuro julgar afastada a presunção do n.º 1 do artigo 39.º do CPPT- até porque só com o preenchimento dos pressupostos factuais de rigor e formalismo garantístico, acima elencados, é que a presunção ínsita no nº 1 do artigo 39º do CPPT poderá funcionar- e julgar procedente a alegação da Oponente no sentido da falta de notificação para o exercício do direito de audição, sem que os autos forneçam todos os elementos de facto suficientes à pronúncia sobre essa questão.

Impunha-se, por isso, ao Tribunal a quo, e atento o princípio do inquisitório e da oficiosidade (artigo 13.º, n.º 1, do CPPT), ordenar ou realizar as diligências úteis e pertinentes para o apuramento da verdade, nomeadamente, solicitando à AT todos os elementos documentais que permitam comprovar, de forma segura e inequívoca, que o ofício visado em D), foi expedido por carta registada e que o mesmo não foi objeto de qualquer devolução, mormente, talão de expedição de registo individual, registos coletivos emitidos pelos CTT, e outros elementos documentos atinentes ao efeito.

Assim, face ao exposto não tendo sido carreados para os autos quaisquer elementos probatórios que atestem, de forma inequívoca, a notificação para o exercício de audição prévia, e não tendo o Juiz do Tribunal a quo, investido do seu poder inquisitório requerido, de forma expressa e inequívoca, a junção de suportes documentais que atestassem tal notificação, omitindo, assim, a realização diligências de prova suscetíveis de conduzir à fixação de factos capazes de alterar a decisão de direito, ter-se-á de concluir pela existência de deficit instrutório.

Conclui-se, assim, que a factualidade pertinente para a decisão da notificação para efeitos de audição prévia, não foi, devidamente, indagada, fixada e ponderada na decisão recorrida, pese embora a sua relevância nos termos acabados de enunciar. Consequentemente, padece de deficit instrutório a sentença que decide as evidenciadas questões sem que dos autos constem elementos que permitam decidir os aludidos vícios (2).

Impondo-se, por isso, anular a decisão recorrida, de molde a permitir que, no Tribunal a quo, sejam efetivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos factos apontados como deficitariamente instruídos, e demais diligências que se afigurem pertinentes para percecionar, de forma rigorosa e fidedigna a realidade dos factos.

Destarte, determina-se a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que, após instrução e ampliação do probatório fixado nos termos suprarreferidos, decida dos aludidos vícios.

Como tal, resulta prejudicada a apreciação dos demais fundamentos.


***


IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

CONCEDER PROVIMENTO ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova e diligências instrutórias, conforme acima se indica.

Sem Custas.

Registe. Notifique.


Lisboa, 16 de setembro de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha]

Patrícia Manuel Pires


------------------------------------------------------------------------------
(1) No mesmo sentido, vide, designadamente, os Acórdãos do STA, prolatados nos processos nºs 329/15, de 15.02.2017, 309/14, de 28.01.2015, 472/13, de 29.05.2013 e 270/09, de 06.05.2009.
(2) Vide, designadamente, Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 00982/04, de 01.06.2017.