Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02065/07
Secção:CT-2ºJUÍZO
Data do Acordão:10/07/2008
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IVA.
NULIDADES PROCESSUAIS.
NULIDADE POR FALTA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS.
OPERAÇÕES SIMULADAS.
ÓNUS DE PROVA DA LEGALIDADE DA ACTUAÇÃO DA AT.
Sumário:I) -As nulidades processuais que tenham sido cometidas antes de proferida a sentença, mas por esta sancionadas, ainda que de modo implícito, se apenas conhecidas pelo interessado depois da sentença, devem ser arguidas no recurso interposto desta, desde que seja recorrível, pois é o recurso o meio processual adequado para reagir e de conhecer aquela nulidade.
II) -No processo de impugnação judicial, se o juiz considerar que a questão a dirimir é exclusivamente de direito ou, sendo também de facto, que o processo contém já todos os elementos que permitam a decisão, deve conhecer do pedido de imediato, depois de dar vista ao Ministério Público (cfr. arts. 113.º, n.º 1, e 114.º, do CPPT), não havendo lugar à produção de prova nem às alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT.
III) -Nesse caso, nem a falta de inquirição das testemunhas nem a falta de notificação para alegações constituem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, antes pelo contrário.
IV) -Sem embargo do predito, sempre a decisão do juiz de dispensar a produção da prova poderá ser sindicada em sede de recurso da sentença, onde, não só as partes podem invocar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente (cfr. art. 712.º, n.º 4, do CPC, por força dos arts. 792.º e 749.º, do mesmo Código, e 2.º, alínea e), do CPPT).
V) -A questão dos meios probatórios é uma questão processual, prévia e instrumental em relação à decisão final. Consequentemente, saber se determinados factos deviam ou não ter sido objecto de apreciação na sentença, por serem relevantes para o enquadramento jurídico das questões a apreciar e decidir, é matéria que se coloca no âmbito da validade substancial da sentença, ou seja, o facto de na sentença não ter sido ou não ter sido considerada dada factualidade referida pelo Recorrente poderá constituir erro de julgamento.
VI) -Só no caso de se entender que sentença recorrida não formava, no domínio dos factos, suporte suficiente à decisão de direito se imporia declarar a realização da inquirição das testemunhas arroladas, mas isso não configura vício de omissão de pronúncia mas eventual erro de julgamento.
VII) -Cabe à administração fiscal indiciar a existência da declaração formal fundamentadora do seu juízo subjectivo quanto à existência de deduções superiores às devidas e provar a pertinência desse juízo, pela enunciação de elementos fáctico - jurídicos convincentes da adequação e correcção desse juízo, o que se alcança através da enunciação de indícios sérios (que traduzam uma probabilidade elevada) de que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido são simuladas.
VIII) –Só se a AT não lograr fazer a prova do bem fundado da formação do seu juízo, é que isso tem de ser valorado contra ela e é obstativo da análise sobre se a impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários que subjazem à dedução de imposto que efectuou.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo:
1. – D……, LDª, com os sinais identificadores dos autos, veio recorrer da sentença do TAF de Sintra que julgou parcialmente procedente a impugnação por si deduzida contra a liquidação de IVA do ano de 1997, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
1. Surgem as presentes alegações no âmbito do Recurso interposto da douta sentença de primeira instância que julgou improcedente a impugnação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referente ao ano de 1997 no montante de 149.816,94 €.
2. As liquidações em causa resultaram do facto dos serviços da AF não terem aceite a dedução do IVA suportado nas facturas emitidas por um prestador de serviços da ora Recorrente por suspeitarem ter havido facturação simulada entre a Recorrente e o referido prestador de serviços - Mas sem qualquer razão ou fundamento, já que tudo o que se prendia com a facturação comprovativa dos custos suportados, estava em conformidade com todas as regras contabilistas e fiscais.
3. Tais liquidações fundamentaram-se num relatório dos Serviços de Inspecção Tributária, datado de 03 de Julho de 2002, no qual foram efectuadas correcções em sede de IVA e IRC.
4. Na sequência da acção inspectiva à ora Recorrente veio a AF a liquidar adicionalmente IVA, com referência aos meses de Janeiro a Setembro de 1997, no montante global € 94.098,78 (Noventa e quatro mil e noventa e oito euros e setenta e oito cêntimos), acrescido de juros compensatórios.
5. A douta sentença proferida em 1ª instância apenas deu como provados os seguintes factos, com fundamento nos documentos juntos aos autos:
1) A ora impugnante exerce a actividade de "D….. e T….." (CAE 4…).
2) No que se refere ao exercício de 1997, a impugnante foi objecto de uma acção de fiscalização externa em sede de IVA e IRC, em cumprimento da ordem de serviço n.° 4….. Paralelamente, na sequência de outra inspecção, realizada ao SP. V………., foram detectadas irregularidades no que diz respeito a prestações de serviços efectuadas à ora Impugnante, o que originou a solicitação de uma revisão ao lucro tributável já fixado.
3) A referida revisão foi concedida por despacho do Director de Finanças de …… de 26.06.2002, tendo sido efectuada uma alteração ao lucro tributável através de correcções meramente aritméticas, nomeadamente em sede de IRC e IVA. No que se refere ao IVA, foram detectadas várias deduções indevidas de imposto, as quais originaram as mencionadas correcções.
4) Do relatório elaborado pelo SIT consta quadro discriminativo das facturas em causa, por n.° de facturas, data e montantes em causa (Vd. Fls. 32 dos autos).
5) A impugnante deduziu a presente impugnação em 29.04.2003.
6. E isto porque o Tribunal "a quo" entendeu conhecer logo do pedido, sem para o efeito ter notificado a ora Recorrente, pelo que não ordenou quaisquer diligências de produção de prova, apesar da ora Recorrente ter requerido produção de prova testemunhal e junto aos autos prova documental que o Julgador ignorou e que a Recorrente considera fundamental para confirmar a justeza e correcção das deduções efectuadas e que as facturas em causa correspondiam efectivamente a trabalhos executados e titulavam operações reais.
7. Assim, sem que tivesse sido ordenada a produção de prova, a douta sentença não pode concluir que cabendo à ora Recorrente comprovar o que alegou em sede de impugnação, a falta de apresentação de elementos que contraditem a liquidação impugnada acarreta a improcedência da impugnação e que as razões que levaram a AF a actuar como actuou não foram contraditadas de modo capaz pela Impugnante ao longo do processo, já que era sobre si que recaía o ónus da prova de que as conclusões da AF estavam erradas.
8. A Recorrente, em sede de impugnação, alegou factos e requereu a produção de prova tendente a comprovar a correcção das deduções de Iva efectuadas e que as facturas em causa titulavam operações reais.
9. Assim, não podia a douta sentença ter sido proferida sem que o Juiz "a quo" ordenasse a produção de prova tendente a comprovar ou pelo menos a apreciar a pretensão da ora Recorrente afigurando-se necessária e conveniente a audição das testemunhas arroladas e demais apreciação da prova.
10. Encontrando-se assim a ora Recorrente limitada no exercício dos seus direitos de defesa já que foi impossibilitada de provar a sua pretensão e de contradizer de modo eficaz as razões que levaram a AF a actuar como actuou, segundo o próprio entendimento do Tribunal "a quo".
11. E porque no caso concreto não se está apenas perante uma questão de direito e nem o processo fornece desde logo todos os elementos necessários à decisão da causa deveria o Tribunal "a quo" ter ordenado as diligências de produção de prova fundamentais ao conhecimento do pedido, já que está obrigado a realizar ou ordenar todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou que de que oficiosamente possa conhecer (Cfr. art. 99° da LGT).
12. Ao conhecer do pedido sem que fossem realizadas ou ordenadas as diligências de produção de prova necessárias e requeridas foi cometida uma omissão de um acto expresso que a lei prescreve e que gera uma nulidade que influiu no exame ou na decisão da causa.
13.A ora Recorrente já tinha sido sujeita a uma acção inspectiva externa, relativamente ao mesmo exercício e imposto, que originou uma correcção aritmética ao lucro tributável.
14. O procedimento de inspecção e os deveres de cooperação devem ser os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização, respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço. (Cfr. n.° 3 do art. 63° da LGT).
15. No caso concreto não se encontram preenchidos os requisitos necessários para que pudesse ter havido mais do que um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação.
16. A decisão que ordenou um novo procedimento de inspecção à ora Recorrente não foi fundamentada com base em factos novos, nem a mesma visou apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invocou perante a Administração Tributária, pelo que o novo procedimento de inspecção do qual resultou a correcção meramente aritmética à matéria colectável foi ilegal.
17. Nos termos do n.° l do art. 75 da LGT, presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na Lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
18. Sendo certo que, a presunção da veracidade da escrita do contribuinte cessa quando a Administração Tributária recolher indícios sérios e credíveis de que as operações constantes das facturas não se realizaram efectivamente, competindo à AF o ónus da prova dos factos constitutivos do direito de liquidar ou corrigir a matéria tributária.
19. A AF, alegou, para proceder a correcções meramente aritméticas à matéria colectável, que tinha "fundadas suspeitas" de que tais serviços não terão sido efectuados, e isto porque:
a)"Não conseguiu contactar o sujeito passivo V……., não obstante as diligências efectuadas para o efeito", - Que não se sabe quais foram.
b) "Na elaboração das facturas, o mesmo indicou várias viaturas, nenhuma delas da sua propriedade", - O que é falso.
c) Que foram contactados e ouvidos os seus "legítimos proprietários", no sentido de saber se tais camiões estiveram ao serviço do SP V……...
20. Foram essas as únicas e fundadas dúvidas e fundamentos que levaram a AF a não aceitar os valores constantes das várias facturas emitidas pelo fornecedor e prestador de serviços da ora Recorrente V…….. e a proceder a correcções meramente aritméticas em sede de Iva no montante de € 94.098,78.
21. A douta sentença entendeu que perante o facto do SP V…….. ter indicado nas respectivas facturas e guias de remessa várias viaturas que nunca foram sua propriedade e tendo sido inquiridos em 2001, cerca de quatro anos após os factos, os proprietários dessas mesmas viaturas, os quais declararam que não tinham concedida autorização para as mesmas ao SP V…….., e que a sua utilização e inclusão nas referidas facturas tinha carácter abusivo, encontrava-se devidamente fundamentado o entendimento da AF que estávamos perante operações simuladas e que a mesma terá carreado para os autos indícios objectivos credíveis e sérios comprovativos de que existem operações declaradas que não tiveram existência real, pelo que satisfez o ónus da prova sobre os pressupostos dos factos constitutivos do direito de corrigir a matéria tributável.
22.Assim, não pode a ora Recorrente conformar-se com a douta sentença já que é inaceitável qualquer correcção em sede de IVA com base nos factos e fundamentos evocados pela AF, tanto mais que, os documentos comprovativos dos custos suportados estão em conformidade com todas as regras contabilísticas e fiscais e tais valores foram apurados na contabilidade da ora Recorrente que se encontra devidamente organizada e reflecte a situação real da empresa, relevando, por isso, o rendimento real da Recorrente com vista à tributação em sede de IVA e IRC (Cfr, art. 51° n.° 2 do CIRC), além do mais foram emitidas por um prestador de serviços subcontratado para a realização de determinados trabalhos que a Recorrente executou aos seus clientes no âmbito da sua actividade.
23. E para o apuramento do imposto devido os sujeitos passivos têm direito a deduzir, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuarem, o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados de forma legal por outros sujeitos passivos (Cfr. nºs l e 2 do art. 19° do CIVA).
24. A AF está obrigada a tributar as empresas fundamentalmente pelo seu rendimento real, como aliás é imposto pelo CIRC e art. 104° da CRP, e só pode fixar e liquidar adicionalmente IVA que tenha por base operações que o sujeito passivo presumivelmente tenha efectuado, desde que, sem quaisquer margens para dúvidas - o que não é o caso - se apure terem sido praticadas omissões ou inexactidões (Cfr. art. 82° do CiVA).
25. A ora Recorrente alegou factos que comprovam que as facturas titulam operações reais e a AF, por intermédio dos seus serviços de inspecção, dispunha de outros elementos para confirmar se os serviços foram ou não efectivamente realizados, nomeadamente junto dos Donos das Obras.
26. A verdade é que a Recorrente subcontratou o SP V……… para que este efectuasse, nas diversas obras que tinha em curso, vários trabalhos de fretes ou transportes desses locais para os vazadouros, esses trabalhos foram realizados quer directamente pelo SP V…………, quer por outras pessoas ou entidades ao seu serviço.
27. Os valores facturados e constantes das facturas postas em causa não se reportam apenas à utilização dos camiões referidos nos anexos l, 2, 3 e 4 do relatório dos SU, nessas facturas são mencionados outros veículos, matriculas e máquinas que não são referidos nas declarações que constituem o anexo l, 2, 3 e 4 do relatório do SU.
28. À Recorrente apenas lhe é exigível documentar devidamente os respectivos custos incorridos com a sua actividade, desde que correspondam a efectivos serviços, como foi o caso e sempre que essas pessoas processam facturas que nada têm de irregular, pois tratam-se de documentos formal e legalmente correctos, emitidos de acordo com os requisitos exigidos pelo artigo 35° do CIVA, comprovativos dos efectivos custos suportados pela Recorrente, e que indicam o nome e domicilio do prestador de serviços, o destinatário da obra, os números de identificação fiscal, a quantidade de trabalho efectuado, o preço, as taxas aplicadas e o montante do imposto devido, tais documentos não podem ser postos em causa, tanto mais que, os documentos de suporte em causa reúnem todos os requisitos exigíveis pelo art. 35° do CIVA e permitem quer à Recorrente quer à AF efectuarem um controlo substancial da operação que se pretende documentar e tributar.
29. Por outro lado, o facto de ter sido considerado aquele valor como custo na ora Recorrente teve, com toda a certeza, o correspectivo tratamento como proveito pela entidade emitente da factura e, se porventura, o SP V…….., não tivesse contabilizado aqueles valores como proveitos, então caberia à Administração Fiscal accionar os necessários mecanismos afim de proceder à correcção dos proveitos daquela entidade.
30. Assim torna-se evidente que o referido montante é de considerar custo para efeitos fiscais, porquanto o mesmo foi comprovadamente indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto da Recorrente, nos termos do art. 23° do CIRC.
31. E se esses prestadores de serviços não têm a situação tributária regularizada ou se os serviços têm dificuldades na sua localização, a Recorrente é totalmente alheia a esse facto e não lhe pode ser imputada qualquer responsabilidade por tais acontecimentos.
32. Tais documentos não podem ser colocados em causa pelo simples facto das viaturas indicadas nas facturas não serem propriedade do SP, segundo terá sido apurado pelos Serviços de Inspecção, como não lhe é exigível saber se os veículos utilizados nos trabalhos, e indicados nas facturas, eram propriedade do SP V…….., se eram alugados, emprestados, ou a que titulo é que este os utilizava, ou mesmo se os utilizava abusivamente.
33. O que resulta dos termos de declarações a Fls. não é o alegado pelos Serviços de Inspecção, isto é, que: "(..) as suas viaturas, nunca foram, a qualquer titulo, postas à disposição de tal SP(...)",
34. O que é referido pelos Declarantes a Fls. (anexo l, 2, 3 e 4 ao relatório do SIT) é o seguinte:
"(...) toda a facturação processada por tal senhor, onde essa mesma viatura foi incluída, só pode ter sido de forma abusiva, porquanto, nunca por mim lhe foi dado qualquer consentimento (...)" (anexo 1).
"(—) Nunca por mim, foi autorizada a qualquer título inclusão de tal viatura nas facturas (...)" (anexo 2)
"(...) todavia e apesar de ser do meu conhecimento pessoal nunca por mim foi autorizado a processar facturas com a inclusão do mesmo, (...)." (anexo 3).
35. A realidade é que todos os declarantes conhecem e têm domicilio na mesma área do SP V…….., ou seja T………, todas as matrículas indicadas são efectivamente de camiões, e à data dos factos os SP ouvidos pela AF na qualidade de proprietários dos veículos referidos nas facturas e guias de remessa nem sequer eram os seus proprietários (Cfr. anexo 2 do relatório e Doe. n.° 15, anexo 3 do relatório e Doe 16 e 17 junto com a pi.).
36. Acresce ainda que à data dos factos o veículo de marca I…., matricula …….. era efectivamente propriedade do SP V……….. (Cfr. anexo 4 do relatório e Doe. 18 junto à pi.), o mesmo SP que a Administração Fiscal alega não ser proprietário de nenhum dos veículos mencionados nas facturas.
37. A Recorrente com a presente impugnação apenas pretendeu provar que os trabalhos constantes das facturas foram efectivamente realizados e que subcontratou o SP V………. para os realizar e prova disso são as guias de remessa emitidas pelo SP. V……… que identificam e discriminam os trabalhos efectuados, o dia, os locais de carga e descarga, e que se reportam às facturas em causa, encontrando-se os trabalhos e serviços contratados, efectivamente realizados e facturados pelo SP V………..
38. Assim, o que se verifica é que os Serviços da AF., pese embora as dificuldades que tenham tido em contactar o SP (sem que tenha efectuado exaustivas diligências), limitaram-se a não aceitar custos incorridos com determinadas facturas, quando sem fazerem prova de se tratarem de operações simuladas efectuaram correcções ao IVA, o que é manifestamente abusivo, com imposição de um ónus à Recorrente manifestamente desproporcionado e ilegal, uma vez que sujeita os contribuintes a nova tributação ou a uma reacção que sempre lhe acarreta custos, só tendo por objectivo cobrar mais receitas, ignorando os mais elementares direitos dos sujeitos passivos do imposto.
39. De facto, a administração fiscal teve a oportunidade de comprovar se os trabalhos foram efectivamente realizados e se existe qualquer irregularidade ou omissão que justifique o recurso a correcções meramente aritméticas.
40. Em face do exposto, é de reconhecer que os serviços da AF. tiveram a oportunidade de constatar da justeza e correcta aplicação dos procedimentos adoptados pela Recorrente e do total cumprimento das normas jurídico - tributárias.
41. Por todo o exposto a Administração Tributária não recolheu indícios sérios e credíveis de que as operações constantes das facturas não se realizaram efectivamente, sendo certo que lhe competia o ónus da prova dos factos constitutivos do direito de liquidar ou corrigir a matéria tributária, o que não se verifica.
42.Nesta conformidade, foi praticado um acto tributário ilegal por terem sido desrespeitadas as regras jurídico - tributárias, pelo que a Administração Fiscal agiu ilegitimamente ao proceder a correcções de IVA relativo a facturas que se encontram legalmente emitidas e que serviam de suporte documental aos serviços efectivamente realizados, o que constituirá causa da anulação das liquidações,
43. Ademais, sempre se estará perante um acto que teve por base errada fundamentação, como já atrás foi demonstrado, o que acarreta necessariamente a invalidade do acto tributário consubstanciado na liquidação adicional do IVA impugnado e correspondente às liquidações de juros compensatórios, ilegalidades que configuram fundamento de impugnações.
44. Por outro lado, a liquidação do imposto impugnada está ferida de preterição de formalidades legais, na medida em que não foi dado cumprimento ao exigido pela legislação fiscal para que o respectivo acto tributário fosse válido e eficaz.
45. A Administração Fiscal não pode deixar de respeitar os ditames legais exigidos para que os actos de liquidação dos impostos sejam legais, perfeitos e eficazes para o Contribuinte, não podendo ignorar as mais elementares garantias que assistem aos particulares visados quanto à matéria tributária com reflexos directos e imediatos sobre o respectivo património.
46. Assim, para além de não se encontrarem reunidos os requisitos para que fossem efectuadas as liquidações, a Administração Fiscal desviou-se do fim primordial que deve prosseguir e que é o de promover a tributação das empresas segundo o seu lucro real, em conformidade com o principio incito no art. 104° da Constituição da República Portuguesa e as próprias regras jurídico-tributárias.
47. Deste modo, são manifestamente infundadas as liquidações impugnadas e, em consequência, ilegal relativamente ao IVA do período de 1997 e juros compensatórios, atenta a errónea qualificação, o vicio da fundamentação da correcção efectuada e a preterição de formalidades legais, o que, nos termos do art. 99° alíneas a) c) e d) do CPPT, constitui fundamento para a anulação dos actos tributários praticados pela Administração Fiscal.
48. Violou, por isso, a douta sentença recorrida, entre outros, os artigos 99° alíneas a) c) e d)113°, 114° do CPPT, 63° n.° 3, 74° n.° l, 75° n.° l e 99° da LGT, 19° n.° l e 2, 35° e 82 do CIVA, 23° e 51° n.° 2 do CIRC e 104° da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos mais de Direito, entende que deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, por via dele:
Ser verificada e declarada a nulidade alegada e revogada na íntegra a douta sentença recorrida e/ou, em consequência, ser substituída por outra que julgue a impugnação procedente e em consequência anuladas as liquidações de IVA do período de 1997 e juros compensatórios e consequentemente anulados os actos tributários fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA.”
Não houve contra -alegações.
O EPGA teve vista nos autos.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.
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2- Na sentença fixou-se o seguinte probatório:
Factos provados:
Julgam-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa, com fundamento nos documentos juntos aos autos:
1) A ora impugnante exerce a actividade de "D………." (CAE 4…..).
2) No que se refere ao exercício de 1997, a impugnante foi objecto de uma acção de fiscalização externa, em sede de IVA e IRC, em cumprimento da ordem de serviço n.° 4……. Paralelamente, na sequência de outra inspecção, realizada ao s.p. V…………, foram detectadas irregularidades no que diz respeito a prestações de serviços efectuadas à ora impugnante, o que originou a solicitação de uma revisão ao lucro tributável já fixado.
3) A referida revisão foi concedida por despacho do Director de Finanças de …….. de 26/6/2002, tendo sido efectuada uma alteração ao lucro tributável através de correcções meramente aritméticas, nomeadamente em sede de IRC e IVA. No que se refere ao IVA, foram detectadas várias deduções indevidas de imposto, as quais originaram as mencionadas correcções.
4) Do relatório elaborado pelos SIT consta quadro discriminativo das facturas em causa, por n.° de facturas, data e montantes em causa (vd. fl. 32 dos autos).
5) A impugnante deduziu a presente impugnação em 29/4/2003.
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Factos não provados:
Constituindo "matéria [...] relevante" para a solução da "questão de direito" art. 511.°, n.° l, do Código de Processo Civil -, nenhum.
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3. – Atenta a factualidade apurada e aquelas conclusões que delimitam o o seu objecto, a primeira questões que cumpre apreciar e decidir é a de saber se o processo enferma de nulidade por falta de inquirição das testemunhas arroladas pelo Impugnante e por falta de despacho a fundamentar a dispensa da inquirição (conclusões 1 a 12).
Preliminarmente, diga-se que as nulidades arguidas, porque não constam do elenco do art. 98.º do CPPT, só poderão, eventualmente, ser havidas como nulidades secundárias, sujeitas ao regime do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente, ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT(1).
Poderia questionar-se se as ajuizadas nulidades deveriam ser arguidas mediante reclamação dirigida ao Tribunal a quo ou no presente recurso, questão cuja resposta assume relevância, designadamente para aferir da tempestividade da arguição.
Sobre esta questão as opiniões dividem-se pois sustentam alguns que a nulidade processual deverá, nos termos do disposto no art. 205.º, n.º 1, do CPC, ser arguida mediante reclamação perante o tribunal a quo, dentro do prazo fixado pelo art. 153.º do CPC, sendo as únicas excepções as previstas no n.º 3 do referido art. 205.º (quando a expedição do processo, em recurso jurisdicional, se verifica antes de findar o prazo de arguição da nulidade perante o tribunal recorrido, e a existência de um despacho judicial autorizando a prática ou a omissão do acto ou da formalidade);(2) mas outros há que defendem que as nulidades processuais ocorridas antes de proferida a sentença, mas por esta sancionadas, ainda que de modo implícito, se apenas conhecidas pelo interessado com a notificação da sentença, devem ser arguidas no recurso interposto desta, desde que seja recorrível, pois é aquele o meio processual adequado para reagir e de conhecer aquelas nulidades, não a reclamação(3).
Vimos seguindo esta segunda posição, por se nos afigurar a que melhor interpretação faz da lei.
Na verdade a nulidade secundária em que o tribunal incorrer, nos termos do art. 202.º do CPC, em princípio, só pode ser conhecida mediante reclamação a deduzir no prazo de dez dias (prazo geral estabelecido no artigo 153.º do mesmo diploma).
De harmonia com o disposto no artigo 205.º, n.º 1, do CPC, o prazo de dez dias conta-se do conhecimento da nulidade, o que significa que, no caso, a nulidade não estava sanada quando foi proferida a sentença, que acaba por lhe dar cobertura, embora de forma implícita. Como se disse no já referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Abril de 1997, «a nulidade acabou por ficar implicitamente coberta ou sancionada pela sentença, dado que a nulidade cometida se situa a seu montante e o dever omitido se encontra funcionalizado à sua prolação». Assim, e sendo o meio próprio de atacar a sentença o recurso – numa concretização do brocardo “das nulidades reclama-se, das decisões recorre-se” – há que concluir que nada obsta ao conhecimento das nulidade arguidas em sede de recurso(4).
Vejamos, então se, a essa luz, ocorrem as arguidas nulidades processuais.
O Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância, após a apresentação da contestação da Fazenda Pública, porque entendeu que “…para a decisão a proferir não se mostra relevante a prova testemunhal, contendo já o processo a necessária prova documental” mandou abrir vista ao MP o qual emitiu o seu parecer (cfr. fls. 76/77), o que traz explícito o entendimento daquele de que podia conhecer de imediato do pedido, como conheceu.
Vem agora a Recorrente invocar a nulidade por não terem sido inquiridas as testemunhas e por não ter sido proferido despacho a dispensar a inquirição ou, pelo menos, por não ter sido notificado desse despacho, bem como por não ter sido notificado para alegar nos termos do art. 120.º do CPPT.
No ensinamento de MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, pág.176, as nulidades processuais «são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais».
Ora, as invocadas nulidades não constam do rol exaustivo de nulidades insanáveis que o legislador consagrou no art. 98.º do CPPT, motivo por que é à luz do regime do art. 201.º e segs. do CPC que deveremos aferir se estamos perante irregularidades processuais susceptíveis de serem qualificadas como nulidades (secundárias).
Consoante o disposto no art. 201.º, n.º 1, do CPC, «a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».
Vale isto por dizer que as nulidades, enquanto violações da lei processual, têm que revestir uma de três formas: «a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas (art. 201.º, 1)».
É manifesto que a matéria aduzida pela Recorrente para integrar as nulidades que invocou não integra forma alguma das que ficaram apontadas, designadamente a omissão de acto prescrito na lei, a que o Impugnante parece reconduzi-las.
É assim que, quanto à falta de inquirição das testemunhas, cumpre ao juiz avaliar se a questão a dirimir no processo é meramente de direito ou, sendo também de facto, se constam já do processo todos os elementos pertinentes para a decisão e, nesse caso, decidir-se pelo imediato conhecimento do pedido, sem que haja produção de prova (cfr. arts. 113.º, n.º 1, e 114.º, do CPPT). Assim, porque compete ao juiz aferir da necessidade ou não de produzir prova, quando, após a contestação ou o decurso do prazo para a mesma, o juiz, depois de dar vista ao Ministério Público, profere sentença, é porque entendeu dispensável a produção de prova. Nesse caso, como é manifesto, a falta de inquirição das testemunhas oferecidas pelo impugnante ou pela Fazenda Pública não constitui omissão de um acto que a lei prescreva. A lei não prescreve que deve haver sempre a inquirição das testemunhas, antes permitindo ao juiz aferir da necessidade desse acto.
Ora, no caso, o Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância entendeu poder conhecer do pedido imediatamente após a apresentação da contestação, como conheceu, depois de dar vista ao Ministério Público, motivo por que não se verifica a arguida nulidade por falta de inquirição das testemunhas arroladas pelo Impugnante.
De resto, a lei não prevê decisão alguma a dispensar a produção da prova oferecida pelas partes, antes prevendo que o juiz, após verificar se pode ou não conhecer do pedido sem que haja lugar à produção da prova e caso conclua pela afirmativa, deve, após vista ao Ministério Público, de imediato proferir sentença.
Destarte, a lei não impõe qualquer despacho em que o juiz exprima o seu juízo sobre a possibilidade ou impossibilidade de conhecimento imediato do pedido, juízo que fica implícito na tramitação que imprimir ao processo: se ordenar a realização de qualquer diligência de prova, quer ela tenha sido requerida pelo impugnante ou pela Fazenda Pública, quer o faça ex officio, é porque entende que o processo ainda não reúne as condições para conhecer do pedido; se proferir sentença de imediato, é porque entende desnecessária a produção de prova.
Não prescrevendo a lei não prescreve tal despacho, a omissão do mesmo não configura um desvio ao formalismo processual que deveria ter sido seguido e, consequentemente, como sustentar que se verifica uma nulidade. E isso porque a nulidade processual consiste num desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efectivamente seguido nos autos.
De resto, não se vê qual seria a utilidade desse despacho pois se o juiz entende conhecer imediatamente do pedido, não se antolha por que há-de proferir despacho a anunciar que o vai fazer e só depois conhecer do pedido, ao invés de fazê-lo de imediato. As partes, logo que notificadas da sentença, facilmente se podem aperceber de que não houve fase de instrução, quer porque não foram notificadas da prática de quaisquer diligências instrutórias, quer porque não foram notificadas para alegar nos termos do art. 120.º do CPPT, quer porque na sentença não existirá qualquer referência àquelas diligências na apreciação crítica dos elementos de prova que o juiz utilizou para formar a sua convicção.
Por outro lado, as partes podem aperceber-se através da notificação da sentença de que não houve lugar à fase da instrução, que poderia ter ocorrido à sua revelia, que poderia ter ocorrido mesmo que não tenha havido notificação nos termos do art. 120.º do CPPT e que tal se verificou sem que lhe seja feita referência alguma para fundamentar o julgamento da matéria de facto.
O facto de ter havido lugar à instrução à revelia das partes, que não teriam sido notificadas para assistir às diligências instrutórias ou aos seus resultados, e não terem as partes sido notificadas para alegarem – são situações patológicas, que não podem erigir-se em critério de normalidade para aferir da regularidade da tramitação processual; a regra é que seja observado o formalismo processual prescrito na lei: normal é que, se existir instrução, as partes sejam notificadas para as diligências instrutórias, designadamente para a inquirição das testemunhas, e normal é também que, terminada que seja a instrução, as partes sejam notificadas para alegações.
Apesar disso, as partes não ficaram desprotegidas pela ausência de despacho a dispensar a realização de diligências instrutórias e respectiva notificação uma vez que essas nulidades podem ser arguidas no recurso a interpor da sentença final.
Acresce que o despacho a anunciar o conhecimento imediato do pedido não confere, a nosso ver, a possibilidade de as partes poderem suscitar desde logo a sua reapreciação por instância superior, mediante recurso, assim obviando à prossecução do processo e à prolação de sentença que, a verificar-se a nulidade, viriam a ser anulados por força da mesma. É que, embora admitamos que, a ser proferido despacho que dispense a produção da prova, este será passível de recurso, tal recurso sempre seria a subir com o que fosse interposto da decisão final (cfr. art. 285.º do CPPT), motivo por que nem sequer se pode invocar que a prolação desse despacho teria o mérito de, através da possibilidade do recurso do mesmo, obstar à prossecução do processo e à prática de actos que poderiam vir a ser anulados.
Note-se, finalmente, que o facto de sustentarmos a desnecessidade de despacho expresso a dispensar a inquirição das testemunhas arroladas não significa que o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova não esteja sujeito a controlo.
É que, sempre essa decisão do juiz poderá ser sindicada em sede do recurso interposto da sentença no qual, quer o impugnante quer a Fazenda Pública podem sustentar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o próprio tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente (cfr. art. 712.º, n.º 4, do CPC, por força dos arts. 792.º e 749.º, do mesmo Código, e 2.º, alínea e), do CPPT).
Razões porque entendemos que o facto de o ter entendido o Juiz dispensar a inquirição das testemunhas oferecidas pelo Impugnante não constitui nulidade.
E o facto de essa situação implicar a falta de notificação para alegar nos termos do art. 120.º do CPT, infirmará o que vem dito?
Textua o art. 120.º do CPPT:
«Finda a produção da prova, ordenar-se-á a notificação dos interessados para alegarem por escrito no prazo fixado pelo juiz, que não será superior a 30 dias».
A finalidade dessa notificação é a de possibilitar aos interessados pronunciarem-se sobre a apreciação crítica das provas, com vista ao julgamento da matéria de facto, e sobre as questões jurídicas que são objecto do processo, constituindo as alegações o encerramento da fase da discussão da causa na 1.ª instância.
Assim, terminada a produção da prova, prova que pode ter sido oferecida ou requerida pelas partes ou realizada ou ordenada oficiosamente pelo tribunal, deve dar-se aos interessados a oportunidade para procederem à apreciação crítica da prova produzida, indicando quais os factos que consideram provados e, com base neles, proceder à discussão do aspecto jurídico da causa.
Quer isto dizer que não haverá lugar à notificação prescrita pelo art. 120.º do CPPT caso o juiz entenda conhecer imediatamente do pedido, ao abrigo do disposto no art. 113.º do mesmo código, o que pressupõe que a questão ou questões a dirimir sejam exclusivamente de direito ou, sendo também de facto, que o processo forneça já todos os elementos indispensáveis à boa decisão da causa. Nesse caso, o legislador terá entendido que, face à inexistência da fase de produção de prova, era dispensável dar aos interessados outra oportunidade, para além da facultada nos respectivos articulados (petição inicial e resposta) para se pronunciarem sobre as questões de facto e de direito.
Foi o que sucedeu no caso vertente porque o Juiz do Tribunal a quo entendeu conhecer imediatamente do pedido, não havendo lugar à produção de prova, tudo como lho permitem os arts. 113.º, n.º 1, e 114.º do CPPT, não havia que notificar os interessados para alegarem pelo que a falta de notificação para alegar não constitui nulidade.
Este entendimento já foi manifestado pelo relator desta formação mesmo a propósito do regime do novo contencioso administrativo em despacho proferido em 06/12/2007 nos autos de Acção Administrativa Especial - Processo nº 1775/07, ao expender:
“A falta de inquirição das testemunhas, no caso sub judice, não constitui nulidade porquanto cumpre ao juiz avaliar se a questão a dirimir no processo é meramente de direito ou, sendo também de facto, se constam já do processo todos os elementos pertinentes para a decisão e, nesse caso, decidir-se pelo imediato conhecimento do pedido, sem que haja produção de prova.
Quanto à instrução do processo de acção administrativa especial, como refere Vieira de Andrade, Justiça Administrativa (Lições), 5ª edição, pág. 294, vale plenamente o princípio do inquisitório, podendo o relator ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, bem como indeferir as diligências requeridas que considere claramente desnecessárias (artº 90º nº 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos)
Assim, porque compete ao juiz ou relator aferir da necessidade ou não de produzir prova, quando, após a fase dos articulados aquele profere despacho saneador e ordena a notificação das partes para alegações, é porque entendeu dispensável a produção de prova. Nesse caso, como é manifesto, a falta de inquirição das testemunhas oferecidas pela A não constitui omissão de um acto que a lei prescreva. A lei não prescreve que deve haver sempre a inquirição das testemunhas, antes permitindo ao juiz aferir da necessidade desse acto.
Com efeito, decorre do Código de Processo dos Tribunais Administrativos que cabe às partes indicar nos seus articulados os actos cuja prova se propõem fazer (cfr. artºs 78º, nº 1, al. l), e 83º, nº 1); o Ministério Público pode requerer a realização de diligências instrutórias (artº 85º, nº 2); se o processo houver de prosseguir e a matéria de facto ainda se mostrar controvertida, o juiz determinará a abertura da instrução, fixando no despacho saneador um período de produção de prova (artº 87º, nº 1, al. c)) e pode ordenar as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade, no respeito do princípio do inquisitório ( artº 90º, nº 1; cfr. artº 265º, nº 3, do CPC).
Em matéria de produção de prova se aplica o regulado na lei processual civil (cfr. artºs. 513º a 645º do CPC) mas, quando o considere claramente desnecessário, o juiz ou relator pode indeferir requerimentos dirigidos à produção de prova ou recusar a utilização de certos meios desta, mediante decisão fundamentada (artº 90º, nº 2 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos).
A razão de ser deste regime prende-se com a necessidade de obviar ao risco de, em processos em que domina a prova documental, o requerimento de outro tipo de prova, em especial, a prova testemunhal, vir a ser utilizado como expediente dilatório, sendo essa solução «plenamente justificável, em ordem aos elementares princípios da economia e celeridade processuais»- (Fernandes Cadilha, in Reflexões sobre a marcha do processo”- Reforma do Contencioso Administrativo –Trabalhos Preparatórios- O Debate Universitário, vol. I, Lisboa, 2000, p. 254, reproduzidos nos Cadernos de Justiça Administrativa, nº 22, Julho/Agosto 2000, pp.60-70.
Ora, no caso, foi porque o relator entendeu poder conhecer do pedido imediatamente após a fase dos articulados e após o saneador, ordenando a notificação das partes para alegarem por escrito por não terem renunciado às mesmas alegações em respeito pelo disposto no artº 91º nºs. 4 a 6 do CPTA , motivo por que não se verifica a arguida nulidade por falta de inquirição das testemunhas arroladas pela A.
É certo que no despacho aclarando não se fundamentou tal desnecessidade em que a p.i.não integrava factualidade relevante e com interesse para a decisão susceptível de demonstração pela produção da prova testemunhal nela arrolada, sem prejuízo do relevo, para a solução/decisão da causa, que terá de atribuir-se à prova documental disponível nos autos, foi decidido; mas isso está implícito no despacho ao não proceder à inquirição de testemunhas.
É por demais evidente que o relator entendeu que os elementos probatórios juntos aos autos, tornavam desnecessária a produção de prova testemunhal.
É para nós pacífico o entendimento de que o artº. 90º do CPTA, como decorrência do princípio processual da proibição da prática de actos inúteis consagrado no artº 137º do CPC, confere ao relator o poder discricionário de ajuizar da necessidade ou não da produção das provas oferecidas, pelo que não tinha o A que ser notificado do questionado despacho, sem prejuízo de ele recorrer da sentença com fundamento na insuficiência da matéria de facto e/ou erro do seu julgamento.
Decorre dos autos que o relator entendeu que os autos forneciam os elementos necessários para conhecer do pedido pelo que, logicamente, devia ordenar, como ordenou, a produção de alegações, após o saneamento do processo.
Sucede até que para nós é discutível se o relator teria de exarar despacho a dispensar a inquirição das testemunhas por entender desnecessária a produção da prova requerida pela A e, assim, da sua opção pelo imediato conhecimento do pedido, e se esse despacho teria de ser notificado às partes, sob pena de nulidade.
Entendemos que não é exigível despacho nesse sentido desde logo porque a lei não prevê decisão alguma a dispensar a produção da prova oferecida pelas partes, apenas impondo que o juiz, após verificar se pode ou não conhecer do pedido sem que haja lugar à produção da prova e caso conclua pela afirmativa, deve, após alegações, de imediato relatar o processo. A lei não impõe qualquer despacho em que o juiz exprima o seu juízo sobre a possibilidade ou impossibilidade de conhecimento imediato do pedido, juízo que fica implícito na tramitação que imprimir ao processo: se ordenar a realização de qualquer diligência de prova, quer ela tenha sido requerida pelo A, pela entidade demandada ou pelo MP, quer o faça ex officio, é porque entende que o processo ainda não reúne as condições para conhecer do pedido; se proferir saneador de imediato e ordena a produção de alegações (facultativas), é porque entende desnecessária a produção de prova.
Todavia, o facto de se sustentar a desnecessidade de despacho expresso a dispensar a inquirição das testemunhas arroladas não significa que o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova não esteja sujeito a controlo já que sempre essa decisão do juiz poderá ser sindicada em sede do recurso interposto do acórdão. Aí, não só o A ou a Entidade demandada podem sustentar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o próprio tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente (cfr. art. 712.º, n.º 4, do CPC, por força dos arts. 792.º e 749.º, do mesmo Código, e 1.º, do CPTA).”
Por tudo o que ficou dito, improcedem as conclusões sob análise.
*
Todavia, no seguimento e em consonância com o que se verteu supra aquilatemos agora se ocorre a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, que também é suscitada nas conclusões de recurso.
Como bem se refere na sentença recorrida, tendo surgido dúvidas quanto ao s.p. V………….., fornecedor de serviços à ora impugnante, se ter concluído que o referido s.p. tinha indicado várias viaturas que não eram de sua propriedade e no decurso da acção de fiscalização realizada, foram ouvidos, em termos de declarações, os proprietários das viaturas constantes das guias de remessa e das respectivas facturas, tendo aqueles declarado não ter sido concedida autorização para as mesmas ao s.p. V…………., pelo que a sua utilização e inclusão em facturas emitidas por estes apenas poderiam ter carácter abusivo; vd. fls. 34 e ss. dos autos).
Mais se aduz na sentença recorrida quem, como se nota a fls. 181 e 182 do PAT apenso aos autos, "constando das facturas várias viaturas, das quais nenhuma pertencia a VPRA [V……….], e tendo sido inquiridos os seus proprietários, verificou-se que não haviam sido, em tempo algum, postas à disposição daquele".
Assim sendo, tendo a impugnante deduzido IVA na sua contabilidade e inscrito imposto a seu favor nas declarações periódicas de IVA, referente a prestações de serviços com viaturas que nunca foram, pelo que acima se disse, propriedade do sujeito passivo prestador dos serviços, deve concluir-se que está fundamentado o entendimento da AF - que foi notificado à impugnante - de que se está perante operações simuladas.
Tendo em conta que cabia à ora impugnante, nos termos do art. 74.°, n.° l, da LGT, comprovar o que alega, conclui-se que a falta de apresentação de elementos que contraditem a liquidação impugnada acarreta a improcedência da presente impugnação.
Em reforço deste entendimento, o Mº Juiz evocou os seguintes arestos: "[...] não será necessário que a AF prove os pressupostos da simulação previstos no art. 240.° do C. Civil, sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos, que traduzam uma probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais, pois de contrário seria praticamente impossível atingir o objectivo legal de tributação do rendimento real e de combate à fraude fiscal." (Ac. TCAS de 6/5/2003, Proc. 5926/01); "1. A presunção da veracidade da escrita do contribuinte cessa quando a Administração Tributária recolhe indícios sérios e credíveis de que as operações constantes das facturas não se realizaram efectivamente. 2. Cabe, por isso, ao contribuinte desfazer aqueles indícios apresentando prova da qual resulte que as facturas titulam fornecimentos ou serviços constantes das facturas." (Ac. TCAS de 21/5/2002, Proc. 6376702); "Nos termos do artigo 74.° da LGT e 342.° do CC compete à AF o ónus da prova dos factos constitutivos do direito de liquidar ou corrigir a matéria tributária. Tendo a AF carreado para os autos indícios objectivos credíveis e sérios comprovativos de que existem operações declaradas que não tiveram existência real deve considerar-se que a AF satisfez o ónus da prova sobre os pressupostos dos factos constitutivos do direito de corrigir a matéria tributável. Numa situação destas compete ao contribuinte o ónus de provar a existência das operações ditas simuladas." (Ac. TCAN de 4/11/2004, Proc. 00167/04).
Salienta-se, por fim, na sentença recorrida que, ao contrário do que é alegado pela impugnante (vd. ponto 18.° da sua p.i.), não foi desrespeitado o disposto no n.° 3 do art. 63.° da LGT, uma vez que o novo procedimento de fiscalização decorreu de despacho do Director de Finanças de ……….. de 26/6/2002 (vd. fl. 144 do PAT apenso aos autos).
Assim, a questão a decidir é a de saber se as facturas em causa consideradas pela administração fiscal como simuladas respeitam a operações efectivamente realizadas e consequentemente se existe ou não facto tributário.
Importa, por isso, analisar a questão relativa ao ónus de prova para depois averiguar se ocorreu o apontado erro de julgamento.
Para o efeito, aderimos à fundamentação expendida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17/04/02, no Rec. n° 26.635 cuja doutrina vai no sentido de que é à AF que cabe «o ónus de "demonstrar a existência do fundamento legal com que se arroga a titularidade de atribuições e de competência para a pratica do acto em causa" ou da sua actuação enquanto persona potentior, pois só perante a existência deste está autorizada a actuar. (...).
A norma que confere as atribuições à administração, exercidas no tipo de acto que está aqui em causa, é a constante do art.° 82° n° l do CIVA. que textua: "O chefe de repartição de finanças competente procedera à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença".
Segundo esta norma, e no que importa ao caso concreto, são dois os requisitos legais da actuação da administração: a consideração subjectiva, na sua actividade de controlo ou de fiscalização relativa ao cumprimento dos deveres dos contribuintes, de que estes fizeram constar das suas declarações uma dedução superior à que seria devida, ou seja, superior à que resulta da aplicação da lei que as regula; que essa consideração seja tomada de modo fundamentado.
Ao usar, todavia, a expressão "...quando fundamentadamente considere que nelas figura... uma dedução superior à devida", o legislador pretende evidenciar a exigência não sé da existência de uma declaração formal fundamentadora do seu juízo subjectivo (consideração), nas também a necessidade desse juízo se equivaler ao resultado de uma ponderação fáctico - jurídica, substancial ou materialmente, correcta».
«Não importa só que a administração se diga convencida, mas também que diga porque é que se deixou convencer e que este resultado possa ser objectivamente apreciado e controlado pelo tribunal à luz dos critérios adequados.
E sendo assim, para emitir o seu juízo sobre se se deve ter por materialmente fundamentada a consideração da administração, o tribunal não se pode ater apenas à existência de uma fundamentação formal e aos elementos nela externados (...), mas terá de formar o seu próprio juízo probatório sobre a correspondência à realidade fáctico - jurídica dos elementos em que a administração disse apoiar a sua consideração e aferir, então, sobre eles se esta deve ter-se por correcta.
À administração caberá, assim, o ónus de provar, também em tribunal, os pressupostos de facto suficientes, dentre os afirmados na fundamentação do acto. para que o tribunal possa ajuizar sobre se o juízo administrativo se deve ter por, objectiva e materialmente, fundamentado...)».
«(...) Digamos, retornando ao sentido do discurso feito atrás, que à administração cabe o ónus de prova da verificação dos requisitos estabelecidos no art.° 82° n.° l do CIVA para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas, mas já não a existência dos factos contra ela afirmados pelo contribuinte, traduzidos na existência dos factos tributários e sua expressão quantitativa.
Os requisitos legalmente estabelecidos para que seja permitida a dedução do imposto pago a montante não constituem, nesta óptica, também requisitos que estejam legalmente previstos enquanto requisitos de legitimação da actuação da administração. Relativamente a esta matéria, a lei basta-se com um juízo administrativo de adequação entre os factos e colorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida, e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei.
É nesta perspectiva que se poderá, de algum modo, falar que a administração apenas terá de fazer a prova, em tribunal, do bem fundado da formação das suas presunções de inexistência dos factos tributários e que, na falta dessa prova, essa questão - ou seja a questão relativa à legalidade do seu agir praticando o acto tributário - terá de ser resolvida contra ela.»
Na senda de Vieira de Andrade, in "A Justiça Administrativa" (Lições), 2° edição, pág. S69, «há-de caber, em princípio, à Administração o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados estes Pressupostos». Nesse sentido, expende Jorge Lopes de Sousa, in "Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado", 2ª edição, pág. 470, que «o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra (art. 74º/1 LGT) esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário (...)».
Por força desse entendimento, a AF tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a levou a considerar determinada operação como simulada, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito -art.78° do CPT), só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.
Porém, nessa actividade, não se torna necessário que a AF prove os pressupostos da simulação previstos no art. 240° do C.Civil (a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros, sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos que traduzam uma probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais, pois de contrário seria praticamente impossível atingir o objectivo legal de tributação e de combate à fraude fiscal.
E perante esses concretos indícios, essa elevada probabilidade, cessa a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte, passando a competir ao contribuinte o ónus de provar que elas se realçaram efectivamente.
No caso sub judice, a liquidação impugnada tem como pressuposto que não corresponderiam a transacções reais as tituladas pelas facturas em causa, por existirem indícios de que titulam operações simuladas, que não teriam tido lugar.
Na verdade, face aos elementos probatórios carreados para os autos pela AF, diz esta que existem indícios sérios de que as operações subjacentes às referidas facturas não correspondem à realidade, indícios esses traduzidos nos factos que se captam do relatório junto aos autos.
Porque assim, cabia ao contribuinte demonstrar que os serviços e operações referidos nas facturas tinham sido efectivamente prestados e para o efeito, indicou testemunhas cujos depoimentos, são, à partida, insusceptíveis de criar a convicção ao julgador de que as operações tituladas pelas facturas condizem com a realidade material dos factos.
É que no caso sub judice a AF procedeu à liquidação adicional impugnada com base numa correcção à matéria colectável declarada, mas sem ter que recorrer aos métodos indiciários.
Como ficou já dito, as declarações dos contribuintes só podem ser alteradas quando haja fundados elementos no sentido de que não correspondem à verdade, designadamente, quanto ao IVA, quando delas conste uma dedução superior à devida (cfr. o art 82% n.° l, do respectivo código).
Ora, no caso subjudice, face aos elementos de que a AF dispunha pode-se considerar que havia fundamento para rectificar a declaração, considerando que nela consta dedução superior à devida.
A recorrente sustenta que não dando a entender que a AF concluiu apressadamente pela inexistência de uma empresa emitente das facturas em causa, revelando ligeireza na conclusão a que chegou, tendo em conta a quantidade de elementos e esclarecimentos necessários e suficientes para obter tal decisão.
E, como já se disse, não vigora hoje a presunção da legalidade da liquidação e, como consequência do princípio dar legalidade que preside ao Direito fiscal, o procedimento administrativo - fiscal está sujeito ao princípio da verdade material, o que significa que a Administração não pode alterar o montante das deduções declarado, a menos que a actividade instrutória desenvolvida lhe permita concluir com segurança que às facturas era causa não corresponde a efectiva prestação de serviços, motivo por que a Contribuinte não tinha direito à dedução do IVA nela mencionado.
E, nos casos vulgarmente denominados de "facturas falsas", a AF recorre, em regra, a provas indirectas, ou seja e na senda de ALBERTO XAVIER, a «factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxilio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova». Mas, «Tais juízos devem ser, contudo, ''suficientemente sólidos para criar no órgão de aplicação do direito a convicção da verdade».
Ora, face a materialidade analisada, para nós, os indícios verificados no caso subjudice, são suficientes para que a AF tenha concluído, como concluiu, que às facturas em causa não correspondiam serviços realmente prestados e que a Impugnante não podia ter deduzido, como deduziu, o IVA nelas mencionado, e, assim, proceder ao apuramento do imposto em feita.
Inexiste, pois e quanto a nós, insuficiência na actividade instrutória desenvolvida pela AF em sede do procedimento administrativo – tributário e pelo TT 1ª Instância.
A terem acontecido as referidas circunstâncias fácticas, conjugadas umas com as outras e apreciadas segundo um critério de experiência comum, poderá permitir tirar a conclusão extraída na sentença recorrida: o referido s.p. tinha indicado várias viaturas que não eram de sua propriedade e no decurso da acção de fiscalização realizada, foram ouvidos, em termos de declarações, os proprietários das viaturas constantes das guias de remessa e das respectivas facturas, tendo aqueles declarado não ter sido concedida autorização para as mesmas ao s.p. V……., pelo que a sua utilização e inclusão em facturas emitidas por estes apenas poderiam ter carácter abusivo; assim, "constando das facturas várias viaturas, das quais nenhuma pertencia a VPRA [V………], e tendo sido inquiridos os seus proprietários, verificou-se que não haviam sido, em tempo algum, postas à disposição daquele pelo que às facturas em causa não corresponde a efectiva prestação de serviços.
Assim, o acto tributário jamais poderá vir a ser anulado contenciosamente com base em violação de lei por erro nos pressupostos de facto por ter ficado provada a factualidade que permita concluir que às facturas em causa não corresponderam realmente as operações nelas referidas.
Dito de outro modo, face à prova produzida nos autos pela AF, a prova testemunhal pretendida pela impugnante é insusceptível de pôr em causa os "factos – índice” que suportaram a conclusão da Administração em que assentou o acto impugnado, ou pode permitir abalar a conclusão fáctica de que aos documentos em causa não correspondem a serviços realmente prestados.
Acresce que, perante a factualidade apurada nem sequer é de admitir a possibilidade de operar com a fundada dúvida a que se refere o art.º 100º n.º 1 do CPPT.
Este preceito abrange os actos da administração que, como no caso concreto, se traduzam no não reconhecimento das deduções declaradas pelos contribuintes dado que aqui a dúvida se refere à legalidade da actuação da administração e não à existência dos factos tributários que são afirmados pelo contribuinte como tendo acontecido e em que funda a dedução de imposto.
É que o artº 100º do CPPT contém uma norma que se reporta à questão do ónus da prova, destruindo a presunção legal a favor da AF (in dubio pro Fisco), estabelecendo uma verdadeira repartição do ónus da prova (que se coloca apenas em relação a questões de facto), de acordo com os princípios da legalidade e da igualdade, e em termos de que a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a AF, não devendo ela efectuar a liquidação se não existirem indícios suficientes daqueles.
Ora, a indiciação é, como se demonstrou, suficientemente forte para afastar qualquer dúvida sobre a legalidade da actuação da administração.
Termos em que improcedem «in totum» as conclusões de recurso.
*
4.- Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs.
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(1)Vide, nesse sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 4.ª edição, nota 4 ao art. 125.º, pág. 560.
(2)Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., nota 2 ao art. 98.º, pág. 427, e nota 3 ao art. 125º, pág. 560, e os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Abril de 1997, proferido no recurso com o n.º 41.547, da 1.ª Secção e de 1 de Julho de 1998, proferido no recurso com o n.º 22.379, publicado no Apêndice ao Diário da República de 28 de Dezembro de 2001, págs. 2401 a 2404 e de 20 de Março de 2002, proferido no recurso com o n.º 38.441, com texto integral no site da Direcção-Geral dos Serviços Informáticos (http://www.dgsi.pt).
(3)Cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de de 19 de Outubro de 1994, proferido no recurso com o n.º 18.409, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Janeiro de 1997, págs. 2360 a 2363; de 24 de Abril de 1996, proferido no recurso com o n.º 19.917, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Maio de 1998, págs. 1283 a 1291, e, ainda o acórdão do Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Outubro de 2001, proferido no recurso com o n.º 42.385.
(4) Nesse sentido se pronunciaram MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, págs. 182/183, e ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 510.
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Lisboa, 07/10/2008
(Gomes Correia)
(Eugénio Sequeira)
(Lucas Martins)