Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02268/08
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:05/07/2015
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRS
ADIANTAMENTOS POR CONTA DOS LUCROS
Sumário:
I. Nos termos do artigo 6.°, n.º1, al.h) do CIRS, (na redacção vigente à data do facto tributário) consideram-se como rendimentos de capitais os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 19.° do mesmo código.
II. A Administração Tributária e Aduaneira cabe demonstrar a ocorrência dos pressupostos que legitimam a correcção ao rendimento declarado pelo Impugnante, na consideração de que a importância em causa constitui adiantamento por conta de lucros e, por isso, rendimento tributável.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

I.RELATÓRIO

JOÃO………………….e GESTRUDES ……………………………….. (adiante Recorrentes), com demais sinais nos autos, vieram interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BEJA, datada de 31 de Maio de 2007, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o acto de liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, referente ao ano de 1996.

Nas alegações que oportunamente apresentaram, os Recorrentes pugnaram pela revogação da sentença recorrida, com substituição por outra que julgue o recurso procedente, extraindo-se das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
«a) A douta sentença considerou provados factos constantes do relatório da inspecção que não tem qualquer correspondência com a realidade;
b) O Mmo Juiz "a quo" olvidou que foram considerados pela AF adiantamentos por conta de lucros correspondentes a pagamentos a terceiros
c) Foram considerados adiantamentos por conta de lucros ao impugnante marido por parte da sociedade «……………», de que o mesmo era o sócio maioritário, sem que tais valores constassem da sua conta corrente naquela sociedade;
d) Embora tal não seja dito, nem no relatório em que se baseou o acto impugnado nem na própria sentença, apenas poderá ter sido considerado que os referidos montantes foram adiantamento por conta de lucros por aplicação do previsto no nº 4 do art. 6° do CIRS, na versão ao tempo vigente;
e) Mas, aqueles valores não podem ser considerados adiantamentos por conta de lucros porque não foram postos à disposição do recorrente marido mas sim de terceiros;
f) O relatório elaborado pelo agente fiscalizador não fundamenta os motivos e razões pelos quais tais valores foram considerados adiantamento por conta de lucros;
g) Pelo que existe falta de fundamentação.
h) Os critérios e as razões invocadas para a determinação dos rendimentos da categoria E, por serem adiantamento por conta de lucros, dos ora Recorrentes no exercício de 1997 são descabidos e mesmo absurdos, como ficou demonstrado nas alegações antecedentes
TERMOS EM QUE, SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS,
POR ASSIM SER DE INTEIRA
JUSTIÇA

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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer a fls. 155 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Adjuntos, pelo que vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso já que a tal nada obsta.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

No caso trazido a exame, as questões a decidir consistem em saber:
(i) se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de direito ao considerar que o Relatório de Inspecção Tributária não padece do vício de forma por falta de fundamentação; [Conclusão f) e g) ]
(ii) se a sentença recorria incorre em erro de julgamento de facto e de direito quanto à questão de saber se poderia a Administração Tributária e Aduaneira corrigir o rendimento declarado pelos impugnantes por aplicação da alínea h), do n°1, do artigo 6° do CIRS, como rendimento da categoria E. [Conclusão b) a e) ]
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a fundamentação respectiva que nos seguintes termos:
«1) Os SIT da DGCI procederam a uma inspecção a João…………………, referente aos anos de 1995 a 1997, a qual terminou com a efectivação de correcções à matéria tributável desses anos, tendo sido utilizados métodos indiciários conjugados com correcções meramente aritméticas.
2) A presente impugnação diz respeito à liquidação de IRS de I996 (no montante de 7.804.094$00: vd. fl. 35 dos autos), baseado nas referidas correcções.
3) Como resulta do relatório da inspecção, o montante de correcções acima referida corresponde a: I) correcções em sede de IRS, categoria E, entendendo-se os montantes de 21.224.605$00 e de 2.074.000$00 como adiantamento por conta de lucros, por terem estes montantes sido distribuídos por valor superior ao estipulado em acta, tendo sido recebidos, respectivamente, da "…………., Lda." e da …………………………., o que foi verificado através de fiscalização realizada à mencionada "……………., Lda." e a José………………. (pai do ora impugnante), e através de elementos constantes do sistema informático da DGI; 2) correcções por métodos indiciários, sendo a matéria colectável corrigida para 8.050.000$00, e depois, em sede de revisão, para 4.819.000$00, referente à categoria D.
4) Houve acordo, em sede de comissão de revisão, quanto aos valores apurados por métodos indiciários (vd. fls. 3I e 32 dos presentes autos).
5) Os impugnantes deduziram a presente impugnação em I/8/200I.
6) Foi realizada inquirição de testemunhas em I2/3/2002, como se pode verificar pela respectiva acta, a fls. 67 e ss. dos autos.

Factos não provados:
Constituindo "matéria [...] relevante" para a solução da "questão de direito" - art. 511.º, n.1, do Código de Processo Civil -, nenhum.»

Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto

Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se, a coberto do estatuído no artigo 662º, nº.1, do CPC ex vi artigo 281º do CPPT ao probatório, a seguinte factualidade:
7) A quantia 23.298.605$00 considerada nas correcções do exercício de 1996 como constituindo rendimentos da categoria E, incluída e considerada no quadro constante a fls. 21 do Relatório de Inspecção Tributaria, e relacionada com o quadro contante a fls 18, sendo que ambos se dão por reproduzidos, deriva essencialmente, de pagamentos efectuados pela ……………………, Lda a diversos fornecedores de produtos destinados à actividade agrícola, designadamente fornecedores de rações para animais.
8) A maior parte da quantia referida em 7) deriva de pagamentos efectuados pela ……………….., Lda por cheque aos referidos fornecedores, os quais vêm referenciados e individualizados nos quadros que constam a fls. 18, 19 e 20 do Relatório de Inspecção e que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
9) A sociedade ………………, Lda pagou no exercício de 1996, ao ora impugnante marido, empréstimos que este lhe fez para fazer face a fornecedores e principalmente salários. (Prova Testemunhal)
10) A sociedade ………………., Lda, tem o grosso da sua actividade, no cultivo da vinha na localidade de Redondo e à data enviava toda sua produção para a Adega Cooperativa local. (Prova Testemunhal)
11) No entanto esta Adega Cooperativa à data só pagava as Uvas mais de um ano depois de as receber. (Prova Testemunhal)
12) Quanto a dita sociedade ……………., Lda tinha dificuldades de tesouraria era o impugnante marido que na qualidade de sócio maioritário supria tais dificuldades. (Prova Testemunhal)
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IV.DIREITO

Os Impugnantes apenas questionam a sentença recorrida na parte em que, confirmou a liquidação impugnada por referência à consideração de que o Relatório de Inspecção não padece do vício de forma por falta de fundamentações e de que a quantia de 23.298.605$00 respeitava a rendimentos da categoria E por consubstanciar adiantamentos por conta dos lucros.
No mais a sentença não vem colocada em crise.
Assim, este Tribunal apenas deverá analisar se foi ou não bem efectuada a correcção técnica em sede de IRS do ano de 1996 respeitante aos rendimentos imputados ao Impugnante marido a título de adiantamentos por conta dos lucros no montante de 23.298.605$00.
Os Recorrentes afirmaram na petição inicial que o Relatório de Inspecção Tributária (RIT) padecia do vício de forma por falta de fundamentação ao que o Mmº Juiz «a quo» respondeu «Quanto à alegação de falta de fundamentação, verifica-se que, ao contrário, a fundamentação existe, sendo o relatório claro e explícito quanto às razões que justificam as correcções realizadas.
Como refere o Acórdão do STA de 2/2/2006 (Proc. 0114/05), "a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de acto, visando responder às necessidades de esclarecimento do administrado, pelo que se deve, através dela, informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro." Ora, como nota o Digno Magistrado do Ministério Público, no seu parecer final, os objectivos do conhecimento dos fundamentos foram alcançados, dado que "o impugnante conseguiu plenamente contestar o entendimento da Fazenda, quer em sede de pedido de revisão, quer na presente impugnação (o que não lhe seria possível, caso não existisse tal fundamentação)" (…) ».
Os Recorrentes discordam do entendimento adoptado na sentença e insistem que o RIT «não fundamenta os motivos e razões pelas quais tais valores foram considerados adiantamento por conta de lucros» [Conclusão f) e g)]
Vejamos, então:
Como é, sabido, o direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos é princípio constitucional com assento no artigo 268º da Constituição da República Portuguesa e encontra-se concretizado pelo legislador ordinário no artigo 77º da LGT.
E tal como a jurisprudência vem repetindo, a fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo legal de acto administrativo e visa responder às necessidades de esclarecimento do administrado, procurando-se através dela informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto e permitir-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e os motivos por que se decidiu num sentido e não noutro.
Daí que um acto só possa considerar-se fundamentado quando tanto o Tribunal como o administrado (colocado na posição de um destinatário normal) podem ficar esclarecidos acerca das razões que estiveram na base desse acto e que o motivaram. (Neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos do STA de 30.01.2002, proferido no processo nº 44.288, de 7.03.2002, proferido no processo nº 48.369 e de 21.01.2003, proferido no processo nº 48.447, disponíveis no endereço www.dgsi.pt).
No caso dos autos, a Administração Tributária e Aduaneira (doravante ATA), para fundamentar a correcção que suporta a liquidação agora impugnada disse o seguinte: « Em virtude de terem sido pagos em nome dos sócios montantes superiores aos estipulados em Acta, considerou-se que, o excedente, como adiantamentos por conta de lucros, em conformidade com a alínea h) do n.º1 do artigo 6º do CIRS.»
Sendo esta a fundamentação externada da liquidação quanto ao segmento colocado em crise, afigura-se-nos que a mesma permite ao seu destinatário atingir das razões de facto e de direito que justificaram a correcção dos elementos declarados, e no caso, esta percepção ou apreensão pela Recorrente da decisão e sua motivação está patenteada nos termos em que deduziu a petição inicial, como resulta de modo em especial dos artigos 58º, 74º a 85º da douta petição inicial.
E, nesta circunstância, improcedem as conclusões f) e g).
A segunda questão que importa apreciar, tal como ficou desenhada no ponto ii), prende-se em saber se a ATA poderia corrigir o rendimento declarado pelos Recorrentes por aplicação da alínea h), do n°1, do artigo 6° do CIRS, como rendimento da categoria E.
Neste particular, na sentença recorrida ponderou-se que: « (…) Quanto ao montante que a AF entendeu como adiantamento por conta de lucros, recebido da «………………..», refere o impugnante que, por um lado, o inspector tributário não justificou a conclusão a que chegou de que no caso se estaria perante um adiantamento por conta dos lucros e que, por outro, os montantes que lhe foram entregues pela «…………..» corresponderiam a adiantamentos pelo mesmo efectuados por conta desta a fornecedores, o que seria fácil demonstrar. Ora, salvo o devido respeito, desde logo entendemos que a conclusão da inspecção se baseia na contabilidade dos contribuintes inspeccionados, estando justificadas claramente as transferências monetárias para o impugnante, sendo efectuada uma relação de tais transferências, mencionando-se até as datas e instituições bancárias donde foram levadas a cabo. Na verdade, o que se retirou dos elementos da contabilidade foi que a «……………» - da qual o ora impugnante é sócio maioritário – transferiu diversas quantias a favor deste, sem que se mostre, nessa mesma contabilidade, justificado o motivo de tais transferências. Nomeadamente, não foram encontrado quaisquer elementos que permitam concluir que tais montantes correspondem ao que o impugnante vem alegar - a pagamentos pelo mesmo efectuados a fornecedores da «………………» que esta teria, assim, a obrigação de restituir. E, se na contabilidade tais elementos não existiam, tão pouco o impugnante faz nestes autos tal prova. Embora - e tal como diz - essa prova seja fácil. Limitou-se a indicar uma testemunha que confirmou de forma muito vaga a alegação, não se podendo, só com o depoimento daquela testemunha, aceitar-se o que não transparece de qualquer forma de contabilidade. Assim sendo, nada mais restava à AF senão considerar que a quantia em causa correspondia aos mencionados adiantamentos por conta de lucros, incluindo-os no englobamento da matéria tributável, na categoria E.»
Senão nos suscitaram reparos as considerações feitas na sentença recorrida sobre o alegado vício de forma por falta de fundamentação (vertente formal) assacado ao RIT, já tal não ocorre, relativamente à fundamentação substancial que suporta o acto tributário sindicado.
Vejamos de perto as razões porque assim entendemos.
Por força do disposto no artigo 6.°, n.º1, al. h) do CIRS, na redacção vigente à data do facto tributário, consideram-se como rendimentos de capitais os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 19.° do mesmo código.
Afigura-se-nos que com a ampliação do probatório ficou assente que não ocorreu o adiantamento da quantia de 23.298.605$00 ao Recorrente marido, compreendendo-se as razões já que foram passados cheques que representam a maior fatia da quantia em causa para pagamentos a fornecedores designadamente rações e aceitando-se que tenha ocorrido a reposição de empréstimos ocasionais do Recorrente marido à sociedade ……………., Lda para fazer face a dificuldades de tesouraria já que o produto que esta produzia e vendia era pago tarde e más horas.
No nosso modo de ver e com respeito pela sentença da 1ª Instância, que em sentido diverso decidiu, verificamos que não há uma fundamentação substancial consistente do RIT para ter efectuado, como efectuou, a dita correcção sendo que até se reconhece a fls. 17 do relatório, que os pagamentos foram efectuados directamente a fornecedores, embora (registados na escrita do impugnante), sem se indagar minimamente porque terá tal sucedido (o que se compreende agora, face à consideração no probatório do depoimento da testemunha inquirida nos autos, que merece credibilidade e como tal de ser tido em conta), aparecendo a correcção ligada e justificada por uma razão essencialmente formal, a fls. 21 do referido relatório, onde se refere” Terem sido pagos em nome dos sócios montantes superiores aos estipulados em acta (…)»
Nestas circunstâncias, impõe-se concluir que a ATA não demonstrou a ocorrência dos pressupostos que legitimam a correcção ao rendimento declarado pelo Impugnante, na consideração de que a importância em causa constitui adiantamento por conta de lucros e, por isso, rendimento tributável.
E, pelo contrário perante a análise dos elementos presentes nos autos, com a consideração de todos os meios probatórios, como supra se referiu, os Impugnantes lograram pôr em causa a correcção à matéria tributável objecto dos presentes autos.
Em face da posição assumida, procedem as conclusões b), c) d) e h) das alegações, com a consequente procedência do recurso.

IV. DECISÃO

Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento, revogando a sentença recorrida quanto ao segmento sindicado, e anulando também esse segmento da liquidação impugnada, exactamente na medida em que lhe foi influenciada pela correcção da quantia de 23.298.605$00, considerada, indevidamente, como respeitando a rendimentos da categoria E – adiantamentos por conta dos lucros.

Sem custas, por Fazenda Pública delas se encontrar isenta nos processos tributários instaurados até 1/01/2004.

Lisboa, 7 de Maio de 2015.


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[Ana Pinhol]
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[Jorge Cortês]
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[Cristina Flora]