Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9/17.5BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:09/15/2022
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
REVERSÃO
CULPA
PROVA
Sumário:I - O juiz só pode dispensar a fase de instrução dos autos “se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários” (artigo 113.º do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, em conformidade com o disposto nos artigos 114.º, 115, n.º 1 e 119.º do CPPT;
II - No caso em apreço, a reversão da execução foi efectuada ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, defendendo o oponente não ter tido culpa na insuficiência patrimonial e tendo arrolado testemunhas, dispensadas pelo tribunal, não poderia este concluir que o oponente não ilidiu a presunção de culpa prevista naquele normativo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

F..... vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a oposição à execução deduzida contra a reversão proferida no processo de execução fiscal nº ….5339 e apensos, instaurado originariamente contra a sociedade “F....., Lda.”, por dívidas de contribuições e cotizações referentes ao período compreendido entre Agosto de 2013 e Fevereiro de 2014 no valor total de € 13.842,54.

O Recorrente, nas suas alegações formulou conclusões nos seguintes termos:

“1) Conforme consta dos autos, o Recorrente apresentou a sua Petição Inicial, nos termos do disposto nos artigos 204º e seguintes do CPPT, alegando o que acima se transcreveu;
2) Citado, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P apresentou a sua contestação;
3) Foi dispensada a produção de prova testemunhal;
4) O Oponente apresentou alegações escritas, nas quais reafirmou o entendimento vertido na sua p.i.;
5) Por Sentença de fls., a Meritíssima Juiz decidiu o acima transcrito;
6) Na Sentença recorrida consta que o Oponente não fez prova dos factos por si alegados, nem documental, nem testemunhal;
7) O Recorrente aquando do envio da petição inicial arrolou prova testemunhal par fazer prova dos factos por si alegados;
8) A Meritíssima Juiz por Despacho de fls. dispensou a realização de diligências de prova, designadamente a produção de prova testemunhal;
9) O Recorrente não fez prova dos factos por si alegados em virtude da decisão proferida pela Meritíssima Juiz de dispensa de tal produção de prova;
10) Pelo que não se entende como é que a Meritíssima alega na sua decisão que o Recorrente não fez prova dos factos por si alegados, quando foi a própria Meretíssima Juiz que dispensou a produção da prova;
11) Foi a Meritíssima Juiz que indeferiu a produção de prova arrolada pelo Recorrente;
12) Como é que o Recorrente poderia fazer prova dos factos por si alegados, se a Meritíssima Juiz dispensou essa mesma prova?;
13) Não pode é o Recorrente ser prejudicado ou alegar-se que o Recorrente não apresentou prova dos factos alegados, quando o mesmo a apresentou e foi dispensada pela Meritíssima Juiz;
14) A não produção de prova sobre os factos por si alegado, não é imputável ao Recorrente, que a apresentou e que a Meritíssima Juiz não quis ouvir;
15) Deve ser revogada a Sentença recorrida, com todas as consequências legais daí resultantes;
16) Nos anos referidos na execução e no Despacho de reversão, a Executada não praticou nenhum acto fiscal ou outro;
17) A Executada possuía bens e direitos de crédito, e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. nada fez para executar tais bens;
18) Acresce que é exigível a verificação cumulativa de uma gerência de direito e de facto, não bastando a gerência de direito para o tipo de responsabilização em causa;
19) O Oponente nunca exerceu, quer de facto, quer de direito, qualquer tipo gerência, uma vez que nunca se envolveu na prática de qualquer ato pelo qual se manifeste o exercício de funções de gerência ou de administração, nem vinculou a sociedade perante terceiros, nomeadamente com a contratação de trabalhadores, negociação de empréstimos bancários, etc.;
20) O Oponente nunca exerceu de facto e de direito a gerência, nem nunca nada assinou perante o Banco, segurança social, etc., ou alguma vez representou a executada em algum acto;
21) Não existe qualquer culpa na atuação do Oponente, pois este nunca dissipou ou maltratou, sequer culposamente, o património social da executada sociedade;
22) No que se refere à fundada insuficiência do património do devedor originário, julgamos não estar demonstrada;
23) A falta de fundamentação do despacho de reversão contende com a sua legalidade;
24) O direito à fundamentação dos atos administrativos e tributários que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos é um princípio constitucional com assento no artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa;
25) A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária;
26) No caso em apreço, analisado o teor do despacho de reversão verificamos que o mesmo não se encontra fundamentado de facto no que se refere à situação patrimonial da Executada Principal, uma vez que o mesmo não se pronuncia;
27) A fundamentação daquele despacho de reversão mais não é do que a reprodução de normas jurídicas e estas constituem apenas a fundamentação de direito, verificando-se a total ausência de factos concretos que a sustentem, que permitissem, assim, perceber as razões que levaram à tomada daquela decisão;
28) Resta concluir que o despacho de reversão não está fundamentado de facto;
29) A omissão da fundamentação de facto não permite dizer que existe erro nos pressupostos de facto;
30) Esta omissão constitui falta de fundamentação;
31) O Despacho de reversão é anulável por falta de fundamentação;
32) art. 24.º, determina que, para efeitos de responsabilização, não basta a mera gerência nominal ou de direito, dependendo a responsabilidade subsidiária da gerência efetiva ou de facto;
33) No que se refere à gerência efetiva, o art. 24.º, determina que, para efeitos de responsabilização, não basta a mera gerência nominal ou de direito, dependendo a responsabilidade subsidiária da gerência efetiva ou de facto;
34) Sempre a doutrina entendeu, bem como a jurisprudência, que aquela responsabilidade dos administradores ou gerentes, impendia sobre quem, efetivamente, exercera os correspondentes cargos, a que se chamavam os gerentes efetivos;
35) Entendemos que os elementos constantes nos autos (ou falta deles) não chegam por si só para dar como provada a gestão efetiva da executada principal nem represente atos relevantes de gestão efetiva;
36) A Decisão que deu causa a este recurso, não está fundamentada como exigem as normas referidas, tendo por esse facto de ser Revogada, nulidade, esta, que aqui, mais uma vez, se requer;
37) O (Venerando Tribunal) com a decisão recorrida, não assegurou a defesa dos direitos da Alegante, ao não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem se quer aplicar as normas legais aplicáveis ao caso em concreto;
38) O Venerando Juiz do Tribunal a quo limitou-se apenas e tão só, a emitir uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões, deficientemente e sem qualquer cabimento, conforme acima já se alegou e explicou;
39) Deixando o Venerando Juiz do Tribunal a quo de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas;
40) Cometeu, pois, uma nulidade;
41) A Sentença recorrida viola:
a) O disposto nos artigos 23º,60º, 77º, nos 1 e 2 da LGT;
b) O disposto nos artigos 21º e 120º, alíneas a), c) e d) do CPT;
c) O disposto nos artigos 204º, nº 1, b) da CPPT;
d) O disposto nos artigos 123º, 124º, 125º, 135º e sgs. do CPA;
e) O disposto nas alíneas b), c) e d) do atual 615º do CPC;
f) O disposto no Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho;
g) O disposto nos artigos 13º, 20º, 202º, 204º, 205º, 266º, nº 2 e 268º, números 1, 2 e 3 da CRP.

Termos em que, nos melhores de direito, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve a Sentença recorrida ser REVOGADA, por ser de:
LEI, DIREITO”.

* *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
* *
A Exmª. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma das nulidades que vêm invocadas bem como de erro de julgamento de facto e de direito ao ter julgado improcedente a oposição à execução fiscal.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão da presente oposição, fixo a seguinte factualidade:

1. Em 02.09.2011 foi registada a constituição da sociedade F....., Ld.ª, NIPC …..087, com o objeto social Comércio, importação, exportação, instalação, manutenção e reparação de todo o tipo de equipamentos de climatização e com o capital social de €3.000,00 (cf. certidão de fls. 179 e seguintes do Proc. n.º 8/17.7BELRA no SITAF);

2. No ato referido em 1. o Oponente foi registado como titular da quota única da sociedade F....., Ld.ª (cf. certidão de fls. 179 e seguintes do Proc. n.º 8/17.7BELRA no SITAF)

3. No ato referido em 1. o Oponente foi registado como único gerente da sociedade F....., Ld.ª (cf. certidão de fls. 179 e seguintes do Proc. n.º 8/17.7BELRA no SITAF);

4. No ato referido em 1. foi registada como forma de obrigar a sociedade F....., Ld.ª a intervenção de um gerente, ficando a gerência a cargo de quem viesse a ser nomeado gerente pelo sócio único (cf. certidão de fls. 179 e seguintes do Proc. n.º 8/17.7BELRA no SITAF);

5. Em 04.03.2013 a sociedade F....., Ld.ª apresentou junto da SPE de Leiria do IGFSS pedido de pagamento da dívida exequenda nos PEF n.º …..627 e apensos, tendo nesse ato sido representada pelo Oponente (cf. requerimento junto como doc. n.º 4 da contestação);

6. Durante o ano de 2014 a SPE de Leiria do IGFSS instaurou contra a sociedade F....., Ld.ª os seguintes processos executivos, nos quais se encontra em dívida a quantia de €13.842,54 (cf. notificação de fls. 112 e seguintes do processo físico):
PEF
Tributo
Período
    Quantia Exequenda (€)
……339
Cotizações
    08/2013 - 11/2013
2.856,31
……355
Contribuições
    08/2013 - 11/2013
6.167,12
……792
Contribuições
    12/2013 - 02/2014
3.172,05
……806
Cotizações
    12/2013 - 02/2014
1.469,03

7. Durante o ano de 2014 a SPE de Leiria do IGFSS efetuou, no âmbito dos processos executivos identificados em 6., pedidos de penhora a treze contas bancárias tituladas pela sociedade F....., Ld.ª, junto de diversas instituições bancárias, no âmbito dos quais não foi possível cativar qualquer valor (cf. print de fls. 54 e ofício de fls. 59, ambos do processo físico);

8. Durante o mês de setembro do ano de 2014 a SPE de Leiria do IGFSS efetuou, no âmbito dos processos executivos identificados em 6., pedidos de penhora de diversos créditos da sociedade F....., Ld.ª junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, todos não concretizados (cf. print de fls. 61 e certidões de fls. 62 e seguintes, todos do processo físico);

9. Em 18.02.2014 o Coordenador da SPE de Leiria do IGFSS dirigiu a B... – E....., Ld.ª Notificação para penhora de créditos da sociedade F....., Ld.ª no âmbito do PEF n.º …..190 e apensos, até ao montante de €31.097,47 (cf. ofício junto como doc. n.º 6 da contestação);

10. Em 18.02.2014 o Coordenador da SPE de Leiria do IGFSS dirigiu a A…., Ld.ª Notificação para penhora de créditos da sociedade F....., Ld.ª no âmbito do PEF n.º 1001201200041190 e apensos, até ao montante de €31.097,47 (cf. ofício junto como doc. n.º 7 da contestação);

11. Em 18.02.2014 o Coordenador da SPE de Leiria do IGFSS dirigiu a A..... – M....., Ld.ª Notificação para penhora de créditos da sociedade F....., Ld.ª no âmbito do PEF n.º ….190 e apensos, até ao montante de €31.097,47 (cf. ofício junto como doc. n.º 8 da contestação);

12. Em 18.02.2014 o Coordenador da SPE de Leiria do IGFSS dirigiu a T…. – P…. e…, Ld.ª Notificação para penhora de créditos da sociedade F....., Ld.ª no âmbito do PEF n.º ….190 e apensos, até ao montante de €31.097,47 (cf. ofício junto como doc. n.º 9 da contestação);

13. Em 18.02.2014 o Coordenador da SPE de Leiria do IGFSS dirigiu a L……, S. A. Notificação para penhora de créditos da sociedade F....., Ld.ª no âmbito do PEF n.º …..190 e apensos, até ao montante de €31.097,47 (cf. ofício junto como doc. n.º 10 da contestação);

14. Em 18.02.2014 o Coordenador da SPE de Leiria do IGFSS dirigiu a F….., Ld.ª Notificação para penhora de créditos da sociedade F....., Ld.ª no âmbito do PEF n.º …..190 e apensos, até ao montante de €31.097,47 (cf. ofício junto como doc. n.º 11 da contestação);

15. Em 18.02.2014 o Coordenador da SPE de Leiria do IGFSS dirigiu a A…, S. A. Notificação para penhora de créditos da sociedade F....., Ld.ª no âmbito do PEF n.º …..190 e apensos, até ao montante de €31.097,47 (cf. ofício junto como doc. n.º 12 da contestação);

16. Em 13.10.2014 o Coordenador da SPE de Leiria do IGFSS emitiu projeto de decisão de reversão das dívidas em cobrança coerciva no âmbito dos processos executivos identificados em 6. contra o Oponente (cf. projeto de fls. 65 e seguintes do processo físico);

17. Em 13.10.2014 o Coordenador da SPE de Leiria do IGFSS emitiu no âmbito dos processos executivos identificados em 6. ofício com o assunto Notificação para exercício de audição prévia em sede de reversão do responsável subsidiário, dirigido ao Oponente através de correio registado sob o n.º RN672950766PT (cf. ofício de fls. 64 do processo físico);

18. Em 03.11.2014 o Oponente apresentou, junto da SPE de Leiria do IGFSS, a sua pronúncia em sede de audiência prévia relativamente ao projeto de reversão referido em 16., na qual peticionava o arquivamento do processo, por falta de fundamento para realização da reversão, arrolando ainda duas testemunhas (cf. correio eletrónico de fls. 70 e requerimento de fls. 81 e seguintes, todas do processo físico);

19. Em 30.01.2015 a SPE de Leiria do IGFSS elaborou informação no âmbito dos processos executivos identificados em 6. na qual pode ler-se, com relevo, o seguinte (cf. informação de fls. 71 e 72 do processo físico):
“(…)
1. Foi determinada a preparação do PEF ……339 e ap., instaurados originariamente contra a sociedade F..... LDA, para efeitos de reversão contra os seus responsáveis subsidiários.
2. Notificado o único gerente qualificado, pela própria sociedade, como M.O.E no sistema da Segurança Social (membros de órgão estatutário): F.....com o NIF ……549, invocar:
• A falta de prova, por parte da Segurança Social, da inexistência de bens ou direitos de crédito penhoráveis;
• Que a divida de contribuições e cotizações não se trata de uma divida fiscal passível de ser revertida contra os gerentes da sociedade;
• Que não podem ser revertidas coimas;
• Que o reclamante não exerceu as funções de gerência no período tributário em questão.
3. De acordo com os elementos constantes nos presentes autos, a sociedade devedora não é proprietária de bens imóveis penhoráveis.
4. Não é a devedora titular de saldos bancários suficientes para satisfazer o valor da quantia exequenda, juros de mora à taxa legal e custas, uma vez que ordenadas as respetivas penhoras não deu entrada qualquer valor.
5. Relativamente a direitos de crédito, não veio a sociedade oferecer os mesmos a penhora, desconhecendo a Segurança Social a existência de créditos suscetíveis de regularizarem os valores em divida.
6. Por outro lado, existem no processo indícios suficientes que mostrem terem efetivamente exercido a gerência de facto na sociedade F..... . LDA o responsável subsidiário F..... ..
7. Refere ainda o ilustre mandatário do notificado, que a divida de contribuições e cotizações não se trata de uma divida fiscal passível de ser revertida contra os gerentes da sociedade.
8. De acordo com o entendimento generalizado da jurisprudência do S.T.A., as contribuições legalmente impostas com devidas pelas entidades patronais às instituições da Segurança Social, caem no âmbito do conceito de «questões fiscais», sempre que se aflora qualquer litígio relativo a tais contribuições.
9. Com efeito, é um facto indesmentível que as contribuições para a Segurança Social visam a satisfação de um encargo público fundamental do Estado - Sistema de Financiamento da Segurança Social.
10. Manifesto é assim a natureza tributária das Contribuições para a Segurança Social, as quais revestem a natureza de questão fiscal.
11. Não constam dos autos quaisquer valores referentes a coimas.
12. Pelo exposto, não se mostra conveniente a prestação de quaisquer diligências complementares quer prestadas oficiosamente ou a pedido do interessado, nomeadamente a inquirição de testemunhas arroladas pelos interessados.
13. Não parece ainda que esta inquirição possa incidir sobre a legalidade/ilegalidade da reversão
14. Pelo exposto, propõe-se a dispensa da inquirição das testemunhas arroladas pelos interessados.
(…)”

20. Em 02.02.2015 o Coordenador da SPE de Leiria do IGFSS apôs na informação referida em 19. o despacho “Concordo com o proposto. Notifique-se.” (cf. despacho de fls. 71 do processo físico);

21. Em data concretamente não determinada o Coordenador da SPE de Leiria do IGFSS emitiu ofício dirigido ao Oponente através de correio registado sob o n.º RF071340033PT, pelo qual lhe comunicava o despacho e informação referidos em 19. e 20. (cf. ofício de fls. 74 do processo físico);

22. Em 26.02.2015 o Coordenador da SPE de Leiria do IGFSS emitiu despacho de reversão contra o Oponente no âmbito dos processos executivos identificados em 6. na qual pode ler-se, com relevo, o seguinte (cf. despacho de fls. 77 e 78 do processo físico):
“(…)
2. DOS FUNDAMENTOS
Não existe motivo para suspender a execução, conforme o disposto no artigo 169.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (C.P.P.T.), pelo que deve a mesma prosseguir a sua normal tramitação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 153.º do C.P.P.T e artigo 23.º e artigo 24.º n.º 1, alínea b), da Lei Geral Tributária (L.G.T.).
Na sequência das diligências levadas a cabo por esta secção de processo executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social no âmbito do processo de execução referido em epígrafe, foi proposta a reversão da execução fiscal em relação ao gerente/administrador F..... ..
Procedeu-se a audiência de interessados, através de carta registada, nos termos constantes do artigo n.º 4 do art.º 23.º bem como o n.º 3, 5 e 6. do art.º 60.º da L.G.T. fixando-se o prazo de 15 dias úteis para o exercício do direito de participação.
Notificado o único gerente qualificado, pela própria sociedade, como M.O.E no sistema da Segurança Social (membros de órgão estatutário): F.....com o NIF …549, invocar:
• A falta de prova, por parte da Segurança Social, da inexistência de bens ou direitos de crédito penhoráveis;
• Que a divida de contribuições e cotizações não se trata de uma divida fiscal passível de ser revertida contra os gerentes da sociedade;
• Que não podem ser revertidas coimas;
• Que o reclamante não exerceu as funções de gerência no período tributário em questão.
1. De acordo com os elementos constantes nos presentes autos, a sociedade devedora não é proprietária de bens imóveis penhoráveis.
2. Não é a devedora titular de saldos bancários suficientes para satisfazer o valor da quantia exequenda, juros de mora à taxa legal e custas, uma vez que ordenadas as respetivas penhoras não deu entrada qualquer valor.
3. Relativamente a direitos de crédito, não veio a sociedade oferecer os mesmos a penhora, desconhecendo a Segurança Social a existência de créditos suscetíveis de regularizarem os valores em divida.
4. Por outro lado, existem no processo indícios suficientes que mostrem terem efetivamente exercido a gerência de facto na sociedade F..... . LDA o responsável subsidiário F..... ..
5. Refere ainda o ilustre mandatário do notificado, que a divida de contribuições e cotizações não se trata de uma divida fiscal passível de ser revertida contra os gerentes da sociedade. De acordo com o entendimento generalizado da jurisprudência do S.T.A., as contribuições legalmente impostas com devidas pelas entidades patronais às instituições da Segurança Social, caem no âmbito do conceito de «questões fiscais», sempre que se aflora qualquer litígio relativo a tais contribuições. Com efeito, é um facto indesmentível que as contribuições para a Segurança Social visam a satisfação de um encargo público fundamental do Estado - Sistema de Financiamento da Segurança Social. Manifesto é assim a natureza tributária das Contribuições para a Segurança Social, as quais revestem a natureza de questão fiscal.
6. Não constam dos autos quaisquer valores referentes a coimas.
12. Pelo exposto, não se mostra conveniente a prestação de quaisquer diligências complementares quer prestadas oficiosamente ou a pedido do interessado, nomeadamente a inquirição de testemunhas arroladas pelos interessados.
13. Não parece ainda que esta inquirição possa incidir sobre a legalidade/ilegalidade da reversão
14. Pelo exposto, propõe-se a dispensa da inquirição das testemunhas arroladas pelos interessados.
(…)”
*
De acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), que aqui tem aplicação por força da al. e) do artigo 2.º do CPPT, na fundamentação da sentença “o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
No que concerne à prova dos factos acima elencados sob os números 1. a 22., foi determinante a análise da prova documental que foi remetida ao Tribunal pelo órgão da execução fiscal com a remessa do processo executivo e pelo IGFSS com a contestação, não tendo os documentos apresentados e assim descritos sido postos em causa ou impugnados por qualquer das partes, conforme supra se encontra devidamente identificado em frente a cada um dos pontos do probatório – cf. artigos 374.º e 376.º do Código Civil.
A prova dos factos elencados sob os números 1. a 4. foi obtida através do conhecimento funcional da signatária, que com acesso à plataforma informática SITAF teve conhecimento dos processos de oposição apresentados pelo Oponente de cuja documentação resultou a sua prova.
*
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.”

* *

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal recorrido julgou a oposição improcedente tendo considerado, em síntese, que o Oponente é parte legítima na execução fiscal em apreço, por entender que se mostram reunidos os pressupostos da responsabilidade subsidiária e que o Oponente não ilidiu a presunção de culpa prevista na alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT, não tendo feito prova dos factos por si alegados.

O Recorrente não se conforma com o decidido invocando, também em síntese, que:
i) a sentença deve ser revogada porquanto, tendo arrolado prova testemunhal para prova dos factos por si alegados e que veio a ser dispensada por despacho judicial, não pode ser prejudicado na sua defesa na medida em que a não produção de prova sobre os factos, não lhe é imputável (cfr. conclusões 7 a 15 das alegações);
ii) mais invoca que a executada possuía bens e direitos de crédito, e a entidade exequente nada fez para executar tais bens; que o Oponente nunca exerceu, quer de facto, quer de direito, qualquer tipo gerência; que não teve qualquer culpa pois nunca dissipou ou maltratou, sequer culposamente, o património social da executada sociedade; que não se mostra demonstrada a fundada insuficiência do património do devedor originário e que o despacho de reversão não se mostra fundamentado (cfr. conclusões 17 a 35 das alegações);

iii) nulidade da sentença por a mesma não estar fundamentada e não ter apreciado todas as questões, alegando para o efeito que a sentença recorrida viola o disposto nas alíneas b), c) e d) do art. 615º do CPC (cfr. conclusões 36 a 41 das alegações).

Apreciando, desde logo as nulidades invocadas pelo Recorrente.

O Recorrente invoca que a sentença padece de nulidade por violação do disposto nas alíneas b), c) e d) do art. 615º do CPC

O art. 615º, nº 1 do CPC consagra que a sentença é nula quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Quanto às alegadas nulidades da sentença importa desde já referir que, pese embora o Recorrente invoque as alíneas c) e d) como fundamento das alegadas nulidades contudo, não densifica em que termos considera que se verifica a contradição ou omissão, tendo apenas concretizado a nulidade consagrada na alínea b), invocando para o efeito a falta de fundamentação da sentença.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito.

A nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito abrange as situações de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito.

A lei processual exige que a sentença esteja fundamentada, de facto e de direito, como resulta, desde logo, do disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, bem como no art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, por forma a que seja perfeitamente apreensível o itinerário cognoscitivo percorrido, fundamental para a sua adequada compreensão e eventual impugnação.

Nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 615º do CPPT, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, mas, como tem sido entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, a nulidade da sentença, por falta de fundamentação de facto ou de direito, só abrange a falta absoluta de motivação da decisão (cfr. Ac. do STA de 06/02/2019 – proc. 249/09.0BEVIS).

No caso em apreço, compulsado o teor da decisão recorrida verifica-se que estão elencados os factos provados, deles constando, expressa e individualmente, o meio probatório que permitiu a fixação da aludida factualidade, complementada com a expressa motivação da decisão da matéria de facto.

Quanto à fundamentação de direito, de uma leitura atenta da decisão recorrida resultam claramente, quais as razões que determinaram o julgamento da oposição à execução, tendo sido elencados os normativos legais que alicerçaram a decisão.

Face ao exposto, verifica-se que foram analisadas, criticamente, as provas e especificados os fundamentos de facto e de direito que foram decisivos para a convicção do julgado.

Acresce que, como referido anteriormente só existe nulidade, em caso de ausência absoluta de fundamentação, ou seja, quando não se conseguir discernir qual o iter cognoscitivo que esteve na base da decisão tomada, o que não é o caso dos presentes autos.

Pelo exposto resulta evidente que a sentença recorrida não padece de nulidade por falta de fundamentação porquanto estão enunciadas as razões de facto e de direito que conduziram à decisão proferida.

Prosseguindo.

De acordo com o disposto no artigo 113.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) ex vi artigo 211.º, n.º 1 do CPPT, o juiz pode conhecer logo o pedido, se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários, devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal e pericial, nos termos do preceituado nos artigos 114.º, 115.º, 116.º e 118.º do CPPT.

Cabe ao juiz examinar o processo e aferir da admissibilidade ou não dos meios de prova oferecidos e da necessidade da mesma perante a factualidade controvertida e relevante para a decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.

Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 22/05/2013, proferido no processo n.º 0984/12, ao enunciar que “I - No processo judicial tributário compete ao juiz examinar se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal e pericial requerida pelas partes em face das normas que disciplinam a admissibilidade desse meio de prova, e, no caso afirmativo, aferir da relevância da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, só podendo dispensar essa prova no caso de concluir que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária.
II - Sendo patente que a factualidade que o oponente invoca e intentou demonstrar através de prova testemunhal não é meramente conclusiva nem inócua para a apreciação da causa, torna-se evidente a necessidade de proceder às diligências probatórias requeridas, de forma a possibilitar-lhe o cumprimento do ónus da prova que lhe incumbe, respeitando os princípios do contraditório e da igualdade das partes no âmbito do processo judicial.”.

O mesmo Acórdão refere ainda que “O direito à prova existe, assim, no procedimento e no processo tributário, e é objecto de uma tutela muito forte, embora não constitua um direito absoluto, pois que o legislador ordinário estabeleceu limites e indicou critérios precisos de restrição do uso de meios de prova em relação a factos determinados, como acontece com o art. 392º do Código Civil, onde se estabelece que “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada”, e com o disposto nos artigos 393º, 394º e 395º desse Código, que prevêem as situações em que é inadmissível a prova testemunhal.
Razão por que compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.”.

No caso em apreço o Oponente alegou na petição inicial factualidade (artigos 49º, 50º e 53.º), relativa à gerência de facto e à falta de culpa pela insuficiência do património societário, tendo arrolado 2 testemunhas.

O Juiz a quo, por despacho de fls. 159 (da numeração dos autos de suporte físico) decidiu: “Compulsados os autos, constato que ambas as partes arrolam testemunhas, mas também que, em bom rigor, os elementos essenciais para a boa decisão da causa se encontram já reunidos nos autos, e que a questão decidenda se reconduz, essencialmente, à apreciação de matéria de direito que não pode ser questionada às testemunhas em sede de audiência, bem como à análise de prova documental constante dos autos.
Afigurando-se que as questões a decidir nos presentes autos são reconduzíveis à interpretação do regime legal aplicável e à análise da prova documental, não se vislumbra utilidade na produção da prova testemunhal requerida, tanto mais que o n.º 1 do artigo 13.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário proíbe a realização de diligências instrutórias inúteis.
Atento o exposto, e nos termos das normas acima referidas, dispenso a realização de quaisquer diligências instrutórias adicionais, designadamente a produção da prova testemunhal que vem requerida pelas partes.
Notifique.”

O Tribunal a quo decidiu que não havia necessidade de determinar a abertura de uma fase de produção de prova, por ter subjacente o entendimento de que não existia matéria de facto controvertida relevante para a decisão da causa.

Salienta-se que caso o Tribunal a quo entendesse que a petição inicial continha matéria conclusiva e/ou conceitos jurídicos, não acompanhados dos necessários factos concretizadores, deveria proferir despacho de aperfeiçoamento da p.i. ou supri-los em sede de diligência de inquirição de testemunhas, (cfr. artigos 590.º e 5.º do CPC).

Na situação dos autos não foi seguida nenhuma das situações indicadas para suprir uma eventual deficiente exposição de factos.

Atendendo que no processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório, nos termos do n.º 1, do artigo 99.º da Lei Geral Tributária (LGT) o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer (cfr. artigo 13.º do CPPT).

A factualidade alegada pelo Oponente é controvertida e afigura-se relevante, à luz de qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, e admite produção de prova testemunhal, sendo que esta não se encontra afastada por outros meios de prova. Portanto, a não realização da prova testemunhal, cuja audição não se afigura desnecessária, afecta o julgamento da matéria de facto.

Afigura-se, assim, que assiste razão ao Recorrente.

Como se escreveu no Acórdão do STA supra citado: “E embora a falta de produção de prova requerida e da sua ponderação e valoração no julgamento da matéria de facto não integre uma nulidade processual, sendo, antes, susceptível de consubstanciar um erro de julgamento - na medida da deficiência do juízo valorativo que a dispensou ou do erro cometido pelo julgador quanto à inexistência de elementos de prova ou das sua irrelevância para a decisão da causa – há que reconhecer que a sentença padece do referido erro de julgamento.
Aliás, ao ter julgado que a oposição não podia proceder por «completa ausência de prova» da falta de culpa do oponente no pagamento da dívida, a Mmª Juíza incorreu não só no aludido erro de julgamento, como descurou a necessidade de fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão do aspecto jurídico da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Há, pois, necessidade de ampliar a matéria de facto com vista a obter todos os elementos que suportem a decisão de direito, o que importa a revogação da decisão recorrida”.

Sufragamos inteiramente a fundamentação desenvolvida no acórdão do STA que se acabou de transcrever.

A decisão sob recurso ao julgar desnecessária a produção de prova está inquinada de erro de julgamento, por um deficiente juízo valorativo da dispensa de prova testemunhal ou da sua irrelevância para a decisão da causa. Afigura-se, assim, que assiste razão ao Recorrente quando afirma que o tribunal a quo não lhe permitiu fazer prova de matéria que era essencial para a sua defesa. Tal omissão de diligências de prova afecta o julgamento da matéria de facto por défice instrutório.

Resta concluir que, não estando feitas todas as diligências requeridas de forma a conhecer do presente fundamento da oposição, o processo terá que baixar à 1ª instância a fim de serem feitas as diligências de prova e a final decidir de acordo com o que dela resultar.

Em face do exposto, fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos invocados pelo Recorrente.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para que proceda à produção da requerida prova testemunhal e prosseguimento dos ulteriores termos processuais.

Sem custas.
Lisboa, 15 de Setembro de 2022
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto