Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1250/19.1BESNT |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 07/02/2020 |
Relator: | JORGE PELICANO |
Descritores: | CONTRATAÇÃO PÚBLICA DECLARAÇÃO DE CADUCIDADE DO ACTO DE ADJUDICAÇÃO SITUAÇÃO FISCAL REGULARIZADA |
Sumário: | I. A falta de entrega tempestiva de certidão que ateste que a adjudicatária tem a sua situação fiscal regularizada, pode levar à declaração de caducidade do acto de adjudicação, caso essa falta seja imputável à adjudicatária. II. A entidade adjudicante não pode declarar a caducidade do acto de adjudicação sem antes ter convidado a adjudicatária a pronunciar-se sobre a não apresentação tempestiva do documento e sem ter ponderado as razões por esta invocadas na resposta que remeteu - n.º 2 do art.º 86.º do CCP. III. Caso se verifique que a falta de entrega do documento não é imputável à adjudicatária, a entidade adjudicante deve, em função das razões invocadas, conceder-lhe novo prazo para que esta possa vir a regularizar a situação - n.º 3 do art.º 86.º do CCP. IV. Não pode manter-se na ordem jurídica o acto que declarou a caducidade da adjudicação que: i) não ponderou as razões invocadas pela adjudicatária; ii) sofre de erro nos pressupostos de facto; iii) viola o princípio da proporcionalidade. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul. O Instituto Português Do Sangue e Da Transplantação, I.P., e a sociedade D... S.L. – Sucursal em Portugal, vêm, no âmbito da presente acção de contencioso pré-contratual intentada pela C... S.L. – Sucursal Em Portugal contra aquele instituto, recorrer do saneador-sentença proferido pelo TAF de Sintra que: - anulou o acto que decretou a caducidade da adjudicação efetuada em favor da Autora, ora Recorrida; 2. A Autora nunca invocou qualquer facto, ou circunstância, que não lhe fosse imputável e que tivesse originado a falta de comprovação de ausência de impedimentos à contratação pública, nem apresentou quaisquer razões para tal ter sucedido, pelo que a situação com que o IPST se confrontou, não se enquadrava no n.º 3 do artigo 86.º, que pressupunha a ausência de imputabilidade ao próprio concorrente. 3. O que está subjacente ao impedimento à contratação previsto no artigo 55.º, n.º 1, alínea e), do CCP não é o valor da dívida ao Estado, mas sim o facto de haver uma dívida relativa ao incumprimento de obrigações fiscais. 4. Na verdade, entendemos que a caducidade da adjudicação era a única forma de garantir a devida salvaguarda aos princípios da igualdade de tratamento e da concorrência no âmbito do procedimento em causa. 6. Por tal razão é exigida a apresentação da Declaração correspondente ao Anexo I ao CCP ou o DEUCP. 7. A inexistência de impedimentos tem de existir ao longo de todo o procedimento e, desde logo, no momento da apresentação da proposta, embora a sua comprovação só seja exigida após a adjudicação. 8. Deste modo, não tendo sido demonstrada pelo concorrente a inexistência do impedimento referido na alínea e) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP, no momento da apresentação da sua proposta, tinha de ser confirmada pelo IPST, IP, a declaração de caducidade da adjudicação. 9. Note-se que, nos termos da alínea a) do artigo 456.º do CC, constitui contra-ordenação muito grave a participação de candidato que, no momento da apresentação da respectiva proposta, da adjudicação ou da celebração do contrato, se encontre em alguma das situações previstas no artigo 55.º do CCP. 10. Como ensina ESTEVES DE OLIVEIRA (Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2014, Reimpressão da Edição de Maio de 2011, páginas 495, 496): 11. Já após a recente revisão do CCP, operada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto, segundo LUÍS VERDE DE SOUSA (in Comentários à Revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, 2017, pág. 632) o regime previsto no n.º 3 do artigo 72.º do CCP não permite ultrapassar ou suprir, indiscriminadamente, todo e qualquer vício de caracter formal (com sublinhados nossos): 13. Deste modo, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP, a Autora encontra-se impedida receber em adjudicação o objecto do procedimento concursal em apreço, o que deve ser declarado na decisão do presente Recurso, sendo revogada a Sentença sob recurso, por violação da referida disposição. (iii) a caducidade da adjudicação, sem admitir qualquer margem de ponderação à entidade adjudicante. 15. O legislador revela-se particularmente exigente, no que concerne à situação tributária regularizada, designadamente quando considera que a existência de um plano de regularização das dívidas fiscais não é suficiente para relevar a existência do impedimento constante da alínea e) do artigo 55.º, do CCP, como resulta do n.º 1 do artigo 55.º- A, recentemente introduzido na revisão do CCP. 16. No sentido que propugnamos veja-se GONÇALO GUERRA TAVARES, em anotação ao artigo 55.º-A (Comentário ao Código dos Contratos Públicos, Almedina, 2019): “o impedimento relativo à existência de dívidas fiscais e de dívidas à segurança social – o que até se compreende, dado que, por exemplo, havendo um acordo para pagamento de uma dívida fiscal em prestações, na nossa opinião, o impedimento terá de subsistir até que se verifique a liquidação integral dessas dívidas”. 17. Também PEDRO GONCALVES (cf. Direito dos Contratos Públicos, Almedina, 2.ª edição, 2018, Vol. I, pág. 640/641), embora com posição não coincidente, considera que (sublinhados nossos): “Ao contrário da Diretiva [Diretiva 2014/24/UE, artigo 57.º n.º 2, 3.º par], o CCP não prevê uma derrogação ao impedimento, no caso de esta medida se afigurar manifestamente desproporcionada, nomeadamente: quando se trata apenas de pequenos montantes de impostos ou contribuições para a segurança social que não foram pagos”. 18. Ora, como é inquestionável, o legislador podia ter previsto a possibilidade de derrogação ou de relevação do impedimento constante da alínea e do n.º 1 do artigo 55.º do CCP, mas não o fez. 19. Podemos discutir qual deveria ser a melhor solução no plano do direito a constituir, mas a verdade é que no que diz respeito ao direito em vigor, que nos cumpre interpretar e aplicar, o artigo 55.º-A do CCP, não prevê, no seu sentido literal, qualquer possibilidade de relevação do impedimento relativo à existência de dívidas de natureza fiscal. 20. A interpretação do artigo 55.º-A do CCP que foi defendida pelo Tribunal a quo não encontra na lei um mínimo de correspondência verbal, além de que, no contexto da transposição da Directiva 2014/24/EU, temos de considerar que o legislador, colocado perante a possibilidade de permitir, ou não, a relevação dos impedimentos elencados no artigo 55.º do CCP, tal como era consentido pela Directiva, optou por não facultar a derrogação do impedimento previsto na alínea e), do n.º 1, do artigo 55.º do CCP. 21. Cumpre-nos, enquanto interpretes, assumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, nos termos do artigo 9.º do Código Civil. 22. O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto, que aditou o artigo 55.º-A ao CCP é omisso quanto a tal suposto propósito de relevação do impedimento em causa, ao mesmo passo que o texto do mesmo artigo também não faculta qualquer suporte que permita nele sustentar a interpretação defendida na Sentença sob recurso. 23. Ou seja, o legislador não estabeleceu qualquer margem de ponderação ou de decisão às entidades adjudicantes nesta matéria, pelo que não há fundamento para fazer intervir, neste âmbito, a aplicação do princípio da proporcionalidade, ao contrário do que se sustenta na decisão sob recurso. 24. Cumpre ainda notar que a interpretação do artigo 55.º-A do CCP, nos moldes sustentados pela Sentença sob recurso, também não passa no teste da interpretação sistemática, na medida em que tal entendimento é totalmente desconforme com o disposto no artigo 456.º, n.º 1, al. a) do mesmo Código, que sanciona, a título de contra-ordenação a mera participação de concorrente que se encontre em alguma das situações previstas no artigo 55.º no momento da apresentação da respectiva candidatura ou proposta, da adjudicação ou da celebração do contrato. 25. Cremos, pois, que o entendimento que fundamentou a decisão constante da Sentença não se mostra consentâneo com os cânones da boa hermenêutica jurídica, conforme estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil. 26. Assim, ao admitir a verificação do impedimento à contratação previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP e ao consentir a sua relevação, em termos não permitidos pelo artigo 55.º-A do CCP, procedeu o Tribunal a quo à errada interpretação e aplicação de tais disposições, em particular do disposto no artigo 55.º-A, pelo que deverá ser revogada a Sentença sob recurso, sendo julgada totalmente improcedente a presente acção, e todos os pedidos formulados pela Autora, com as legais consequências. * A Recorrente D... S.L. – Sucursal em Portugal apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso: “1. Vem o presente Recurso interposto do Saneador-Sentença na parte em que decidiu: a) Decidiu anular o ato que decretou a caducidade da adjudicação efetuada em favor da Autora; b) Anular o ato de adjudicação em favor das CI, D... e Z...; c) Anular os atos consequentes, inclusive os contratos, se, entretanto, celebrados; d) Condenar a Entidade Demandada a adjudicar o contrato à Autora, C.... Por violação do disposto nos citados artigos 55-A e 86, ambos do CCP. 2. Essa decisão incorre em (i) erro de julgamento sobre a matéria de facto, (ii) errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 55-A e 86.º do CCP aos factos dados como provados e ao julgamento dos pedidos deduzidos pela Recorrida, (iii) e violação do disposto no a alínea e) do n.º 1 do artigo 55.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 86.º, ambos do CCP. 3. Com relevância para o julgamento do mérito da ação, o Tribunal a quo devia ter dado igualmente como provado, no facto indicado sob o número 15), que a Recorrida entregou os documentos de habilitação, ou seja, 19/06/2019; 4. Provado que a Recorrida pagou os impostos em falta para ter a sua situação tributária regularizada no dia 01/08/2019; 5. E que 02/08/2019 a Autoridade Tributária emitiu uma certidão declarando que, àquela data, a Autora tinha a sua situação tributária regularizada. 6. O Tribunal a quo decidiu no Saneador-Sentença anular os atos administrativos sub judice, por entender que o legislador do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31/08, “parece ter querido, de forma clara, que fosse ponderada, caso a caso, a matéria de impedimentos resultantes de situações de dívidas à Segurança Social ou às Finanças/Estado, deixando de ter uma posição de impedimento absoluto e genérico para passar a ter antes uma posição de análise casuística.”, inexistindo qualquer elemento literal, racional, histórico ou sistemático que autorize essa interpretação. 7. Com efeito, a alínea e) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP, visa salvaguardar a concorrência e a igualdade entre operadores económicos, partindo da consideração de que aqueles que pagam os seus impostos e têm as suas obrigações para com a segurança social em dia suportam custos acrescidos de produção em relação àqueles que não o fazem. 8. Ora, as preocupações subjacentes a esse impedimento e os fins visados pelo legislador nacional com o estabelecimento desse impedimento, permanecem imutáveis e em nada abaladas pela introdução do regime de relevação de impedimentos estabelecido no artigo 55-A do CCP. 9. Aliás, esse regime consta dos nºs 2 e 3 do artigo 55-A do CCP e não no seu n.º 1, como resulta claramente da opção do legislador de apenas relativizar os impedimentos referidos no n.º 2 dessa norma legal. 10. Por outro lado, os regimes de regularização de dívidas fiscais referidos no n.º 1 do artigo 55-A do CCP são aqueles estão previstos na lei, nomeadamente o acordo de pagamento em prestações previsto nos artigos 86.º, nº 2, e 196.º, ambos do CPPT, ou nos regimes aprovados pelo Governo com medidas excecionais de recuperação das dívidas à Administração Fiscal e à Segurança social, devendo entender-se por situação regularizada por dívidas fiscais aquilo que atualmente resulta do regime instituído artigo 177-A do CPPT, que não se compadece com a interpretação dada ao n.º 1 do artigo 55-A no Saneador-Sentença. 12. Nesses casos, a situação do contribuinte está regularizada perante o fisco, por inexistirem dívidas fora de prazo, razão pela qual o legislador entendeu que não há impedimento à participação em procedimentos de contratação pública ou à contratação de contratos públicos. 13. O que o legislador pretendeu com o n.º 1 do artigo 55-A do CCP foi reforçar que é permitida a participação em procedimentos de contratação pública a sujeitos que, embora tenham dívidas fiscais, beneficiam de um plano de regularização dessas dívidas, que estão a cumprir pontualmente, sendo por demais evidente o erro de interpretação e de julgamento em que incorre o Saneador-Sentença que pretende retirar dessa norma uma relativização do impedimento em causa. 14. Não cabem, portanto, no pensamento do legislador, nem na letra do n.º 1 do artigo 55-A do CCP, os casos, como o dos presentes autos, em que o adjudicatário tem dividas fiscais fora de prazo e não beneficia, aquando da adjudicação, de nenhum regime de regularização de dívidas fiscais. 15. A interpretação dada pelo Tribunal a quo considera-se, ainda, errada, e merecedora de censura, em virtude de contrariar flagrantemente os princípios da igualdade e da concorrência, abalando a necessária segurança jurídica em procedimentos de contratação pública. 16. Por outro lado, o n.º 1 do artigo 55-A do CCP não autoriza o suprimento do impedimento decidido pelo Tribunal a quo no Saneador-Sentença, uma vez que essa norma pressupõe que o adjudicatário, no momento em que recebe a adjudicação e entrega os documentos de habilitação, já tem a situação tributária regularizada, cominando o n.º 1 do artigo 86.º do CCP que a adjudicação caduca automaticamente se, nesse momento e por facto que lhe seja imputável, o adjudicatário não se encontra nessa situação. 17. E como as normas dos nºs 2 e 3 do artigo 55-A do CCP não se aplicam ao impedimento decorrente da existência de dívidas fiscais fora de prazo, é manifesto que o suprimento desse impedimento tal como foi decidido pelo Tribunal a quo no Saneador-Sentença não tem cobertura legal. 18. Assim, é forçoso concluir que o impedimento estabelecido na alínea e) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP não deixou de ser um impedimento dirimente absoluto para passar a ser um impedimento dirimente relativo em virtude do regime que consta do artigo 55-A do CCP inserido nesse diploma pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017. 19. Impugna-se, ainda, e à cautela, o juízo formulado pelo Tribunal a quo no que diz respeito à violação do princípio da proporcionalidade, por estar em causa uma dívida fiscal de 17,50€, uma vez que o desvalor da ação está no incumprimento fiscal e não propriamente no valor da dívida, dado que a obrigação de pagar impostos diz directamente respeito à existência e funcionamento do Estado Social de Direito. 20. Simultaneamente, essa decisão viola o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 55.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 86.º, ambos do CCP. 21. É que, tendo-se provado que a Recorrida só pagou a dívida fiscal no dia 01/08/2019, mais de um mês depois de ter entregue os documentos de habilitação, está verificado o impedimento à contratação previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP e tem plena aplicação o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 86.º do CCP, com a consequente caducidade da adjudicação. 22. E uma vez que a Recorrida não alegou nem sequer demonstrou que a dívida fiscal não lhe era imputável, o Réu não estava legalmente autorizado a não relevar o impedimento e desconsiderar a caducidade da adjudicação. 23. Nestes termos, impõe-se a revogação da decisão ora impugnada e a sua substituição por outra que declare válidos os atos administrativos praticados pelo Réu e impugnados pela Autora/Recorrida, aplicando ao caso dos autos o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 55.º e a alínea a) do n.º 1 do artigo 86.º, ambos do CCP.”. * A autora C... S.L. – Sucursal Em Portugal, ora Recorrida, contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: “1. A sentença sob recurso fez a correcta e justa aplicação do Direito aos factos em presença. 5. De acordo com o previsto no CCP, nomeadamente no art.º 55.º-A, n.º 1, o princípio da proporcionalidade, e bem assim o art.º 57.º, n.º 3, da Directiva 2014/24/UE, o impedimento deve ser relevado, pois afinal a ora Recorrida veio a pagar o valor devido, regularizando a sua situação. O Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.° 146.° do CPTA. Do objecto do recurso. O processo vem à Conferência para julgamento, sem vistos das Exmas. Juízas-Adjuntas, por se tratar de um processo urgente. * De facto. Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto: * Do erro de julgamento da matéria de facto.A Recorrente D... S.L. – Sucursal em Portugal, veio impugnar a decisão da matéria de facto, defendendo que a mesma deve ser objecto de aditamento, nos seguintes termos: 1) Requer que se adite a data de 19/06/2019 ao número 15) da matéria assente, por ser a data em que a Recorrida C... S.L. Sucursal em Portugal, remeteu os documentos de habilitação para o processo administrativo, o que diz ser relevante para aferir se a Recorrida tinha dívidas de impostos em Portugal e se, por conseguinte, estava ou não impedida de contratar com o Instituto Português do Sangue e da Transplantação, I.P.. A existência da dívida de imposto resulta da certidão emitida pela Autoridade Tributária, em que se atesta que a Recorrida não tinha a sua situação fiscal regularizada à data em que tal certidão foi emitida (29/05/2019). Isto é, para esses efeitos, não interessa determinar a data em que os documentos de habilitação foram remetidos para o processo administrativo. Porém, esta última data já releva para aferir se a Recorrida, como defende, incorreu em lapso ao remeter, nessa altura, a certidão datada de 29/05/2019 para o processo administrativo. Assim, por se mostrar relevante para a apreciação do mérito da causa, adita-se o seguinte facto à matéria assente: “24) Os documentos de habilitação a que se refere o número 15 dos factos provados, foram remetidos para o processo administrativos em 19/06/2019.” – cfr. P.A. e doc. reproduzido a fls. 13 das alegações de recurso; 2) A Recorrente requer ainda que se adite ao probatório a data em que a Recorrida pagou o imposto em falta, bem assim como a data em que foi emitida a certidão a atestar que a situação fiscal se encontrava regularizada. Por se tratar de matéria que interessa considerar para aferir da existência do invocado impedimento à data da apresentação da proposta e ainda para aferir da legalidade da declaração de caducidade do acto de adjudicação e considerando ainda o disposto no artº 662º nº 1 CPC, ex vi artº 1º CPTA, aditam-se os seguintes factos à matéria assente: “25) Em 29/05/2019 a Recorrida não tinha a sua situação fiscal regularizada, por falta de entrega, nos cofres do Estado, da quantia de 17,50€ retida na fonte a título de rendimentos pagos ou colocados à disposição no mês de Abril de 2019, em sede de IRS” – doc. de fls. 733 se segs. do SITAF e acordo 26) O referido montante de 17,50€ foi entregue nos cofres do Estado, a 01/08/2019” - doc. de fls. 632 se segs. do SITAF 27) A certidão emitida pela Autoridade Tributária a que se refere o número 16) dos factos provados, em que se atesta que a Recorrida tem a sua situação fiscal regularizada, foi emitida a 02/08/2019” – doc. de fls. 733 se segs. do SITAF; 28) Em 03/09/2019, o Conselho Directivo, na sequência da pronúncia que a Recorrida apresentou a 08/08/2019 (referida no ponto 18 do probatório), decidiu, nos termos do art.º 86.º, n.º 4 do CCP, declarar a caducidade do acto de adjudicação das propostas apresentadas pela Recorrida e praticar novo acto de adjudicação, que recaiu sobre as propostas que tinham sido graduadas imediatamente a seguir àquelas – fls. 641 do SITAF; 29) Para tanto, foi considerado, a título de fundamentação, o teor de um parecer jurídico em que se considerou que a Recorrida não tinha demonstrado “a inexistência do impedimento referido na alínea e) do n.° 1 do artigo 55.°, no momento da apresentação da sua proposta”, pelo que se devia proceder à declaração de caducidade da adjudicação – doc. de fls. 641 do SITAF, que se tem por reproduzido; 30) Na decisão que indeferiu a impugnação administrativa a que se o ponto 22) da matéria assente considerou-se, ainda a título de fundamentação, que a adjudicatária, à data em que apresentou a sua resposta “em sede de audiência prévia”, não tinha a sua situação fiscal regularizada – cfr. o ponto 8 do doc. n.º 12 junto com a P.I.. * DireitoEstatui o art.º 55.º, n.º 1, al. a), que: “1 - Não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que: (…) e) Não tenham a sua situação regularizada relativamente a impostos devidos em Portugal ou, se for o caso, no Estado de que sejam nacionais ou no qual se situe o seu estabelecimento principal;”. A prova da situação fiscal regularizada faz-se através da apresentação de certidão a emitir pela A.T. – n.º 2 do art.º 83.º-A do CCP. Tal certidão faz parte dos documentos de habilitação a remeter para o processo administrativo no prazo estabelecido no P.P., ou naquele que for fixado pelo órgão competente para a decisão de contratar – n.º 8 do art.º 81.º e n.º 1 do art.º 86.º, ambos do CCP. A falta de entrega tempestiva desse documento pode levar à declaração de caducidade da adjudicação, caso essa falta resulte de facto que seja imputável ao adjudicatário - n.º 1 do art.º 86.º do CCP. A entidade adjudicante não pode declarar a caducidade da adjudicação sem antes ter convidado a adjudicatária a pronunciar-se sobre a não apresentação do documento - n.º 2 do art.º 86.º do CCP. E, caso se verifique que a falta de entrega do documento não é imputável à adjudicatária, a entidade adjudicante deve, em função das razões invocadas, conceder-lhe novo prazo para que esta possa vir a regularizar a situação - n.º 3 do art.º 86.º do CCP. O que permite afirmar que o referido regime apresenta um alcance que vai para além da mera notificação de um projecto de decisão. Para Pedro Gonçalves, “Direito dos Contratos Públicos”, Almedina, 2018, 2ª ed., pág. 896, a notificação prevista no n.º 2 do art.º 86.º do CCP assume o “significado de um “convite ao cumprimento” ou, se se quiser, de concessão de nova oportunidade para cumprimento” . Pedro Fernández Sánchez, in “Direito da Contratação Pública”, AAFDL, 2020, vol. II, pág. 429 e 430, entende que, no âmbito desse regime, a entidade adjudicante não pode deixar de conceder à adjudicatária a oportunidade de corrigir o incumprimento, ou de se pronunciar sobre os motivos justificativos do seu atraso. Isto é, a caducidade não opera automaticamente. Deve ser declarada pela entidade adjudicante, a quem cabe um emitir o juízo sobre a imputabilidade ao adjudicatário da não apresentação atempada dos documentos de habilitação. Essa imputabilidade, deve averiguar-se em face das circunstâncias do caso concreto e ocorre se o adjudicatário actuou com culpa, ou seja, se não cumpriu os deveres de cuidado, prudência e diligência a que estava adstrito para evitar a caducidade – cfr. ac. do STA, proc. n.º 01148/17, de 11/01/2018, in www.dgsi.pt. O prazo para apresentação das propostas no âmbito do procedimento concursal a que se referem os presentes autos, terminou a 23/03/2019, tendo a Recorrida apresentado tempestivamente a sua proposta, a qual foi admitida e graduada em primeiro lugar para qualquer dos dois lotes colocados a concurso, conforme resulta do Relatório Final de 31/05/2019. Demonstram os autos que a Recorrida não cumpriu o prazo de entrega, nos cofres do Estado, do montante de 17,50€, que, em sede de IRS, reteve na fonte por rendimentos pagos ou colocados à disposição no mês de Abril de 2019. Tal montante foi entregue à A.T. em 01/08/2019. Nos termos do disposto no art.º 98.º, n.º 3 do CIRS, essa entrega deveria ter sido efectuada até ao dia 20/05/2019. Conclui-se, assim, que à data em que a Recorrida remeteu os documentos de habilitação para o processo administrativo (19/06/2019), não tinha a sua situação fiscal regularizada, como, aliás, se atesta na certidão de 29/05/2019, que seguiu juntamente com os demais documentos de habilitação. Só a 02/08/2019 é que a Recorrida enviou para a Entidade Adjudicante (EA) uma certidão a atestar que a situação estava regularizada. Em 07/08/2019, a EA convidou a Recorrida, nos termos do art.º 86.º, n.º 2 do CCP, a pronunciar-se sobre a falta de junção de documento comprovativo de que a sua situação fiscal se encontrava regularizada. A 08/08/2019, a Recorrida respondeu, tendo junto nova certidão demonstrativa de que tinha a situação fiscal regularizada e, entre o mais, alegou que, apesar dos esforços por ela desenvolvidos, não tinha conseguido “até à anterior data para apresentação dos documentos de habilitação, que a situação ficasse devidamente regularizada por motivos procedimentais sobre os quais a adjudicatária não tem controlo” (doc. n.º 8 junto com a P.I. e ponto 18 do probatório). Em 03/09/2019, o Conselho Directivo da EA decidiu, nos termos do art.º 86.º do CCP, declarar a caducidade do acto de adjudicação das propostas que haviam sido apresentadas pela Recorrida e ainda adjudicar as propostas que tinham sido graduadas imediatamente a seguir àquelas, nos termos do n.º 4 do art.º 86.º do CCP. Para tanto, considerou, a título de fundamentação, que “a inexistência de impedimentos tem de existir ao longo de todo o procedimento e, desde logo, no momento da apresentação da proposta, embora a sua comprovação só seja exigida após a adjudicação.” e ainda que a Recorrida não tinha demonstrado “a inexistência do impedimento referido na alínea e) do n.° 1 do artigo 55.°, no momento da apresentação da sua proposta”. Ou seja, considerou que a Recorrida não tinha a sua situação fiscal regularizada à data em que apresentou a sua proposta. No entanto, nada demonstra que a Recorrida não tivesse a sua situação fiscal regularizada nessa data. Pelo que há que concluir que o despacho que declarou a caducidade do acto de adjudicação, datado de 03/09/2019, sofre, nessa parte, de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto. Para além disso, esse despacho de 03/09/2019, também nada diz sobre as alegadas dificuldades de natureza procedimental que a Recorrida invocou para justificar a entrega intempestiva, nos cofres do Estado, do montante de 17,50€ que reteve na fonte no mês de Abril de 2019. Em 18/09/2019, a EA comunicou à adjudicatária que “na sequência da caducidade da adjudicação em 03 de setembro e nos termos previstos no nº 4 do artº 86º do CCP”, tinha declarado a caducidade do acto de adjudicação que tinha recaído sobre a sua proposta e havia tomado nova decisão de adjudicação, que recaiu sobre as propostas ordenadas em lugar subsequente (cfr. ponto 18 do probatório). A Recorrida apresentou impugnação administrativa de tal decisão, tendo, em síntese, alegado que tinha regularizado a situação ainda antes de ter sido notificada pela entidade adjudicante nos termos do n.º 2 do art.º 86.º do CCP; que tinha junto certidões a atestar esse cumprimento; que beneficiava de um prazo para regularização da situação e reiterou ainda que apesar dos esforços feitos nesse sentido, não tinha sido “possível conseguir, até à primeira data para apresentação dos documentos de habilitação, que a situação ficasse devidamente regularizada por motivos procedimentais”. A EA indeferiu a impugnação administrativa, alegando, em síntese, que a Recorrida “quando entregou os documentos de habilitação e até ao termo do prazo fixado para o efeito” (…), “não tinha, comprovadamente, a sua situação regularizada relativamente a impostos em Portugal” (…), “situação que se manteve inalterada após a resposta que apresentou (…) em sede de audiência prévia, pelo que apenas restava ao IPST, IP cumprir o dever legal de confirmar a caducidade da adjudicação (…)”. Isto é, para além de nada dizer sobre as alegadas dificuldades de natureza procedimental que a Recorrida invocou para justificar a entrega fora de prazo do imposto retido, a EA, ora Recorrente, continuou a afirmar que a Recorrida não tinha a sua situação fiscal regularizada, situação que diz ter-se mantido mesmo após a Recorrida ter apresentado resposta no âmbito da “audiência prévia”. A EA incorre novamente em erro sobre os pressupostos de facto ao afirmar que na data em que facultou à Recorrida o exercício da “audiência prévia”, ainda subsistia a situação de incumprimento fiscal. O que se prova, é que decorreu o prazo para apresentação dos documentos de habilitação sem que a Recorrida tivesse regularizado a situação fiscal decorrente da entrega intempestiva, nos cofres do Estado, do montante de 17,50€, obrigação essa que deveria ter sido cumprida até ao dia 20/05/2019. O cumprimento dessa obrigação fiscal apenas ocorreu no dia 01/08/2019. No dia imediato, a Recorrida remeteu para a EA uma certidão comprovativa de que tinha a situação fiscal regularizada. Isto é, a 07/08/2019, data em que a EA notificou a Recorrida para se pronunciar nos termos do n.º 2 do art.º 86.º do CCP, a situação fiscal já se encontrava regularizada, para além de que a EA já tinha em seu poder uma certidão a certificar essa regularização. Nos termos do n.º 1 do art.º 86.º do CCP, a falta de entrega tempestiva dos documentos de habilitação importa a caducidade do acto de adjudicação, mas apenas se essa falta for imputável à adjudicatária, o que, no caso, não foi averiguado, apesar desta ter invocado as tais “dificuldades de natureza procedimental” que a levaram a entregar o imposto retido fora de prazo, bem assim como a apenas fazer prova de que tinha a sua situação fiscal regularizada quando já havia decorrido o prazo fixado para o cumprimento da obrigação de habilitação. É certo que a Recorrida, no procedimento concursal, não foi além da apresentação de alegações meramente genéricas sobre a suposta dificuldade que teve em regularizar a sua situação fiscal. No entanto, a EA nada disse sobre as mesmas. Nem procurou averiguar junto da Recorrida que dificuldades foram essas (conforme lhe permitem os artigos 115.º a 117.º do CPA), nem tomou posição sobre o alegado, refutando-o. Repare-se que, mesmo no âmbito das situações em que está apenas em causa o exercício do direito de audiência prévia, não basta conferir aos administrados a possibilidade de se pronunciarem no procedimento. Sobre a Administração recai ainda o dever de ponderar os interesses e a factualidade que aqueles carrearem para o procedimento, “à luz da prossecução do interesse público e das coordenadas de um procedimento equitativo” – Paulo Otero, “Direito do Procedimento Administrativo”, Almedina, 2016, pág. 105. No caso, como se viu, a EA inobservou tal dever de ponderação, não tendo efectuado qualquer juízo sobre se a falta de entrega do imposto e a inobservância do prazo de entrega da certidão relativa à situação fiscal da Recorrida, resulta de facto que possa ser a esta imputável. Ficou-se pela constatação de que a Recorrida não tinha a sua situação fiscal regularizada, o que é insuficiente para declarar a caducidade do acto de adjudicação face ao regime previsto no art.º 86.º do CCP, o qual impõe que se tivesse formulado o referido juízo ponderativo. Para além disso, as normas que constam do art.º 86.ºdo CCP não podem deixar de ser interpretadas à luz do princípio da proporcionalidade (1). Como se viu, de acordo com tais normas, cabe à Administração fazer um juízo que permita imputar à adjudicatária a falta de cumprimento da obrigação de entrega dos documentos de habilitação. Ainda que tal imputação possa ser efectuada a título de mera culpa, como decorre do decidido no douto ac. do STA, proc. n.º 01148/17, de 11/01/2018, acima referido, a Administração não pode deixar de ponderar se a declaração de caducidade do acto de adjudicação se mostra adequada e necessária à prossecução dos fins em vista. A norma que impede a participação, no procedimento, de concorrentes que não tenham a sua situação fiscal regularizada [art.º 55.º, n.º 1, al. e) do CCP], visa obstar à verificação de situações de concorrência desleal, que resultariam da circunstância dos concorrentes não cumpridores das obrigações fiscais poderem oferecer condições contratuais mais vantajosas em razão de não suportarem (ilicitamente) a estrutura de custos que os cumpridores de tais obrigações têm de enfrentar. No caso, os autos não demonstram que a adjudicatária, aqui Recorrida, tenha tido as “dificuldades” que invocou no procedimento administrativo para não ter cumprido tempestivamente a referida obrigação fiscal. Porém, prova-se que o incumprimento da obrigação de entrega do imposto pela adjudicatária corresponde a uma situação pontual, isolada, que ocorreu em Maio de 2019, já após ter sido entregue a proposta pela adjudicatária. O montante de imposto que estava em dívida era de 17,50€, retido na fonte, em sede de IRS, a título de rendimentos pagos ou colocados à disposição no mês de Abril de 2019. A adjudicatária regularizou a situação em 01/08/2019, já depois de ter decorrido o prazo para apresentação dos documentos de habilitação, mas ainda antes de ter sido notificada pela EA para se pronunciar nos termos do n.º 2 do art.º 86.º do CCP. Tais circunstâncias, quer pelo valor diminuto do imposto em falta, quer por se tratar de uma situação pontual, não colocaram a adjudicatária, aqui Recorrida, em situação concorrencial vantajosa, ou desleal, face aos demais concorrentes. Não vemos, por isso, que a declaração de caducidade da adjudicação se mostrasse apta, ou fosse necessária, para garantir a observância do princípio da concorrência, nem para garantir a igualdade entre os concorrentes. Para além disso, implicou a prática de um novo acto de adjudicação, que recaiu sobre as propostas graduadas na posição subsequente (n.º 4 do art.º 86.º do CCP) que, de acordo com o próprio resultado do procedimento concursal, não se apresentam tão vantajosas para o interesse público. Assim, há que concluir que o acto impugnado, para além do erro sobre os pressupostos de facto em que incorre, violou ainda o n.º 1 do art.º 86.º do CCP, que deve ser interpretado à luz do princípio da proporcionalidade, pelo que, embora com fundamentação diversa da vertida na sentença recorrida, há que julgar os recursos interpostos improcedentes. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar os recursos improcedentes e manter o sentido da decisão recorrida. Custas pelos Recorrentes – art.º 527.º do CPC. Lisboa, 02 de Julho de 2020. Jorge Pelicano Celestina Castanheira Ana Celeste Carvalho ----------------------------------------------------------------------------------- (1) Veja-se, neste sentido, mas no âmbito do art.º 91.º, n.º 1 do CCP, que prevê a caducidade do acto de adjudicação por falta de entrega da caução, o ac. deste TCAS proferido a 06/11/2014, no âmbito do proc.º n.º 11393/14, in www.dgsi.pt. |