Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:339/19.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:PRESCRIÇÃO;
FEDER;
REGULAMENTO 2988/95;
DIES A QUO;
IRREGULARIDADES;
DEFICIT INSTRUTÓRIO.
Sumário:I - Estando em causa a reposição de fundos de incentivo de matriz comunitária, mormente, Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER)-Quadro Comunitário de Apoio-III, é aplicável o prazo de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento (CE, EURATOM) 2988/95, porquanto se trata de norma jurídica diretamente aplicável na ordem jurídica interna e bem assim porque inexiste no ordenamento jurídico nacional norma especificamente aplicável que preveja prazo superior, sendo de afastar a aplicação analógica do prazo de prescrição de 5 anos, contemplado no artigo 40.º do Dec. Lei 155/92, de 28 de julho.
II - O prazo de prescrição é de 4 anos e conta-se a partir da prática da irregularidade, não podendo esta coadunar-se com a data da resolução do contrato de investimento, pois sendo esta que dita a resolução do contrato, tem, necessariamente, de ser temporalmente anterior.
III - Não constando dos autos quaisquer elementos que atestem, com rigor e como se impõe, as datas em que foram praticadas as irregularidades, nem tão-pouco elementos seguros que permitam avalizar todas as causas interruptivas do prazo de prescrição, o que se afigura vital para a presente lide, existe um manifesto défice de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto e determina a anulação da decisão.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

G... - INVESTIMENTOS TURÍSTICOS, JOGOS E LAZER, SA, com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, através da qual julgou improcedente a reclamação de atos do órgão da execução fiscal deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, datado de 20 de dezembro de 2018, que indeferiu o pedido de reconhecimento de prescrição da dívida objeto de cobrança coerciva no âmbito do processo de execução fiscal 32472....


A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


“ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO


A. Atento o ponto 1 dos factos provados, i.e., celebração do contrato de investimento, e a respectiva justificação [“(…) documentação apresentada pela Reclamante, nomeadamente o contrato (…)”] e considerando que de acordo com a respectiva cláusula 1.10 – Incentivo Financeiro (Cláusula Primeira – Definições) “O incentivo a conceder pelo ESTADO PORTUGUÊS à SOCIEDADE para aplicação na execução do PROJECTO expresso em numerário, nos termos e condições constantes da Portaria n.º130-A/2006, de 14 de Fevereiro, publicada no Diário da República 1ª Série-B, n.º 32, da mesma data, e do presente contrato consubstancia erro de julgamento da matéria de facto a constatação inserta na segunda parte do ponto 2 da matéria de facto considerada provada segundo a qual (apenas) “(…) o cálculo do incentivo financeiro ser feito ao abrigo da Portaria n.º130-A/2006, de 14 de Fevereiro.”

B. Como decorre dos termos do contrato, a remissão para a Portaria n.º 130-A/2006, de 14 de Fevereiro, foi realizada por referência à concessão do incentivo e não apenas para efeitos de determinação da respectiva fórmula de cálculo. E assim deveria ter sido, porquanto o mesmo foi financiado com recurso a fundos comunitários como adiante melhor se exporá.

C. Por esta razão deverá o Ilustre Tribunal ad quem rever o juízo sobre a matéria de facto dada como provada no excerto identificado e considerar provado o alegado no artigo 2.º da p.i., ou seja, que “O incentivo financeiro foi concedido nos termos da Portaria n.º 130-A/2006, de 14 de Fevereiro”.

D. Com relevância para a decisão da presente causa e porque invocado (cfr. artigos 5.º a 9.º da p.i.) e demonstrado (cfr. documento n.º 4 junto à p.i.) pela Reclamante, ora Recorrente, deveria ter sido dado como provado que:

a. “Na carta datada de 29.07.2013 dirigida única e exclusivamente à beneficiária dos fundos (C... – Casino Hotel de T..., SA), a AICEP constatou existir um insuficiente grau de cumprimento do contrato no ano de 2009 e no ano de 2011 e um incumprimento definitivo das obrigações pecuniárias do mesmo reportado a julho de 2013, razões que entendia susceptíveis de determinar a resolução do contrato”.

E. Porque igualmente invocado (artigos 2.º, 3.º, 7.º, 13.º e 17.º da p.i.) e demonstrado (cláusulas 1.10 e 13 e anexo VI – Norma de Pagamentos: Componente FEDER – do contrato de investimento, cfr. documento n.º 3 junto à p.i.) pela Reclamante, ora Recorrente, e não impugnado pela Exequente, deveria também ter sido dado como provado que:

b. “O incentivo financeiro concedido pelo Estado Português foi financiado através de fundos provenientes da União Europeia, designadamente do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER)”.

F. Mais ainda, por merecer relevo para a decisão da presente causa, em adição ao facto constante do ponto 7 da factualidade provada, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que, tal como alegado pela Reclamante, ora Recorrente, no artigo 11.º da p.i., e constante da Resolução do Conselho de Ministros n.º 62/2014 de 04.11.,

c. “(…) a resolução do contrato [de investimento] foi declarada apenas nos termos e para os efeitos do artigo 13.º do Código Fiscal do Investimento (…)”.

G. Por fim, deveria ainda ser dado como provado, porque alegado pela Reclamante, ora Recorrente no artigo 15.º da p.i., que:

d. “a Reclamante não se reconhece devedora nem aceita qualquer responsabilidade pela dívida exequenda”.

H. Razões pelas quais entende a Recorrente dever o Tribunal ad quem aditar os factos identificados em D a., E b., F c. e G d. supra à matéria de facto dada como provada.

ERROS DE JULGAMENTO DE DIREITO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO APLICÁVEL À DÍVIDA EXEQUENDA

I. Apesar de extensamente alegado pela Recorrente, então Reclamante, que em virtude de se tratar da reposição de fundos comunitários o regime aplicável seria o previsto no Regulamento (CE EURATOM) 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro, (cfr. artigos 17.º a 25.º da p.i.) o Tribunal a quo, não aprecia a sua aplicabilidade ao caso concreto. De facto, o Tribunal Recorrido defende a aplicação do regime geral da prescrição previsto no artigo 306.º do Código Civil sem apresentar qualquer tipo de fundamento para afastar a aplicação do referido regulamento comunitário. Tal possibilidade é apenas explorada residual e hipoteticamente, no final da sentença recorrida, para, igualmente em erro de julgamento como adiante melhor se exporá, se concluir não se ter verificado a prescrição à luz de tal quadro normativo. Salvo o devido respeito, a Recorrente entende que o Tribunal Recorrido incorreu em erro na determinação do regime de prescrição aplicável.

Vejamos, pois:

J. Apesar de se tratar, no caso presente, de um contrato celebrado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 203/2003, de 10.09, tal facto “não exclui o regime geral de investimento que se rege pela legislação em vigor nomeadamente no que se refere à regulamentação referente aos incentivos atribuídos pelo Estado Português, através de fundos comunitários” (…) cfr. preâmbulo.

K. Estando em causa um grande projecto de investimento, independentemente do orçamento afecto ao seu financiamento (português ou comunitário), o regime contratual do mesmo haveria de seguir a disciplina do referido decreto-lei, sem prejuízo da demais legislação aplicável, designadamente no caso de grandes projectos de investimento financiados com recurso ao orçamento da União. A aplicação da disciplina do Decreto-Lei n.º 203/2003, de 10.09, não afasta, pois, a aplicação de outros quadros normativos, designadamente de raiz comunitária”.

L. De acordo com a factualidade provada, no caso em análise estamos perante alegadas irregularidades praticadas pela entidade beneficiária de um incentivo financeiro atribuído, com recurso a fundos comunitários (FEDER), com base num contrato de investimento. Tais irregularidades verificaram-se quer quanto ao grau de cumprimento dos objectivos contratuais, quer quanto ao (in)cumprimento das obrigações pecuniárias. O grau de cumprimento dos objectivos contratuais foi considerado insuficiente em 2009 e 2011 pela AICEP. Esta mesma entidade, em 29.07.2013, considerou existir incumprimento das obrigações pecuniárias constantes do contrato. É este incumprimento que está na base da obrigação de reposição de fundos que integra a dívida exequenda, imputada à Recorrente por alegada responsabilidade solidária.

M. A situação sub judice é subsumível no regime legal do previsto no Regulamento (CE EURATOM) 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro. De facto, considerando que estamos perante a obrigação de reposição de fundos comunitários e que os regulamentos comunitários têm aplicação directa no ordenamento jurídico interno, por força do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, perante a constatada inaplicabilidade do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.07 (reposição de dinheiros públicos) e da Lei Geral tributária (reposição de benefícios fiscais) ao caso concreto, não poderia o Tribunal a quo ter considerado ser aplicável o regime geral da prescrição previsto no Código Civil.

N. No sentido da aplicação directamente na ordem jurídica portuguesa do regime previsto no Regulamento (CE EURATOM) 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro, e em concreto do respectivo prazo de prescrição, pronuncia-se inequívoca e unanimemente a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, disponível em www.dgsi.pt, inter alia:  Acórdão de 04.10.2018 no Processo n.º 1473/17;

· Acórdão de 07.06.2018 no Processo n.º 912/15;

· Acórdão de 14.06.2018 no Processo n.º 220/16;

· Acórdão de 17.05.2018 no Processo n.º 914/17;

· Acórdão de 26.02.2015 no Processo n.º 173/13 (uniformização de jurisprudência);

· Acórdão de 30.10.2014 no Processo n.º 92/17.

O. No quadro do Direito da União, o Regulamento (CE/EURATOM) n.º 2988/95 prevê, no §1 do n.º 1 do seu artigo 1.º, que para efeitos da protecção dos interesses financeiros da União, é adoptada uma regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito da União, constituindo para estes efeitos irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito da União que resulte de um acto ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral da União ou orçamentos por esta geridos, quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobradas directamente por conta da União, quer por uma despesa indevida, cfr. §2 do n.º 1 da mesma norma.

P. Nos termos do §3 do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento referido “O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no nº 1 do artigo 1º. Todavia, as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.”

Q. Pelo exposto, haverá que concluir que, ao considerar aplicável o regime de prescrição previsto no artigo 306.º do Código Civil, o Tribunal a quo violou os referidos n.º 4 do artigo 8.º da CRP e artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, incorrendo, pois, em erro de julgamento.

Sem prescindir,

R. Admitindo, sem conceder, ser aplicável ao caso o prazo de 20 anos, tal circunstância teria sempre que ser justificada à luz do próprio regulamento, designadamente do n.º 3 do seu artigo 3.º. E, mesmo nesse contexto, haveria que concluir existir violação dos princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade, da não discriminação e da lealdade comunitária.

S. A violação do princípio do Estado de Direito Democrático, constante do artigo 2.º da CRP, na sua vertente da protecção da segurança jurídica e da confiança verifica-se por não ser suficientemente previsível para o destinatário a aplicação, ao caso concreto, do prazo geral de prescrição de 20 anos previsto no artigo 306.º do Código Civil.

T. A violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no n.º 4 do artigo 5.º do Tratado da União Europeia (TUE) e no n.º 2 do artigo 18.º da CRP, decorre do facto de ser manifestamente desproporcionada a aplicação do prazo geral de prescrição previsto no artigo 306.º do Código Civil, num contexto em que o legislador comunitário entendeu bastante e suficiente um prazo de prescrição de quatro anos para garantir a protecção dos interesses da União.

U. A discriminação, injustificada e inadmissível, verifica-se entre o regime aplicável à prescrição da obrigação de reposição de fundos disponibilizados através do orçamento do Estado Português, o qual prevê um prazo de prescrição de cinco anos, e o aplicável à obrigação de reposição de fundos disponibilizados através do orçamento da União Europeia, às quais, de acordo com o entendimento do Tribunal a quo, seria aplicável o prazo de prescrição de 20 anos.

V. A violação do princípio da lealdade comunitária, ínsito no §3 do artigo 4.º do TUE verifica-se pelo facto de, ao admitir um prazo de prescrição de 20 anos, estar o Estado Português a incumprir a obrigação de garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos actos das instituições da União (no caso o regulamento antes referido), dificultando, desta forma cumprimento da missão e colocando em perigo a realização dos objectivos da União.

W. E nem a aplicação analógica do regime de prescrição, e respectivo prazo, previsto no Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Junho, seria, hipoteticamente, aceitável porquanto constitui igualmente uma violação do princípio do Estado de Direito constante do artigo 2.º da CRP, na sua vertente da protecção da segurança jurídica e da confiança, já que a sua aplicação na presente circunstância não é dotada de previsibilidade suficiente para os respectivos destinatários.

X. Importa sublinhar que, o Supremo Tribunal Administrativo (acórdão de 09.04.2014 proferido no Processo n.º 0173/13, disponível em www.dgsi,pt) pronunciou-se claramente no sentido de aplicar à prescrição da obrigação de reposição de fundos comunitários por irregularidade o regime do Regulamento (CE/EURATOM) n.º 2988/95 em detrimento do previsto no Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Junho.

Y. Haverá, pois, que concluir que a aplicação do prazo de prescrição de 20 anos constante do Código Civil viola o direito comunitário e os princípios e normas constitucionais acima identificados, inconstitucionalidades estas que aqui se invocam para todos os devidos e legais efeitos.

Z. Por estas razões deve a decisão recorrida ser anulada, reconhecendo-se aplicável à dívida exequenda o prazo de prescrição de 4 anos.

DO INÍCIO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA EXEQUENDA

AA. Nos termos do §1 do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento (CE/EURATOM) n.º 2988/95, o prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no nº 1 do artigo 1º.

BB. Importa referir que o artigo 4.º do mesmo Regulamento determina que qualquer irregularidade tem como consequência, regra geral, a retirada da vantagem indevidamente obtida: - através da obrigação de pagar os montantes em dívida ou de reembolsar os montantes indevidamente recebidos (cfr. n.º 1), que a aplicação das medidas referidas no n.º 1 limita-se à retirada da vantagem obtida, acrescida, se tal se encontrar previsto, de juros que podem ser determinados de forma fixa (cfr. n.º 2) e que as medidas previstas no presente artigo não são consideradas sanções (cfr. n.º 4).

CC. Assim, “o artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento n.º 2988/95 é aplicável quer às irregularidades que conduzem à aplicação de uma sanção administrativa, na aceção do artigo 5.º deste, quer às que são alvo de uma medida administrativa, na aceção do artigo 4.º do referido regulamento, medida que tem por objeto a retirada de uma vantagem indevidamente obtida, sem, no entanto, revestir carácter de sanção” (cfr. Acórdão do STA de 30.10.2014 no Processo n.º 92/17).

DD. Entendeu o Tribunal a quo, ainda que hipoteticamente, que, a aplicar-se o referido regulamento, o prazo de prescrição nele previsto iniciar-se-ia na data em que foi publicada a resolução do Conselho de Ministros que resolveu o contrato de investimento, i.e., a 04.11.2014, e que, atendendo a que a Recorrente havia sido citada a 31.07.2018, a essa data ainda não se encontraria esgotado tal prazo de prescrição. De novo, salvo o devido respeito, entende a Recorrente ter o Tribunal recorrido incorrido em erro na aplicação do direito.

EE. Com efeito, o legislador comunitário deixou claramente definido o momento a partir do qual se deveria iniciar o prazo de prescrição do procedimento administrativo tendente à recuperação dos fundos comunitários – o momento da prática da irregularidade que determina a obrigação de reposição dos fundos da União – e não, como sugere o Tribunal a quo, o momento em que ocorreu a resolução do contrato de investimento.

FF. Tal como a Recorrente entende ter inequivocamente demonstrado, por carta datada de 29.07.2013 dirigida única e exclusivamente à beneficiária dos fundos (C... – Casino Hotel de T..., SA), a AICEP constatou existir um insuficiente grau de cumprimento do contrato no ano de 2009 e no ano de 2011 e um incumprimento definitivo das obrigações pecuniárias do mesmo reportado a Julho de 2013, razões que entendia susceptíveis de determinar a resolução do contrato.

GG. Atento o que antecede, dúvidas não se oferecem quanto à data da prática das irregularidades que determinaram a devolução dos fundos comunitários e que tal data se fixa em 29.07.2013, sendo, pois, esta a data relevante para o início do computo do prazo de prescrição de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95.

DAS CAUSAS DE INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA EXEQUENDA

HH. De acordo com o disposto no §3 do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.° 2988/95, “A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer acto, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.”

II. Ora, como resulta da factualidade provada, a Recorrente nunca foi notificada de qualquer «ato tendo em vista instruir ou instaurar procedimento» “na aceção do artigo 3.°, n.° 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95”, que «circunscrev[a] com suficiente precisão as operações sobre as quais recaem suspeitas de irregularidades», tendente à aplicação da medida administrativa de reposição de fundos comunitários (cfr. jurisprudência firmada pelo TJUE nesta matéria no Processo C-52/14 “Pfeifer & Langen GmbH & Co. KG”). Tal acto apenas foi levado ao conhecimento da C..., por carta datada de 29.07.2013.

JJ. Tratando-se aqui de um procedimento administrativo, para que tal obrigação lhe fosse exigível era necessário que, antes de transcorrido o respectivo prazo de prescrição, tivesse sido levado ao conhecimento da Recorrente a decisão de instruir ou instaurar tal procedimento, com cumprimento das demais garantias dos administrados perante a administração, legal e constitucionalmente previstas, designadamente o direito ao contraditório. O que não sucedeu.

KK. E nem se diga ter a resolução do Conselho de Ministros, de 04.11.2014, a virtude de constituir um «ato tendo em vista instruir ou instaurar procedimento» por irregularidade tendente à aplicação da medida administrativa de reposição de fundos comunitários, porquanto, a mesma é totalmente omissa quanto a quaisquer “as operações sobre as quais [recaíam] suspeitas de irregularidades” ou mesmo sobre a possibilidade de aplicação de medidas administrativas associadas à reposição do incentivo financeiro financiado com recurso a fundos comunitários. Com efeito, como decorre da factualidade provada, a tal resolução do Conselho de Ministros apenas expressa a “(…) a resolução do contrato [de investimento] (…) apenas nos termos e para os efeitos do artigo 13.º do Código Fiscal do Investimento (…)”.

LL. Mais se acrescente que, a notificação da C... por carta datada de 29.07.2013, não tem a virtude de interromper a prescrição relativamente à ora Recorrente, porquanto, as causas de interrupção do prazo de prescrição de uma dívida da responsabilidade (alegadamente) solidária de vários devedores têm de se verificar em relação a cada devedor.

MM. Ainda que no contrato de investimento se tenha convencionado que as notificações a realizar nos termos do mesmo seriam todas realizadas à sociedade C..., tal regra, de natureza convencional, não é aplicável no caso em apreço, porquanto a norma do §3 do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.° 2988/95, impõe-se directamente na ordem jurídica portuguesa, tendo o Estado Português relativamente à mesma o dever de lealdade, e, acima de tudo, tem, como visto, natureza garantística. Por estas razões tal norma não é susceptível de derrogação por via convencional, mais a mais, em matéria de procedimento administrativo, domínio no qual se impõe que o início do procedimento seja notificado às pessoas cujos direitos ou interesses legalmente protegidos possam ser lesados pelos atos a praticar e que possam ser desde logo nominalmente identificadas (cfr. n.º 1 do artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo).

NN. Admitir tal possibilidade consubstancia uma violação das garantias dos administrados, corolário do princípio do Estado de Direito Democrático previsto no artigo 2.º da CRP, inconstitucionalidade esta que desde já cautelarmente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

OO. Antes de 31.07.2018, não foi levado ao conhecimento da Recorrente, qualquer acto emanado da AICEP “tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade”.Aliás, a sua responsabilização, por parte da AICEP, pela obrigação de reposição dos fundos comunitários que integra a dívida exequenda (que veementemente se recusa e está a ser objecto de contestação em sede própria) só foi conhecida com a citação a 31.07.2019.

PP. Ante o que fica exposto haverá, pois, que concluir que entre a data da (alegada) prática da irregularidade – 29.07.2013 – e a data da citação – 31.07.2018 – não se verificaram, em relação à Recorrente quaisquer causas interruptivas da prescrição.

QQ. A 31.07.2018, data da citação, não só estava definitivamente decidido o procedimento por irregularidade, como tinha já transcorrido o prazo de prescrição de quatro anos daquela obrigação relativamente à Recorrente (alegada responsável solidária), iniciado a 29.07.2013, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.° 2988/95. Razões pelas Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente declaração da prescrição da dívida exequenda, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

RR. Por estas razões deve a decisão recorrida ser anulada e substituída por decisão que declare a prescrição da dívida exequenda.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente declaração da prescrição da dívida exequenda, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!”


***




A Recorrida apresentou contra-alegações com o seguinte teor:

1. Vem o presente recurso, interposto da douta sentença proferida em 31 de maio de 2019, que não reconheceu à recorrente, a prescrição da divida exequenda no processo de execução nº 32472..., pendente no Serviço de Finanças de Lisboa 2.

2. A recorrida considera que a douta sentença é uma sentença correcta, e acertada, e que aplica o Direito, ao contrário, a recorrente alega que a sentença alicerçou-se em erros de julgamento da matéria de facto, e de direito.

3. Entre a Agência para o Investimento e Comércio Externo, E. P. E, em representação do Estado Português, por uma parte, e A... Turismo, S. G P. S., S. A., G...- Investimentos Turísticos, Jogos e Lazer, S. A. - a ora Reclamante - e C... - Casino Hotel de T..., S. A„ por outro, foi em 6 de fevereiro de 2009 celebrado um contrato de investimento para um projeto da citada C..., de um novo hotel [T...).

4. Entende a recorrente que o tribunal deve rever o juízo sobre a matéria de facto dada como provada, e deve acrescentar alguns factos, a matéria assente.

5. Por um lado, deve considerar que o contrato de investimento entre as partes, se sujeita à Portaria nº 130-A/2006 de 14 de Fevereiro.

6. No preâmbulo do contrato, é referido o seguinte:

"É celebrado, ao abrigo do Decreto-Lei ns. 203/2003, de 10 de Setembro e do Decreto-Lei nº 245/2007 de 25 de junho, o presente contrato de investimento, o qual se regerá pelas cláusulas seguintes".

7. No no ponto 1.6 com o título "Despesas Elegíveis para o Incentivo Financeiro" é referido ‘‘consideram-se relevantes oara o efeito de cálculo do INCENTIVO FINANCEIRO as aplicações efectuadas oela SOCIEDADE em conformidade com os requisitos estabelecidos na Portaria nfr 130 - A 2006 de 14 de fevereiro, publicada no Diário da República 1» Serie, - 8. ng. 32. da mesma data."

8. E, a sentença decidiu o seguinte: "nos termos do citado Decreto-Lei nº 203/2003 de 10 de setembro, os contratos de investimento celebrados sob a sua égide têm um regime especifico de rescisão por incumprimento das condições a que o investidor se haja sujeitado, por incumprimento de obrigações legais e, designadamente fiscais, ou ainda por prestação de falsas informações ou sua viciação. como decorre do disposto no seu art.º 8.º Nos termos deste art.º 8.º nº 4e 5, a rescisão do contrato por causa imputável ao investidor, como foi o caso, determina a perda dos incentivos concedidos, o eventual pagamento de juros com foi o caso).

9. 0 que a recorrida entende que a sentença decidiu bem.

10. A carta que a AlCEP dirigiu à C... - Casino Hotel de T... S.A. em 29/07/2013 a referir o insuficiente grau de cumprimento do contrato, e um cumprimento definitivo das obrigações pecuniárias, do mesmo reportadas a julho de 2013 - não é uma decisão final, e não é um acto administrativo.

11. Ora, reconhece-se que o incentivo financeiro, concedido pelo Estado, foi financiado através dos fundos provenientes da União Europeia, e na resolução do Conselho de Ministros, é dito que a resolução c declarada nos termos do artigo n.º 13.º do Código Fiscal do Investimento (mos, na resolução, também foram resolvidos contratos de incentivos fiscais - e nao contratos de investimento financeiros, como é o nosso caso).

12. A decisão decidiu que se deve aplicar o regime jurídico dos contratos de investimento de elevado valor previsto no Decreto-Lei n.º 203/2003 de 10/09/19 e o prazo geral de prescrição de 20 anos previsto no artigo 306.º do Código Civil, - o que a recorrida plenamente concorda.

13. Ora, como resulta do disposto nos arts. 3.º e 4.º do Decreto 203/2003 de 10 de setembro - que reuniu numa só disciplina o regime dos contratos de investimento de elevado valor: (…) que tal contrato é o acordo entre o Estado (ainda que por intermédio da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E. P.E.) estabelece com investidores em Portugal, em razão das caraterísticas que entende relevantes do projeto de investimento, contrapartidas financeiras, reembolsáveis ou não, atribui benefícios fiscais, cofinancia o projeto de investimento a realizar, podendo ainda comparticipar na formação profissional necessária, compensar custos de escassez de pessoal qualificado, de distância geográfica em relação aos centros de saber e inovação, executar ele mesmo certa infraestruturação necessária ao projeto ou ao seu ulterior desenvolvimento.

14. E fá-lo tendo como contrapartida, obviamente, da execução do projeto e, bem assim, sob determinadas condições a que a sua execução há-de observar e cumprir.

15. Importa ter presente que, nos termos do citado Decreto Lei, os contratos de investimento celebrados sob a sua égide têm um regime específico de rescisão por incumprimento das condições a que o investidor se haja sujeitado, por incumprimento de obrigações legais e. designadamente fiscais, ou ainda por prestação de falsas informações ou sua viciação, como decorre do disposto no seu art.8.º.

16. Assim, é na sua rescisão que reside a causa do reembolso dos incentivos financeiros que conformam a dívida exequenda.

17. Pelo que, sendo essa a génese de uma dívida tão específica, a questão da sua prescrição só se coloca, justamente, com a ocorrência dessa sua causa.

IS. Com efeito, é assim dessa decisão do Conselho de Ministros que nasce, pois, a obrigação de restituição, como aliás ela mesma expressa, já que é esse ato que, com dada fundamentação, motivadora da alteração introduzida, determina a reposição, ou seja, [redefine as obrigações da beneficiária do financiamento no contrato resolvido, cfr. inter alia Ac, STA de 23.12.012, tirado no processo nº 097/12, in www.dgsi.pt.

19, Pelo que, a obrigação de restituição traduz-se, numa obrigação autónoma de pagamento de certas quantias, subordinada, como se viu, à verificação da condição resolutiva que impendia sobre a concessão dos incentivos.

20. No caso dos incentivos financeiros, a obrigação que é contrapartida da concessão do incentivo consiste no pagamento de equivalente ao valor das quantias recebidas, acrescida de juros à taxa aplicável.

21. Considerando que a obrigação de reposição não se reporta a dinheiros do Estado indevidamente percebidos, é-lhe inaplicável o regime especial instituído pelo Decreto-Lei 155/92 de 28 de junho.

22. E como também não se reporta a obrigações pecuniárias de natureza tributária, igualmente lhe não cabe o regime da Lei Geral Tributária.

23. Antes lhe cabe, por isso, em matéria de prescrição, o regime geral.

24. Pelo exposto, a dívida exequenda, proveniente que é de uma obrigação de reposição, sujeita àquele prazo de prescrição de 20 anos, viu começar a correr o respetivo prazo com a publicação da decisão de resolução do Conselho de Ministros, a 4 de novembro de 2014.

25. Ora, tendo a recorrente sido citada no dia 31 de julho de 2018, manifesto é que, então, tal dívida ainda não está prescrita.

26. Note-se que, mesmo que se entendesse que in casu era aplicável à prescrição da obrigação de restituição dos incentivos o Regulamento (CE EURATOM) 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro, nos termos do qual é de 4 anos o prazo de prescrição, a contar da data em que foi praticada a infração, seu artigo n.º 3.º, nº1, entre aquele lapso temporal, publicação da resolução do contrato, 4 de novembro de 2014, e citação da recorrente a 31 de julho de 2018, manifesto é que aquele prazo de prescrição não se tinha igualmente completado.

27. Também há quem entenda, - Agência para o Desenvolvimento e Coesão I.P. - o seguinte:

"a invocação da prescrição, a que alude o mencionado Regulamento (CE, Euratom) nº. 2988/95, do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, deverá ter lugar em sede de acção administrativa, não podendo, por isso, constituir fundamento para a oposição à execução fiscal. Promovido o processo de execução fiscal pela Agência I.P., o prazo de prescrição da divida objeto da acção executiva, à falta de disposição especifica, quer no direito da União Europeia, quer no direito nacional, é o prazo ordinário de 20 anos previsto no artigo 306. do Código Civil (C.C.). Na verdade, a partir do momento em que é instaurado, peio serviço de finanças, o processo de execução fiscal para a cobrança coerciva do montante indevidamente recebido pela entidade beneficiária dos fundos da politica de coesão, não são aplicáveis os prazos de prescrição previstos no Regulamento (CE. Euratom) nº. 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995 (prazos administrativos para a instrução de procedimento de deteção de irregularidade e promoção da acção executiva de cobrança), mas sim o prazo de 20 anos previsto no C.C.. o qual deverá ser contactado a partir da promoção feita pela Agencia, I.P. para a cobrança coerciva."

Nestes termos, e nos melhores de Direito, e com o douto suprimento que se invoca, deve o presente recurso ser julgado improcedente por não provado, e consequentemente ser mantida a decisão recorrida, com o que se fará JUSTIÇA!”


***




A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Decorrendo do recenseado que a questão colocada é a de saber se prescreveu ou não a dívida exequenda, sobre ela é a seguinte a factualidade que resulta provada, com interesse para a decisão:

1. Entre a Agência para o Investimento e Comércio Externo, E. P. E, em representação do Estado Português, por uma parte, e A... Turismo, S. G P. S., S. A., G...– Investimentos Turísticos, Jogos e Lazer, S. A. – a ora Reclamante – e C... – Casino Hotel de T..., S. A., por outro, foi em 6 de fevereiro de 2009 celebrado um contrato de investimento para um projeto da citada C..., de um novo hotel [T... Casino Hotel] anexo ao casino de T..., na península do mesmo nome, no termo de Carvalhal, concelho de Grândola, a efetivar entre 2 de outubro de 2006 e 30 de setembro de 2008.

2. As partes indicaram os Decretos-Lei 203/2003 de 10 de setembro e 245/2007 de 25 de junho como contendo o regime ao abrigo do qual o contrato era celebrado – apesar de o cálculo do incentivo financeiro ser feito ao abrigo da Portaria 130-A/2006 de 14 de fevereiro.

3. Ali, através da Agência o Estado Português comprometeu-se a conceder incentivos fiscais e financeiro e, este, sob a forma de €6.700.053,55 reembolsáveis (para além de um prémio eventual).

4. Para além de várias cláusulas relativas às obrigações das partes, prestação do incentivo e seu cálculo e do aludido prémio, bem como de acompanhamento e de desenvolvimento do projeto e de deveres conexos, ficou igualmente clausulado que em caso de resolução do contrato pelo Estado por incumprimento dos termos da execução acordados, teria aquele direito à devolução do incentivo financeiro e à restituição do incentivo fiscal.

5. Nesse caso, o incentivo financeiro teria um prazo de 60 dias para ser devolvido, a partir da notificação da resolução, acrescido de juros a contar do recebimento de cada uma das parcelas por que seria entregue.

6. Tal como clausulado, a Agência notificou em 29 de julho de 2013 apenas a C... de que por certas razões [execução insuficiente do projeto, omissão de pagamento de prestações de reembolso financeiro vencidas, etc.] considerava definitivamente incumprido o contrato, ficando a aguardar expusesse as suas alegações em 10 dias.

7. E efetivamente, o contrato viria a ser resolvido por Resolução do Conselho de Ministros de 23 de outubro de 2014, publicada no Diário da República I série nº213, de 4 de novembro de 2014.

8. No dia 15 de janeiro de 2018 seria instaurado o processo de execução fiscal nº32472..., visando a cobrança coerciva do incentivo financeiro e seu acrescido às referidas sociedades, sendo a dívida à data quantificada em €3.951.377,60.

9. No dia 31 de julho de 2018 a Reclamante foi citada, como devedora solidária, para os termos da execução.

10. No dia 3 de dezembro de 2018 a Reclamante apresentou ao Órgão de Execução Fiscal um pedido de reconhecimento de prescrição da dívida exequenda, que aquele indeferiu por despacho de 20 desse mês.

11. Notificada a 28 de dezembro de 2018 daquela decisão, no dia 7 de janeiro seguinte apresentou a Reclamante a petição com que se iniciam os presentes autos.


***




A decisão recorrida considerou como factualidade não provada:

“Não há outra matéria provada relevante para apreciação e decisão do mérito da causa. Ficou por provar, contudo:

1. Que ao longo do procedimento contratual que conduziu à resolução do contrato, tal como descrito na mateira de facto provada, a Reclamante haja sido de alguma forma notificada, por parte da Agência, para conhecer as razões por que intendia vir a resolver o contrato.”


***




A motivação da matéria de facto da decisão recorrida fundou-se no seguinte:

“A convicção do Tribunal assentou na análise da prova documental em que se constituem os autos executivos, quanto aos atos nele levados a efeito e, no mais, atendendo à documentação apresentada pela Reclamante, nomeadamente o contrato, as comunicações no âmbito e para resolução da iniciativa pela Agência. Tendo presente a prova plena que a execução manifesta, enquanto documentos por natureza autênticos, art.369ºnº1 do Código Civil, atendendo ainda ao especificamente estatuído no art.34ºnº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, num contexto em que dúvidas não se suscitam sobre a demais documentação e sua fidedignidade, o Tribunal não teve dúvidas em ajuizar como supra-elencado ficou.

O facto não provado ficou a dever o juízo negativo sobre a sua ocorrência à invocação de tanto pela Reclamante, não refutada pela Exequente, bem como perante a ausência de prova sobre a sua ocorrência e, ainda por ser conforme com os termos do contrato, em que as notificações a levar a efeito o seriam à «sociedade», isto é, à C... – Casino Hotel de T..., S. A.”


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Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração. (1)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração por números efetuada em 1.ª instância:

6. A “AICEP Portugal Global”, endereçou uma carta à “C...-casino Hotel T..., SA”, subordinada ao assunto: “Contrato de Investimento assinado com a AICEP:C...-Casino Hotel T..., SA, candidatura nº 60/00078”, com o seguinte teor:



"Texto integral no original; imagem"




(cfr. doc. 4 junto com a p.i.);


7. A 4 de novembro de 2014, foi publicado no Diário da República, I série nº213, a Resolução de Conselho de Ministros nº 62/2014, da qual se extrai, na parte que para os autos releva, o seguinte:


“3 - Declarar, nos termos do artigo 13.º do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, a resolução dos seguintes contratos celebrados pelo Estado Português:


c) Contrato de investimento e respetivos anexos, celebrado em 6 de fevereiro de 2009, com a A... Turismo, SGPS, S. A., a G...- Investimentos Turísticos, Jogo e Lazer, S. A., e a C... - Casino Hotel T..., S. A., na sequência da Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2009, de 19 de fevereiro”.


(cfr. doc. 11 junto com a p.i.);



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III.FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a reclamação deduzida contra o despacho do órgão da execução fiscal datado de 20 de dezembro de 2018, que não lhe reconheceu a prescrição da dívida exequenda no processo de execução fiscal nº 32472..., na qual é executada como responsável solidária, e no valor global de €3.951.377,60.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, em face de, por um lado, ter valorado erroneamente a prova produzida nos autos, e por outro lado, ter omitido factualidade reputada fundamental para a presente lide. Estabilizada a matéria de facto, importa apreciar se a decisão incorreu em erro de julgamento de direito, competindo para o efeito analisar o seguinte:

Ø Qual(is) o(s) regime(s) legal(is) ao abrigo do qual foi celebrado o contrato visado nos presentes autos, concretamente, Decreto-Lei nº 203/2003, de 10 de setembro e Decreto-Lei nº 245/2007, de 25 de junho ou Portaria 130-A/2006, de 14 de fevereiro, e suas implicações legais;

Ø Qual o regime jurídico aplicável ao prazo de prescrição das dívidas objeto de cobrança coerciva no processo executivo nº 32472..., ou seja, se é aplicável o regime geral constante no artigo 306.º do Código Civil, conforme considerou a decisão recorrida, ou o prazo de prescrição constante no Regulamento EURATOM 2988/95, de 18 de dezembro.

Ø Sendo aplicável o Regulamento EURATOM 2988/95, de 18 de dezembro, qual o dies a quo, o cômputo em concreto do prazo prescricional e o dies ad quem, ponderando todas as causas interruptivas ou suspensivas do prazo prescricional;

Ø Sendo aplicável o regime geral constante no artigo 306.º do CC, se tal determina a violação dos princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade, da não discriminação e da lealdade comunitária.

Comecemos, então, pelo erro de julgamento de facto.

Para o efeito importa, desde já, convocar o teor do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de primeira Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Tem, por isso, de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida ou o aditamento de novos factos ao acervo probatório dos autos.

No caso vertente, encontramo-nos perante um aditamento por substituição e um aditamento por complementação.

Neste particular, importa, ab initio, ter presente que a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.

“[q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”.(2)

“As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.”(3).

Vejamos, então.

Comecemos pelo aditamento ao probatório por substituição.

Entende a Recorrente que deveria ser alterada a segunda parte do ponto 2 da matéria de facto provada concretamente o seguinte excerto: “o cálculo do incentivo financeiro ser feito ao abrigo da Portaria 130-A/2006, de 14 de fevereiro, e passar a constar o seguinte: “O incentivo financeiro foi concedido nos termos da Portaria n.º 130-A/2006, de 14 de Fevereiro”, em conformidade com o alegado no artigo 2.º da p.i. e respetivo contrato, mormente, cláusula primeira (doc. 6 junto com a p.i.).

Importa, desde já, evidenciar que a redação que a Recorrente propugna é eminentemente conclusiva, concatenando-se, outrossim, com o thema decidendum. Com efeito, o que importa dar como provado é a outorga do contrato indicando as respetivas cláusulas que isolada ou conjuntamente permitam discernir qual o regime jurídico que definiu o incentivo ao investimento, na vertente do incentivo financeiro.

Assim, face ao exposto, o Tribunal ad quem, rejeita o aditamento, por substituição, nos moldes peticionados pela Recorrente, admitindo, contudo, a seguinte reestruturação, passando o ponto 2 da matéria de facto provada a contemplar o seguinte teor:

“2.O contrato de investimento referido no número anterior, consagra, designadamente, no preâmbulo e nas cláusulas que infra se enumeram, designadamente, o seguinte:

Prêambulo: “celebrado, ao abrigo do Decreto-Lei nº 203/2003, de 10 de setembro e do Decreto-Lei nº 245/2007, de 25 de junho”.

Cláusula primeira item 1.6. “despesas elegíveis para o incentivo financeiro” que: “Consideram-se relevantes para efeito de cálculo do INCENTIVO FINANCEIRO as aplicações efectuadas pela SOCIEDADE em conformidade com os requisitos estabelecidos na Portaria nº 130/2006, de 14 de Fevereiro, publicada no Diário da República, 1ª Série, nº32, da mesma data.”

Cláusula, item 1.10 “: O incentivo a conceder pelo Estado Português à SOCIEDADE para aplicação na execução do PROJECTO expresso em numerário, nos termos e condições constantes da Portaria nº 130-A/2006, de 14 de Fevereiro, publicado no Diário da República Iª Série-B, nº 32, da mesma data, e do presente CONTRATO”.

Atentemos, ora, no aditamento ao probatório por complementação.

A Recorrente entende que é relevante para a presente lide o aditamento ao probatório do facto que infra se indica, convocando o documento nº4 junto à p.i., evidenciando os artigos da p.i. onde alega tal factualidade (cfr. artigos 5.º a 9.º da p.i.):

a. “Na carta datada de 29.07.2013 dirigida única e exclusivamente à beneficiária dos fundos (C... – Casino Hotel de T..., SA), a AICEP constatou existir um insuficiente grau de cumprimento do contrato no ano de 2009 e no ano de 2011 e um incumprimento definitivo das obrigações pecuniárias do mesmo reportado a julho de 2013, razões que entendia susceptíveis de determinar a resolução do contrato”.


Atentando no teor do artigo supratranscrito constata-se, à semelhança do já evidenciado anteriormente, que o mesmo tem caráter conclusivo, com cariz opinativo e valorativo quanto às razões, mormente de suficiência, para a resolução do contrato.

Indefere-se, nessa medida, o aditamento ao probatório nos moldes peticionados. De todo o modo, uma vez que o Tribunal ad quem já reformulou o facto provado constante no ponto 6, contemplando este teor integral da aludida carta, a questão encontra-se ultrapassada, ficando a interpretação do seu teor e as competentes valorações submetidas à livre convicção do julgador.

Propugna, igualmente, a Recorrente o aditamento do facto que infra se descreve, com base no Contrato de Investimento, particularmente, nas cláusulas 1.10 e 13 e anexo VI – Norma de Pagamentos: Componente FEDER – do contrato de investimento) e por expressamente alegado nos artigos 2.º, 3.º, 7.º, 13.º e 17.º da p.i.

“12. O incentivo financeiro concedido pelo Estado Português foi financiado através de fundos provenientes da União Europeia, designadamente do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER)”.

Por se afigurar relevante para a presente lide, com base na aludida documentação e por não ser controvertida tal asserção fática, admite-se o aditamento nos termos requeridos.

Com base na Resolução do Conselho de Ministros n.º 62/2014 de 04.11.,e por alegado no artigo 11.º da p.i., a Recorrente reputa fundamental para a presente lide o aditamento da seguinte factualidade:

c. “(…) a resolução do contrato [de investimento] foi declarada apenas nos termos e para os efeitos do artigo 13.º do Código Fiscal do Investimento (…)”.


Porém, o aludido aditamento não tem a roupagem de um facto, revestindo uma conclusão que a Recorrente retira da interpretação da Resolução de Conselho de Ministros. De todo o modo, uma vez que o Tribunal ad quem já procedeu à retificação do teor do facto 7, o qual passou a contemplar o teor integral da Resolução, a questão encontra-se dirimida, competindo ao Tribunal ad quem valorar a prova ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova.

In fine, a Recorrente entende que deveria ser dado como provado, porque alegado pela Reclamante, ora Recorrente, no artigo 15.º da p.i., que: “a Reclamante não se reconhece devedora nem aceita qualquer responsabilidade pela dívida exequenda.”, contudo tal asserção fáctica, não obstante, desde logo, assumir um conteúdo valorativo, não se aquiesce de que forma a mesma possa assumir relevo para a presente lide, nem tão-pouco a Recorrente a densifica, como era seu ónus.

Indefere-se, assim, o aludido aditamento à matéria de facto.

Assim, em face de todo o exposto e em resultado da impugnação da matéria de facto apreciada anteriormente, o Tribunal ad quem, reestrutura o facto elencado no nº2 e adita o facto nº 12, como se deixa plasmado infra:

“2.O contrato de investimento referido no número anterior, consagra, designadamente, no preâmbulo e nas cláusulas que infra se enumeram, designadamente, o seguinte:

Prêambulo: “celebrado, ao abrigo do Decreto-Lei nº 203/2003, de 10 de setembro e do Decreto-Lei nº 245/2007, de 25 de junho”.

Cláusula primeira item 1.6. “despesas elegíveis para o incentivo financeiro” que: “Consideram-se relevantes para efeito de cálculo do INCENTIVO FINANCEIRO as aplicações efectuadas pela SOCIEDADE em conformidade com os requisitos estabelecidos na Portaria nº 130/2006, de 14 de Fevereiro, publicada no Diário da República, 1ª Série, nº32, da mesma data.”

Cláusula, item 1.10 “: O incentivo a conceder pelo Estado Português à SOCIEDADE para aplicação na execução do PROJECTO expresso em numerário, nos termos e condições constantes da Portaria nº 130-A/2006, de 14 de Fevereiro, publicado no Diário da República Iª Série-B, nº 32, da mesma data, e do presente CONTRATO”.

“12. O incentivo financeiro concedido pelo Estado Português foi financiado através de fundos provenientes da União Europeia, designadamente do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER)”.


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Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto, importa, então, apreciar se a decisão recorrida padece de ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, desde logo, por ter incorrido em erro na determinação do regime de prescrição aplicável.

Sustenta, neste particular, que em virtude de se tratar da reposição de fundos comunitários o regime aplicável seria o previsto no Regulamento (CE EURATOM) 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro, e não o regime geral da prescrição previsto no artigo 306.º do Código Civil.

Mais aduz que, não obstante o contrato ter sido celebrado ao abrigo do Decreto-Lei nº 203/2003, de 10 de setembro tal não obsta a aplicação de outros quadros normativos, designadamente, de raiz comunitária, sendo que no caso vertente nos encontramos perante alegadas irregularidades praticadas pela entidade beneficiária de um incentivo financeiro atribuído, com recurso a fundos comunitários (FEDER), com base num contrato de investimento.

Conclui pela subsunção normativa no regime legal do previsto no Regulamento (CE EURATOM) 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro, atenta a aplicação direta dos regulamentos comunitários no ordenamento jurídico interno, por força do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da CRP e do artigo 288.º do TFUE, perante a constatada inaplicabilidade do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho e da LGT ao caso concreto.


Enfatiza, de forma a justificar a sua esteira de entendimento, e em termos subsidiários, que equacionar-se a aplicação do prazo de prescrição de vinte anos, tal traduziria uma clara violação dos princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade, da não discriminação e da lealdade comunitária.


Concretiza, em consequência, o cômputo do prazo prescricional ao abrigo do §3 do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento (CE/EURATOM) n.º 2988/95, referindo que o prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no nº 1 do artigo 1º.


Razão pela qual aduz que, contrariamente ao aventado pelo Tribunal a quo, ainda que subsidiariamente, o dies a quo não poderia, de todo, coincidir com a publicação da resolução do Conselho de Ministros que resolveu o contrato de investimento, ou seja, a 04 de novembro de 2014.


Conclui, para o efeito, que inexistindo qualquer causa de interrupção do prazo de prescrição da dívida exequenda, visto que, por um lado, a Recorrente nunca foi notificada de qualquer «ato tendo em vista instruir ou instaurar procedimento», e por outro lado, por a resolução do Conselho de Ministros, de 04 de novembro de 2014 não ter essa virtualidade ter-se-á de concluir que entre a data da prática da irregularidade – 29.07.2013 – e a data da citação – 31.07.2018 – não se verificaram, em relação à Recorrente quaisquer causas interruptivas da prescrição, pelo que a dívida se encontra integralmente prescrita.


Dissente a Recorrida, aludindo a uma correta interpretação da matéria de facto e de direito por parte da decisão recorrida, visto que o contrato foi, efetivamente, celebrado ao abrigo do Decreto-Lei nº 203/2003, de 10 de setembro e do Decreto-Lei n.º 245/2007 de 25 de junho, não havendo, portanto, que o Regulamento Euratom.


Mais sustenta que a carta que a AlCEP dirigiu à C... - Casino Hotel de T... S.A. em 29 de julho de 2013 a referir o insuficiente grau de cumprimento do contrato, e um cumprimento definitivo das obrigações pecuniárias, do mesmo reportadas a julho de 2013 - não é uma decisão final, não sendo, assim, um ato administrativo.


Sublinha, outrossim, que o incentivo financeiro, concedido pelo Estado, foi financiado através dos fundos provenientes da União Europeia, e não obstante na resolução do Conselho de Ministros, seja evidenciado o artigo 13.º do Código Fiscal do Investimento, a verdade é que do teor da mesma afere-se que foi resolvido o contrato de investimento, no global.


Mais relevando que é, seguramente, dessa decisão do Conselho de Ministros que nasce a obrigação de restituição, donde, que se inicia o prazo de prescrição o qual atenta a data de citação, a saber, 31 de julho de 2018 -mesmo que se entenda aplicável o Regulamento (CE EURATOM) 2988/95- é manifesto que a dívida ainda não se encontra prescrita.


Vista a posição das partes, atentemos, ora, no discurso jurídico em que assentou a decisão recorrida.


O Tribunal a quo, começa por ajuizar em termos de enquadramento normativo que: “O contrato referido na matéria de facto provada, de cujas vicissitudes viria por fim a emergir a dívida exequenda, nos termos nele expressamente invocados pelas partes foi celebrado ao abrigo dos Decretos-Lei 203/2003 de 10 de setembro e 245/2007 de 25 de junho – ainda que no cálculo do incentivo financeiro se tivesse remetido para a disciplina prevista na Portaria 130-A/2006 de 14 de fevereiro.”


Mais sustenta que “Nos termos do citado Decreto-Lei 203/2003 de 10 de setembro, os contratos de investimento celebrados sob a sua égide têm um regime específico de rescisão por incumprimento das condições a que o investidor se haja sujeitado, por incumprimento de obrigações legais e, designadamente fiscais, ou ainda por prestação de falsas informações ou sua viciação, como decorre do disposto no seu art.8º. Nos termos deste art.8º n.os 4 e 5, a rescisão do contrato por causa imputável ao investidor, como foi o caso, determina a perda dos incentivos concedidos, o eventual pagamento de juros (com foi o caso).

Relevando, em termos de dies a quo, que: “[c]om o instituto da prescrição, e de forma unânime e estável, que não são os factos do incumprimento dos objetivos ou condições a que esteve subordinado um dado programa financiado, muito menos o facto anterior da perceção desse incentivo, que marcam o início do curso de prazos de prescrição da obrigação de restituir e, assim, da dívida em que se traduz para quem a ela adstrito. (…) a obrigação de restituição do incentivo, embora logicamente não pudesse pensar-se sem essa causa mediata [de o projeto ter sido aprovado e com ele o seu financiamento, tendo vindo a ser-lhe entregues determinadas quantias], ou não poderia haver lugar a reposição do que quer que fosse, nomeadamente de natureza pecuniária, decorre antes da decisão de resolução por causas imputáveis ao beneficiário”.

Razão pela qual, sublinha que “É assim dessa decisão do Conselho de Ministros que nasce, pois, a obrigação de restituição, como aliás ela mesma expressa, já que é esse ato que, com dada fundamentação, motivadora da alteração introduzida, determina a reposição, ou seja, [re]define as obrigações da beneficiária do financiamento no contrato resolvido, cfr. inter alia Ac.STA de 23II2012, tirado no processo nº097/12, in www.dgsi.pt. Por outra parte, tudo o mais, a decisão da Agência de executar, o recurso à execução coerciva, mais não visam do que dar execução material àquela decisão de resolução.

Desfechando, assim: “Considerando que a obrigação de reposição não se reporta a dinheiros do Estado indevidamente percebidos, é-lhe inaplicável o regime especial instituído pelo Decreto-Lei 155/92 de 28 de junho, e como também não se reporta a obrigações pecuniárias de natureza tributária, igualmente lhe não cabe o regime da Lei Geral Tributária. Antes lhe cabe, por isso, em matéria de prescrição, o regime geral.”

Conclui, assim, que: “Assim, sob o conspecto fático assente, a dívida exequenda, proveniente que é de uma obrigação de reposição, sujeita àquele prazo de prescrição de 20 anos, viu começar a correr o respetivo prazo com a publicação da decisão de resolução do Conselho de Ministros, a 4 de novembro de 2014. Ora, tendo a Reclamante sido citada no dia 31 de julho de 2018, manifesto é que, então, tal dívida não era prescrita, nomeadamente em relação a ela. E, como decorre do art.323ºnº1 do Código Civil, com a sua citação o decurso do prazo de prescrição foi, em relação a ela, interrompido e, desde então, o renovado prazo que se iniciou acha-se suspenso, conforme determina o art.327ºnº1 do Código Civil.”

Mais equacionando, a título subsidiário que: “E, mesmo que se entendesse que in casu era aplicável à prescrição da obrigação de restituição dos incentivos o Regulamento (CE EURATOM) 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro, nos termos do qual é de 4 anos o prazo de prescrição, a contar da data em que foi praticada a infração, seu art.3ºnº1, tal como salienta a Digna Magistrada do Ministério Público, entre aquele lapso temporal, publicação da resolução do contrato, 4 de novembro de 2014, e citação da Reclamante, 31 de julho de 2018, manifesto é que aquele prazo de prescrição não se tinha igualmente completado”.

Vejamos, então, se a decisão recorrida padece do erro de julgamento que lhe é assacado.

Comecemos, então, por aferir qual o regime jurídico aplicável ao prazo prescricional, concretamente, o regime geral decorrente do artigo 306.º do Código Civil ou o Regulamento (CE Euratom) nº 2988/95, do Conselho de 18 de dezembro.

Para o efeito torna-se imprescindível fazer uma incursão no contrato de investimento em causa, e aquilatar qual o regime jurídico ao abrigo do qual o mesmo foi celebrado.

Vejamos, então.

Atentando no seu preâmbulo resulta expresso que o mesmo é “celebrado, ao abrigo do Decreto-Lei nº 203/2003, de 10 de setembro e do Decreto-Lei nº 245/2007, de 25 de junho”.

Consignando, outrossim, na cláusula primeira item 1.6. “despesas elegíveis para o incentivo financeiro” que: “Consideram-se relevantes para efeito de cálculo do INCENTIVO FINANCEIRO as aplicações efectuadas pela SOCIEDADE em conformidade com os requisitos estabelecidos na Portaria nº 130/2006, de 14 de Fevereiro, publicada no Diário da República, 1ª Série, nº32, da mesma data.”

Mais se encontrando clausulado na mesma cláusula, item 1.10 relativamente ao incentivo financeiro que: “O incentivo a conceder pelo Estado Português à SOCIEDADE para aplicação na execução do PROJECTO expresso em numerário, nos termos e condições constantes da Portaria nº 130-A/2006, de 14 de Fevereiro, publicado no Diário da República Iª Série-B, nº 32, da mesma data, e do presente CONTRATO”.

Dimanando, in fine, do Anexo VI, as modalidades de pagamento do incentivo, com expressa alusão à “componente FEDER”.

Ora, perscrutando o clausulado supra expendido, dimana, efetivamente, que o contrato de investimento foi celebrado ao abrigo do Decreto-Lei nº 203/2003, de 10 de setembro com concreta remissão, no âmbito do incentivo financeiro, para a Portaria nº 130-A/2006, de 14 de fevereiro.

Porém, conforme bem evidencia a Recorrente não só o aludido Decreto-Lei nº 203/2003 não coarta qualquer possibilidade de aplicação de demais legislações de matriz comunitária, conforme dimana expressamente do seu preâmbulo segundo o qual: “o regime contratual de investimento, a que se alude no diploma, é um regime especial de contratação de apoios e incentivos exclusivamente aplicável a grandes investimentos e que, por conseguinte, não exclui o regime geral de investimento que se rege pela legislação em vigor, nomeadamente no que se refere à regulamentação referente aos incentivos atribuídos pelo Estado Português, através dos fundos comunitários, ao abrigo do III Quadro Comunitário de Apoio.”

Acresce que, na senda do defendido pela Recorrente e atentando no recorte fático dos autos, mormente, no reformulado ponto 2 da matéria de facto o incentivo financeiro foi concedido ao abrigo da Portaria nº 130-A/2006, de 14 de fevereiro, não se circunscrevendo, tout court, ao seu cálculo. Mais importa ter presente e sublinhar que a aludida Portaria regulamenta o sistema de incentivos à modernização empresarial (SIME) previsto no Decreto-Lei nº 70-B/2000, de 05 de maio, executado no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio, com base em fundos comunitários.

Nesta medida, encontramo-nos, assim, perante a atribuição de fundos de incentivo de matriz comunitária, mormente, Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) o qual se incluía no III Quadro Comunitário de Apoio. Aliás, tal questão não é controvertida, ou seja, ambas as partes entendem que o incentivo financeiro concedido pelo Estado foi financiado através de fundos comunitários, onde, em rigor, dissentem é na aplicação do quadro normativo.

Ora, aqui chegados e encontrando-nos perante a reposição de fundos comunitários e não obstante o STA, mormente, nos Arestos citados pelo Tribunal a quo tenha decidido, com base na inaplicabilidade do prazo de cinco anos previsto no nº1 do artigo 40.º do DL nº 155/92, de 28 de julho, e aplicação, ao invés, de um prazo de vinte anos constante no artigo 306.º do CC, a verdade é que este entendimento após a prolação do Acórdão do TJUE, proferido no processo nº C-341/13, de 17 de setembro, não pode manter-se.

Vejamos, então, por que assim o entendemos.

Na sequência de reenvio prejudicial por parte do STA, no âmbito do processo nº 0398/12, de 17 de abril de 2013, foi prolatado Acórdão em 17 de setembro, no âmbito do processo C-341/13, tendo o Tribunal de Justiça respondido às questões prejudiciais formuladas que:

“1) O artigo 3.º do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, deve ser interpretado no sentido de que se aplica aos procedimentos instaurados pelas autoridades nacionais contra beneficiários de ajudas da União na sequência de irregularidades verificadas pelo organismo nacional responsável pelo pagamento das restituições à exportação no âmbito do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA).

2) O prazo de prescrição previsto no artigo 3.º, n.º 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 aplica-se não apenas aos procedimentos por irregularidades que conduzem à aplicação de sanções administrativas, na aceção do artigo 5.º deste regulamento, como também aos procedimentos que conduzem à adoção de medidas administrativas, na aceção do artigo 4.º do referido regulamento. Embora o artigo 3.º, n.º 3, do mesmo regulamento permita que os Estados-Membros apliquem prazos de prescrição mais longos do que os de quatro ou três anos previstos no n.º 1, primeiro parágrafo, deste artigo, resultantes de disposições de direito comum anteriores à adoção do referido regulamento, a aplicação de um prazo de prescrição de vinte anos excede o que é necessário para atingir o objetivo de proteção dos interesses financeiros da União.”

Neste sentido, vide, outrossim, o Acórdão do STA proferido no processo 0398/12, de 08 de outubro de 2014, e bem assim do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo nº 01801/09.0 BEBRG, de 14 de junho de 2017.

Em face do supra aludido, conclui-se, assim, que contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, é aplicável ao caso vertente e contrariamente, o prazo de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento 2988/95, porquanto se trata de norma jurídica diretamente aplicável na ordem jurídica interna (artigo 288.ºTFUE e 8.º n.º 3 da Constituição) e bem assim porque inexiste no ordenamento jurídico nacional norma especificamente aplicável que preveja prazo superior.

É certo que poder-se-ia equacionar a aplicação ao caso sub judice, por analogia ou numa interpretação conforme aos princípios do Direito da União, do prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de junho, aplicável às reposições de dinheiros públicos que constituam despesas correntes do Estado.

Porém, o STA afastou essa solução em Acórdão prolatado no processo nº 173/13, em 09 de abril de 2014 no qual expressamente evidencia o seguinte:

“Daí que, também seja de afastar a aplicação analógica do prazo de prescrição de 5 anos (art. 40º do Dec. Lei 155/92, de 28 de Julho).

Em primeiro lugar, porque esse concreto regime tem vindo sucessivamente a ser afastado pela jurisprudência nacional – cfr. os acórdãos do STA, 1.ª Secção, de 22/10/2008, proc. 601/08; de 17/12/2008, proc. 599/08; e de 9-6-2010, proc. 185/10)- afastando assim o requisito da previsibilidade suficiente.

Em segundo lugar, porque o “princípio de equiparação das condições para recuperação de prestações financeiras puramente nacionais” (que eventualmente podia ser invocado) tem sido aplicado em situações em que o Direito Comunitário não regula directamente o caso – cfr. ac. de 12 de Maio de 1998, processo C-366/95; acórdão de 16 de Julho de 1998, proc. C-298/96. Aliás, este último acórdão indica como fonte deste princípio o art. 5º do Tratado CE, segundo o qual compete aos Estado membros “(…) assegurar no seu território o cumprimento das regulamentações comunitárias” (considerando 23). Daí que, logo no considerando seguinte, refira que “(…) os litígios relativos à recuperação de montantes indevidamente pagos por força do direito comunitário, na falta de disposições comunitárias, devem ser decididas pelos órgãos jurisdicionais nacionais, sem prejuízo dos limites impostos pelo direito comunitário, no sentido de que as vias previstas pelo direito nacional não podem, na prática, tornar impossível ou excessivamente difícil a aplicação da regulamentação comunitária (…)”.

Existindo norma expressa na regulamentação comunitária, directamente aplicável, o acolhimento, no direito interno, dessa norma não pode, de modo algum, gerar incumprimento ou ineficácia do direito comunitário. Pelo contrário, tal acolhimento assegura a imposição efectiva do direito comunitário.”

Assiste, assim, razão à Recorrente quando defende que o Tribunal a quo, incorreu em erro na determinação do regime de prescrição aplicável, sendo, por isso, aplicável o Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995.

Uma vez delimitado o regime jurídico aplicável, façamos, então, a devida interpretação do seu âmbito e extensão.

O Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95, conforme resulta do seu artigo 1.º, nº1, veio adotar uma “regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito comunitário”.

Preceituando, por seu turno, o artigo 3.º que:

“1. O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no nº 1 do artigo 1º. Todavia, as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.

O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa.

A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.

Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, exceto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o nº 1 do artigo 6º.

2. O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva.

Os casos de interrupção e de suspensão são regidos pelas disposições pertinentes do direito nacional.

3. Os Estados-membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo que os previstos respetivamente nos nºs1 e 2.”

Ora, interpretando o teor dos normativos citados e cotejando-os com os demais normativos insertos no mesmo diploma, mormente com os respeitantes às irregularidades no domínio do direito comunitário e sua sanção (artigos 1.º, 2º e 3.º) extraem-se os seguintes considerandos:

– A restituição de fundos comunitários indevidamente recebidos, por irregularidades cometidas pelos beneficiários de incentivos comunitários, não é exigível a todo o tempo estando sujeita a um prazo-regra de prescrição de quatro anos;

– O dies a quo coaduna-se com a data da prática da irregularidade;

– O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade;

– O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa;

– A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.

Ora, em face do supra aludido, resulta que, in casu, o prazo de prescrição é de 4 anos e conta-se a partir da prática da irregularidade.

E a questão que, ora, se impõe é quando é foi praticada a irregularidade.

A Recorrente sustenta que “De acordo com a factualidade provada, no caso em análise estamos perante alegadas irregularidades praticadas pela entidade beneficiária de um incentivo financeiro atribuído, com recurso a fundos comunitários (FEDER), com base num contrato de investimento. Tais irregularidades verificaram-se quer quanto ao grau de cumprimento dos objectivos contratuais, quer quanto ao (in) cumprimento das obrigações pecuniárias. O grau de cumprimento dos objectivos contratuais foi considerado insuficiente em 2009 e 2011 pela AICEP. Esta mesma entidade, em 29.07.2013, considerou existir incumprimento das obrigações pecuniárias constantes do contrato.”

Por seu turno, a Recorrida entende que a aludida carta de 29 de julho de 2013, não é uma decisão final, donde, não é um ato administrativo, pelo que mesmo que se equacionasse aplicável o prazo de prescrição constante no Regulamento (CE Euratom) 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro, o dies a quo ocorreria na data da Resolução.

De facto, a letra da lei é clara fala, em data da prática da irregularidade e não da data da resolução do contrato de investimento. Aliás, como é bom de ver, sendo a prática da irregularidade que determina a resolução do contrato, tem, necessariamente, de ser temporalmente anterior.

Mas aqui chegados impõe-se a seguinte questão: a irregularidade ocorreu, efetivamente, em 29 de julho de 2013?

Entendemos que a resposta é negativa visto que a aludida carta representa uma manifestação de intenção de resolução unilateral do contrato, concedendo um prazo de 10 dias úteis para as partes se pronunciarem, donde, como já evidenciado, a irregularidade terá de ter ocorrido em momento anterior.

Ademais, se atentarmos no teor da aludida carta a mesma faz expressa alusão que “o grau de cumprimento do contrato, apurado em 2009 (9%) e em 2011 (27%) é inferior a 60%, o que, nos termos do nº 22.2 da Cláusula Vigésima Segunda, fundamenta a rescisão do Contrato de Investimento por incumprimento dos objetivos contratuais.” e bem assim que “o promotor não procedeu ao pagamento das prestações de reembolso do incentivo financeiro, vencidas em Janeiro e Julho deste ano, no montante de 630.182,68 Euros, nem apresentou um plano de reestruturação da dívida, o que permite considerar, não como mora mas sim como definitivo, o incumprimento das obrigações pecuniárias a que está adstrito e rescindir o contrato com base no disposto na alínea a) do nº 22.1 da Cláusula Vigésima Segunda”.

Significa, assim, que as alegadas irregularidades terão sido praticadas em momento temporal anterior. Porém, no caso vertente, não constam dos autos quaisquer elementos que atestem, com rigor e como se impõe, as datas em que foram praticadas as mesmas, o que se afigura vital para a presente lide.

Acresce, outrossim, que se desconhece se existiu algum ato, de que seja dado conhecimento a quaisquer dos contratantes intervenientes no contrato de investimento, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade, o que se afigura fundamental para aquilatar de qualquer causa de interrupção do prazo prescricional.

Mais se infere, outrossim, que terá sido celebrado um acordo de pagamento e confissão de dívida entre a C...-Casino Hotel T..., SA e a AICEP, sendo que nos presentes autos consta tão-só uma mera minuta sem qualquer assinatura e sem data aposta, não permitindo, desde logo, aferir a data da outorga, e bem assim discernir se nessa sequência houve lugar à prolação de um novo ato tendente à (re)instrução ou mesmo instauração de novo procedimento por irregularidade ou reabertura de existente.

Ora, em face do exposto, afigurando-se tais factos vitais para apreciar a invocada questão da prescrição e não contemplando os autos todos os elementos para decidir essa questão, não constando inclusive o processo administrativo inerente ao contrato de investimento, na sua dimensão de incentivo financeiro e incentivo fiscal e bem assim o processo de execução fiscal, deparamo-nos, inequivocamente, com défice de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto disponibilizada à nossa apreciação.

Nessa medida, impõe-se anular, oficiosamente, segundo o disposto no artigo 662.º do CPC, a decisão recorrida, de molde a permitir que, no Tribunal a quo, sejam efetivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos factos apontados como deficitariamente instruídos, designadamente, junção integral de todo o processo administrativo e processo de execução fiscal e demais diligências que se afigurem pertinentes para percecionar, de forma rigorosa e fidedigna a data da prática da infração e bem assim da existência de causas de suspensão e interrupção do prazo prescricional.

Assim, impõe-se, então, a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que, após instrução e ampliação do probatório fixado nos termos supra referidos, decida da prescrição da obrigação de reposição das quantias indevidamente recebidas provenientes de Fundos Comunitários, à luz do disposto no artigo 3.º do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995. Como tal, resulta prejudicada a apreciação dos demais fundamentos.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

CONCEDER PROVIMENTO ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova e diligências instrutórias, conforme acima se indica.



Lisboa, 30 de setembro de 2019

(Patrícia Manuel Pires)

(Mário Rebelo)

(Anabela Russo)


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(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.

(2) HENRIQUE ARAÚJO: “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt

(3) AC. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1