Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1230/17.1 BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/04/2017
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:REQUISITOS EXTERNOS DA PETIÇÃO INICIAL
Sumário:I - A identificação das partes, incluindo a do autor, é um dos requisitos externos essenciais da petição inicial, previsto no C.P.T.A. e no C.P.C.

II - A falta de indicação de morada ou endereço de contacto do autor é fundamento para a secretaria do tribunal recusar a petição inicial e, no caso de aquela assim não proceder e citar o réu, é uma exceção dilatório e, assim, motivo de absolvição da instância do réu.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

· BASSIROU ……………., actualmente em paradeiro desconhecido,

intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra

· MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA - SEF.

O pedido formulado – numa petição inicial com 4 parágrafos - foi o seguinte:

“Pelo que se requer a V. Ex.a se digne receber a presente acção, seguindo os ulteriores termos do processo e, concluindo pela respectiva procedência, seja anulado o despacho recorrido, por preterição de formalidade legal, ordenando a notificação do recorrente do relatório dos autos, e seguindo os ulteriores termos do processo de asilo”.

Por despacho de 30-06-2017, o referido tribunal veio a prolatar decisão, onde rejeitou a petição inicial ao abrigo da al. c) do n.º 1 do art.º 80.º do CPTA.

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Inconformado com tal decisão, o autor interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

1) Domina o processo nos tribunais administrativos o princípio da tutela jurisdicional efetiva – artigo 2º do CPTA, sendo que no caso tem de se concluir que tem direito a recurso a juízo quem não tenha morada desconhecida.

2) A regra do artigo 78º n.º1 alínea b) do CPTA tem de ser entendida em termos tais que não exclua a possibilidade de serem interpostas ações por ou contra quem não tenha residência certa, quer porque não a possua, quer porque se encontra em paradeiro desconhecido.

3) A indicação de paradeiro desconhecido não constitui qualquer vício da petição inicial, mormente neste caso de um cidadão estrangeiro sem residência em Portugal, cujo paradeiro se desconhece.

4) Qualquer outro entendimento do dito artigo 78º do CPTA, nomeadamente que impedisse ou dificultasse o recurso ou acesso a juízo por parte de quem não tem residência, constituiria uma violação dos direitos a que se referem os artigos 20º n.º 1 e 22º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

5) Foi, deste modo, errada a douta decisão recorrida, ao rejeitar a petição inicial por falta de indicação da residência do requerente, dado que era suficiente para o cumprimento do estatuido no artigo 78º n.º 1 alínea b) do CPTA a indicação que a morada do requerente era desconhecida, quando esta o era.

6) Violou tal decisão o artigo 78º n.º 1 alinea b) do CPTA e o artigo 20 n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa, normais que, devidamente interpretadas, imporiam a conclusão que no caso de a parte se encontrar em local desconhecido, não é necessária a indicação da respectiva residência para interposição de acção judicial, sendo suficiente a indicação do dito paradeiro desconhecido.

7) Pelo que deverá ser revogada a douta sentença, com o consequente prosseguimento dos autos.

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O digno magistrado do M.P. junto deste tribunal foi notificado para se pronunciar em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como previsto no nº 1 do art. 146º.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

O presente caso, já sumariamente descrito, é inaudito.

O autor diz, na petição inicial, que não tem morada conhecida. O que é uma impossibilidade, pois ele – o autor - sabe logicamente onde pode ser contactado.

Ora, a instância começa conm o recebimento da petição inicial e completa-se com a citação do demandado (cf. artigo 78º/1 do C.P.T.A. e artigo 259º do C.P.C.: 1 - A instância inicia -se pela proposição da ação e esta considera -se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respetiva petição inicial, sem prejuízo do disposto no artigo 144.º. 2 - Porém, o ato da proposição não produz efeitos em relação ao réu senão a partir do momento da citação, salvo disposição legal em contrário.).

No caso presente, a instância completou-se, ou seja, constituiu-se a relação jurídica processual, porque a secreatia do tribunal não cumpriu o dever de recusar a petição inicial e procedeu à citação.

E, por isso, a intervenção do juiz já ocorreu num âmbito idêntico ao previsto no artigo 88º/1-a) e 89º/2 do C.P.T.A.

Ora, como resulta do C.P.T.A. (cf. arts. 78º/2-b): na petição inicial, deduzida por forma articulada, deve o autor identificar as partes, incluindo eventuais contrainteressados, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes; e 80º/1-c): a secretaria recusa o recebimento da petição inicial, indicando por escrito o fundamento da rejeição, quando omita qualquer dos elementos a que se referem as alíneas b), c), d) e h) do n.º 2 do artigo 78.º; tal como nos arts. 552º/1-a) e 558º/b) do C.P.C.), a morada ou endereço das partes é um requisito externo essencial à petição inicial.

A identificação das partes, onde se inclui o local onde podem ser encontradas, é, assim, uma das condições de admissão em juízo (cf. assim o artigo 207º/1 do C.P.C., ex vi artigo 1º do C.P.T.A.: nenhum ato processual é admitido à distribuição sem que contenha todos os requisitos externos exigidos por lei.).

Não tem sentido algum – e daí os enunciados legais contidos nos arts. 78º/2-b) e 80º/1-c) do C.P.T.A. – intentar uma ação sem se identificar, sendo claro que poder encontrar quem intenta ação é um elemento mínimo indispensável à relação jurídica triangular que é a instância completa.

Em síntese, o autor não se identificou como manda a lei processual. Pelo que a petição inicial não poderia ser admitida em juízo.

Como o foi e já há intervenção jurisdicional, a consequência não é extamente recusar ume petição inicial que já foi recebida (pela secretaria), mas sim absolver o réu da instância, por se verificar uma exceção dilatória inominada ou atípica (cf. assim António A. Geraldes, Temas…, 1997, p. 211).

Sobre estes elementos basilares da teoria geral do processo, cf.: Antunes Varela et alli, Manual…, 2ª ed., p. 248; António A. Geraldes, Temas…, 1997, págs. 211 ss; Mário Aroso de Almeida/C.C., Comentário ao C.P.T.A., 4ª ed., p. 701.

E é manifesto que esta solução legal não afronta o princípio constitucional e infraconstitucional da tutela jurisdicional plena e efetiva; este pressupõe aquela condição formal e, razoável e lógica de admissão de uma petição inicial em juízo.

A solução legal constante dos arts. 78º/2-b) e 80º/1-c) do C.P.T.A. não bule com os subprincípios da tutela jurisdicional plena e efetiva (cf. acesso aos tribunais, um juiz imparcial e independente, tutela declarativa, tutela cautelar, tutela executiva, contraditório, direito a uma solução jurisdicional em prazo razoável, igualdade processual das partes).

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III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes deste Tribunal Central Administrativo Sul em, negando provimento ao recurso, julgá-lo manifestamente improcedente e manter o efeito da decisão recorrida, absolvendo o demandado desta instância.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 04-10-2017


Paulo H. Pereira Gouveia, relator

Catarina Jarmela

Conceição Silvestre