Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09905/13
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/16/2015
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PROFESSOR DO ENSINO SUPERIOR; EXECUÇÃO DE SENTENÇA; CONCURSO.
Sumário:i) A execução das sentenças anulatórias dos tribunais administrativos impõe à Administração o dever de desenvolver uma actividade de execução por forma a pôr a situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão de provimento do recurso contencioso, o que se traduz em dois aspectos: 1) dever de respeitar o julgado, conformando-se com o conteúdo da sentença e com as limitações que daí resultam para o eventual reexercício dos seus poderes (efeito preclusivo, inibitório ou conformativo); 2) dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se esse acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade que deu causa à anulação (princípio da reconstituição da situação hipotética actual).

ii) O cumprimento do dever de executar o efeito repristinatório da anulação circunscreve-se à reconstituição do statu quo ante, isto é, da situação inicial que existia no momento da intervenção ilegal
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O Instituto Superior Técnico (Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAC de Lisboa, datada de 16.10.2012, que em execução da sentença anulatória proferida no recurso contencioso de anulação sob o n.º ……./03, confirmada por acórdão do TCAS, de 07.07.2011, no processo n.º 2490/07, contra si movida por José ……………….., na parte em que julgou a acção executiva procedente e, em consequência, anulou as deliberações do Júri do Concurso de 8.11.2011 e 9.1.2012”, declarou a “nulidade da nomeação do Prof. António ……….no lugar do provimento” e fixou à Entidade Executada o prazo de 60 dias para “cumprir a sentença exequenda procedendo a nova deliberação do Júri, expurgada dos vícios enunciados, seguida de todos os tramites subsequentes até à prolação do acto de nomeação do candidato a ordenar em 1º lugar”.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

a) O Júri do concurso em apreço executou correctamente a Sentença de 8 de Junho de 2006, mantida e confirmada por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 7 de Julho de 2011 reunindo, em 3ª reunião realizada em 8.11.2011, para continuar a analisar as MESMAS 4 candidaturas, entre as quais se incluía a do Professor Fernando …….. que tinham sido aceites e aprovados em mérito absoluto até à 2ª reunião, e onde se incluía a candidatura então apresentada pelo Professor Fernando ………, bem como a MESMA reclamação que, em sede de audiência prévia de interessados, fora apresentada pelo candidato António ………, tendo em vista concluir os trabalhos do concurso aberto pelo Aviso n.º ……../2001, com a ordenação final de TODOS os 4 candidatos a ele admitidos.

b) Deve, por isso, manter-se, o que foi processado nessa 3ª reunião de 8.11.2011 e em actos subsequentes.

c) A circunstância de, logo que transitou em julgado a Sentença de 8 de Junho de 2006, mantida e confirmada por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 7 de Julho de 2011, não se ter revogado o anterior despacho de nomeação do Professor António …….. como Professor Catedrático do Departamento de Engenharia de Minas e Georrecursos do Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa, aguardando-se pela nova ordenação de candidatos que resultaria da retoma dos trabalhos do Júri, a partir da sua 3a reunião, em nada interferiu com esta retoma de trabalhos.

d) O que o Júri apreciou, na sua reunião de 8.11.2011, foi a candidatura e reclamação apresentadas, em 2002, pelo candidato, Professor Associado António ………., e não a obra científica e pedagógica do actual Professor Catedrático António ……...

e) A imediata revogação, logo que transitada em julgado a Sentença exequenda, do anterior despacho de nomeação do Professor António ….. como Professor Catedrático do Departamento de Engenharia de Minas e Georrecursos do Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica, apenas corresponderia à imposição de um injustificado prejuízo a este docente caso ele, como veio a suceder, voltasse a ser confirmado como vencedor do concurso em apreço.

Nestes termos, deve a Sentença recorrida ser revogada por fazer uma errada interpretação e aplicação dos preceitos legais em que se entendeu escorar.



O Recorrido contra-alegou, concluindo do seguinte modo:

A) O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta Sentença de 16 de Outubro de 2012 que, no âmbito do processo de execução de julgado anulatório da Sentença do mesmo Tribunal de 08 de Junho de 2006, mantida e confirmada por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 07 de Julho de 2011, anulou «as deliberações do Júri do Concurso de 8.11.2011 e 9.1.2012, mais declarando a nulidade da nomeação do Prof. António ……… no lugar a provimento».

B) A douta Sentença recorrida procedeu a uma correcta e adequada aplicação do disposto no artigo 173° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

C) Nos termos do nº 1 e do n.º 2 do artigo 685.°-A do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 140° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no recurso jurisdicional que verse matéria de direito devem ser indicadas as normas jurídicas violadas pela Sentença em crise.

D) Não se vislumbra no presente recurso quais são as normas jurídicas hipoteticamente violadas pela Sentença recorrida, já que, em parte alguma, são identificadas pelo Executado ora Recorrente.

E) A nomeação para um determinado lugar, num concurso aberto para o seu preenchimento é um acto consequente da deliberação final do Júri, no caso dos docentes do ensino superior universitário.

F) A anulação da deliberação final do Júri do concurso determina a nulidade "ope legis" da nomeação, nos termos e ao abrigo da primeira parte da alínea i) do n.º 2 do artigo 133º do Código do Procedimento Administrativo.

G) O Professor Doutor António …………, contra-interessado no recurso contencioso de anulação da referida deliberação final do Júri do concurso, não está abrangido pelo disposto no n°3 do artigo 173° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

H) A reinstrução do procedimento levada a cabo pelo Júri em execução de sentença foi meramente fictícia e virtual e visou a ratificação da nomeação de 23/08/2004 do Professor Doutor António ………., uma vez que o seu objecto - preenchimento de 1 lugar de professor catedrático - não teve existência legal, porque não existiu lugar para preencher.

I) A aposentação do Prof. Doutor Fernando ………., ocorrida em 01 de Abril de 2004, introduz uma alteração juridicamente relevante das circunstâncias do procedimento concursal existentes à data do acto anulado.

J) Tal alteração juridicamente relevante consubstancia uma incompatibilidade efectiva entre os factos e a execução da sentença anulatória.

K) Em sede de execução da sentença anulatória não há lugar à apreciação da candidatura do Prof. Doutor Fernando …….., uma vez que, por efeito da sua situação de aposentado, não pode vir a ser nomeado no lugar de professor catedrático em concurso.

L) Bem andou a Sentença recorrida ao determinar a anulação das deliberações do Júri do Concurso de 8.11.2011 e 9.1.2012, e ao declarar a nulidade da nomeação do Prof. António ……… no lugar a provimento.

Nestes termos e nos demais de Direito que o douto Tribunal certamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e mantida e confirmada a Sentença de 16 de Outubro de 2012, só assim se fazendo a esperada e costumada JUSTIÇA!.



Neste Tribunal Central Administrativo, o Ministério Público, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, nada disse.


Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao ter considerado como indevidamente executada a sentença anulatória proferida no TAC de Lisboa, no proc. n.º ……/03, e assim ter anulado as deliberações do Júri do Concurso de 8.11.2011 e 9.1.2012 aqui em causa e declarado nula a nomeação do candidato Prof. António Jorge Sousa no lugar a provimento.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:

1. Pelo Aviso n.º 14768/2001, publicado no DR, II Série, n° 282, de 6.12.2001, foi aberto concurso documental para provimento de um lugar para professor catedrático do Departamento de Engenharia de Minas e Georrecursos do Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa.

2. Pelo Edital n.º 744/2002, publicado no DR, II Série, n.º 114, de 26.4.2002, foi constituído o Júri do referido concurso, nos termos constantes a fls. 12 dos autos aqui dados por reproduzidos na íntegra.

3. O ora Exequente apresentou a sua candidatura.

4. Em 29.7.2002, o Júri reuniu com vista a ordenar os candidatos, pelo que procedeu à discussão e esclarecimento com base nos elementos curriculares disponíveis e votou, tendo ordenado o Exequente em primeiro lugar com 5 votos, nos termos na acta n.º 2 constantes a fls. 13 a 25 dos autos, aqui dados por reproduzidos na íntegra.

5. Em 3.12.2002, o Júri reuniu, tendo o Presidente considerado que os Profs Martim ……………. e Carlos ………………. não podem participar formalmente nos trabalhos do Júri e exercer direito de voto por estar no ano lectivo seguinte ao da jubilação. Após a saída dos Professores Jubilados da sala, os membros do Júri procederam à análise da reclamação apresentada pelo candidato António …………… e após discussão votaram e ordenaram os candidatos, ficando em 1° lugar o Prof António …….. e o ora Exequente em 2° lugar.

6. Em 30.8.2002 foi publicitado no DR n° 200, II Série a aposentação do Prof Martim …………..

7. Em 30.9.2002 foi publicitado no DR n° 226, II Série a aposentação do Prof Carlos ……………..

8. Em 30.5.2003, após a pronúncia do Exequente sobre o projecto de decisão e na sequência de parecer emitido, o Executado determinou a reconstituição do Júri e, em concomitância, a anulação de todo o processado no concurso a partir da 1ª reunião do júri inclusive.

9. Por sentença proferida pelo TAC de Lisboa, em 8.6.2006, confirmada por Acórdão do TCA Sul datado de 7.7.2011, foi anulado o despacho supra.

10. Após a prolação da decisão anulatória, o Executado manteve a nomeação do Prof. António ……. no lugar a concurso para professor catedrático do IST da Universidade Técnica de Lisboa.

11. Em 12.9.2011, em execução do Acórdão supra, o Gabinete de Apoio Jurídico do IST emitiu a Informação n.º 382/2011/PM, no sentido dos trabalhos do Júri deste concurso, com a composição fixada pelo Edital n.º 744/2002, devem ser retomados para análise da pronúncia do candidato António…….. sobre a ordenação de candidatos aprovada na 2ª reunião, realizada a 29.7.2002, e proceder a uma votação final dessa ordenação, mantendo-se válido tudo o processado até à 2ªreunião do Júri.

12. Em 8.11.2011 na sequência dessa Informação, o Júri reuniu, com a composição do Edital n° 744/2002 à excepção do Prof Serrano ……., apreciou a pronúncia do candidato António ……, aprovou o processo de votação, procedeu à votação nominal justificada por escrito e ordenou os candidatos pela seguinte ordem: 1° António ….., 2° Fernando …….., 3° António ………, 4° José ……..

13. Em 9.1.2012, após o ora Exequente ter-se pronunciado acerca do projecto de decisão, o Júri do concurso reuniu e apreciou aquela exposição e deliberou manter a ordenação dos candidatos da anterior reunião.

14. O candidato Fernando ………. aposentou-se em 1.4.2004.

Não foi consignada factualidade não provada com interesse para a decisão da causa.



II.2. De direito

Vem questionada no recurso a decisão da Mma. Juiz do TAC de Lisboa que julgou indevidamente executada a sentença anulatória proferida no mesmo Tribunal, no proc. n.º 441/03, com o que anulou as deliberações do Júri do Concurso de 8.11.2011 e 9.1.2012 aqui em causa e declarou nula a nomeação do candidato Prof. António ………. no lugar a provimento, fixando o prazo de 60 dias para o executado cumprir a sentença exequenda (procedendo a nova deliberação do Júri, expurgada dos vícios enunciados, seguida de todos os trâmites subsequentes até à prolação do acto de nomeação do candidato a ordenar em 1.º lugar).

Na situação em presença, como resulta do probatório fixado, temos que por decisão proferida no TAC de Lisboa e confirmada por este TCAS, foi anulado o despacho do Presidente do Júri do Concurso, datado de 30.05.2003, que determinou a reconstituição do Júri do Concurso para provimento de um lugar de professor catedrático do Departamento de Engenharia de Minas e Georrecursos do IST e a anulação de todo o processado no referido concurso a partir da 1.ª Reunião do Júri inclusive, por padecer do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto ao impedir a participação dos vogais Professores Martim ……… e Carlos ……….. na 3.ª reunião do Júri do Concurso, aposentados em 30.08.2002 e 30.09.2002, respectivamente.

Em execução da decisão anulatória, o Executado, ora Recorrente, manteve válido todo o processado até à 2.ª reunião do Júri do Concurso e retomou os trabalhos em reunião ocorrida em 8.11.2011, com a composição original fixada no Edital n.º …./2002 (à excepção do Prof. Serrano Pinto), na qual: i) apreciou a pronúncia do candidato António ……..; ii) aprovou o processo de votação; iii) procedeu à votação nominal justificada por escrito; e iv) ordenou os candidatos pela seguinte ordem: 1° António ………., 2° Fernando ……, 3° António ……., 4° José ………. Em 9.01.2012, após o exercício do direito de audiência prévia e sua apreciação, o Júri deliberou manter a ordenação dos candidatos, ordenando em 1.° lugar o Prof. António ………. para provimento do lugar a concurso.

De igual modo, e conforme resulta da factualidade fixada, o ora Recorrente manteve o provimento do Prof. António ……… no lugar a concurso e apreciou e ordenou em 2.º lugar um candidato já aposentado desde 2004.

Por sua vez, entende o Recorrente que executou devidamente o julgado anulatório, alegando que reunião em 3.ª reunião, realizada em 8.11.2011, para continuar a analisar as mesmas 4 candidaturas, entre as quais se incluía a do Professor Fernando …… que tinham sido aceites e aprovados em mérito absoluto até à 2.ª reunião, e onde se incluía a candidatura então apresentada pelo Professor Fernando ….., bem como a mesma reclamação que, em sede de audiência prévia de interessados, fora apresentada pelo candidato Prof. António ………. Isto tendo em vista concluir os trabalhos do concurso aberto pelo Aviso n.º 14768/2001, com a ordenação final de todos os 4 candidatos a ele admitidos (conclusões a) e b) do recurso).

Mais alega o Recorrente que não revogou o anterior despacho de nomeação do Professor António ……. como Professor Catedrático do Departamento de Engenharia de Minas e Georrecursos do Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa, por ter aguardado pela nova ordenação de candidatos que resultaria da retoma dos trabalhos do Júri, a partir da sua 3.º reunião, sendo que tal facto em nada interferiu com esta retoma de trabalhos. Para além de que, alega ainda, a imediata revogação, logo que transitada em julgado a sentença exequenda, do anterior despacho de nomeação do Professor António ……., apenas corresponderia à imposição de um injustificado prejuízo a este docente caso ele, como veio a suceder, voltasse a ser confirmado como vencedor do concurso em apreço (conclusões c) a e) do recurso).

Vejamos então.

Na sentença recorrida, após se ter feito um correcto enquadramento jurídico do instituto da execução de sentenças anulatórias de acto administrativo, proferidas pelos tribunais administrativos, escreveu-se o seguinte:

“(…) constitui Jurisprudência firmada que o procedimento administrativo concursal para provimento de lugares na Função Pública se traduz numa operação complexa composta de múltiplos actos materiais e jurídicos, encetada peia declaração de abertura e publicação do respectivo aviso, prossegue com a admissão, selecção, classificação final, homologação e culmina com a nomeação dos concorrentes para os lugares a prover. Pelo que, estando todos estes actos encadeados entre si de acordo com uma lógica sequencial, a anulação de um destes actos por vício de violação de lei inquina, necessariamente, todos os actos subsequentes até ao acto final de nomeação.

In casu, a anulação do despacho impugnado proferido em 3.5.2003, determina em sede de execução de sentença:

- a anulação da reconstituição do Júri operada pelo Aviso 8348/2003;

- a anulação da decisão de 3.12.2002 que impediu os vogais do Júri Profs Martim e Carlos ……. de exercerem o seu direito de voto, com o erróneo fundamento de estar aposentados, e da subsequente deliberação dos restantes membros do Júri apreciaram as candidaturas e ordenaram em 1° lugar o candidato Prof Dr António ………… para provimento no lugar em causa;

- a anulação da nomeação do candidato Prof Dr António ……….. para o lugar a prover;

- a retoma dos trabalhos do Júri a partir da prática do acto invalidante, com nova reunião do Júri, na sua composição original fixada pelo Edital n°744/2002, para análise da pronúncia do candidato António ……….sobre a ordenação de candidatos aprovada na 2ª reunião, realizada a 29.7.2002, a aprovação do processo de votação, a votação das candidaturas (excluindo forçosamente a do candidato Fernando …….entretanto aposentado) e ordenação dos restantes candidatos;

- e a nomeação do candidato no lugar a provimento no concurso.

Confrontado o supra exposto com a factualidade apurada, verifica-se não ter o Executado cumprido na íntegra a execução de sentença.

Com efeito, não obstante não se verificar qualquer irregularidade na composição do Júri reunido em 8.11.2011, com a ausência de um dos seus membros, dado estar garantido o quorum deliberativo, já o mesmo não se pode asseverar relativamente à valoração, votação e ordenação em 2° lugar da candidatura do Prof Fernando ……..já aposentado há largos anos, e, nessa medida, insusceptível de ser candidato à data da reunião ocorrida em 8.11.2011.

Verifica-se, pois, um erro nos pressupostos de facto desta nova deliberação, o qual é essencial e por isso invalidante do novo acto em análise.

Por outro lado, carece em absoluto de fundamento legal a manutenção do provimento do Prof António ……….. no lugar em concurso, após a invalidação do acto que o ordenou em 1.º lugar. Os argumentos esgrimidos pelo Executado a este propósito nos autos, por razões de aproveitamento de acto de nomeação, por esse ser um dos resultados finais possíveis, revelam-se improcedentes por inconsistência e ilógica. Com efeito, se todo o processo concursal foi anulado a partir da decisão ilegal de impedimento de dois membros do Júri do concurso participarem na votação, necessariamente todos os actos subsequentes foram contaminados e são ilegais, incluindo o da ordenação dos candidatos e o provimento do Prof António ………. no lugar a concurso, sancionado com a nulidade.

(…)

Na senda do exposto e ao abrigo do art. 179.º, n.º 1 e 2 do CPTA, anulo as deliberações do Júri do Concurso de 8.11.2011 e 9.1.2012, mais declarando nula a nomeação do Prof António ……….. no lugar a provimento, mantida ab initio.

Fixo o prazo de 60 dias para o Executado cumprir a sentença exequenda, procedendo a nova deliberação do Júri, expurgada dos vícios enunciados, seguida de todos os trâmites subsequentes até à prolação do acto de nomeação do candidato a ordenar em 1° lugar.

É tempo de ver se o assim decidido é de manter.

Nos termos do disposto no art. 173.º, n.º 1, do CPTA, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado. Ou seja, fica constituída no dever de dar corpo à modificação operada pela sentença, praticando os actos jurídicos e realizando as operações materiais necessários para colocar a situação, tanto no plano do Direito, como no plano dos factos, em conformidade com a modificação introduzida (cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação de actos administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, Coimbra, 2002, p. 39 e s.)

E nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar actos dotados de eficácia retroactiva que não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como no dever de remover, reformar ou substituir actos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação. Como ensinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, “inscreve-se neste último contexto o dever de remover as situações constituídas por actos administrativos subsequentes ao acto anulado cuja manutenção na ordem jurídica impeça a reconstituição da situação que deveria existir se esse acto não tivesse sido praticado: os chamados actos consequentes do acto anulado, a que se refere o artigo 133.º, n.º 2, alínea i), do CPA” (cfr. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª ed. 2010, p. 1119).

Sobre o alcance do caso julgado nas decisões anulatórias de actos administrativos, disse-se no Ac. do STA de 3.09.2010, proc. nº 1388A/03:

Já na vigência do DL 256-A/77, de 17.06, era entendimento da jurisprudência deste STA, designadamente do Pleno – cfr., entre outros, o ac. Pleno de 08.05.03, rec. 40821/A e, na doutrina, o Prof. Freitas do Amaral, Da execução das sentenças dos tribunais Administrativos, designadamente p. 36 a 45 e o Prof. Mário Aroso de Almeida, Sobre a autoridade do caso julgado das sentenças de anulação de actos administrativos, designadamente p. 127 e segs. -, que, de um modo geral, a execução das sentenças anulatórias dos tribunais administrativos impõe à Administração o dever de desenvolver uma actividade de execução por forma a pôr a situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão de provimento do recurso contencioso, o que se traduz em dois aspectos:

- por um lado, no dever de respeitar o julgado, conformando-se com o conteúdo da sentença e com as limitações que daí resultam para o eventual reexercício dos seus poderes (efeito preclusivo, inibitório ou conformativo);

- por outro lado, no dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se esse acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade que deu causa à anulação (princípio da reconstituição da situação hipotética actual ).

Constitui jurisprudência assente, que os limites objectivos do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos, seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que respeita ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo, determinam-se pelo vício que fundamenta a decisão (causa de pedir), pelo que «a eficácia de caso julgado anulatório se encontra circunscrita aos vícios que ditaram a anulação contenciosa do acto nada obstando, pois, a que a Administração, emita novo acto com idêntico núcleo decisório mas liberto dos referidos vícios.» - cfr., entre outros, acs. do Pleno da 1ª Secção de 21-6-91, Proc. 19 760, e de 29/1/97, Proc. 27 517, Apêndice..., pg. 111 e segs. e pg. 165 e segs., respectivamente e de 08.05.2003, rec. 40.821-A.

Ora, no caso em presença, o efeito conformativo do caso julgado foi ditado pela circunstância de a decisão administrativa anulada estar viciada por erro sobre os pressupostos de facto, na medida em que o apontado impedimento dos 2 membros do júri, que levou à reconstituição do júri do concurso documental para provimento de um lugar para professor catedrático do Departamento de Minas e de Georrecursos do Instituto Superior Técnico, não se verificava. Daí não se tornava necessário proceder à reconstituição do júri, nem tão-pouco anular todo o processo de concurso a partir da sua 1.ª reunião, como havia sido feito.

Assim, o efeito anulatório conformativo do caso julgado – o seu alcance – impunha a retoma dos trabalhos do Júri a partir da prática do acto invalidante, com nova reunião do Júri, este na sua composição original (fixada pelo Edital n.º 744/2002), para análise da pronúncia do candidato Prof. António Sousa sobre a ordenação de candidatos aprovada na 2.ª reunião, realizada a 29.07.2002, a aprovação do processo de votação, a votação das candidaturas e ordenação dos restantes candidatos e a nomeação do candidato no lugar a provimento no concurso. O mesmo é dizer que não foram afectados pelo caso julgado o acto de abertura do concurso e a aceitação das candidaturas apresentadas, bem como a sua aprovação em mérito absoluto e a sua ordenação efectuadas naquela 2.ª reunião.

Ora, perante o que vem provado, constata-se que os trabalhos do júri foram regularmente retomados, tendo sido convocada uma 3.ª reunião, com a composição fixada pelo Edital n.º 744/2002. Expurgando-se, deste modo, o vício que levou à anulação do acto então impugnado, o que se reconhece na sentença recorrida.

Posto isto, nesta nova reunião os membros do júri retomaram a análise das candidaturas apresentadas, dando satisfação ao referido dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal (princípio da reconstituição da situação hipotética actual). E é neste ponto, verdadeiramente, que assenta a divergência.

Entende a sentença, sumariamente, que a reconstituição hipotética actual levaria a que não poderia ser considerada a candidatura do Prof. Fernando …………, por entretanto se ter aposentado (em 2004) e, logo, não poder concorrer a qualquer lugar. Mas não podemos acompanhar esta conclusão.

Tratando-se de retomar os trabalhos do Júri no concurso de referência, não estando, portanto, em causa um novo procedimento concursal, estes haveriam de ter como objecto material a análise precisamente das mesmas candidaturas admitidas e já aprovadas em mérito absoluto (nas reuniões anteriores àquelas abrangidas pelo julgado anulatório). Pelo que, na 3.ª reunião, tal como alegado pelo Recorrente, não poderia o júri deixar de considerar a candidatura então admitida e aprovada em mérito absoluto do Professor Fernando ……….. Nessa sequência, a entidade executada substituiu o acto anulado, sem reincidir na ilegalidade anteriormente cometida, isto é, proferiu novo acto no respeito pelo caso julgado. Eventualmente a questão poderia colocar-se em caso de estarmos perante um concurso com um único candidato, o que levaria à impossibilidade da execução; mas, manifestamente, não é essa a situação.

Vejamos agora a questão atinente à manutenção da nomeação do Professor António ………..como Professor catedrático do IST da Universidade Técnica de Lisboa.

Esta questão, porém, como vem colocada, consubstancia uma situação de ilegalidade surgida apenas como reflexo do julgado anulatório, a qual não pode ser apreciada nestes autos, mas em acção autónoma. O cumprimento do dever de executar o efeito repristinatório da anulação circunscreve-se à reconstituição do statu quo ante, isto é, da situação inicial que existia no momento da intervenção ilegal (cfr. i.a., o ac. deste TCAS de 18.12.2014, proc. n.º 6811/10). Na verdade, esta actuação da Recorrente não contende, pelo menos directamente, com a retoma dos trabalhos e a nova ordenação dos candidatos. Sendo que a matéria de facto que se encontra assente e devidamente estabilizada não permite sequer indiciar qualquer interferência dessa circunstância quer nos trabalhos do júri, quer no acto final do procedimento.

E de acordo com a ordenação definitiva de candidatos, aprovada na 3.ª reunião do júri, certo é que o Professor António ………. veio a ser posicionado definitivamente em 1.º lugar. Donde, não se poderá falar da manutenção na ordem jurídica de um qualquer acto que impeça – ou que tenha objectivamente impedido – a reconstituição da situação que deveria existir se esse acto não tivesse sido praticado: a ilegalidade detectada no julgado anulatório foi sanada e a situação hipotética actual reconstituída.

Em correcta execução da decisão anulatória, o Executado, ora Recorrente, promoveu a retoma dos trabalhos pelo Júri do Concurso após a 2.ª reunião, com a composição original fixada no Edital n.º 744/2002 (à excepção do Prof. Serrano ……….., entretanto falecido, mas sem que o quórum fosse afectado), na qual veio a ordenar os candidatos pela seguinte ordem: 1° Prof. António ………., 2° Prof. Fernando ………, 3° Prof. António ……… e 4° Prof. José ……….. E em 9.01.2012, após o exercício do direito de audiência prévia e sua apreciação, o Júri deliberou manter a ordenação dos candidatos, ordenando em 1.° lugar o Prof. ………. para provimento do lugar a concurso.

Em conclusão, o acto exequendo deu, pois, cumprimento ao julgado em sede de sentença anulatória proferida no recurso contencioso de anulação sob o n.º 441/03, confirmada por acórdão do TCAS de 7.07.2011, no processo n.º 2490/07, que havia anulado o despacho de 30.05.2003 do Presidente do Júri do Concurso para provimento de um lugar de professor catedrático do Departamento de Engenharia de Minas e Georrecirsos do IST da Universidade Técnica de Lisboa.

Razões que determinam a procedência do recurso e a revogação da sentença recorrida que assim não decidiu, com a consequente absolvição da Entidade Executada e ora Recorrente do pedido executivo.



III. Conclusões

Sumariando:

i) A execução das sentenças anulatórias dos tribunais administrativos impõe à Administração o dever de desenvolver uma actividade de execução por forma a pôr a situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão de provimento do recurso contencioso, o que se traduz em dois aspectos: 1) dever de respeitar o julgado, conformando-se com o conteúdo da sentença e com as limitações que daí resultam para o eventual reexercício dos seus poderes (efeito preclusivo, inibitório ou conformativo); 2) dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se esse acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade que deu causa à anulação (princípio da reconstituição da situação hipotética actual).

ii) O cumprimento do dever de executar o efeito repristinatório da anulação circunscreve-se à reconstituição do statu quo ante, isto é, da situação inicial que existia no momento da intervenção ilegal.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a acção executiva improcedente, com a consequente absolvição do ora Recorrente do pedido.

Custas pelo Recorrido, em ambas as instâncias.

Lisboa, 16 de Abril de 2015

Pedro Marchão Marques
Rui Pereira

Cristina Santos