Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:379/22.3 BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:02/08/2024
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:TÉCNICOS DE DIAGNÓSTICO E TERAPÊUTICA
AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO
MENÇÃO DE “SATISFAZ”
ARTIGO 18º, Nº 3 DA LOE PARA 2018
Sumário:I– Mantendo-se vigente à data da entrada em vigor do LOE para 2018, o artigo 113º da LVCR, nomeadamente o seu nº 5, que era aplicável ao sistema de avaliação de desempenho previsto no DL nº 564/99, de 21/12, nomeadamente a remissão desta norma para a alínea d) do nº 2 desse mesmo artigo 113º, daí resulta inequivocamente a atribuição de 1,5 pontos por cada ano de prestação de serviço avaliado com a menção de “Satisfaz” e de -1 ponto em cada ano de prestação de serviço avaliado com a menção de “Não satisfaz”.
II– A sentença recorrida interpretou correctamente o direito, ao aplicar ao caso o nº 3 do artigo 18º da LOE para 2018 aos anos de 2004 a 2017, em que a recorrida viu o seu desempenho profissional avaliado com a menção de “Satisfaz” porquanto havia à data (2018) um regime vigente que garantia a diferenciação de desempenhos para efeitos (não directamente de avaliação), mas de alteração de posicionamento remuneratório: o da alínea d) do nº 2 do artigo 113º da Lei nº 12-A/2008, de 31 de Dezembro (LVCR), aplicável “ex vi” do nº 5 do citado artigo, sob a epígrafe “Relevância das avaliações na alteração do posicionamento remuneratório e nos prémios de desempenho”, tal como previsto no último segmento da norma do nº 3 do artigo 18º da LOE 2018.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL – SUBSECÇÃO SOCIAL

I. RELATÓRIO
1. C……………., com os sinais dos autos, intentou no TAF de Almada contra o Centro Hospitalar de Setúbal, EPE, uma acção administrativa em que impugna o acto que determinou a atribuição de 1 ponto por cada avaliação de desempenho de “Satisfaz” entre 2004 e 2017 e, consequentemente, o acto que determinou o seu reposicionamento remuneratório na posição remuneratória 2 e nível remuneratório 19 da nova tabela remuneratória da Lei nº 34/2021, de 8 de Junho, imputando-lhes diversos vícios de violação de lei, terminando a pedir a condenação do réu (i) a reconhecer o direito à atribuição de 1,5 pontos por cada ano avaliado com a menção qualitativa de “Satisfaz” entre os anos de 2004 e 2021; e (ii) a anulação ou a declaração de nulidade do acto que determinou a atribuição de um ponto por cada ano, no período compreendido entre 2004 a 2017, e do acto que determinou o reposicionamento remuneratório da autora na posição remuneratória 2 e nível remuneratório 19; e (iii) a condenação da entidade demandada a atribuir 1,5 pontos por cada ano avaliado com a menção qualitativa de “Satisfaz” entre os anos de 2004 a 2021, num total de 27 pontos e, consequentemente, a reposicionar a autora na 3ª posição remuneratória da categoria de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, a que corresponde o nível 23 da tabela remuneratória única para 2022 (conservando 7 pontos para futura alteração de posicionamento remuneratório), com efeitos retroactivos a 1 de Janeiro de 2022, procedendo igualmente ao processamento dos respectivos diferenciais remuneratórios com efeitos reportados àquela data.
2. O TAF de Almada, por sentença datada de 19-10-2023, julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a entidade demandada a reapreciar o procedimento de transição e reposicionamento remuneratório da autora, considerando a atribuição de 1,5 pontos em cada um dos anos em que este obteve a menção qualitativa “Satisfaz” na sua avaliação de desempenho, com as respectivas consequências legais, nomeadamente, no que respeita ao pagamento retroactivo das diferenças salariais devidas desde o dia 1-1-2022.3. Inconformado, o Centro Hospitalar de Setúbal, EPE, interpôs recurso de apelação para este TCA Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:
1ª – O douto Tribunal a quo errou ao condenar o recorrente a atribuir à recorrida 1,5 pontos, a partir de 2009, por cada um dos anos em que tenha tido a menção de “Satisfaz” na avaliação de desempenho;
2ª – A avaliação da carreira de Técnicos de Superiores de Diagnóstico e Terapêutica rege-se por sistema de avaliação adaptado do SIADAP a aprovar por portaria no prazo de 90 dias, que nunca foi publicada;
3ª – Desta forma, e ao abrigo do artigo 22º do DL nº 111/2017, a avaliação da recorrida deve ser feita ao abrigo do DL nº 564/99, que regulava a antiga carreira de técnico de diagnóstico e terapêutica;
4ª – Sendo que, nos termos do artigo 20º do DL nº 565/99, a avaliação do desempenho exprime-se pelas menções de “Satisfaz” e “Não Satisfaz”;
5ª – Aqui chegados, refira-se que a avaliação do desempenho na Administração Publica rege-se pela Lei nº 66-B/2007, que, no seu nº 3 do artigo 3º, estabelece que podiam ser realizadas adaptações ao regime previsto naquela lei em razão, entre outras, das carreiras do pessoal;
6ª – Adaptações que deviam respeitar a diferenciação de desempenhos respeitando o número mínimo de menções previstas na lei, que, como resulta do nº 4 do artigo 50º da Lei nº 66-B/2007, correspondem a “Relevante”, “Adequado” e “Inadequado”, e que deveriam ter ocorrido no caso da carreira de técnicos de diagnóstico e terapêutica, nos temos do artigo 19º do DL nº 111/2017;
7ª – Porém, como tal nunca aconteceu, manteve-se a avaliação do desempenho através das menções de “Satisfaz” e “Não Satisfaz”, previstas nos termos do artigo 20º do DL nº 565/99;
8ª – Nos termos do nº 4 do artigo 86º da Lei nº 66-B/2007, os sistemas de avaliação específicos deveriam manter-se em vigor até à sua revisão para adaptação ao disposto na referida lei, a qual deveria ocorrer até 31.12.2008, sob pena de caducidade;
9ª – Aí se incluindo o regime específico de avaliação previsto no DL nº 564/99 que, por inexistência de adaptação se encontra caducado desde aquela data, com todas as implicações que daí advieram;
10ª – Nos termos dos nºs 1 e 3 do artigo 18º da LOE 2018, aprovada pela Lei nº 114/2017, de 29 de Dezembro, passou a ser permitida a efectivação de valorizações e acréscimos remuneratórios dos trabalhadores de sector público «[c]ujo desempenho tenha sido avaliado com base em sistemas de avaliação de desempenho sem diferenciação do mérito, nomeadamente sistemas caducados, para garantir a equidade entre trabalhadores, é atribuído um ponto por cada ano ou a menção qualitativa equivalente sem prejuízo de outro regime legal vigente à data, desde que garantida a diferenciação de desempenhos»;
11ª – Pelo que, no seguimento da referida norma da LOE 2018 e das caducidades já indicadas, a recorrida apenas tem direito à atribuição de 1 ponto, e não 1,5 pontos, desde 2009 por cada menção «Satisfaz»”.
4. Por seu turno, a autora apresentou contra-alegação, na qual formulou as seguintes conclusões:
1º - Não merece acolhimento o entendimento do recorrente, de que o sistema de avaliação de desempenho dos Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica previsto no Decreto-Lei nº 564/99 se encontra caducado por falta de adaptação, conforme determinado pelo nº 4 do artigo 86º da Lei nº 66-B/2007, impondo que a situação da recorrida é apenas enquadrável no nº 3 do artigo 18º da Lei do Orçamento de Estado para 2018, e que o regime transitório relativo a alterações de posicionamento remuneratório e prémios de desempenho constantes do artigo 113º da Lei nº 12-A/2008, o qual foi mantido em vigor pela alínea c) do nº 1 do artigo 42º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, apenas abrange o período de 2004 a 2008, porquanto o sistema de avaliação previso no Decreto-Lei nº 564/99, conjugado com o disposto no nº 2 do artigo 86º da Lei nº 66-B/2007 caducou em 31.12.2008.
2º - Nos termos bem ajuizados pelo Tribunal a quo, e conforme defendido na petição inicial, o sistema de avaliação do desempenho aplicável à autora, previsto no Decreto-Lei nº 564/99, de 21/12 não está caducado, estando sim plenamente vigente por força do disposto no nº 2 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 111/2017, de 31 de Agosto.
3º - Ainda que o Tribunal a quo tenha considerado que aquele sistema de avaliação não assenta no princípio da diferenciação, por não distinguir o mérito dos trabalhadores, concluiu acertadamente e sem margem para censura, que daí não se pode retirar o entendimento de que a autora cai no âmbito de aplicação do nº 3 do artigo 18º a LOE 2018, pois o que se retira deste preceito é que a atribuição de 1 ponto se circunscreve a trabalhadores abrangidos por sistemas de avaliação do desempenho “sem diferenciação do mérito, nomeadamente caducados”.
4º - Além de o sistema de avaliação de desempenho aplicável à autora não estar caducado, à data da entrada em vigor do artigo 18º da LOE existia e estava vigente um regime legal que garantia a diferenciação de desempenhos para efeitos, não de avaliação, mas de alteração de posicionamento remuneratório – o da alínea d) do nº 2 do artigo 113º da Lei nº 12-A/2008, de 31 de Dezembro, aplicável ex vi do artigo 5º da mesma Lei – pois embora em 31.08.2017 viesse a ser finalmente publicado o Decreto-Lei nº 111/2017, que procedeu à revisão da carreira especial de técnico de diagnóstico em terapêutica, aqui em causa, tal revisão não teve efeitos a nível do sistema remuneratório e de progressão na carreira (nem a nível da avaliação de desempenho), por via do disposto nos artigos 19º, 20º, nº 2 e 22º, nº 2 do Decreto-Lei nº 111/2017, pois em 2018 ainda não haviam sido regulamentadas essas matérias que nos termos previstos neste decreto-lei careçam de regulamentação.
5º - Ou seja, à data da entrada em vigor da LOE para 2018 estava em vigor o artigo 113º da LVCR, nomeadamente o seu nº 5, incontroversamente aplicável ao sistema de avaliação de desempenho previstos no DL nº 564/99, de 21/12, e a remissão desta norma para a alínea d) do nº 2 desse mesmo artigo 113º, do que resulta a atribuição de 1,5 pontos a cada ano de prestação de serviço avaliado com a menção de “Satisfaz” e de -1 ponto em cada ano de prestação de serviço avaliado com a menção de “Não satisfaz”.
6º - Esta conclusão não pode ser infirmada, nem o recorrente logrou fazê-lo, face à douta fundamentação da sentença a quo, ancorada na jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, a qual interpreta e conjuga de forma inabalável todos os diplomas e disposições legais que são necessários convocar para proceder a uma correcta análise do caso concreto, designadamente os artigos 47º a 48º, 101º e 113º Lei nº 12-A/2008 (LVCR), artigo 18º, nº … da LOE 2009, 21º da LOE 2010, 35º, nº 1, alínea b), i) da LOE 2011, artigo 20º, nº 1 da LOE 2012, artigo 34º, nº 2, alínea b) LOE 2013, artigo 34º, nº 2, alínea b) da LOE 2014, artigo 41º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 34/2014, de 20/6, e ainda os artigos 20º a 22º do Decreto-Lei nº 111/2017, de 31/12.
7º - Da análise dos dispositivos supra identificados, os quais foram transcritos e devidamente interpretados e conjugados pelo Tribunal a quo, resulta claro que, para carreiras como aquela em que a autora se integra, que mantivessem, em 2018, um sistema de avaliação vigente e à qual fosse aplicável norma legal que assegura a diferenciação de mérito para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório – em concreto, o disposto nos nºs 2, 4 e 5 do artigo 113º da LVCR – a primeira parte do artigo 18º, nº 3 não se aplicaria.
8º - Face ao exposto, em resultado da avaliação de desempenho realizada nos termos do Decreto-Lei nº 564/99, de 21 de Dezembro, devem ser atribuídos à autora e a todos os trabalhadores nas mesmas circunstâncias, 1,5 pontos por cada ano de avaliação, desde o ano de 2009 em diante, de acordo com o disposto no nº 2, alínea d), ex vi do nº 5, do artigo 113º da LVCR, mantido em vigor pelo artigo 41º, nº 1, alínea b), da Lei nº 35/2014, pelo que ao pugnar pelo entendimento de que a contabilização dos pontos para efeitos de aplicação do descongelamento deveria ser feita de acordo com o artigo 18º, nº 3 da LOE, o recorrente afasta erradamente a aplicabilidade da alínea d) do nº 2 do artigo 113º da Lei nº 12-A/2008, ex vi do nº 5 da mesma Lei.
9º - As alegações apresentadas pelo recorrente assentam numa leitura cega e numa interpretação errada do artigo 18º, nº 3 da LOE; a argumentação do recorrente, de que o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 113º da LVCR é exclusivamente aplicável aos anos de 2004 a 2008 ignora a interpretação do quadro jurídico aplicável à situação dos autos e de modo algum abala o julgamento do aresto em recurso.
10º - Tendo em conta a pretensão da autora em causa nos presentes autos, releva mencionar o Decreto Legislativo Regional nº 21/2022/A, de 26 de Agosto de 2022, aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores em 6 de Julho de 2022 e vigente desde 27 de Agosto de 2022, aplicável aos trabalhadores TSDT, em exercício de funções na administração pública regional e no sector público empresarial da Região Autónoma dos Açores, mediante vínculo de emprego público por tempo indeterminado, o qual veio expressamente consagrar o direito que a autora pretendeu ver reconhecido na presente acção – a atribuição de 1,5 pontos por ano de desempenho desde o ano de 2009 em diante.
11º - A consagração expressa, para os TSDT em exercício de funções na Região Autónoma dos Açores, do direito que à autora aqui foi reconhecido pela sentença recorrida comprova, por um lado, a inequívoca ilegalidade da actuação da Administração ao atribuir-lhe apenas 1 ponto desde o ano de 2009 em diante, e por outro lado a inequívoca legalidade da decisão recorrida, na medida em que dela se infere uma correcta interpretação da lei e o apoio e promoção da igualdade de tratamento, não só entre trabalhadores de carreiras especiais com conteúdo funcional semelhante, do sector da saúde (conforme oportunamente se invocou em sede de petição inicial, com recurso a juízo comparativo com a carreira de enfermagem), como a igualdade entre trabalhadores da mesma carreira, que vêm sendo tratados de forma desigual apenas por exercerem funções em diferentes locais do mesmo país.
12º - A interpretação da Lei que o réu quer fazer valer viola o princípio da legalidade, por errada interpretação e aplicação do quadro normativo vigente e aplicável, viola o princípio da igualdade de tratamento, consagrado em termos gerais no artigo 13º da CRP e com específica menção à actuação administrativa no artigo 266º, nº 2 da CRP, e viola o direito da autora à carreira, enquanto corolário dos princípios do direito ao trabalho e de acesso à função pública, pois promove o inevitável retardar de ulteriores alterações do posicionamento remuneratório obrigatórias, comprometendo as legítimas aspirações de progressão na carreira dos trabalhadores como a autora, bem como a impossibilidade de alguns dos trabalhadores de atingir as posições remuneratórias superiores da categoria a que pertencem.
13º - É inequívoco que, da interpretação do quadro normativo aplicável à situação dos autos, resulta que o nº 3 do artigo 18º do LOE não é aplicável à situação concreta da autora, pelo que não merece censura o julgamento da sentença a quo ao concluir que a autora tem direito à atribuição de 1,5 pontos por cada ano em que obteve a menção de “Satisfaz” em sede de avaliação de desempenho, por força do disposto no artigo 113º, nº 3, alínea d) da Lei nº 12-A/2008, ex vi do nº 5 da mesma Lei, devendo improceder os erros de julgamento que lhe são imputados pelo Recorrente e assim as alegações contidas em A) a S) das conclusões de recurso.
14º - Confia a recorrida que também assim concluirá este Venerando Tribunal Central, seguindo a jurisprudência que vem sendo emanada do Tribunal Central Administrativo Norte em situações em tudo semelhantes à dos presentes autos e sobre a questão de direito que também aqui está em causa, pois além do acórdão já junto aos autos, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte a 23.06.2022, foi também já proferido pelo mesmo Tribunal superior, que se conheça, pelo menos mais dois acórdãos no mesmo sentido, que se juntam às presentes contra-alegações.
15º - Considerando que não se verificam os erros de julgamento assacados à sentença recorrida, nos termos e pelos fundamentos supra expostos, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por manifesta falta de fundamentação de direito atendível, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida, assim se fazendo, inteira Justiça!”.
5. Remetidos os autos a este TCA Sul, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 146º do CPTA, tendo o Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitido douto parecer, no qual sustenta que o recurso não merece provimento.
6. Colhidos os vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR
7. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3, todos do CPCivil, “ex vi” artigo 140º do CPTA, não sendo lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
8. E, tendo em conta as conclusões formuladas pelo recorrente Centro Hospitalar de Setúbal, EPE, impõe-se apreciar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito, ao concluir que a autora tinha direito à atribuição de 1,5 pontos por cada ano em que obteve a menção qualitativa de “Satisfaz”, quando devia ter concluído que, por força do artigo 18º, nºs 1 e 3 da LOE 2018, aprovada pela Lei nº 114/2017, de 29 de Dezembro, o recorrido teria apenas direito à atribuição de 1 ponto, e não 1,5 pontos.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
9. Por não ter sido objecto de impugnação, nem ser caso de alteração da matéria de facto, remete-se para os factos dados como assentes pela sentença recorrida, nos termos do nº 6 do artigo 663º do CPCivil.

B – DE DIREITO
10. As questões suscitadas no presente recurso pelo recorrente Centro Hospitalar de Setúbal, EPE, não são novas e já foram objecto de apreciação em pelo menos dois arestos do TCA Norte, mormente os acórdãos de 23-6-2022, proferido no âmbito do processo nº 490/19.8BEAVR, e no de 27-1-2023, proferido no âmbito do processo nº 356/19.1BECBR (onde foi analisada a situação de duas técnicas superiores de diagnóstico e terapêutica, que também clamavam pela pontuação devida – e decorrente da avaliação de desempenho – e pelo correspondente reposicionamento remuneratório, e cuja pretensão foi indeferida com fundamento no facto do artigo 18º, nºs 1 e 3 da LOE 2018, aprovada pela Lei nº 114/2017, de 29 de Dezembro, apenas permitir o direito à atribuição de 1 ponto, e não 1,5 pontos, no período em causa) e, muito recentemente, nos acórdãos deste TCA Sul, de 23-11-2023, proferido no âmbito do processo nº 2523/22.1BELSB, de 19-12-2023, proferido no âmbito do processo nº 1327/22.6BELSB, e de 25-1-2024, proferido no âmbito do processo nº 420/22.0BEALM, que tivemos a oportunidade de relatar.
11. A sentença recorrida, aderindo à fundamentação constante dos aludidos acórdãos do TCA Norte, reconheceu a pretensão da autora, julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a entidade demandada a reconhecer que aquela tem direito à atribuição de 1,5 pontos por cada ano de trabalho avaliado com a menção qualitativa de “Satisfaz” entre os anos de 2004 e 2021 e, em consequência, a atribuir-lhe 1,5 pontos por cada ano avaliado com essa menção qualitativa de “Satisfaz”, mais condenando a demandada a proceder ao pagamento à autora dos respectivos diferenciais remuneratórios, com efeitos reportados a 1-1-2022.
E, adianta-se já, que decidiu correctamente.
12. O acórdão deste TCA Sul, de 23-11-2023, proferido no âmbito do processo nº 2523/22.1BELSB, que tivemos a oportunidade de relatar, fez uma exaustiva análise da questão controvertida, tendo concluído nos seguintes termos:
(…)
A autora/recorrente, profissional da carreira de técnico superior de diagnóstico e terapêutica, vem intentar acção administrativa contra o Ministério da Defesa Nacional – Exército Português, na qual impugna a decisão administrativa que lhe reconheceu apenas 17,5 pontos para efeitos de alteração obrigatória da sua posição remuneratória e peticiona que o recorrido/réu seja condenado a reconhecer-lhe 24 pontos para esse efeito.
O que está em causa na presente acção é a atribuição de pontos para alteração do posicionamento remuneratório no âmbito do descongelamento das progressões nos vínculos laborais públicos, operada pela Lei do Orçamento de Estado (LOE) para 2018.
O TAF julgou a acção improcedente, concluindo, com os fundamentos expostos na sentença, que a contabilização dos pontos atribuídos à Autora, para efeitos de alteração obrigatória do seu posicionamento remuneratório, ao abrigo do regime introduzido pela LOE/2018, reconhecendo-lhe um total de 17,5 pontos, mostra-se correctamente efectuada, nos termos legais.
Do erro de julgamento por errada interpretação e aplicação da alínea d) do nº 2 do artigo 113º da LVCR, por remissão do nº 5 do mesmo normativo e do disposto no nº 3 do artigo 18º da LOE 2018.
Insurge-se a recorrente contra a sentença por esta ter considerado correcto que o réu tenha atendido ao disposto no artigo 18º, nº 3 da LOE 2018, que foi aplicado, no seu caso concreto, a partir de 2011 e não ao disposto no artigo 113º, nº 2, alínea d), em conjugação com o nº 5, ambos da LVCR (o que levaria ao cômputo de 24 pontos, conforme propugnado pela autora/recorrente).
Vejamos.
Com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2011 (LOE 2011, aprovada pela Lei nº 55-A/2010, de 31/12), em 1-1-2011, e por via do seu artigo 24º, foram implementadas regras específicas no sentido da proibição de valorizações remuneratórias e da determinação do posicionamento remuneratório dos trabalhadores que exercem funções públicas, regras essas que se foram mantendo em vigor nas sucessivas leis orçamentais [cfr. artigo 20º, nº 1 da Lei nº 64-B/2011, de 30/12 (LOE/2012); no ano de 2013 pelo artigo 35º da Lei nº 66-B/2012, de 31/12 (LOE/2013); no ano de 2014 pelo artigo 39º da Lei nº 83-C/2013, de 31/12 (LOE/2014); no ano de 2015 pelo artigo 38º da Lei nº 82-B/2014, de 31/12 (LOE/2015); no ano de 2016 pelo artigo 18º, nº 1, da Lei nº 7-A/2016, de 30/03 (LOE/2016); e no ano de 2017 pelo artigo 19º, nº 1, da Lei nº 42/2016, de 28/12 (LOE/2017)].
Contudo, a Lei do Orçamento do Estado para 2018 (LOE 2018), aprovada pela Lei nº 114/2017, de 29/12, que entrou em vigor em 1-1-2018, veio permitir as valorizações e acréscimos remuneratórios que antes tinham sido vedados e proibidos por estas leis orçamentais sucessivamente em vigor. Regulando os termos em que essas valorizações passariam a ser possíveis.
O artigo 18º da LOE 2018, com a epígrafe “Valorizações remuneratórias”, veio dispor o seguinte:
“1 – Para os titulares dos cargos e demais pessoal identificado no nº 9 do artigo 2º da Lei nº 75/2014, de 12 de Setembro, são permitidas, nos termos dos números seguintes, a partir do dia 1 de Janeiro de 2018 e não podendo produzir efeitos em data anterior, as valorizações e acréscimos remuneratórios resultantes dos seguintes actos:
a) Alterações obrigatórias de posicionamento remuneratório, progressões e mudanças de nível ou escalão;
b) Promoções, nomeações ou graduações em categoria ou posto superiores aos detidos, incluindo nos casos em que dependam da abertura de procedimentos concursais para categorias superiores de carreiras pluricategoriais, gerais ou especiais, ou, no caso das carreiras não revistas e subsistentes, incluindo carreiras e corpos especiais, para as respectivas categorias de acesso.
2 – Aos trabalhadores cujo desempenho não tenha sido avaliado, designadamente por não aplicabilidade ou não aplicação efectiva da legislação em matéria de avaliação do desempenho, e sem prejuízo do disposto no artigo 42º da Lei nº 66-B/2007, de 28 de Dezembro, nas situações por este abrangidas, é atribuído um ponto por cada ano não avaliado, ou menção qualitativa equivalente, nos casos em que este seja o tipo de menção aplicável, sem prejuízo de outro regime legal vigente à data.
3 – Aos trabalhadores cujo desempenho tenha sido avaliado com base em sistemas de avaliação de desempenho sem diferenciação do mérito, nomeadamente sistemas caducados, para garantir a equidade entre trabalhadores, é atribuído um ponto por cada ano ou a menção qualitativa equivalente sem prejuízo de outro regime legal vigente à data, desde que garantida a diferenciação de desempenhos.
4 – O número de pontos atribuído ao abrigo dos números anteriores é comunicado pelo órgão ou serviço a cada trabalhador, com a discriminação anual e respectiva fundamentação.
(…)
6 – Nas alterações obrigatórias do posicionamento remuneratório a efectuar após a entrada em vigor da presente lei, quando o trabalhador tenha acumulado até 31 de Dezembro de 2017 mais do que os pontos legalmente exigidos para aquele efeito, os pontos em excesso relevam para efeitos de futura alteração do seu posicionamento remuneratório.
7 – As valorizações remuneratórias resultantes dos actos a que se refere a alínea a) do nº 1 produzem efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2018, sendo reconhecidos todos os direitos que o trabalhador detenha, nos termos das regras próprias da sua carreira, que retoma o seu desenvolvimento.
(…)
13 – Os actos praticados em violação do disposto no presente artigo são nulos e fazem incorrer os seus autores em responsabilidade civil, financeira e disciplinar”.
Importa determo-nos sobre o nº 3 deste artigo 18º que, quer a Administração quer a sentença, consideraram aplicável ao caso da autora, que dispõe que aos trabalhadores cujo desempenho tenha sido avaliado com base em sistemas de avaliação de desempenho sem diferenciação do mérito, nomeadamente sistemas caducados, para garantir a equidade entre trabalhadores, é atribuído um ponto por cada ano ou a menção qualitativa equivalente sem prejuízo de outro regime legal vigente à data, desde que garantida a diferenciação de desempenhos.
Ora, nos termos expostos pela sentença recorrida e aceites pela recorrente, integrada na carreira especial de TSDT, a avaliação do seu desempenho, é, no período controvertido e à data da decisão impugnada nestes autos, o regulado no Capítulo IV do Decreto-Lei nº 564/99, de 21/12, que prevê um sistema de avaliação do desempenho ainda não caducado (o que só ocorre com a aprovação do regulamento a que alude o artigo 19º do Decreto-Lei nº 111/2007, que defina o novo sistema de avaliação do desempenho aplicável a esta carreira especial, adaptado do SIADAP), estando em vigor por força do disposto no nº 2 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 111/2017.
O diploma em causa consagra um sistema de avaliação do desempenho sem diferenciação de mérito, uma vez que, como muito bem se explica na sentença, parte de uma avaliação contínua do trabalho desenvolvido pelo técnico superior de diagnóstico e terapêutica, com a correspondente atribuição periódica de uma menção qualitativa, a qual se exprime, unicamente, pelas menções de Satisfaz (avaliação positiva) e Não satisfaz (avaliação negativa).
Tal como refere a sentença, referindo-se ao Decreto-Lei nº 564/99, de 21/12:
Ora, este diploma legal, ao invés do defendido pela autora, consagra um sistema de avaliação do desempenho sem diferenciação de mérito, uma vez que, como vimos supra, parte de uma avaliação contínua do trabalho desenvolvido pelo técnico superior de diagnóstico e terapêutica, com a correspondente atribuição periódica de uma menção qualitativa, a qual se exprime, unicamente, pelas menções de “Satisfaz” (avaliação positiva) e “Não satisfaz” (avaliação negativa). Atenta a configuração deste sistema de avaliação aplicável à carreira de TSDT, não estamos em presença de um sistema que implica a diferenciação de desempenhos numa perspectiva de maximização da qualidade dos serviços prestados, ainda que com base na fixação de percentagens máximas para atribuição das classificações mais elevadas.
De facto, este tipo de sistema de avaliação do desempenho – que assenta na diferenciação e reconhecimento do mérito e excelência dos trabalhadores – é o que se encontra previsto para a generalidade dos trabalhadores em funções públicas, como decorre, desde logo, do artigo 75º da Lei nº 66-B/2007, de 28/12, que aprovou o sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na administração pública (SIADAP) (e já decorria igualmente do artigo 15º da então vigente Lei nº 10/2004, de 22/3). Aqui, existe uma clara diferenciação de desempenhos, com respeito por um número mínimo de menções de avaliação (desempenho excelente, desempenho relevante, desempenho adequado e desempenho inadequado) e pelo valor das percentagens máximas previstas na referida lei (nos termos do seu artigo 75º, nº 1, “a diferenciação de desempenhos é garantida pela fixação da percentagem máxima de 25% para as avaliações finais qualitativas de Desempenho relevante e, de entre estas, 5% do total dos trabalhadores para o reconhecimento de Desempenho excelente”)”.
Fim da transcrição.
Contudo, tal não significa (e nesta parte não acompanhamos a sentença) que a autora caia no âmbito de aplicação do nº 3 do artigo 18º da LOE/2018.
Isto porque o próprio nº 3 deste artigo 18º expressamente exclui a sua aplicação quando “exista outro regime legal vigente à data desde que garantida a diferenciação de desempenhos.” e, na verdade, existia à data da entrada em vigor da LOE2018, um regime que garantia a diferenciação de desempenhos para efeitos, não de avaliação, mas de alteração de posicionamento remuneratório: o da alínea d) do nº 2 do artigo 113º da Lei nº 12-A/2008, de 31 de Dezembro (LVCR), aplicável “ex vi” do nº 5 da mesma Lei, sob a epígrafe “Relevância das avaliações na alteração do posicionamento remuneratório e nos prémios de desempenho”.
Senão vejamos.
A Lei nº 12-A/2008, publicada em 27-2-2008 (LVCR, doravante) veio definir o novo regime de vinculação de carreiras e de remunerações dos trabalhadores da Administração Pública e introduziu uma profunda reforma no regime de carreiras e remunerações na Administração Pública, alterando significativamente, a regulação da relação jurídica de emprego público.
Previa-se na referida LVCR, para além do mais, que a relação jurídica de emprego público se estabelecia por nomeação, por contrato de trabalho em funções públicas ou ainda por comissão de serviço, criando três carreiras do regime geral e consagrando também novas regras que disciplinavam a progressão na categoria por alteração do posicionamento remuneratório, passando esta a ser feita de acordo com o disposto nos artigos 47º (regra), 46º (opção gestionária) e 48º (excepção), e encontrando-se indissociavelmente ligada, ao contrário do que até então era estipulado, à avaliação do desempenho dos trabalhadores.
Importa atender ao disposto na norma transitória constante do artigo 113º da LVCR, com a epígrafe “Relevância das avaliações na alteração do posicionamento remuneratório e nos prémios de desempenho”, a qual incidiu sobre o período de tempo decorrido entre o início da proibição da contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão nas categorias (instituído pela Lei nº 43/2005, de 29/8), que durou até 31-12-2007, e a entrada em vigor da LVCR (1-3-2008), muito concretamente ao disposto na alínea d) do seu nº 1 e no seu nº 5.
O artigo 113º da LVCR estabelece o seguinte:
“1 – Para efeitos do disposto nos nºs 1 e 6 do artigo 47º e no nº 1 do artigo 75º, as avaliações dos desempenhos ocorridos nos anos de 2004 a 2007, ambos inclusive, relevam nos termos dos números seguintes, desde que cumulativamente:
a) Se refiram às funções exercidas durante a colocação no escalão e índice actuais ou na posição a que corresponda a remuneração base que os trabalhadores venham auferindo;
b) Tenham tido lugar nos termos das Leis nºs 10/2004, de 22 de Março, e 15/2006, de 26 de Abril.
2 – Para efeitos do disposto no nº 6 do artigo 47º, e sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a relevância das avaliações do desempenho referida no número anterior obedece às seguintes regras:
a) Quando o sistema de avaliação do desempenho aplicado preveja cinco menções ou níveis de avaliação, o número de pontos a atribuir é de três, dois, um, zero e um negativo, respectivamente do mais para o menos elevado;
b) Quando o sistema de avaliação do desempenho aplicado preveja quatro menções ou níveis de avaliação, o número de pontos a atribuir é de dois, um, zero e um negativo, respectivamente do mais para o menos elevado;
c) Quando o sistema de avaliação do desempenho aplicado preveja três menções ou níveis de avaliação, o número de pontos a atribuir é de dois, um e um negativo, respectivamente do mais para o menos elevado;
d) Quando o sistema de avaliação do desempenho aplicado preveja duas menções ou níveis de avaliação, o número de pontos a atribuir é de um e meio para a menção ou nível correspondente a desempenho positivo e de um negativo para a menção ou nível correspondente a desempenho negativo.
3 – Quando tenha sido obtida menção ou nível de avaliação negativos, são atribuídos pontos nos seguintes termos:
a) Zero pontos quando tenha sido obtida uma única menção ou nível de avaliação negativos;
b) Um ponto negativo por cada menção ou nível de avaliação negativos que acresça à menção ou nível referidos na alínea anterior.
4 – Quando o sistema de avaliação do desempenho aplicado ao abrigo do nº 2 do artigo 2º e do nº 1 do artigo 4º da Lei nº 15/2006, de 26 de Abril, não estabelecesse percentagens máximas, em obediência ao princípio da diferenciação de desempenhos consagrado no artigo 15º da Lei nº 10/2004, de 22 de Março, os três e dois pontos previstos nas alíneas a) a c) do nº 2 são atribuídos tendo ainda em conta as seguintes regras:
a) No caso da alínea a), três pontos para as menções ou níveis de avaliação máximos mais elevados, até ao limite de 5 % do total dos trabalhadores, e dois pontos para as restantes menções ou níveis de avaliação máximos, quando os haja, e para os imediatamente inferiores aos máximos, até ao limite de 20% do total dos trabalhadores;
b) No caso das alíneas b) e c), dois pontos para as menções ou níveis de avaliação máximos mais elevados, até ao limite de 25% do total dos trabalhadores.
5 – Quando o sistema de avaliação do desempenho aplicado não permitisse a diferenciação prevista no número anterior, designadamente por não existirem classificações quantitativas, o número de pontos a atribuir obedece ao disposto na alínea d) do nº 2.
6 – Quando os sistemas específicos de avaliação de desempenho prevêem periodicidade de avaliação não anual, cada classificação ou menção de avaliação atribuída repercute-se em cada um dos anos decorridos no período avaliado.
7 – O número de pontos a atribuir aos trabalhadores cujo desempenho não tenha sido avaliado, designadamente por não aplicabilidade ou não aplicação efectiva da legislação em matéria de avaliação do desempenho, é o de um por cada ano não avaliado.
8 – O número de pontos atribuído ao abrigo do presente artigo é comunicado pelo órgão ou serviço a cada trabalhador, com a discriminação anual e respectiva fundamentação.
9 – Em substituição dos pontos atribuídos nos termos da alínea d) do nº 2 e dos nºs 5 a 7, a requerimento do trabalhador, apresentado no prazo de cinco dias úteis após a comunicação referida no número anterior, é realizada avaliação através de ponderação curricular, nos termos previstos no sistema de avaliação de desempenho dos trabalhadores da Administração Pública, aplicado com as necessárias adaptações, por avaliador designado pelo dirigente máximo do órgão ou serviço. (…)” (negrito nosso).
Por outro lado, e de acordo com o artigo 101º, nº 1, da LVCR, “as carreiras de regime especial e os corpos especiais são revistos no prazo de 180 dias por forma a que:
a) sejam convertidos, com respeito pelo disposto na presente lei, em carreiras especiais; ou
b) sejam absorvidos por carreiras gerais”.
Ou seja, quanto às carreiras especiais (na qual se incluía a carreira de técnico de diagnóstico e terapêutica), a sua progressão teria de estar subordinada aos princípios gerais consagrados na Lei nº 12-A/2008, de 27/2, mas a sua revisão estava dependente de legislação a aprovar no prazo de 180 dias, prazo que, todavia, veio a ser incumprido.
Ora, dada a morosidade na publicação da revisão desta carreira especial, veio a Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2009 (Lei nº 64-A/2008, de 31/12, que entrou em vigor em 1-1-2009) referir, no seu artigo 18º, nº 1, com a epígrafe “Revisão das carreiras, dos corpos especiais e dos níveis remuneratórios das comissões de serviço”, o seguinte:
“1 – Sem prejuízo da revisão que deva ter lugar nos termos legalmente previstos, mantêm-se as carreiras que ainda não tenham sido objecto de extinção, de revisão ou de decisão de subsistência, designadamente as de regime especial e os corpos especiais, bem como a integração dos respectivos trabalhadores, sendo que:
a) Só após tal revisão, tem lugar, relativamente a tais trabalhadores, a execução das transições através da lista nominativa referida no artigo 109º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, excepto no respeitante à modalidade de constituição da sua relação jurídica de emprego público e às situações de mobilidade geral do, ou no, órgão ou serviço;
b) Até ao início de vigência da revisão:
i) A portaria referida no nº 2 do artigo 68º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, fixa a actualização dos montantes pecuniários correspondentes aos índices remuneratórios para vigorar durante o ano de 2009;
ii) As carreiras em causa regem-se pelas disposições normativas actualmente aplicáveis, com as alterações decorrentes dos artigos 46º a 48º, 74º, 75º e 113º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro;
iii) O nº 3 do artigo 110º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, não lhes é aplicável, apenas o vindo a ser relativamente aos concursos pendentes na data do início da referida vigência”. (negrito nosso).
Este mesmo regime veio a ser mantido pelo artigo 21º da Lei do Orçamento do Estado para 2010 (aprovado pela Lei nº 3-B/2010, de 28/4).
Ou seja, nas Leis do Orçamento do Estado para 2009 e 2010, e porque, à data da sua entrada em vigor (1-1-2009 e 29-4-2010, respectivamente), ainda não tinha sido publicado o diploma que iria proceder à revisão da carreira (especial) de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, veio sucessivamente a ser consagrado que, até ao início da vigência do referido diploma de revisão, as carreiras especiais continuariam a disciplinar-se pelas disposições normativas que lhes eram próprias, mas com as modificações que decorriam da aplicabilidade dos artigos 46º a 48º e 113º da LVCR, ou seja, as alterações do posicionamento remuneratório continuavam dependentes da avaliação de desempenho, nos termos prescritos por estes últimos normativos.
E o mesmo sucedeu em 2011, com o disposto no parágrafo i) da alínea b) do nº 1 do artigo 35º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (LOE 2011).
E em 2012, com o disposto no nº 1 do artigo 20º da Lei nº 64-A/2011, de 30 de Dezembro (LOE 2012).
E em 2013, com o disposto no parágrafo i) da alínea b) do nº 2 do artigo 34º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro (LOE 2013).
E em 2014, com o disposto no parágrafo i) da alínea b) do nº 2 do artigo 34º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro (LOE 2014).
Entretanto, em 1-8-2014 entrou em vigor a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20/6, a qual procedeu à revogação da LVCR, incluindo as suas sucessivas alterações, mas com excepção das normas transitórias abrangidas pelos artigos 88º a 115º deste último diploma legal [artigo 42º, nº 1, alínea c)] – ou seja, manteve-se em vigor, para o que ora nos interessa, o disposto no artigo 113º da LVCR.
Estabelece o parágrafo i) da alínea b) do nº 1 do artigo 41º da Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, sob a epígrafe “Revisão das carreiras, dos corpos especiais e dos níveis remuneratórios das comissões de serviço” que até ao início da vigência da revisão das carreiras, as mesmas regem-se pelas disposições normativas aplicáveis em 31 de Dezembro de 2008, com as alterações decorrentes dos artigos 156º a 158º, 166º e 167º da LTFP e 113º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, na redacção actual.
Ou seja, o disposto no artigo 113º da Lei nº 12-A/2008 continuava em vigor à data da entrada em vigor da LOE 2018, uma vez que, embora em 31-8-2017, viesse a ser finalmente publicado o Decreto-Lei nº 111/2017, que procedeu à revisão da carreira especial aqui em escrutínio, carreira que passou a designar-se de carreira de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, tal revisão não teve efeitos a nível do sistema remuneratório e de progressão na carreira (nem a nível da avaliação de desempenho), por via do disposto nos artigos 19º, 20º, nº 2 e 22º, nº 2 do Decreto-Lei nº 111/2017, pois em 2018 ainda não haviam sido regulamentadas essas matérias que nos termos previstos neste decreto-lei careciam de regulamentação.
Assim é que, em sede de disposições finais e transitórias, os artigos 20º e 22º do Decreto-Lei nº 111/2017, de 31/12, estabelecem o seguinte:
“1 – É extinta a carreira de técnico de diagnóstico e terapêutica, criada nos termos do Decreto-Lei nº 564/99, de 21 de Dezembro.
2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, a transição dos trabalhadores integrados na carreira prevista no Decreto-Lei nº 564/99, de 21 de Dezembro, para a carreira especial de TSDT faz-se nos termos a definir no diploma que venha a estabelecer o regime remuneratório aplicável à carreira aprovada nos termos do presente decreto-lei, permanecendo os actuais trabalhadores na categoria actualmente detida, e continuando sujeitos ao mesmo conteúdo funcional.
3 – O disposto no número anterior abrange todos os profissionais integrados na carreira de técnico de diagnóstico e terapêutica ora extinta, independentemente da profissão em que se integrem, desde que elencada no artigo 2º do Decreto-Lei nº 320/99, de 11 de Agosto.
4 – Na transição para a carreira especial de TSDT nos termos previstos nos números anteriores, os trabalhadores são reposicionados de acordo com o regime estabelecido no artigo 104º da Lei nº 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, mantido em vigor pela alínea c) do nº 1 do artigo 42º da Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, alterada pelas Leis nºs 84/2015, de 7 de Agosto, 18/2016, de 20 de Junho, 42/2016, de 28 de Dezembro, e 25/2017, de 30 de Maio”.
“Artigo 22º
Norma revogatória
1 – É revogado o Decreto-Lei nº 564/99, de 21 de Dezembro.
2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, até à regulação das matérias que nos termos previstos no presente decreto-lei careçam de regulamentação, continua a aplicar-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto do Decreto-Lei nº 564/99, de 21 de Dezembro, designadamente, em matéria de tramitação dos procedimentos de recrutamento e selecção, avaliação do desempenho, normas de organização do tempo de trabalho, incluindo o regime de trabalho e condições da sua prestação e regime remuneratório”.
Continuou, portanto, a manter-se em vigor, para o que ora nos interessa, o disposto no artigo 113º da LVCR.
E, portanto, o nº 5 do artigo 113º da LVCR que manda aplicar o disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 113º da mesma Lei, estava vigente à data da entrada em vigor do artigo 18º do LOE 2018.
Vejamos novamente o que dispõem estes preceitos legais:
“5 – Quando o sistema de avaliação do desempenho aplicado não permitisse a diferenciação prevista no número anterior, designadamente por não existirem classificações quantitativas, o número de pontos a atribuir obedece ao disposto na alínea d) do nº 2”.
Ou seja, quando o sistema de avaliação de desempenho não ajustado ao SIADAP, não permite a diferenciação de desempenho, designadamente por não existirem classificações quantitativas (como é o caso do sistema de avaliação de desempenho estatuído no DL nº 564/99), o nº 5 do artigo 113º da LVCR manda aplicar o disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 113º da mesma Lei, que estabelece:
“d) Quando o sistema de avaliação aplicado preveja duas menções ou níveis de avaliação, o número de pontos a atribuir é de um e meio para a menção ou nível correspondente a desempenho positivo e de um negativo para a menção ou nível correspondente a desempenho negativo”.
Este regime desta alínea d) do nº 2 do artigo 113º da LVCR garante a diferenciação de desempenhos para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório.
Ele introduz, para efeitos de alteração remuneratória, como forma de assegurar a equidade entre trabalhadores, na progressão a diferenciação que o sistema de avaliação, nalguns casos, como o do sistema de avaliação de desempenho estatuído no DL nº 564/99, não permite fazer”.
13. Os fundamentos invocados no citado acórdão do TCA Sul encontram plena aplicação na situação reflectida nos presentes autos, já que aqui também está em causa a situação profissional duma técnica superior da área de diagnóstico e terapêutica, a atribuição de pontos pelas avaliações obtidas entre os anos de 2004 e 2021, e o eventual reposicionamento remuneratório decorrente do descongelamento operado pela LOE 2018.
14. Ora, como decorre do acima exposto, mantinha-se vigente à data da entrada em vigor do LOE para 2018, o artigo 113º da LVCR, nomeadamente o seu nº 5, que era aplicável ao sistema de avaliação de desempenho previsto no DL nº 564/99, de 21/12, nomeadamente a remissão desta norma para a alínea d) do nº 2 desse mesmo artigo 113º, daí resultando inequivocamente a atribuição de 1,5 pontos por cada ano de prestação de serviço avaliado com a menção de “Satisfaz” e de -1 ponto em cada ano de prestação de serviço avaliado com a menção de “Não satisfaz”.
15. Deste modo, a sentença recorrida interpretou correctamente o direito, ao aplicar ao caso o nº 3 do artigo 18º da LOE para 2018 aos anos de 2009 a 2020, em que a recorrida viu o seu desempenho profissional avaliado com a menção de “Satisfaz” porquanto havia à data (2018) um regime vigente que garantia a diferenciação de desempenhos para efeitos (não directamente de avaliação), mas de alteração de posicionamento remuneratório: o da alínea d) do nº 2 do artigo 113º da Lei nº 12-A/2008, de 31 de Dezembro (LVCR), aplicável “ex vi” do nº 5 do citado artigo, sob a epígrafe “Relevância das avaliações na alteração do posicionamento remuneratório e nos prémios de desempenho”, tal como previsto no último segmento da norma do nº 3 do artigo 18º da LOE 2018.
16. O que o nº 3 do artigo 18º da LOE para 2018 – que visava regular o posicionamento remuneratório no âmbito do descongelamento das progressões nos vínculos laborais públicos – pretendeu foi, precisamente, assegurar a equidade entre os trabalhadores e, para esse efeito, preconizou a atribuição de um ponto por cada ano sempre que o desempenho tenha sido avaliado com base em sistemas de avaliação sem diferenciação de mérito, como vimos ser o caso da autora, aqui recorrida.
17. Existindo, porém – como existe no caso concreto –, uma norma legal que já assegura para efeitos de progressão na carreira essa diferenciação para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório (e, portanto, a almejada equidade, em termos até mais ajustados), não pode ter aplicação, por expressa menção nesse sentido na última parte daquele preceito legal, a atribuição do regime previsto na primeira parte do preceito, posto que a aplicação, no caso da autora, do nº 3 do artigo 18º da LOE para 2018, iria contra a finalidade desta norma que, como acima se disse, visou “garantir a equidade entre trabalhadores”.
18. Por conseguinte, improcedendo todas as conclusões de recurso, impõe-se negar provimento ao mesmo e confirmar a decisão recorrida.

IV. DECISÃO
19. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto e confirmar a sentença recorrida.
20. Custas a cargo do recorrente.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2024
(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)
(Carlos Araújo – 1º adjunto)
(Frederico Macedo Branco – 2º adjunto)