Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03519/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/03/2009
Relator:José Correia
Descritores:IRC. CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO. JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
Sumário:I) -Nos termos disposto no nº 1 do artigo 33º do Código de Processo Tributário, o direito à liquidação de impostos e outras prestações tributárias caduca se a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de cinco anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que ocorreu o facto tributário ou, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu

II) -Reportando-se as liquidações dos autos a IRC do exercício de 1996 e provando-se que a Administração Tributária apenas procedeu à liquidação dos juros em causa e procedeu à competente notificação da impugnante no início de 2006, uma vez que a liquidação deveria de ter sido notificada dentro do prazo de cinco anos contados a partir da data em que ocorreu o facto tributário, ou seja, a partir de 01/01/1997, o impugnante, não foi notificada dentro desse prazo, pois o prazo terminou em 31/12/2001, operando, pois, a caducidade do direito à liquidação.

III) -E são devidos juros indemnizatórios ao contribuinte quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da divida tributária em montante superior ao legalmente devido (artº 43º da L.G.T.).

IV) - Havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:
1. - Inconformada com a decisão proferida pela Mª Juíza do TAF de Almada que julgou procedente a presente impugnação que A ...– Automóveis, Ldª., deduziu contra a liquidação de IRC referente ao exercício de 1996, veio a FAZENDA PÚBLICA, recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul de tal sentença, pedindo a sua revogação.
Formulou as seguintes conclusões:
1- a impugnante alegou a caducidade da liquidação n° 2006.0000.0021.99.5 de 06.01.2006, relativa ao IRC do exercício de 1996;
2- O tribunal recorrido decidiu nesse sentido;
3- A referida liquidação n° 2006.0000.0021.99.5 de 06.01.2006, não configura uma nova liquidação, um novo acto tributário, mas é antes uma consequência das várias intervenções rectificativas que ocorreram sobre a liquidação original, é um acto de compensação da liquidação originária, esta inquestionavelmente notificada dentro do prazo de caducidade;
4- Ao não entender assim, violou a douta sentença o disposto no art° 33°, n°1 do CPT.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V. Exas. se dignem julgar totalmente procedente o presente recurso, revogando a douta sentença recorrida e substituindo-a por acórdão que julgue a impugnação improcedente, tudo com as demais consequências legais.
Não houve contra -alegações.
O EPGA emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso em termos a que infra se fará alusão.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
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2. - Na sentença recorrida fixou-se o seguinte probatório:
Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão de mérito:
1. Em 23/05/2005, foi efectuada a liquidação n° 2005 8010000931 referente ao exercício de 1996, de acordo com a qual haveria um montante a pagar pela impugnante no valor de € 156.195,23 (cfr. doc. de fls. 49 dos autos);
2. Entretanto, pela Demonstração de Liquidação de Juros com o n° da Compensação 2006 00000021995, com a data de 06/01/2006 é indicado como valor a pagar o montante de € 166.791,49 (cfr. doc. junto a fls. 50 dos autos);
3. Em data que não se pode precisar foi remetido à impugnante a "Demonstração do Acerto de Contas" e com data limite de pagamento de 15/02/2006, referente ao exercício de 1996, do qual resulta um imposto a pagar no montante de € 48.671,24 (cfr. doc. junto a fls. 51 dos autos);
4.A quantia indicada no ponto anterior foi paga pela impugnante em 15/02/2006, conforme vinheta aposta no documento identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 51 dos autos);
5. Por requerimento entrado no Serviço de Finanças de Palmela em 14/02/2006, a impugnante pediu a fundamentação do acto identificado no ponto 3 do probatório (cfr. doc. junto a fls. 52 a 54 dos autos);
6. Por ofício de 04/05/2006, foi a impugnante notificada da fundamentação do acto identificado no ponto 3 do probatório (cfr. doc. junto a fls. 55 a 62 dos autos);
7. Por requerimento entrado no Serviço de Finanças de Palmela em 28/07/2006, a impugnante reclamou graciosamente da liquidação identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 2 do processo de reclamação junto aos autos);
8.Em 06/09/2006, foi a impugnante notificada da intenção de indeferir a reclamação por si interposta e identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 17 a 24 dos autos);
9. Por ofício de 16/10/2006, foi a impugnante notificada do despacho de indeferimento da reclamação (cfr. doc. junto a fls. 26 a 34 dos autos).
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Ao abrigo do artº 712º nº 1 a) do CPC e acolhendo as razões referidas pelo EPGA no seu douto parecer, amplia-se o probatório nos termos seguintes:
10. A fundamentação a que se alude no ponto 5 deste probatório reporta-se, também, ao acto referido no ponto l (fls. 52/54 dos autos).
11. A notificação da fundamentação a que se refere o ponto 6 deste probatório reporta-se, também, ao acto assente no ponto l (fls. 55/62 dos autos);
12. A reclamação graciosa dite em 7 engloba o acto de liquidação referido no ponto l (fls. 2 da apensa RG);
13. - A impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 1996, n.° 8310000942, de 2000.01.07 (fls. 60 dos autos);
14. -Na sequência do deferimento parcial da referida RG a AT procedeu à liquidação do acto de liquidação referido no ponto do probatório (fls. 60 dos autos);
15. -Na qual foram, também, liquidados os juros compensatórios sindicados, que nada têm a ver com o já referido provimento parcial da RG (fls. 61 dos autos).
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A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
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DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Dos factos constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
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3. - Fixada a factualidade relevante, vejamos agora o direito donde emerge a solução do pleito, sendo certo que as conclusões de quem recorre balizam o âmbito de um recurso concreto (artºs. 684º e 690º do CPC).
É inquestionável o regime segundo o qual este Tribunal aplica o Direito ao circunstancialismo factual que vem fixado, pelo que a questão que se impõe neste recurso é a de saber se ocorre a caducidade do direito à liquidação com as consequências extraídas na sentença recorrida.
A Mª Juíza «a quo» fundamentou assim a decisão de improcedência daquele fundamento (causa de pedir) da impugnação:
“Vem a impugnante alegar que não foi notificado da liquidação adicional de juros compensatórios de IRC, objecto dos presentes autos dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação.
No caso dos presentes autos aplica-se o disposto no Código de Processo Tributário e não a Lei Geral Tributária, uma vez que as normas de caducidade são normas de direito subjectivo pelo que se deverão aplicar-se as normas em vigor à data dos factos tributários, o que no caso concreto, e estando em causa impostos de 1996, são as normas do CPT que se aplicam.
Assim, e no que tange ao direito substantivo aplicável, teremos de nos socorrer do disposto no nº 1 do artigo 33º do Código de Processo Tributário, de acordo com o qual o direito à liquidação de impostos e outras prestações tributárias caduca se a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de cinco anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que ocorreu o facto tributário ou, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (há, agora um novo prazo de caducidade, de quatro anos, contados da mesma maneira, introduzido pelo artigo 45.° da Lei Geral Tributária, mas só aplicável "aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 1998", segundo o nº 5 do artigo 5° do Decreto-lei de aprovação, nº 398/98, de 17 de Dezembro).
Trata-se, agora, de analisar se as liquidações chegaram a ser notificadas ao contribuinte dentro dos referidos cinco anos. O impugnante alega que não e a Fazenda Pública defende que sim. Vejamos:
Tais liquidações são relativas a IRC do exercício de 1996 (cfr. pontos 1 a 3 do probatório).
Do mesmo probatório decorre que a Administração Tributária apenas procedeu à liquidação dos juros em causa e procedeu à competente notificação da impugnante no início de 2006 (vide pontos 1 a 3 do probatório).
Assim sendo, e em atenção que a liquidação deveria de ter sido notificada dentro do prazo de cinco anos contados a partir da data em que ocorreu o facto tributário, ou seja, a partir de 01/01/1997, donde resulta que o impugnante, não foi notificada dentro desse prazo, pois o prazo terminou em 31/12/2001.
Assim sendo teremos de concluir que no que tange à liquidação de IRC do exercício de 1996, já tinha decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação pelo que a mesma é anulável.
Aos juros aplica-se o mesmo prazo de caducidade do direito à liquidação que se aplica para o imposto em falta.
Assim sendo e sem necessidade de mais considerações julgaremos totalmente procedente a presente impugnação.
Vem ainda a impugnante requerer juros indemnizatórios da quantia por si paga indevidamente.
Decorre do probatório supra que a impugnante procedeu ao pagamento dos juros em causa em 15/02/2006, e que a liquidação em causa se deveu a erro dos serviços.
Assim sendo e nesta matéria seguiremos de perto a jurisprudência emanada no Acórdão do STA de 26/04/2007, no processo 39/07 que, seguidamente, transcrevemos:
"No art° 43.° da L.G.T. estabelece-se que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da divida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.
Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro.
Na verdade, a letra da lei, ao referir a imputabilidade do erro aos serviços, aponta manifestamente no sentido de poder servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado, como aliás, é admitido em geral. (( ) Neste sentido, pode ver-se FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, volume III, página 503.) A administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266.°, n.° 1, da C.R.P. e 55.° da L.G.T.), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços.
Assim, justifica-se a condenação da condenação da Fazenda Pública a pagar juros indemnizatórios à Impugnante, contados desde 21-12-2001 e até à data da emissão da nota de crédito a favor da impugnante (artº 61º, nº 3, do C.P.P.T.)
Transpondo para o caso dos presentes ao ora impugnante devem ser pagos juros indemnizatórios sobre o montante de € 48.671,24, desde 15/02/2006 até à emissão da nota de crédito a favor deste.”
Concorda-se inteiramente com o assim fundamentado e decidido, acolhendo-se, outrossim, as razões jurídicas ditadas pelo EPGA no seu douto parecer.
Nesse sentido, contrariamente ao que conclui a recorrente FP, a impugnante sindica também o acto de compensação consubstanciado no documento n.° 2006.0000.0021.99.5, de 2006.01.06 (fls. 15 dos autos) e a sentença recorrida anulou os dois actos (fls. 116/119 dos autos).
Acresce que o acto referido no ponto 1 do probatório, que liquidou os juros compensatórios sindicados é um verdadeiro acto de liquidação, sindicável.
Ora se, como vimos, «O direito à liquidação de impostos e outras prestações de natureza tributária caduca se não for exercido ou a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de 5 anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que se verificar o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu» (cfr. artigo 33.°/l do CPT), «in casu», a liquidação dos sindicados juros compensatórios deveria ser feita e notificada até 2001.12.31.
Sucede que a liquidação em causa foi efectuada em 2005.02.23 e notificada em 2006.01.13, portanto, manifestamente, para além do prazo legal de caducidade do direito de liquidar o tributo.
Sendo assim, como é, nenhuma censura merece a sentença recorrida ao anular o acto de liquidação dos juros compensatórios referido no ponto l do probatório, por caducidade do direito de liquidação, sendo de confirmar na íntegra.
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4. -Termos em que se acorda em negar provimento ao recurso e se confirma a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
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Lisboa, 03/11/2009
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Manuel Malheiros)