Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03373/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/18/2010
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRC
PRESCRIÇÃO
INUTILIDADE DA LIDE
Sumário:1. Constituem fundamentos da impugnação judicial quaisquer vícios que afectem a validade do acto impugnado, consubstanciados na sua ilegalidade, onde se não subsumem as circunstâncias posteriores à prática do acto e que apenas possam afectar a exigibilidade da obrigação tributária;
2. Contudo, é possível conhecer na impugnação judicial da prescrição da obrigação tributária cuja anulação se pretende obter, desde que a mesma não tenha sido paga e a prescrição ainda não tenha sido conhecida pela AT, tendo em vista obviar a que, uma obrigação tributária já prescrita, seja declarada isenta de qualquer ilegalidade, quando a mesma, em todo o caso, já não pode ser exigida judicialmente, o que redundaria numa pura inutilidade;
3. Tanto a dedução da reclamação graciosa como a impugnação judicial e a instauração da execução fiscal interrompem o prazo da prescrição, pelo que tal efeito se afere apenas por aquela espécie processual que for deduzida em primeiro lugar;
4. Concorrendo vários regimes jurídicos para conhecimento da prescrição, é aplicável aquele que, em concreto, tal prazo primeiro se completar.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:RECURSO JURISDICIONAL N.º 3.373/09.


Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A...– Sociedade de Transportes, SA, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 4.ª Unidade Orgânica – na parte que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A) A liquidação adicional de imposto é referente ao ano de 1993.
B) À data estava em vigor o artigo 34.º do Código de Processo Tributário que estabelecia um prazo de prescrição de 10 anos.
C) Em 01.01.1999 entrou em vigor a Lei Geral Tributária.
D) Nos termos do artigo 279.º do Código Civil que: "A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar"
E) O prazo prescricional de 10 anos iniciou-se no dia 01.01.1994.
F) Desde esta data, até ao dia 01.01.1999, decorreram 5 anos de prazo sem qualquer causa de interrupção (cfr. artigo 49.º, n.º1 da LGT).
G) No dia 23.11.1999 foi apresentada Reclamação Graciosa, pelo que operou a interrupção da prescrição.
H) Na vigência da interrupção da prescrição, foi apresentada Impugnação Judicial em 31.10.2001, tendo o último acto processual de relevo neste processo sido a apresentação da Contestação da Fazenda Pública, em 05.03.2002.
I) A Sentença só foi notificada à Recorrente no dia 25.02.2009.
J) O que significa que o processo esteve parado por facto não imputável ao sujeito passivo por período superior a mais de 1 ano, determinando a cessação dos efeitos interruptivos da prescrição por volta do dia 06.03.2003 (cfr. 49.º, n.º2 da LGT).
K) Isto significa que, nos termos do disposto no artigo 49.º, n.º2 da LGT, se soma o período decorrido (e interrompido) de 5 anos (de 01.01.1994 a 01.01.1999), com o período de 6 anos, que decorreu de 06.03.2003 a 25.02.2009, o que perfaz 11 anos!
L) Este regime não foi revogado pelo artigo 91.º da Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
M) O que significa que a prescrição da dívida fiscal objecto da presente liquidação adicional em crise ocorreu, sensivelmente, no dia 25.02.2008
N) A liquidação adicional de imposto em crise não foi paga, nem foi instaurado processo de execução fiscal para a cobrança coerciva da dívida;
O) Os factos constitutivos da prescrição ocorreram após a instauração da Impugnação Judicial;
P) Pelo que por referência ao disposto nos artigos 287.º, alínea d) e 663.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, se requer o reconhecimento da prescrição e a consequente inutilidade superveniente da lide.
Por outro lado,
Q) A efectividade do custo (dos juros) é matéria assente nos autos,
R) Foi feita prova de que houve um empréstimo contraído a favor da Recorrente e que dele resultaram juros, para que nesta sede diz respeito: na forma de custos.
S) Os custos estão devidamente contabilizados na escrita da Recorrente de acordo com as regras do POC e obedece aos critérios de imputação temporal previstos no artigo 18.º do CIRC.
T) Nos termos da lei para que uma verba da contabilidade seja aceite como custo, tal realidade terá que se materializar através de documentos justificativos (cfr. artigo 115.º, n.º3, alínea a)do CIRC).
U) A noção de documento justificativo é cumprida pela factura completa nos termos do artigo 36.º, n.º 5 do CIVA, mas,
V} Em sede de IRC não se exige a factura completa para a dedutibilidade de um custo (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.03.2006, processo n.º 01236/05)
W) A regra que vigora em IRC é a de que se o custo está devidamente lançado, no contabilidade e está documentado, têm-se como comprovado.
X) Um corolário da recepção do Balanço Comercial pelo Direito Fiscal (cfr. artigo 17.º, n.º 1 do CIRC.
Y) Como já se pronunciou a nossa Jurisprudência se os custos ocorreram efectivamente, seria injusto que por um aspecto formal o contribuinte fosse punido com a não consideração como custo” (Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 26.09.2000, processo n.º 3362/00, em que foi Relator o Desembargador Valente Torrão);
Z) Solução que melhor cumpre o princípio constitucional da tributação pelo do rendimento real, previsto no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da república Portuguesa (CRP).
AA) Solução contrária, seria admitir uma restrição não pode ser feita pela Administração (cfr. arts. 18.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, al. b) e 3.º, n.º3, todos da CRP)
BB) Falece, assim, a tese expressa na decisão recorrida, segundo a qual o custo não está devidamente documentado, violando o disposto no artigo 23.º do CIRC e no artigo 104.º n.º 2 da CRP.
CC) Com efeito, a comprovação do custo resulta da prova documental junta aos autos de impugnação.
DD) Tal prova não foi posta em causa pela Fazenda Pública em sede de Contestação, pelo que é matéria de facto assente e em nada o prova testemunhal poderia acrescentar; pois,
EE) A comprovação do custo decorre dos documentos justificativos juntos aos autos de impugnação.
FF) Saber se um custo é indispensável ou não conceito que necessita de ser preenchido numa perspectiva mais próxima do fim económica da empresa (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26.01.2005 e 29.03.2006)
GG) A dedutibilidade de um custo em sede de IRC também tem que passar o crivo da indispensabilidade;
HH) Não é uma matéria de prova, mas sim de qualificação jurídica e de interpretação.
II) A lei não exige um nexo de causalidade matemático entre o custo e o proveito, para que o mesmo se tenha como indispensável.
JJ) Basta que o custo seja feito em função fim estatutário da empresa.
KK) Uma vez que há liberdade de opção económica e de gestão (art. 62.º da CRP).
LL) Um custo não tem necessariamente que gerar um proveito.
MM) Investimentos, desde que devidamente contabilizados no balanço comercial das empresas e não excluídos pelo balanço fiscal (cfr. artigo 42.º do CIRC), ainda que não produzam qualquer rendimento tributável, são fiscalmente dedutíveis.
NN) Desde que estejamos perante "um acto normal de gestão da empresa"
OO) Se "no momento da tomada de decisão" a motivação do custo foi empresarial - independentemente do resultado positivo ou negativo -, o custo afigura-se indispensável e, consequentemente, dedutível.
PP) Não se exige, nem tem que se provar, como defende a decisão recorrida um nexo de causalidade entre o custo e o proveito.
QQ) A sentença recorrida faz, assim, uma errada e violadora interpretação dos artigo 23.º, n.º 1 do CIRC e do princípio constitucional da tributação do rendimento real previsto artigo 104.º, n.º 2 da CRP, o que é violador da sua capacidade contributiva.

Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado, por violação do disposto no artigo 23.º do CIRC e no artigo 104.º, n.º1 da CRP, consequentemente sendo revogada a douta sentença recorrida e substituída por douto aresto anule a liquidação adicional de IRC n.º 8310009351, referente ao ano de 1993, no valor € 24.927,47 (vinte e quatro mil novecentos e vinte e sete euros e quarenta e sete cêntimos), com as legais consequências.
Subsidiariamente, deverá o douto Tribunal reconhecer e declarar a prescrição da liquidação adicional de IRC em causa nos autos, que já se verificava à data da prolação da douta sentença recorrida, mas que dela não conheceu.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, no que à verificação da prescrição diz respeito, por o prazo para tanto se haver já concluído.


Foral colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir, que também é de conhecimento oficioso, consiste em saber se ocorreu a prescrição da obrigação tributária cuja anulação se peticiona, não sendo de conhecer de quaisquer outras ao responder-se afirmativamente.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. Foi efectuada à Impugnante uma acção de fiscalização sobre o Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do exercício de 1993, com base numa análise interna da declaração Mod. 22 de exercício 8fls 113 e seguintes dos autos);
2. A Impugnante contabilizou na “conta 68” os documentos emitidos em nome do sócio gerente António Duarte, cf. se discrimina: (fl. 115)
Data Nº do Documento Valor em escudos
16.02.93 243 250.353
15.03.93 292 216.541
22.04.93 193 245.997
24.05.93 262 241.312
29.06.93 190 254.634
15.07.93 296 250.165
27.08.93 261 263.121
09.09.93 276 370.347
10.11.93 303 217.826
16.12.93 313 209.589
Total 2.519.885
3. A administração tributária não aceitou como custo o valor de 2.519.885$00 - € 12.569,13 - por o mesmo se encontra indevidamente documentado (fl.115).

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que se dão por reproduzidos, e constam no apenso. Na decisão da matéria de facto teve-se ainda em conta a prova que resultou do depoimento das testemunhas que confirmaram, no essencial, alguns dos factos articulados pela impugnante, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-tributária, embora de livre apreciação pelo Tribunal. Cf. artº 361° do Código Civil.
Contudo, tais depoimentos não merecem credibilidade, desde logo, porque têm um conhecimento indirecto dos factos, nada acrescentaram de relevante para a matéria de facto e não contrariam manifestamente os documentos juntos aos autos.
A primeira testemunha, contabilista, no ano de 1993 não prestava serviços à impugnante. Referiu que lhe tinham dito que o empréstimo, no valor de 15.000 contos, efectuado pelo sócio gerente, se destinava a reforçar a tesouraria da sociedade. A outra testemunha, funcionária da impugnante, referiu que lhe tinham dito que o empréstimo tinha sido requerido pelo sócio para reforçar a tesouraria.

Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa, atenta a causa de pedir.

A que, nos termos do disposto no art.º 712.º, n.º1, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), se acrescentam ao probatório mais os seguintes pontos, em ordem a conhecer da invocada prescrição da obrigação resultante da liquidação impugnada de IRC.
4. Por requerimento entrado no Serviço de Finanças do Concelho de Loures em 23/11/1998, a ora recorrente deduziu reclamação graciosa tendo em vista obter a anulação da mesma liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1993, a qual não teve qualquer tramitação desde 09/09/1999 até 05/03/2001, data em que foi proferido o despacho de fls 16 a remeter a mesma ao Exmo DDF para efeitos de decisão – cfr. o mesmo processo apenso, designadamente de fls 9 a 19;
5. No sequência do indeferimento da mesma reclamação veio a ora recorrente deduzir a presente impugnação judicial a qual deu entrada em 05/11/2001, na Secretaria Central do Tribunal recorrido, a qual se veio a manter parada, sem qualquer tramitação, entre 05/04/2002 e 30/12/2003 – cfr. fls 72 verso e 73 destes autos;
6. Em 25/03/1999 foi instaurado o processo de execução fiscal com vista à cobrança coerciva de tal dívida, o qual se manteve parado sem qualquer tramitação entre 08/04/1999 e 12/02/2004 – cfr. fls 131 e 312 destes autos e respectivo processo apenso.


4. Passemos então a conhecer desta questão da prescrição da obrigação tributária, ainda que também tenha sido invocada pela recorrente como um dos fundamentos do seu recurso, também é de conhecimento oficioso, tanto pelo tribunal, como pela própria administração tributária, nos termos do disposto no art.º 259.º do CPT e hoje 175.º do CPPT.

Esta, como é sabido, constitui um efeito jurídico que apenas contende com a exigibilidade da obrigação de pagamento do tributo que constitui o objecto imediato do acto tributário, e que não interfere com a legalidade do acto de liquidação.
Como referem, Diogo Leite de Campos e outros(1)...a prescrição pode até ocorrer sem que tenha tido lugar o acto de liquidação, dado que a mesma está referida directamente à dívida tributária e aos factos tributários.
Ora, como se sabe, a dívida tributária é uma dívida que emerge na Ordem Jurídica logo que, na prática da vida, ocorram os pressupostos de facto que preencham os abstractamente enunciados no Tabestand da norma de tributação (incidência).

E nos termos do disposto no então art.º 120.º do Código de Processo Tributário (CPT) e hoje no art.º 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na impugnação judicial são apreciados os vícios que afectem a validade do acto impugnado, consubstanciados em qualquer ilegalidade. E estas são apenas as que afectem a validade ou existência do acto, como se deduz da finalidade do processo de impugnação judicial, então prevista no art.º 143.º do CPT e hoje no art.º 124.º do CPPT.
As circunstâncias posteriores à prática do acto, que não afectam a sua validade, mas que possa afectar a exigibilidade da obrigação tributária liquidada são fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos do art.º 204.º do CPPT (anteriormente do art.º 286.º do CPT), não podendo em regra, ser apreciadas em processo de impugnação judicial.

Não poderão, em regra, ser utilizados como fundamentos de impugnação judicial, factos que não afectem a validade dos actos, mas apenas tenham a ver com a sua eficácia, como é o caso da falta de notificação ou da prescrição.
A prescrição, por não ter que ver com a legalidade do acto de liquidação, sendo-lhe posterior, nada tem a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação criada com a liquidação, não constituindo por isso, em princípio, um fundamento válido de impugnação judicial.

Esta constitui também a jurisprudência largamente dominante no Supremo Tribunal Administrativo, como nos dá conta Jorge Lopes de Sousa - In Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª Edição, pág. 463, cuja lista de acórdãos aí publica na nota de rodapé 494.

Apenas em casos restritos, em sede de impugnação judicial, se poderá admitir, conhecer da prescrição da obrigação tributária, e que se reconduzirão àqueles casos em que o pagamento do tributo se não mostre efectuado e também não tenha sido conhecido em sede da própria execução fiscal, tendo em vista apreciar a manutenção da utilidade no prosseguimento da lide de impugnação judicial.
A razão subjacente a este entendimento reside em que não tem qualquer interesse continuar a discutir a legalidade de uma obrigação tributária, quando o devedor já não pode ser compelido coercivamente a satisfazê-la, e que a prescrição é de conhecimento oficioso, tanto pelo tribunal, como pela própria administração tributária, nos termos do disposto no art.º 259.º do CPT e hoje 175.º do CPPT.
Nos demais casos, a prescrição da obrigação tributária, deverá ser apreciada em sede de oposição à execução fiscal constituindo um fundamento válido para esse efeito - cfr. art.º 286.º n.º1 d) do CPT e hoje, art.º 204.º n.º1 d) do CPPT.

No mesmo sentido se pronuncia Diogo Leite de Campos(2)...desde que a obrigação não esteja paga nem esteja instaurado processo de execução fiscal para a sua cobrança coerciva, o processo de impugnação judicial apresenta-se então, como sendo o meio judicial que propiciará a tutela mais eficaz e efectiva do direito do contribuinte, dado que obviará à instauração do processo de execução e à prática, nele, de actos que poderão prejudicar seriamente o contribuinte (como a penhora).
...
Nas outras hipóteses não abrangidas na condição posta, a prescrição só poderá ser invocada como fundamento de oposição.
E a pág. 274: ...essa prescrição abarca, também, a parte dos impostos abolidos que não estejam ainda paga (imposto e juros) cujo pagamento esteja ao abrigo de qualquer regime excepcional de pagamento em prestações previsto na lei.

É que pago o imposto extinguiu-se a correspondente obrigação da relação jurídica respectiva, não fazendo mais sentido, e sendo impossível fazer extinguir, pela prescrição, o que já não existe, tendo já sido extinto, ainda que por outro fundamento!

Satisfeita uma obrigação que entretanto prescreveu, torna-se a mesma em obrigação natural, logo não exigível, não podendo contudo, ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição, como dispõem as normas dos art.ºs 304.º e 403.º do Código Civil.

No caso, tendo em conta que foi a reclamação graciosa que foi deduzida em primeiro lugar, antes da instauração da impugnação judicial e também da execução fiscal, foi por aquela que se operou a interrupção da prescrição nos termos do disposto no art.º 34.º do CPT, não havendo lugar a novas interrupções do decurso do prazo por efeito da posterior instauração, da execução fiscal(3), por tal prazo prescricional, então, à data em que esta foi instaurada, não se encontrar em curso, mas antes se encontrar já interrompido, por força da dedução da referida reclamação graciosa.

Mas já a dedução da impugnação judicial, em data em que o prazo prescricional de novo se encontrava em curso, tem efeitos no decurso do mesmo como adiante se verá, já que então, podia haver lugar a mais do que uma interrupção na contagem do mesmo(4).

Nos termos do disposto no art.º 34.º do CPT, com entrada em vigor em 1.7.1991, logo então vigente, o prazo de prescrição das obrigações tributárias era de dez anos, e contava-se desde o início do ano seguinte àquele em tiver ocorrido o facto tributário, interrompendo porém o decurso de tal prazo, a dedução da reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução.

A Lei Geral Tributária (LGT), com entrada em vigor em 1.1.1999, veio encurtar tal prazo prescricional para oito anos, continuando a prever uma idêntica interrupção da prescrição por efeito da dedução de alguma daquelas espécies processuais, mas veio introduzir um n.º3 no seu art.º 49.º, inovatoriamente, atribuindo efeitos de suspensão do decorrer desse prazo, em virtude de paragem das mesmas espécies processuais, por pagamento ou prestação legalmente autorizada.

Há assim que decidir qual dos regimes em presença é aplicável no caso, tendo em conta a diferente duração de cada um deles.

Dispõe para estes casos a norma geral do art.º 297.º n.º1 do Código Civil, como bem se pronuncia a Exma RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, que a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.

No caso, no âmbito da lei mais antiga (o CPT), iniciando-se o decurso desse prazo em 1.1.1994 e correndo os seus termos até 23/11/1998, data em que se interrompeu para se reiniciar em 09/03/2000, dado o efeito de um ano na contagem do decurso desse prazo interruptivo a contar do acto praticado pela então a reclamante a juntar procuração forense aos autos em 09/03/1999 (cfr. fls 9 do mesmo procedimento), a dedução da impugnação judicial em 05/11/2001 e a sua paragem por mais de um ano em 05/04/2002, o mesmo completaria-se por volta de meados de Outubro de 2005, ao passo que no âmbito da LGT, mesmo contando tal prazo todo seguido, sem interrupções e nem suspensões, desde a sua entrada em vigor (1.1.1999), o mesmo se completaria, na melhor das hipóteses, em 31.12.2007, pelo que nos termos desta norma do Código Civil não pode deixar de se aplicar o regime do CPT, que então se encontrava em vigor, por primeiro se completar.

E nem a norma do art.º 12.º n.º3 da LGT, que prescreve a aplicação imediata das normas processuais, impõe solução diversa, por a mesma só se reportar às normas processuais, sendo que não têm tal qualificação as normas que prevêm os prazos de prescrição, as quais comungam da natureza de normas atribuídas por lei substantiva, pelo que tal aplicação retroactiva do prazo de prescrição da lei nova ofenderia, directamente, o princípio da igualdade tributária(5).

Tendo a reclamação graciosa sido deduzida em 23.11.1998, interrompeu-se nesta data o prazo prescricional em curso, mas como a mesma esteve parada, desde logo, no Serviço de Finanças de Loures entre 9.3.1999 e 5.3.2001 (data esta em que lhe foi junta os prints e o despacho de remessa para o DDF de Lisboa, para efeitos do disposto no então art.º 99.º do CPT, como se vê de suas fls 11 a 19), sem qualquer tramitação, cessou tal efeito interruptivo a contar do ano seguinte à mesma (9.6.2000), somando-se neste caso o tempo que decorreu desde então com o que ocorreu até à data da mesma instauração, ou seja, desde 1.1.1994 a 22.11.1998 e desde 9.3.2000 até à data da dedução da impugnação judicial (05/11/2001), data em que, de novo se interrompeu, para se reiniciar por sua vez em 05/04/2003, pelo que até ao presente (Maio de 2010), tendo por esta forma de contagem do prazo prescricional(6), decorrido 4 anos e cerca de 10 meses no primeiro período, 1 ano e oito meses no segundo e 3 anos e 6 meses no último, até meados de Outubro de 2005, pelo que, actualmente, decorreram mais de catorze anos desse prazo, o mesmo sendo de dizer que tal prazo prescricional, de 10 anos, se mostra, manifestamente, excedido, desta forma se verificando a prescrição da obrigação tributária do IRC impugnado e ainda subsistente.


Como nesta parte bem invoca a recorrente na matéria da sua conclusão L), o novo regime interruptivo previsto na nova redacção introduzida no n.º4 do art.º 49.º da LGT, pelo art.º 89.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, não tem aplicação no caso, desde logo por força do disposto no art.º 91.º da mesma Lei, que determina que a mesma se aplica aos prazos de prescrição em curso, o que não acontecia no caso, o qual, como se viu, já se havia completado(7).


Por força do completamento do prazo prescricional, é de conceder provimento ao recurso por este fundamento e de não conhecer do outro, por prejudicado, sendo de revogar a sentença recorrida.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida, julgando-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.


Sem custas.


Lisboa,18/05/2010

EUGÉNIO SEQUEIRA
ROGÉRIO MARTINS
LUCAS MARTINS


1- In Problemas Fundamentais do Direito Tributário, 1999, VISLIS, pág. 287, ponto 4.2.
2-Ob. cit. pág. 288.
3- E nem da sua citação ocorrida em 8/4/1999 que, nos termos do disposto no art.º 49.º, n.º1 da LGT (redacção da Lei n.º 100/99, de 26 de Julho), passou igualmente a constituir uma causa de interrupção da prescrição, mas que também, então, tal prazo não se encontrava em curso mas interrompido por força da dedução da referida reclamação.
4- Cfr. neste sentido o acórdão do Pleno da Secção do STA de 28/05/2008, recurso n.º 840/07.
5- Cfr. Problemas Fundamentais do Direito Tributário, 1999, VISLIS, pág. 261 e segs, para mais desenvolvimentos.
6- Forma de contagem que ora se revê, tendo em conta o acórdão do STA de 17.1.2007, recurso n.º 1129/06, referido como emanação de jurisprudência constante do mesmo Tribunal que, por isso, ao abrigo do art.º 8.º n.º3 do Código Civil se passa a seguir, tendo em vista contribuir para a obtenção de uma interpretação e aplicação uniformes do direito. 7- Cfr. no mesmo sentido os acórdãos do STA de 19.3.2009 e de 14.4.2010, recursos n.ºs 115/09 e 167/10, respectivamente.