Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:740/20.8BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA;
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA;
PENHORABILIDADE.
Sumário:I – A circunstância de a casa de morada de família não ser susceptível de venda em execução fiscal não obsta à sua penhorabilidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

D..., deduziu reclamação da decisão proferida pela Direção de Finanças de Leiria, que indeferiu o pedido por si formulado de dispensa parcial de prestação de garantia no âmbito do processo de execução fiscal n.° 1... e apenso.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por decisão de 29 de Outubro de 2020, julgou procedente a reclamação.

Não concordando com a sentença, a FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões:

«A) A Reclamante é proprietária de diversos prédios, tendo constituindo hipoteca sobre apenas alguns deles.

B) Entendendo que, por um dos bens constituir sua habitação própria e permanente, não pode ser penhorado.

C) A este respeito importa esclarecer, o art.244° do CPPT, regula a venda, ou melhor limita a realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, mas não impede a sua penhora.

D) Acresce ainda que, nada na lei impede que se constituam vários ónus/encargos sobre um mesmo imóvel, continuando sem explicar como é que a constituição de tal garantia iria causar um prejuízo irreparável (sobretudo na casa morada de família, uma vez que a AT, inclusivamente, se vê impedida de vender!).

E) A casa de morada de família não integra o elenco de bens impenhoráveis, pelo que, constitui um bem sujeito a penhora.

F) Até porque, não pode impedir-se a venda do imóvel na execução comum, desencadeada por um outro credor.

G) E embora não podendo prosseguir com a execução fiscal sustada e provocar as diligências de venda, a qual está legalmente impedida no âmbito do processo fiscal, pode a Autoridade Tributária reclamar o seu crédito nesta execução, desde que devidamente notificada ao abrigo do preceituado no art.786° do C. P. Civil, sendo o seu crédito graduado no lugar que lhe competir.

H) Não se coadunando tal, com o entendimento do tribunal a quo.

G) Tudo razões que se reputam determinantes para a prolação dum juízo que determine a revogação da decisão aqui recorrida e, do mesmo passo, venha confirmar a valia dos atos tributários impugnados, indevidamente anulados pelo Tribunal a quo.

Nestes termos e nos restantes de Direito que o distinto Tribunal entender por bem suprir, advoga a Representação da Fazenda Pública a procedência do presente recurso jurisdicional, determinando-se a revogação da sentença do Tribunal a quo e, desse modo, julgar totalmente improcedente a oposição interposta pela recorrida, com o que V. Ex.as farão a almejada Justiça!»


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) Correm termos no Serviço de Finanças de Leiria 1 contra D..., os processos de execução fiscal n.° 1..., por dívida de IRS do ano de 2015 no montante de € 120.935,36, e n.° 1..., por dívida de IRS do ano de 2014 no montante de € 106.747,25. - (cfr. fls. 47 a 50 dos autos).

B) Em 22/02/2019 deu entrada no Serviço de Finanças de Leiria 1 requerimento da ora Reclamante a solicitar que seja aceite prestação de garantia, mediante a oneração através de hipoteca voluntária sobre 1/2 de vários prédios urbanos e sobre vários prédios rústicos, bem como através da penhora das quotas da sociedade D..., Lda., e na parte em que a hipoteca e a penhora não forem suficientes para garantir a dívida exequenda e demais acrescidos, requereu a dispensa parcial de prestação de garantia. - (cfr. fls. 24 a 29 dos autos).

C) Em 28/02/2019, no Cartório Notarial de M..., em Leiria, a Reclamante constituiu hipoteca a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre alguns dos imóveis referidos na alínea precedente. - (cf. fls. 30 a 35 dos autos).

D) Em 07/03/2019 deu entrada no Serviço de Finanças de Leiria 1 requerimento da Reclamante informando que a hipoteca foi apresentada a registo e referindo que não constituiu hipoteca sobre 1/2 dos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos 1263, 1264 e 1886, da freguesia do Vimeiro por os mesmos se encontrarem onerados com hipotecas para garantia do capital de € 207.000,00, requerendo a dispensa parcial de prestação de garantia, na parte em que a hipoteca voluntária construída sobre os prédios rústicos acima identificados e penhora da quota não for suficiente para garantir a dívida exequenda. - (cf. fls. 36 a 39 dos autos).

E) Em 15/07/2020, na Direção de Finanças de Leiria foi prestada a seguinte informação:

(...) Pretende o Chefe do SF que o Diretor se pronuncie quanto à idoneidade da garantia que a executada oferece para suspensão do processo executivo 1... e aps 1... nos termos do art° 169° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e requer ainda, a dispensa parcial de prestação de garantia nos termos do n° 4 do art° 52° da LGT.

1. Análise do pedido

a) A dívida que está a ser exigida diz respeito a IRS dos anos de 2014 e 2015, sendo o valor em divida de € 22 7.682,61 (quantia exequenda) a que acrescem juros de mara e custas processuais;

b) A citação pessoal efetuou-se em 2019-01-22;

c) O pedido é tempestivo e a requerente goza de legitimidade.

d) O valor indicativo para efeitos de garantia é € 288.395,97, conforme citação;

1. Dos factos,

A requerente constituiu escritura de hipoteca voluntária, datada de 28-02-2019 a favor do Estado, na pessoa da Autoridade Tributária e Aduaneira — serviço de Finanças de Leiria 1, registada sob AP. 1509 de 28-02-2019 dos seguintes bens imóveis rústicos para garantia do pagamento parcial do valor de € 5.210,14.

- Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 5…, da freguesia do Arrabal, concelho de Leiria com o VPT de € 509,30 (correspondente a 1/2);

- Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 6… da freguesia de Caranguejeira, concelho de Leiria, com o VPT de € 304,16;

- Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 7… da freguesia de Caranguejeira, concelho de Leiria, com o VPT de € 1,12470;

- Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 9… da freguesia de Caranguejeira, concelho de Leiria, com o VPT de € 167,56;

- Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1… da freguesia de Caranguejeira, concelho de Leiria com o VPT de € 794,01,

- Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1… da freguesia de Caranguejeira concelho de Leiria, com o VPT de € 1.318,78;

- Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1… da freguesia de Caranguejeira, concelho de Leiria com o VPT de € 450,06;

- Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 7… da freguesia de Espite, concelho de Ourém com o VPT de € 541,57.

Por consulta à certidão da CRP, verifica-se que sobre os referidos artigos rústicos não recaem outros ónus ou encargos.

Foi pago imposto de Selo no valor de € 31,26, Verba 10.3 TGIS.

Indica ainda para penhora a quota que detém na empresa D..., LDA, NIPC 5…, no valor de € 100.000,00, penhora efetuada em 11-03-2019, Dep. 146/2019;

Em 2020-06-12 foi feita a avaliação da quota pela Inspeção Tributária a pedido do Chefe de Divisão de Justiça Tributária desta Direção de Finanças, à qual foi atribuído o valor de € 103.901,14. Por consulta à certidão comercial verifica-se que a penhora a favor da AT é o único ónus registado sobre estas participações sociais.

Alega a mesma ser ainda proprietária de 1/2 em cada um dos artigos urbanos n.°s 126, 1264 e 1886, todos da freguesia do Vimeiro, concelho de Alcobaça, mas como se encontram onerados com hipoteca voluntária, registada sob AP. 3340 de 27-02-2017 a favor de J..., NIF1…, casado com J…, NIF1…, para garantia do capital de € 207.000,00 devido a concessão de vários empréstimos concedidos e tendo os mesmos o valor patrimonial de € 40.338,78, não constituiu hipoteca a favor da AT;

Que possui ainda o artigo urbano n° 9… que é casa da morada de familia, razão pelo que não é penhorável a que acresce o facto da executada não renunciar a esse direito nos termos do n° 2 do artigo 244° do CPPT, que este prédio se encontra onerado com hipoteca a favor do Banco.

Para além dos rendimentos, bens e direitos acima identificados, a executada diz não dispor de outros bens suscetíveis de constituir garantia e requer isenção parcial da mesma, invocando os seguintes fundamentos:

. Alega que não tem rendimentos, poupanças ou bens suficientes para prestar garantia.

. Que a insuficiência de bens e rendimentos não é da sua responsabilidade, no sentido em que o seu comportamento no ultimo ano não visou a diminuição de património ou garantia dos credores;

. Que paga propinas no valor de € 100,00 mensais e suporta ainda encargos com alimentação, saúde e vestuário.

. Que aufere um salário mensal de cerca de € 550,00, conforme recibos que junta.

DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL:

A isenção da prestação de garantia está prevista no n° 4 do artigo 52.° da LGT e artigo 199.° n.° 3 do CPPT;

Quanto aos pressupostos de cuja verificação depende a dispensa da prestação de garantia refere o artigo 52.° da LGT no seu n.° 4 que a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação da garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuizo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da divida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado, senda esta uma condição de verificação necessária;

Quanto ao prejuízo irreparável deve traduzir-se numa situação de diminuição dos proveitos resultantes da atividade desenvolvida peio executado, sendo este provocado pelos encargos financeiros impostos peia prestação da garantia;

Quanto à falta de meios económicos revelada peia insuficiência de bens manifesta-se, no caso em que a garantia gera a existência de uma situação de carência económica do executado, de tal modo que este deixe de ter à sua disposição os meios financeiros necessários à satisfação das necessidades básicas, ou seja, é posta em causa a própria subsistência do executado;

A insuficiência material de bens penhoráveis é um indício de uma possível falta de meios económicos, no entanto, por si só, não determina necessariamente uma situação de manifesta falta de meios económicos, devendo ser estabelecido um nexo de causalidade adequada a cada situação; Quanto à não existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado, o executado não deve ter responsabilidade na insuficiência de bens; no caso das pessoas coletivas, apenas se devendo considerar verificado este pressuposto nos casos em que a insuficiência não resulta da atuação empresarial elou dos respetivos gestores.

Quanto ao ónus da prova, da existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado, recai sobre a administração tributária pelo que deverá existir provas documentais disponíveis, necessárias à sua apreciação.

Estamos perante duas condições não cumulativas:

a) A prestação da garantia vir a causar prejuízo irreparável traduzida na diminuição dos proveitos resultantes da atividade desenvolvida pelo executado, sendo este provocado pelos encargos financeiros impostos pela sua prestação

ou

b) Manifesta falta de meios económicos revelada peta insuficiência de bens penhoráveis desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado, sendo esta uma condição de verificação necessária;

Aplicação ao caso em concreto

Quanto à primeira condição a executada nada disse nem provou o prejuízo irreparável na prestação de garantia porque não refere quais os encargos que a garantia (nomeadamente a bancária) lhe acarretariam.

Quanto à falta de meios económicos revelada peia insuficiência de bens penhoráveis, e por consulta aos vários sistemas informáticos da AT, verifica-se que além dos bens hipotecados e penhorados para garantia nos PEF'S supra indicados, a executada possui outra quota na empresa "C..., LDA" com o valor de € 2.500,00, sendo o mesmo valor atribuído pela Inspeção Tributária da DF Leiria, avaliação efetuada em 12-06-2020;

CONCLUSÃO

Com os fundamentos atrás mencionados, sou de opinião que estão reunidas as condições para aceitação da garantia constituída por hipoteca voluntária sobre bens imóveis rústicos, constituída em 28-02-2019, e com penhor de participações sociais que detém na sociedade D... LDA NIPC 5..., realizada em 11-03-2019, conforme determina o art° 199-A do CPPT, o valor destes bens é de € 5.210,14 e de € 100.000,00 respetivamente, perfazendo o total de € 105.210114, Quanto à isenção parcial refiro que a executada é proprietária de outras participações sociais suscetíveis de virem a constituir garantia e de outros bens imóveis. Relativamente a estes:

. facto de já estarem onerados a favor de terceiros não impossibilita que o executado constitua garantia por hipoteca voluntária a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, mesmo que seja insuficiente, dependendo do valor atual dos ónus;

. o imóvel destinado exclusivamente habitação própria e permanente do devedor, ao contrário do que é alegado, pode ser penhorado, ou no caso concreto, hipotecado a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, O art. 244 do CPPT determina a impossibilidade da venda mas também define as condições em que a venda pode ocorrer, e nessa medida as condições em que o executado pode constituir garantia a favor dos autos.

Somente após a constituição de garantia a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre todos os bens que a requerente detém poderá ser aferida a sua (in)suficiência e a sua idoneidade para suspensão dos autos e assim decidir sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia do valor remanescente. (...). - (cfr. fls. 55 a 62 dos autos).

F) Em 17/07/2020 sobre a informação descrita na alínea que antecede foi proferido parecer nos seguintes termos: (...) O pedido de dispensa de prestação de garantia assenta no fundamento de insuficiência de bens para prestação de garantia, que na data da citação foi calculada em € 288.395,97. O sujeito passivo é detentor de património (bens imóveis e participações sociais) e só após a constituição de garantia sobre a totalidade dos seus bens será possível aferir da sua capacidade para prestação de garantia. Assim sendo, pronuncio-me peio indeferimento do pedido.". - (cfr. fls. 55 a 62 dos autos)

G) Com data de 19/07/2020 foi proferido o seguinte Despacho: “Face à informação e parecer que antecedem e com os fundamentos neles aduzidos que se dão como integralmente reproduzidos para todos efeitos legais indefiro o pedido em apreço. Sem prejuízo no entanto, da executada poder suprir as faltas indicadas nos mesmos.". - (cf. fls. 55 dos autos).


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FACTOS NÃO PROVADOS

Não ficou provado o montante do rendimento mensal auferido pela reclamante nem as despesas mensais em que incorre.

Também não ficou provado qual o montante de capital que as hipotecas constituídas sobre os imóveis identificados pelos artigos matriciais n.°s 1…, 1… e 1…, todos da freguesia do Vimeiro, concelho de Alcobaça, garantem atualmente.

Inexistem outros factos nos autos cuja não prova seja relevante para a decisão da causa.


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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, que não foram impugnados, constantes dos presentes autos, conforme se refere a propósito de cada uma das alíneas dos factos provados e do sumariamente explicitado quanto aos factos não provados.



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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao considerar que a penhora da casa de morada de família constitui um acto inútil, sem a declaração da renúncia ao direito a que se refere o nº6 do artigo 244º do CPPT, por não constituir garantia idónea.

Afirma a Recorrente que o facto de existir impedimento legal à venda da casa de morada de família não significa que não pode ser penhorada.

Vejamos.

Nos presentes autos foi impugnado o despacho proferido pelo Órgão da Execução Fiscal que indeferiu o pedido de dispensa parcial de garantia formulado pela Recorrida, por, ao que aqui interessa, não ter sido constituída garantia a favor da AT relativamente à casa de morada de família.

A sentença recorrida, relativamente a este ponto concreto do despacho reclamado, entendeu assistir razão à Recorrida, na medida em que a penhora da casa de morada de família, desacompanhada da declaração de renúncia ao direito de não vir a ser vendida na execução fiscal, não se poderia qualificar como garantia idónea.

A Recorrente, não concorda com o assim decidido, por entender, como vimos, que a casa de morada de família pode ser alvo de penhora, embora admitindo que não pode ser vendida no processo de execução fiscal.

Ora, a questão, a nosso ver, deve ser enquadrada no âmbito da avaliação dos pressupostos para a dispensa (parcial) da prestação de garantia solicitada pela Recorrida e não, como fez a sentença, na perspectiva da idoneidade da garantia prestada.

É que, no requerimento que deu origem à decisão reclamada foi pedida a prestação de garantia e a dispensa parcial da sua prestação, na medida em que os bens entregues pela Requerente não fossem suficientes para a garantia.

Posto isto, salientar que do probatório resulta (alínea e) que o pedido de isenção parcial de prestação de garantia foi indeferido por se considerar que o requisito da insuficiência dos bens da Recorrida só estaria cumprido depois de estarem garantidos, a favor da AT, todos os bens propriedade daquela.

O STA pronunciou-se, já, relativamente a esta matéria, em recente Acórdão de 02/09/2020, proferido no âmbito do processo nº 307/20, no sentido de que a circunstância de a casa de morada de família não ser susceptível de venda em execução fiscal não obsta à sua penhorabilidade, e do qual nos permitimos extrair o seguinte:

“(…)Nos termos do n.º 4 do artigo 52.º da LGT, na redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.”

O executado pode, assim, solicitar ao órgão de execução fiscal que o isente de prestar garantia com vista à suspensão do processo de execução em virtude da reclamação graciosa que deduziu para discutir a ilegalidade da dívida exequenda (n.º 1 do artigo 52.º da LGT), com fundamento no "prejuízo irreparável” que a prestação de garantia lhe pode causar, ou na "manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis”.

O ónus da prova dos factos que servirem de fundamento ao pedido é do executado, pois são factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido – neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22/05/2019, processo 0827/18.7BELRA.

A manifesta falta de meios económicos afere-se, “é revelada”, de acordo com a letra da lei, “pela insuficiência de bens penhoráveis”.
O n.º 2 do artigo 244.º do CPPT, na redação da Lei n.º 13/2016, de 23 de maio, estipula que “Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim”.
Mas a lei não impede que na execução fiscal seja penhorado um imóvel afeto exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar.

Aliás, a proibição da venda da habitação própria e permanente do executado só se entende porque o imóvel é penhorável. Se fosse impenhorável, o legislador não precisava de proibir a venda, uma vez que a penhora é uma atividade prévia e necessária à realização da venda. Só são vendidos os bens que antes foram penhorados.

Em sede tributária dispõe o artigo 50.º, n.º 1 da LGT que o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários.

O imóvel onde o executado tem a sua habitação própria e permanente faz parte do seu património e constitui garantia geral dos créditos tributários, uma vez que não existe norma legal que afaste aquela regra.
O mesmo se passa nas execuções cíveis em que estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda – artigo 735.º, n.º 1 do CPC.
A diferença nesta matéria entre a execução cível e a execução fiscal é que na primeira não há qualquer limitação quanto à venda do imóvel. O que significa que o credor comum pode penhorar e vender o imóvel que constitui a habitação própria e permanente do executado para ser pago pelo produto da venda. Já na execução fiscal a AT não pode vender o imóvel que penhorou, e se tal acontecer a venda é nula porque celebrada contra disposição legal de carácter imperativo, a constante do n.º 4 do artigo 244.º do CPPT, nulidade que é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, conforme artigo 286.º do Código Civil (CC), não ficando, pois, sujeita às regras da anulação da venda nem aos prazos fixados para a mesma no artigo 257.º do CPPT - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10/04/2019, processo 0852/17.5BESNT.

Perguntar-se-á qual o interesse em se penhorar um bem na execução fiscal que depois não pode ser vendido?

A penhora é fonte de uma preferência sobre o produto da venda dos bens penhorados, dado que o exequente adquire por ela o direito a ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (artigo 822.º, n.º 1 do CC).

Deste modo, a AT, penhorado o imóvel na execução fiscal, poderá reclamar o seu crédito se em execução cível o bem tiver sido penhorado por um credor comum.

A penhora em sede de execução fiscal não consubstancia por isso a prática de um ato inútil. Ela mantém, apesar da proibição prevista no n.º 4 do artigo 244.º do CPPT, a sua função conservadora, pois os atos de disposição e de oneração dos bens são inoponíveis à execução, e a sua função de garantia na medida é fonte de uma preferência sobre o produto da venda dos bens penhorados que possa vir a ocorrer em execução cível.
Porque assim é, o artigo 244.º, n.º 4 do CPPT não afasta a regra geral de que todo o património penhorável do executado constitui garantia geral da dívida tributária. O pagamento coercivo não pode ocorrer na execução fiscal, na medida em que a venda não é permitida por lei, mas pode acontecer por outra via, numa execução instaurada por um credor comum.
Fazendo o imóvel parte do património do executado, deve ser considerado no juízo que a AT tem de fazer sobre a insuficiência de bens.(…)”



Não havendo razões para decidir em sentido diferente, acolhemos o entendimento seguido pelo STA no Acórdão referido, pelo que consideramos que, não existindo obstáculo legal à penhora/hipoteca da casa de morada de família, antes e apenas à sua venda em execução fiscal, o entendimento seguido pela sentença recorrida não se pode manter. É que o requisito da insuficiência dos bens da Recorrida para aferir do pedido de dispensa de prestação de garantia deve abranger todos os bens daquela, pelo que será de conceder provimento ao recurso.

III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub- Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, assim se considerando improcedente a reclamação.

Custas pela Recorrida.

Registe e Notifique.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2021


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)