Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2825/14.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:TSAM
GRUPO
AUDIÇÃO PRÉVIA
APROVEITAMENTO DO ATO
Sumário:I - Para efeitos de aplicação da TSAM, considera-se “grupo” o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, mantêm entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes da utilização da mesma insígnia ou de direitos ou poderes, nos termos previstos na alínea o) do art.º 4.º do DL n.º 21/2009, de 19 de janeiro.
II - Nos termos da teoria do aproveitamento do ato, verifica-se uma inoperância da força invalidante do vício que inquina o ato, em virtude da preponderância do conteúdo sobre a forma.
III - Quando em relação a um determinado ato, que padeça de ilegalidade formal ou externa, se possa afirmar inequivocamente que o ato só podia ter o conteúdo que teve em concreto, a essa invalidade não é operante, em virtude da conformidade substancial do ato praticado.
IV - Tendo sido apreciada, em sede impugnatória, toda a argumentação sustentada pela Impugnante e da mesma tendo resultado verificarem-se os pressupostos de facto e de direito da atuação da administração tributária, a falta de notificação para exercício de direito de audição, num contexto em que a margem de discricionariedade da administração é praticamente inexistente, revela-se irrelevante e sem força invalidante, na medida em que os pressupostos da tributação já foram apreciados pelo Tribunal.
V - Demonstrada, junto do Tribunal, a conformidade substancial do ato praticado, uma solução distinta da mencionada em IV. conduziria a um resultado antijurídico.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

L… – Sociedade De Distribuição, S.A. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 19.02.2022, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), relativa ao ano de 2014.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“A. A Recorrente vem apresentar recurso por não se conformar com o decidido na douta sentença proferida nos presentes autos, que julgou (parcialmente) improcedente a impugnação em crise, mantendo, em parte, a liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais do ano 2014.

B. O recurso tem por objecto a decisão quanto às questões de facto e de direito que subjazem à improcedência parcial da Impugnação Judicial da ora Recorrente, a saber: (i) a não consideração da isenção da TSAM do ano 2014; e (ii) a improcedência do vício de preterição de formalidade essencial.

Quanto à não consideração da isenção aplicável,

C. Ao concluir, como conclui o Tribunal a quo, que a Recorrente não deve beneficiar desta isenção por explorar uma insígnia comum a outros estabelecimentos comerciais, e por estar integrada num “grupo”, nos termos e para os efeitos da alínea b) do nº 3 e do nº 5 do artigo 3º suprarreferido, está a proceder a uma errada interpretação da lei e a uma errada qualificação da realidade jurídica da Recorrente.

D. A Recorrente não pertence a nenhum grupo de empresas e inexiste qualquer unidade económica entre os supermercados que utilizam a insígnia “E…” Nem sequer mantém laços de interdependência com as demais empresas portuguesas exploradoras da insígnia. Mais importante ainda: não se verifica qualquer relação de subordinação ou interdependência entre a Recorrente e a “A…” e entre a Recorrente e a C….

E. De facto, a Recorrente utiliza a insígnia E…. Mas, ao contrário das lojas “C…”, que pertencem ao grupo S…, e das lojas “P…”, que pertencem ao grupo “J…”, a Recorrente não pertence a um grupo chamado “E…” (ou qualquer outro) – pelo simples facto de tal “grupo” não existir a nível nacional!

F. A Recorrente utiliza a insígnia E…, detendo um mero direito de utilização da marca, e mantendo absoluta autonomia na gestão comercial do seu estabelecimento.

G. A Recorrente descreveu, no requerimento apresentado a fls. 153 destes autos, com detalhe e pormenor, toda a actividade do Movimento E… em Portugal, bem como a actividade da C… e da A…, de onde se pôde retirar as seguintes conclusões:

- A relação entre a Recorrente e a A… tem por base única e exclusivamente a autorização de exploração de uma insígnia;

- A Recorrente detém o poder de gerir o seu próprio negócio;

- Cada Aderente é o único gestor e responsável pela administração do seu estabelecimento;

- As lojas são inteiramente livres no que diz respeito às suas respectivas fontes de abastecimento, sendo certo que, na prática, recorrem amiúde a circuitos alternativos de abastecimento;

- Os preços a que as lojas E… vendem os mais variados produtos são fixados livremente por cada Aderente;

- As lojas são absolutamente autónomas na sua gestão comercial;

- É absolutamente impensável no funcionamento do Movimento E… que a C… pudesse permitir-se dar opiniões sobre as decisões comerciais tomadas por um Aderente.

H. Daqui, facilmente se depreenderá que não se verifica qualquer relação de interdependência e subordinação entre os estabelecimentos que exploram a insígnia “E…”, e entre esses estabelecimentos e a C… e a A….

I. Ao contrário da ideia generalizada que é apreendida, o “Movimento E…” não é uma estrutura centralizada ou integrada que opera na distribuição retalhista, na qual, como sucede muitas vezes, uma empresa controla um número maior ou menor de diferentes lojas instaladas pelo país, com uma oferta padronizada.

J. A exploração das lojas E… não é feita por intermédio de contratos de franchising, agência ou qualquer outro contrato do mesmo tipo, nem sequer através de uma central ou sociedade-mãe que influencie decisivamente a gestão das lojas.

K. Da sentença recorrida consta que “a isenção é excluída pelo simples facto de a Impugnante operar sob uma insígnia, a “E…”, a qual, como é público e notório, dispõe de uma área de venda acumulada ou superior a 6.000 m2, a nível nacional”.

L. Ou seja, o Tribunal a quo entende que basta a exploração de uma insígnia comum, para que se esteja perante um «grupo» nos termos da Portaria 215/2012 de 17 de Julho e, consequentemente, a situação caiba na norma de exclusão prevista no nº 3 do artigo 3º da referida Portaria.

M. A Recorrente discorda deste entendimento. Tal interpretação retiraria qualquer sentido à possibilidade de aplicação do disposto no nº 2 do artigo 3º da Portaria nº 215/2012 – o facto de a isenção abranger os estabelecimentos comerciais que, apesar de usarem uma insígnia comum, estão associados através, nomeadamente, de cooperativas (desde que não pertençam a uma empresa ou integrem um grupo nos termos previstos nos números seguintes).

N. A utilização de uma insígnia não determina de forma directa e sem mais, a pertença a um grupo de sociedades ou que a empresa disponha de uma área de venda acumulada superior a 6.000 m2.

O. De facto, decorre do nº 5 do artigo 3º da Portaria suprarreferida que o legislador considera como pertencendo ao mesmo grupo, as empresas que mantenham entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes da utilização da mesma insígnia. O que é bem diferente de dizer que da mera utilização de uma insígnia comum, o legislador presume automaticamente que existem laços de subordinação e interdependência entre as empresas!

P. Assim, não deve ser considerado pelo intérprete, o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal – cfr. nº 2 do artigo 9º do Código Civil.

Q. Resulta bastante óbvio da norma referida, que é possível vários estabelecimentos comerciais usarem uma insígnia comum e estarem associados através de uma cooperativa, sem pertencerem a um grupo nos termos e para os efeitos previstos nos ns. 3 e 5 do artigo 3º.

R. E é precisamente esse o caso da ora Recorrente, que explora um estabelecimento comercial, utilizando a insígnia E…, não mantendo com as demais sociedades exploradoras dessa insígnia qualquer laço de interdependência, e sendo totalmente autónoma na tomada de decisões e na gestão dos seus negócios.

S. Não resulta dos autos – nem dos documentos juntos, nem do procedimento administrativo, nem da matéria de facto provada – que a Recorrente esteja integrada num grupo que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6.000 m2.

T. Assim como não resulta dos factos provados a existência de uma relação de interdependência entre a Recorrente e a A… e entre a Recorrente e a C….

U. Estes factos são, necessariamente, factos não provados nestes autos!

V. Assim, desde já se diga que a decisão recorrida é contrária àquela que os factos provados impõem! Salvo o devido respeito, que é muito, existe uma errada apreciação e valoração dos factos dados como provados nestes autos, que resulta numa decisão em contradição com a prova produzida.

W. Recorde-se:

i. Decorre da liquidação da TSAM, que a Recorrente apenas explora UM estabelecimento comercial;

ii. Decorre destes autos que o referido estabelecimento tem uma área de venda alimentar inferior a 2.000 m2 (vide ponto 4 do probatório).

X. Assim, face à factualidade provada nestes autos, não existe outra solução que não seja a de aplicar ao caso em apreço a isenção de TSAM!

Y. Pelo que, tendo-se verificado o vício de erro sobre os pressupostos na aplicação da isenção, resulta necessariamente que o acto praticado com esse vício, digase a liquidação, tem de ser ANULADO na íntegra, motivo pelo qual deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a anulação total da liquidação impugnada.

Quanto à preterição de formalidades essenciais,

Z. A DGAV não notificou a Recorrente para exercer o seu direito de participação no procedimento de liquidação e pronunciar-se sobre essa mesma liquidação.

AA. A Recorrente foi apenas notificada da liquidação final e de um prazo para pagamento da TSAM.

BB. A participação do sujeito passivo no procedimento tributário e no procedimento de liquidação está prevista no artigo 45º do CPPT, que consagra que “o procedimento tributário segue o princípio do contraditório, participando o contribuinte, nos termos da lei, na formação da decisão”.

CC. O direito de audição prévia só é dispensado se a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou se a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

DD. No caso em apreço, a Recorrente não foi notificada para o exercício do direito de audição antes da liquidação e não há fundamento legal para a sua dispensa (de acordo com o nº 2 do artigo 60º da LGT).

EE. Apesar de a lei prever que os sujeitos passivos devem comunicar os elementos à DGAV, se o não fizerem, a DGAV pode socorrer-se das informações da Direcção Geral as Actividades Económicas, mas não está dispensada de notificar os sujeitos passivos para o exercício do direito de audição antes da liquidação, porque nada garante que essas informações estejam correctas ou actualizadas.

FF. E nem se argumente que o exercício de audição prévia não ia alterar, neste caso, a decisão final de liquidação, porque, apesar de a Recorrente apenas ter informado os autos do lapso de medição e da correcção da área de venda alimentar já na fase judicial do processo, já era do seu conhecimento que a área alimentar era inferior a 2.000 m2 à data da liquidação. E, assim sendo, faria toda a diferença a Recorrente exercer o seu direito de audição prévia.

GG. Repare-se que, na primeira oportunidade que a Recorrente teve para se pronunciar quanto à liquidação - isto é, na petição inicial de impugnação judicial – foi logo alegado o facto de a área de venda de comércio alimentar do seu estabelecimento ser inferior a 2.000 m2, e como tal, dever beneficiar da isenção prevista na Portaria 215/2012 de 17 de Julho.

HH. Pelo que estamos perante uma preterição de formalidade essencial, uma vez que poderia determinar alterações no montante da taxa a liquidar, com a correspondente afectação do património da Recorrente, e com consequências sobre a validade do acto subsequente de liquidação.

II. Lê-se na sentença recorrida que “nada se demonstra, portanto, sobre a (perfunctoriamente invocada) violação do direito de audição prévia”. A Recorrente discorda. Resulta claramente do alegado na petição inicial, bem como dos documentos juntos aos autos e do procedimento administrativo junto pela Fazenda Pública, que a DGAV não notificou a Recorrente para exercer o seu direito de audição prévia, limitando-se apenas a notificar a Recorrente de uma liquidação final, com um prazo já fixado para pagamento da TSAM.

JJ. Ao considerar não existir qualquer preterição de formalidade essencial no procedimento, a decisão recorrida está a reduzir o direito de audição prévia a uma mera formalidade legal dispensável, em qualquer caso.

KK. Tendo sido violado o conteúdo essencial do direito constitucional de participação consagrado no artigo 267º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, a sentença recorrida deveria ter anulado o acto de liquidação, por vício de forma. Sem prejuízo da anulação da liquidação por vício de erro sobre os pressupostos na aplicação da isenção, já invocado.

LL. Por tudo quanto ficou dito, tendo-se verificado os vícios de erro sobre os pressupostos na aplicação da isenção e de preterição de formalidade legal, resulta necessariamente que o acto praticado com esses vícios, diga-se a liquidação, tem de ser totalmente ANULADO, motivo pelo qual deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a anulação total da liquidação impugnada.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V.AS EX.AS, MUITO DOUTAMENTE SUPRIRÃO:

Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a mui douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que julgue totalmente procedente a Impugnação Judicial, sendo, consequentemente, ordenada a restituição do montante total que foi pago pela Recorrente a título de TSAM, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios legalmente devidos.

Assim se fazendo sã e inteira JUSTIÇA”.

A Fazenda Pública (doravante FP ou Recorrida) não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) A decisão recorrida padece de erro de julgamento, dado que a Recorrente não integra qualquer grupo para efeitos de TSAM?

b) Verifica-se erro de julgamento, dada a preterição do direito de audição?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. A Impugnante é uma sociedade anónima que explora um estabelecimento de comércio alimentar e não alimentar, utilizando a insígnia E… – confissão (cfr., por exemplo, arts. 1º e 2º da p.i.);

2. Os estabelecimentos que operam sob a insígnia E… dispõem, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2 – facto público e notório;

3. A Impugnante integra a C… – Aquisição e Fornecimento de B…, C… e Responsabilidade Limitada – cfr. doc. 3, junto aos autos com a p.i.;

4. O estabelecimento comercial da Impugnante é um estabelecimento misto, com a área total de 2.998 m2 e uma área de comércio de venda alimentar de 1.138,50 m2 – cfr. doc. de fls. 160 e não controvertido;

5. Com respeito ao ano de 2014, a Impugnante não comunicou aos serviços da administração a área do estabelecimento que explora que está afeta a comércio alimentar – facto não controvertido;

6. Em 25.06.2019, a Impugnante submeteu a declaração para registo de beneficiário efetivo de fls. 161 e ss. dos autos;

7. Com data de 30.06.2013, a DGAV remeteu à Impugnante, sob registo postal com AR, o ofício nº 013712 do qual consta, entre o mais:

“ASSUNTO: TAXA DE SEGURANÇA ALIMENTAR MAIS.

Como é do conhecimento de V. Exa, o Decreto-Lei nº 119/2012, de 15 de Junho, criou, a Taxa de Segurança Alimentar Mais, a qual constitui uma contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar, para os estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, conforme referido no n.º 1 do artigo 9.º do mencionado diploma. Anualmente é fixado o montante da taxa a cobrar por metro quadrado de área de venda do estabelecimento comercial, encontrando-se fixado em € 7 (sete euros), o valor a cobrar por metro quadrado de área de venda do estabelecimento comercial, no ano de 2014, conforme previsto na Portaria nº 87/2014, de 17 de abril.

Em cumprimento do preceituado no n.º 3 do artigo 5.º da Portaria nº 215/2012, de 17 de Julho, fica V. Ex.a notificado(a) que o montante da taxa de segurança alimentar mais, relativa ao ano de 2014, é de € 15739,50 (quinze mil setecentos e trinta e nove euros e cinquenta cêntimos), valor que resulta da aplicação da taxa fixada nos termos do nº 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei nº 119/2012, de 15 de junho, à área de venda do estabelecimento (2248,50 m2), sendo esta última determinada por aplicação do coeficiente de ponderação previsto no artigo artigo 1º da Portaria nº 200/2013, de 31 de maio, à área do estabelecimento a que se refere b) do nº 2 do artigo 2º da Portaria nº 215/2012, de 17 de Julho. O pagamento desta taxa deve ser realizado em duas prestações de montante igual, até ao final dos meses de maio e de outubro, conforme previsto no nº 2 do artigo 6º da Portaria nº 215/2012, de 17 de Julho, pelo que para o efeito se remetem desde já as faturas n.ºs 451/F e 452/F. […A] presente notificação poderá ser objeto de impugnação nos termos dos artigos 99.º e seguintes do Cóigo de Procedimento e do Processo Tributário, no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo para o respetivo pagamento. […]” – cfr. doc. 1, junto aos autos com a p.i., e fls. não numeradas do PA apenso;

8. Em anexo ao ofício mencionado no número anterior, foram remetidas as faturas FT 2014F/000451, de 5.06.2014, no valor de € 7.869,75, mencionando na quantidade “1”, no campo Área “2.248,50”, no descritivo “Taxa de Segurança Alimentar Mais – 2ª Prestação do Ano de 2014 (Decreto-Lei nº 119/2012, Portarias nº 215/2012, nº 200/2013 e nº 87/2014) referente a 50% do valor da taxa anual (7€/m2)” e no preço unitário “3,50” e FT 2014F/000452, de 5.06.2014, no valor de € 7.869,75, mencionando na quantidade “1”, no campo Área “2.248,50”, no descritivo “Taxa de Segurança Alimentar Mais – 1ª Prestação do Ano de 2014 (Decreto-Lei nº 119/2012, Portarias nº 215/2012, nº 200/2013 e nº 87/2014) referente a 50% do valor da taxa anual (7€/m2)” e no preço unitário “3,50” – cfr. doc. 1, junto aos autos com a p.i., e fls. não numeradas do PA apenso;

9. Em 9.07.2014 e em 1.10.2014, a Impugnante pagou os valores mencionados no número anterior – cfr. doc. 2, junto aos autos com a p.i., e não controvertido;

10. Em 1.12.2014, a p.i. da presente impugnação foi apresentada neste Tribunal, através de correio eletrónico - cfr. fls. 1 a 3 dos autos”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Inexistem factos com relevância para a decisão da causa que importe destacar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do tribunal sobre a matéria de facto formou-se com base na análise crítica dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo tributário apenso, não impugnados, bem como na posição assumida pelas partes no processo, conforme referido a propósito de cada número do probatório”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, quanto aos pressupostos da isenção

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo laborou em erro, na medida em que não integra qualquer grupo para efeitos de TSAM, inexistindo qualquer unidade económica entre os supermercados que utilizam a insígnia “E…”.

Vejamos então.

A TSAM foi criada pelo DL n.º 119/2012, de 15 de junho.

Este tributo está previsto no art.º 9.º do referido diploma e está configurado como “contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar”, sendo sujeitos passivos do mesmo os estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados. Este art.º 9.º, no seu n.º 2, prescreve que estão isentos de TSAM, “os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas desde que: // a) Não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias e que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2 ; // b) Não estejam integrados num grupo que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2”.

A Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho, no seu art.º 3.º, prescreve que:

“1 — Estão isentos do pagamento da taxa os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas, tal como definidas no Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 143/2009, de 16 de junho, nos termos e condições do presente artigo.

2 — A isenção abrange os estabelecimentos comerciais que, apesar de usarem uma insígnia comum, estão associados através, nomeadamente, de cooperativas, desde que não pertençam a uma empresa ou integrem um grupo nos termos previstos nos números seguintes.

3 — As isenções previstas no n.º 1 não são aplicáveis aos estabelecimentos que:

a) Pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias e que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2;

b) Estejam integrados num grupo que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2 .

4 — Para efeitos da alínea a) do número anterior, considera -se como pertencendo a outra as empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica ou mantenham entre si laços de interdependência decorrentes, nomeadamente:

a) De uma participação maioritária no capital;

b) Da detenção de mais de metade dos votos atribuídos pela detenção de participações sociais;

c) Da possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou de fiscalização;

d) Do poder de gerir os respetivos negócios.

5 — Para efeitos da alínea b) do n.º 3, considera-se «grupo» o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, mantêm entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes da utilização da mesma insígnia ou de direitos ou poderes, nos termos previstos na alínea o) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de janeiro” (sublinhado nosso).

Vejamos o caso dos autos.

A Recorrente defende, em síntese, que “não pertence a nenhum grupo de empresas e inexiste qualquer unidade económica entre os supermercados que utilizam a insígnia “E…”, “[n]em sequer mantém laços de interdependência com as demais empresas portuguesas exploradoras da insígnia, “não se verifica qualquer relação de subordinação ou interdependência entre a Recorrente e a “A…” e entre a Recorrente e a C…”

Atenta a matéria de facto assente, verifica-se que a ora Recorrente é uma sociedade anónima, que explora um estabelecimento de comércio alimentar e não alimentar, utilizando a insígnia E…, sendo que os estabelecimentos que utilizam tal insígnia, como é facto notório e do conhecimento geral, e como decorre do ponto 2. da matéria de facto assente, dispõem, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2. Ficou ainda provado que a Recorrente integra a C… – Aquisição e Fornecimento de B…, C… e Responsabilidade Limitada.

Situações equivalentes à ora em discussão nos presentes autos têm sido objeto de apreciação e decisão pelos nossos tribunais superiores, chamando-se, a este respeito, à colação, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 22.05.2019 (Processo: o418/14.1BECBR), de 02.12.2020 (Processo: 0660/14.5BECBR) e de 09.03.2022 (Processo: 0416/14.5BECBR) [cuja doutrina, apesar de respeitante a situações de franchising, é aqui transponível – cfr., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.03.2023 (Processos: 0559/20.6BECBR, 0528/19.9BECBR e 02106/20.0BEBRG) onde foram justamente rejeitados recursos de revista apresentados, face à mencionada jurisprudência], os deste TCAS, de 01.06.2023 (Processo: 2573/19.5BELRS), de 22.06.2023 (Processo: 199/20.0 BELRS), de 04.10.2023 (Processo: 1064/20.6BELRA), de 04.10.2023 (Processo: 833/21.4 BEPNF) e de 19.10.2023 (Processo: 1208/19.0BESNT) e os do Tribunal Central Administrativo Norte de 20.10.2022 (Processo: 559/20.6BECBR) e de 03.11.2022 (Processo: 01878/19.0BEBRG).

Com efeito, a questão que se coloca prende-se com o específico conceito de grupo, para efeitos da disciplina in casu aplicável.

No mencionado aresto de 22.05.2019, o Supremo Tribunal Administrativo, refere, a este propósito:

“Por um lado, um grupo de empresas define-se pelas relações jurídicas, económicas e financeiras que se estabelecem com uma empresa do grupo – a empresa dominante –. São formas de concentração na pluralidade em que duas ou mais empresas ficam submetidas a uma direcção comum, sendo irrelevante que existam ou não relações entre as empresas submetidas à direcção comum, art.º 488º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais. Por outro, no que à taxa em discussão diz respeito trata-se apenas de uma denominação de – grupo – que o legislador, ciente do aumento crescente de contratos de franchising ou que conduzem ao mesmo resultado de parcelamento do espaço de venda, pretende a responsabilização pelo pagamento da taxa reportado à globalidade do espaço de venda da empresa franchisadora que o faz pulverizar em múltiplas empresas franchisadas. A taxa poderia ter sido aplicada à empresa franchisadora, mas o seu recorte teria que ser diverso do que é efectuado para cada empresa em concreto. A opção legislativa encontrada faz com que o mesmo modelo possa ser aplicado a cada empresa concreta, com o espaço de venda que detém, sem deixar de ter em conta o total espaço de venda nacional que corresponde, neste caso à utilização da mesma insígnia.

Não exige a lei que esteja estabelecida qualquer relação jurídica, comercial ou financeira entre a impugnante e cada uma das empresas que utilizam a mesma insígnia para cálculo da área total de venda que corresponde a essa utilização, bastando a existência de empresas juridicamente distintas e que utilizem a mesma insígnia – artigo 3.º, n.º 5 da Portaria nº 215/2012: considera-se «grupo» o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, mantêm entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes da utilização da mesma insígnia ou de direitos ou poderes, nos termos previstos na alínea o) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de Janeiro (…)»”.

Portanto, não se verifica aqui qualquer erro de julgamento, na medida em que a isenção referida não é, in casu, aplicável, uma vez que a Recorrente está integrada num grupo, nos termos e para os efeitos da disciplina aplicável a que fizemos menção, que dispõe a nível nacional de uma área de venda acumulada superior a 6000 m2, decorrente da utilização da mesma insígnia.

Como tal, carece de razão a Recorrente nesta parte.

III.B. Do erro de julgamento, atinente à preterição do direito de audição

Considera, ainda, a Recorrente que a sentença em crise padece de vício, por ter sido preterido o direito de audição.

Vejamos.

O direito de audição prévia, ao nível tributário, encontra-se previsto no art.º 60.º, da LGT, consagrando, ao nível ordinário, o desiderato constitucional consubstanciado no direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes disserem respeito, consagrado no art.º 267.°, n.º 4, da CRP.

Como referido por Pedro Machete («A Audição Prévia do Contribuinte», Problemas fundamentais do Direito tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 322):

“A audição prévia do contribuinte visa garantir a defesa dos interesses destes perante o Fisco e a valoração dos factos tributáveis de acordo com o princípio da verdade material. Consequentemente, o seu único pressuposto positivo é a previsão de uma decisão da Administração fiscal desfavorável aos interesses do contribuinte. Perante tal hipótese, quis o legislador que fosse dada ao contribuinte a possibilidade de criticar o entendimento já assumido pela Administração”.

In casu, não é controvertido, como resulta da posição de ambas as partes vertidas nos respetivos articulados, que a Recorrente não foi notificada expressamente para efeitos de exercício do direito de audição.

Ora, ainda que, in casu, não se esteja perante nenhuma das situações de dispensa do direito de audição, previstas nos n.ºs 2 e 3 do art.º 60.º da LGT, considera-se que esta irregularidade formal não é de molde a pôr em causa a legalidade da liquidação.

Em situações como a presente, revela-se pertinente apelar à teoria do aproveitamento do ato, acolhida já há muito entre a doutrina e a jurisprudência e atualmente até objeto de positivação legal (cfr. art.º 163.º, n.º 5, do Código do Procedimento Administrativo).

Nos termos da mencionada teoria, verifica-se uma inoperância da força invalidante do vício que inquina o ato, em virtude da preponderância do conteúdo sobre a forma. Assim, quando em relação a um determinado ato, que padeça de ilegalidade formal ou externa, se possa afirmar inequivocamente que o ato só podia ter o conteúdo que teve em concreto, a essa invalidade não é operante, em virtude da conformidade substancial do ato praticado(1- Cfr. José Carlos Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 329 a 336. V. a este propósito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.03.2019 (Processo: 24/08.0BELRS)..

Com efeito, uma solução em sentido diferente conduziria a um resultado antijurídico, na medida em que os pressupostos de facto da tributação já foram apreciados pelo Tribunal [cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.04.2012 (Processo: 0896/11), e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 09.06.2022 (Processo: 2312/10.6BELRS)]. Veja-se, ademais, que estamos num contexto em que a margem de discricionariedade da administração é praticamente inexistente, centrando-se a discordância da Recorrente em questões do alcance do regime legal e regulamentar aplicável, designadamente do âmbito de abrangência do conceito de grupo para efeitos de isenção.

Assim, sendo certo que foi preterida uma formalidade legal, no caso em concreto, esta degradou-se em formalidade não essencial.

Como tal, com a presente fundamentação, carece de razão a Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 29 de fevereiro de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Patrícia Manuel Pires)

(Ana Cristina Carvalho)