Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:620/15.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/21/2019
Relator:CRISTINA SANTOS
Descritores:ATRASO NA JUSTIÇA
Sumário:1. A decisão de arquivamento em 05.09.2013 do inquérito-crime nº 3322/09.1 TALRS (iniciado em 01.07.2009 por certidão extraída do processo crime nº 33/08.9TALRS) fundamentado em falta de dolo específico no tocante ao crime de denúncia caluniosa em que foi Arguido o ora Recorrido, não configura um facto ilícito posto que não se verifica uma omissão de decisão do Ministério Público em prazo razoável, na exacta medida em que o inquérito-crime nº 3322/09.1TALRS teria que aguardar o trânsito em julgado da sentença absolutória proferida no processo-crime nº 33/08.9TALRS.

2. Cumpria ao Ministério Público aguardar o resultado dos recursos interpostos pelo Recorrido da sentença absolutória dos F.M. e F.L do crime de difamação agravada quando testemunharam em Tribunal que o Recorrido tivera um relacionamento amoroso entre 1995 e 1998 com outra pessoa que não o seu cônjuge-mulher (objecto do processo crime nº 33/08.9TALRS).

3. Para evitar a simultaneidade de tramitação de dois processos penais - um já julgado com recurso pendente (primeiro na Relação de Lisboa e depois no Tribunal Constitucional) e outro em fase de inquérito - com identidade de matéria de facto mas contraditórios do ponto de vista da valoração e integração do cometimento do tipo de ilícito penal e imputação de autoria - dum lado o crime de difamação agravada dos F.M. e F.L. e do doutro a denúncia caluniosa do Recorrido, sendo que a factualidade é a mesma, o referido relacionamento amoroso extraconjugal, entre 1995 e 1998, por parte do Recorrido.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:REC. Nº 620/15.9BELSB
(16610/19)

O Estado Português, representado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em matéria de atraso da justiça, dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. O ora A. apresentou sucessivas queixas de natureza criminal por crimes de difamação e foi alvo de processos por denúncia caluniosa - v.g. processos nº 33/08.9TALRS, 3322/09.1TALRS, 2119/07.8TALRS e 4081/10.0TALRS.
2. Ocorrendo interdependência dos referidos processos e podendo a decisão de uns afectar a decisão de outros, o titular do(s) processo(s) em que era denunciado o ora A. solicitava, como se impunha, informações aos processos em que o ora autor era queixoso.
3. Porém, o Tribunal, na sentença sob recurso, não efectuou uma correcta subsunção da prova documental referente a todas as circunstâncias e vicissitudes processuais, designadamente dos recursos interpostos pelo autor, nos processos em que era queixoso, quer para o Tribunal da Relação de Lisboa quer para o Tribunal Constitucional, os inúmeros incidentes v.g. faltas a diligências no inquérito em que era denunciado, revogações dos mandatos forenses e ainda as inúmeras e sucessivas renúncias ao patrocínio por parte dos mandatários nomeados ao Autor.
4. Resulta da abundante prova documental que, no caso em apreço, o(s) magistrados titular(es) dos referidos processos, face à interdependência dos mesmos e visando assegurar os direitos do ora autor não deduziram acusação aquando da não pronúncia dos denunciados pelos crimes de difamação, antes aguardaram prudentemente o resultado de recursos interpostos naqueles processos e , designadamente, o resultado do processo n° 33/08.9TALRS.
5. E aguardaram que o ora A. esgotasse todos os mecanismos legais de que dispunha, v.g. interposição de recursos e nomeação de sucessivos advogado(s) oficioso(s), para poder ser ouvido e constituído arguido em sede de inquérito. E para que o titular do mesmo pudesse, finalmente, instruir e arquivar o inquérito instaurado por denúncia caluniosa contra o ora autor.
6. E caso para afirmar que se o A. não tivesse utilizado à exaustão, sempre com apoio judiciário, os mecanismos legais de que dispunha, provocando atrasos significativos na duração dos processos e que vem agora imputar ao Estado e talvez o inquérito tivesse terminado mais cedo, designadamente no pretendido prazo (ordenador) de oito meses.
7. Deste processo e de outros pendentes neste Tribunal ressalta um quadro de enervamento e conflitualidade diárias relacionadas com inúmeras e sucessivas instaurações de processos de natureza criminal, ao longo dos anos, quer pelo ora autor, quer contra o ora autor.
8. O autor pede a condenação do Réu Estado no pagamento de uma indemnização com fundamento de direito no instituto da responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito do Estado, regulado na Lei n° 67/2007, de 31/12.
9. No que respeita ao pressuposto da ilicitude é doutrinária e jurisprudencialmente pacífico que não basta a verificação de uma qualquer ilegalidade para se dar por verificado o requisito de ilicitude, exigindo-se, para o efeito, que a ilegalidade consista em violação (Io) de direitos de outrem, (2o) de disposição legal destinada à protecção de interesses alheios.
10. A afirmação da existência de ilicitude pressupõe uma necessária consideração que o comportamento do agente violou um dever, revelando-se-lhe exigível a adopção de outro comportamento. Envolvendo a ilicitude num juízo de reprovação, revela-se particularmente importante apurar do acatamento pelo agente dos deveres objectivos de cuidado.
11. Ora, no caso em apreço, não vemos como poderia o Réu Estado e designadamente os seus agentes, actuar de modo diverso, nem que outras medidas poderia ter adoptado para acelerar o andamento dos processos, sem cercear os direitos constitucional e legalmente consagrados do ora autor.
12. Decorre da abundante prova documental constante dos autos que a duração do (s) processo (s) visou essencialmente assegurar os direitos que legal e constitucionalmente assistem ao ora autor e por este sempre exercitados e exigidos.
13. A duração do processo ficou a dever-se à conduta do autor. Na verdade, só após este ter esgotado todos os mecanismos legais ao seu dispor e apesar de todas as vicissitudes, num quadro de extrema conflitualidade e enervamento, foi possível, ao Ministério Público, ouvir o ora autor e proferir, num curtíssimo espaço de tempo, despacho de arquivamento.
14. O Tribunal, na avaliação da violação dos arts0 20°, n° 1 da CRP e 6º § 1º da CEDH , terá que considerar todas as coordenadas do caso, como a duração média daquela espécie, a complexidade e ocorrências especiais, os incidentes suscitados, entre outros fàctores, e que excluir o tempo de atraso injustificado que tenha ficado a dever-se à actuação da parte que pede a indemnização.
15. Face a uma adequada ponderação dos factos provados e da abundante prova documental constante do processo, não podemos deixar de concluir que não foi ultrapassado qualquer “prazo razoável” de duração processual de inquérito, imputável ao Réu Estado.
16. Não se verificam todos os pressupostos de responsabilidade civil por acto ilícito, designadamente a ilicitude, nexo de causalidade e culpa, não existindo qualquer “dano indemnizável”.
17. A presumir-se a existência de «danos morais comuns», sem que ocorra sequer a verificação dos restantes requisitos (ilicitude, nexo de causalidade, culpa) e analisando o caso na perspectiva da responsabilidade objectiva, o Tribunal faz uma errada interpretação da Lei n°67/2007,de 31/12. 
18. A douta sentença ao efectuar uma incorrecta subsunção dos factos ao direito e urna errada interpretação e aplicação da Lei n° 67/2007,de 31/12, incorreu em erro de julgamento.

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O Recorrido. contra-alegou, concluindo como segue:

1. O presente recurso de apelação é inadmissível em vista do valor da sucumbência do apelante, € 2.422,36 (dois mil, quatrocentos e vinte e dois euros e trinta e seis cêntimos), que é manifestamente inferior à alçada do Tribunal a quo, como previsto e imposto pelo art° 142.°, n.° 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
2. A que acresce relevantemente que, aferido pelas suas conclusões, não se mostra adequadamente cumprido o ónus de enunciar os vícios imputados à sentença, mormente a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa e o teor de cada um deles que se imporia, com ampla posterga do imposto peremptória e concomitantemente nos art.°s 144.°, n.° 2, in fine, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 640.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, omissões cominadas com a rejeição do recurso, pelo mínimo, nesse particular segmento.
3. Mas ainda que se julgue admissível o recurso e apto o seu texto, sem conceder no sobredito, sempre é de espantar que, para apontar erro de julgamento fáctico, se invoque contra direito e como fundamento de tais alegados erros, um abuso no acesso aos serviços judiciários por parte do ora Apelado, se critique usar este do direito de arguido em fazer-se acompanhar por defensor e se falte à verdade ao escamotear que entre a constituição de arguido e a prolação da decisão de arquivamento mediou tempo superior ao prazo imposto peremptoriamente pelo art.° 276.°, n.° 2, alínea a), do Código de Processo Penal.
4. Donde que se louva o Apelado na mui bem elaborada sentença, aqui sob inadmissível recurso, quanto ao direito aplicado aos exaustivos e claros factos fixados como provados, apoiados amplamente na doutrina hodierna e em vasta jurisprudência deste Colendo Tribunal Central, como noutros, e confirmações bastantes nos arestos do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria, com remissão à do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, questão jurídica há muito pacificada, excepção feita aqui ao miserabilismo do quantum indemnizatório que, porém, o Apelado aceita.
5. Em tudo se manifestando à saciedade o intuito meramente dilatório do presente recurso e a total ausência de motivos de critica razoável à douta sentença recorrida, inexistindo nela qualquer violação das normas legais, constitucionais e/ou quaisquer outras, pelo que deverá ser confirmada in totum, se admitido o recurso.

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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

A. O Processo n° 3322/09,1TALRS teve início em certidão judicial mandada extrair do Processo n° 33/08.9TALRS, pela Mma. Juíza de Instrução Criminal aquando do encerramento da fase de instrução, cujo teor se considera integralmente reproduzido, visando a investigação autónoma de factualidade susceptível de integrar, em abstracto, o crime de denúncia caluniosa, alegadamente cometido por J…… (Cfr. fls. 3 a 27 do Processo nº 3322/09.1TALRS).
B. A aludida certidão deu entrada nos serviços do Ministério Público de Loures em 24/06/2009, sendo distribuída como inquérito em 01/07/2009 (Cfr. fls. 2 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
C. O inquérito foi concluso pela primeira vez para despacho a 17/07/2009, e foi foi determinada a solicitação para consulta fls. 28 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
D. A 13/11/2009 foi aberta uma segunda conclusão no inquérito 3322/09.1TALRS, com a informação de que "os autos com o NUIPC 33/08.9TALRS foram remetidos para instrução aos Juízos Criminais de Loures em 23/03/2009” tendo sido proferido despacho, em 16/11/2009, a solicitar o processo para consulte, por cinco dias (Cfr. fls. 29 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
E. Na sequência do pedido de çonsulta do processo 33/08.9TAERS, a 14/12/2009 foi lavrada a informação de que os "autos de instrução n° 33/08.9TALRS se encontram no Tribunal da Relação de Lisboa" (Cfr. fls. 30 e 32 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
F. Em 12/04/2010 foi aberta nova conclusão no inquérito 3322/09.1TALRS, tendo sido no próprio dia proferido o seguinte despacho: "Aguarde-se por 90 dias. Após, solicite informação telefónica se os autos já regressaram a este Tribunal. Na afirmativa volte a solicitá-los para consulta. Na negativa, proceda de idêntica forma decorridos que forem mais 60 dias" (Cfr. fls. 33 do Processo n.° 3322/09.1TAL.RS);
G. Em 13/09/2010, pelo oficial de justiça, foi consignado no inquérito que "os autos ainda se encontram no Tribunal da Relação de Lisboa" referindo-se ao processo 33/08.9TALRS (Cfr. fjs. 33v do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
H. A 14/01/2011, o inquérito foi concluso com a informação que o processo 33/08.9TALRS 'já baixou do Tribunal da Relação, já foi remetido a julgamento e foi distribuído ao 3° Juízo Criminal encontrando-se diligências agendadas para 17/02/2011", ter do sido proferido despacho, na mesma data no sentido de voltar a solicitar informação no final de Março de 2011 (Cfr. fls. 34 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
I. Em 25/03/2011 pelo 3o Juízo Criminal dos Juízos Criminais e de Pequena Instância Criminal de Loures, foi proferida sentença do Processo n°33/08.9TALRS, por meio da qual viriam a ser absolvidos os arguidos no referido processo e julgado improcedente o pedido de indemnização civil apresentado pelo aí assistente J……… (Cfr. fls. 42 a 55 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
J. Em 08/07/2011, o inquérito foi concluso com a apresentação do processo comum (singular) 33/08.9 LALRS, tendo sido proferido despacho, neste dia, a solicitar cópia da sentença identificada na alínea anterior, ainda que não transitada em julgado (Cfr. fls. 37 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
K. A certidão da aludida sentença a foi junta a 13/07/2011 (Cfr. fls. 41 a 55 do Processo n.° 3322/09.1TALIRS);
L. Após, foi aberta conclusão a 14/02/2012 com a indicação escrita, por parte do oficial de justiça, de "só nesta data, atento o grande volume de serviço" tendo no próprio dia sido proferido despacho a solicitar para consulta o processo 33/08.9TALRS (Cfr. fls, 56 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
M. Na decorrência do pedido de consulta, em 17/02/2012, foi junta a informação de que os autos do processo 33/08.9TALRS tinham sido remetidos, em 30/11/2011, ao Tribunal da Relação de Lisboa, por terem sido objeto de recurso (Cfr. Fls. 59 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
N. Em 22/02/2012 foi aberta conclusão, na qual foi proferido despacho, rio próprio dia, a solicitar ao Tribunal da Relação de Lisboa cópia da decisão proferida por este Tribunal no âmbito do processo 33/08.9TALRS (Cfr. fls. 60 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
O. A 08/03/2012 foi, por parte da 5a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, junta a informação de que os autos se encontravam conclusos a aguardar marcação de data para conferência (Cfr. fls. 62 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
P. A 14/03/2012, com a indicação escrita, por parte do oficial de justiça de "só nesta data, atento o grande volume de serviço", foi, na mesma data, solicitado "o envio, apenas, de cópia da decisão recorrida" (Cfr. fls, 63 do
Q. Em 21/03/2012 o inquérito foi çoncluso com a informação de que "... não existe nos autos (33/08.91ALFRS) mais nenhuma decisão para além da proferida em 1a instância, e que já consta a fls. 43 a 55 dos autos" (Cfr. fis. 66 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
R. Na mesma data foi proferido o seguinte despacho: “Visto. A fim lhe ser :o nestes autos, convoque, em 30 dias, o participado J…… . Notificação através da PSP. Presidirei” (Cfr. fls. 66 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
S. Para o aludido efeito foi agendado para o dia 15/05/2012, pelas 15h30m (Cfr. fls. 67 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
T. Em 15/05/2012 foi junto requerimento de J……, informando os autos de inquérito de que tinha requerido o benefício de proteção jurídica, tendo junto proya documental, e em consequência, porque não prescindia de conferenciar prêvíarnerite com o defensor que lhe viesse a ser nomeado, requereu o adiarríento da diligência agendada para a sua constituição como arguido e interrogatório nesta qualidade (Cfr. fls. 70 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
U. Em 26 de abril de 2012 o autor apresentou junto dos Serviços da Segurança Social de Loures requerimento de proteção jurídica de pessoa singular, pelo qual requereu a concessão do apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento da compensação de defensor oficioso (Cfr. fls. 72 a 73 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
V. Foi aberta conclusão a 17/05/2012, tendo a 18/05/2012 sido proferido o despacho cujo teor se transcreve: "Considerando que os pedidos de A.J. são decididos em 30 dias, agende-se desde já data para a diligência de fls. 69 para o final de Junho próximo. Notificação do participado através da PSP”, tendo sido agendado paraj o efeito o dia 28/06/2012, pelas 14h; (Cfr, fls. 75 e 76 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
W. Em 31/05/2012 foi recebida pelos Serviços do Ministério Público de Loures, a decisão de deferimento na modalidade de "Dispensa de taxa de justiça e pagamento da compensação de defensor execução", que recaiu sobre o pedido de benefício de proteção jurídica, apresentado por J…… (Cfr. fls. 77 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
X. Por requerimento apresentado junto do Ministério Público de 28/06/2012, J……, veio requerer, no próprio dia, o adiamento da diligência agendada, alegando para o efeito que até àquela data não lhe tinha sido nomeado defensor (Cfr. fls. 80 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
Y. A 06/07/2012 foi aberta conclusão, sendo proferido despacho, no mesmo dia, no sentido de os autos aguardarem até ao termo das férias judiciais a nomeação de defensor pela OA, devendo serem conclusos no início de Outubro se nada fosse entretanto solicitado/informado (Cfr. fls. 81 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
Z. A 08/10/2012 foi aberta conclusão no inquérito e a 09/10/2012 foi proferido o seguinte despacho: 'Por lapso de que me penitencio, apenas agora constato que o participado não solicitou à OA a nomeação de defensor oficioso mas tão só a dispensa de pagamento da compensação devida a defensor oficioso.
Assim:
- Obtenha na aplicação SI NOA a nomeação de defensor ao participado:
- Informe o participado da nomeação:
- Convoque o participado a fim de ser constituído arguido e interrogado nestes autos, em 45 dias, convocando para a mesma data o seu defensor nomeado.
Notificação do participado através da PSP.
- Presidirei (na Secção)." Para a realização da diligência foi agendado o dia 06/11/2012 às 14h (Cfr. fls. 82 e 85 do Processo n.° 3322/09.1TA1RS);
AA. Pela Ordem dos Advogados foi a 09/10/2012 nomeada como defensora a Dra. M….., e após, em 12/10/2012, em substituição desta o Dr. G….. (Cfr. fls. 87 e 88 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
BB. No dia 06/11/2012 foi elaborado auto de verificação de não comparência de J….., na hora agendada para a efetivação da diligência, e foi aposta no inquérito a seguinte Cota: "Consigno que nesta data, da parte da manhã, o Denunciado. Sr. J…. contactou telefonicamente a secção, dando conta que não comparecia na tarde de hoje, por se encontrar doente. Mais disse que juntaria o respectivo justificativo da falta. 06/11/^012" (Cfr. fls. 91 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);.
CC. Por requerimento datado de 07/11/2012 foi junta cópia de um atestado médico com o intuito de justificar a falta de J…….. se extrai que "se encontra doente e sua actividade profissional a partir do dia 6/11/2012 e por um período provável de 1 dia" (Cfr. fls. 92 e 93 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
DD. No âmbito da conclusão aberta a 13/11/2012, foi a 14/11/2012 proferido o seguinte despacho: 'Porque o atestado médico feito juntar não refere qualquer impossibilidade de o visado comparecer a diligência processual nestes SMP, vão os autos à apreòiação da Mma. JIC nos termos do disposto rio art. 116° do CPP, com a nossa promoção de:
- considerar-se injustificada a falta,
- condenação do faltoso em multa
- emissão de mandado para assegurar a sua comparência nestes serviços, a fim de ser constituído arguido e interrogado" (Cfr. fls. 95 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
EE. Na sequência, por despacho da Mma. Juíza de Instrução Criminal, datado de 16/11/2012, foi indeferida a requerida justificação da falta: foi o faltoso J….. condenado no pagamento de uma multa que foi fixada em 2 UC's, e foi determinada a passagem e entrega ao Ministério Público de mandados de detenção com a validade de 30 dias, a fim de o mesmo ser conduzido, em qualquer dia útil, no horário de expediente, aos Serviços do Ministério Público do Tribunal da Comarca de Loures, com vista a ser constituído arguido, sujeito a TIR, e interrogado nessa qualidade, sendo a detenção pelo período de tempo estritamente indispensável à realização do fim visado (Cfr. fls. 98 e 99 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
FF. J…… foi detido no dia 23/11/2012, e neste dia foi constituído arguido, sujeito a TIR, e interrogado nessa qualidade, tendo arguido a nulidade da sua detenção e do despacho em que se fundou (Cfr. fls. 104 a 111 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
GG. Em 23/11/2012 veio J…… requerer a consulta do inquérito na secretaria, o que lhe foi deferido a 26/11/2012 (Cfr. fls. 113 e 114 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
HH. Em 30/111/2012, pela Ordem dos Advogados foi nomeado ao ali arguido o Dr. A….., em substituição do Dr. G….. que havia apresentado pedido de escusa em 23/11/2012 (Cfr. fls. 116 e 118 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
II. Em 05/12/2012 foi aberta conclusão no âmbito da qual, a 17/12/2012, foi proferido o seguinte despacho "Abro mão dos autos, a fim de ser junto expediente" (Cfr. fls. 121 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
JJ. Por requerimento datado de 13/12/2012 veio J……. informar no inquérito que pretendia interpor recurso da decisão de fls. 98 e 99, tendo sido aberta conclusão a 20/12/2012 onde, na mesma data, foi proferido o seguinte despacho: "Por não nos ser dirigido, remetam-se os autos às Secções Criminais, a fim de ser apreciado pela Mma. JIC o requerido" (Cfr. fls. 126 e 127 do Processo n.° 3322/09.1T AL RS);
KK. Apresentado o inquérito à Mma. JIC, a 21/12/2012 foi proferido o seguinte despacho "Fls. 126; Visto. Uma vez que interposição requerida opera ope legis, nada há a determinar. Devolva os autos aos Serviços do M.P." (Cfr. fls. 128 a 130 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
LL. A 09/01/2013 foi aberta conclusão no inquérito, e no dia 11 de Março de 2013 foi proferido despacho no sentido de, através do SI NOA, ser requerido à Ordem dos Advogados a indicação de defensor ao arguido J……, bem como foi determinada a solicitação do envio de certidão da sentença proferida no ârnbito do processo 33/08.9TALRS, com nota de trânsito em julgado, e dos documentos constantes de fls. 613 a 634 dos autos (Cfr. fls. 133 e 134 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
MM. Em 13/03/2013 foi junta informação, que o aludido processo permanecia junto do Tribunal da Relação de Lisboa desde 30/11/2011 (Cfr. fls. 136 do Processo n.° 3322/09.1 TAL RS);
NN. Entretanto foi nomeada como defensora do arguido a Dra. M……, e a 16/04/2013 foi aberta conclusão, tendo sido proferido despacho a 18/04/2013, para que se notificasse o arguido da nomeação de defensor, e se solicitasse, de novo, ao Tribunal da Relação de Lisboa, os documentos anteriormente solicitados (Cfr. fls. 141 e 142 do Processo n.° 3322/09.1 TAL RS);
OO. Em 29 de Abril de 2013 foi junto ao inquérito certidão proveniente do Tribunal Constitucional, respeitante ao Processo n.° 33/08.9TAL.RS, contendo os documentos anteriormente solicitados (Cfr. fls. 146 a 183 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
PP. Em 06/05/2013 veio a ordem dos Advogados informar o inquérito que em substituição da Dra. M……… havia sido nomeada a Dra. Â……….. (Cfr. fls. 184 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
QQ. Foi aberta conclusão no inquérito a 28/05/2013 e na mesma data, por despacho, foi consignado que o processo 33/08.9TAL.RS ainda se encontrava a correr termos no Tribunal Constitucional, determinando-se que o inquérito ficasse a aguardar por trinta dias, mais tendo sido determinada a notificação ao arguido da identidade da defensora que fora nomeada (Cfr. fls. 186 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
RR. Através de requerimento datado de 06/06/2013, veio o arguido requerer a substituição da Dra. Â…….., tendo sido aberta conclusão no inquérito a 07/06/2013 e tendo ia mesma data sido proferido despacho determinando a comunicação à Ordem dos Advogados do requerido pelo arguido, e solicitada a indicação de novo defensor, em substituição do anteriormente nomeado (Cfr. fls. 188 e 190 do Processo n.° 3322/09.1 TALRS);
SS. Em 02/07/2013 foi aberta nova conclusão no inquérito com informação de que o processo 33/08.9TAL.RS ainda não baixara, tendo sido proferido despacho, no próprio dia, a determinar que se aguardasse o decurso das férias judiciais, e que em início de Setembro se solicitasse verbalmente nova informação, nos anteriores termos (Cfr. fls. 193 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
TT. Em 12.08.2013 pela Ordem dos Advogados foi junta a informação de que em substituição da Dra. Â…….. fora nomeada a Dra. A……. (Cfr. fls. 194 do Processo h.° 3322/09.1TAL.RS);
UU. Após, a 05/09/2013 foi aberta conclusão e no mesmo dia foi proferido despacho de arquivamento do inquérito com os fundamentos que se transcrevem: "Apreciação: Nos termos do art° 365°, n° 1, do Código Penal, comete o crime de denúncia caluniosa "quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou tom pena de multa Da construção do tipo legal, verifica-se que a prática deste crime exige, por parte do agente, um dolo específico, consistente na consciência da falsidade da imputação feita a terceiro, com o marcado propósito de que contra este seja instaurado procedimento criminal. Ora no caso vertente não cremos que se verifique de forma inequívoca tal requisito na actuação do arguido, considerando que o mesmo actuou no que considerou ser para si a verdade dos factos - o que se depreende da forma como reagiu naqueles autos a todas as decisões que o afetavam de forma negativa. Nestes termos, por falta dos necessários requisitos legais para preenchimento do tipo legal do crime de denúncia caluniosa, nos termos do art° 2.°, n° 1, do Código de processo penal, determino o arquivamento destes autos” (Cfr. fls. 196 e 197 do Processo n.° 3322/09.1TALRS);
VV. O Processo n° 4081/10.0TALRS teve início em certidão judicial mandada extrair do Processo n° 2119/07.8TALRS, pela Mma. Juíza de Instrução Criminal, aquando do encerramento da fase de instrução, visando a investigação autónoma de factualidlade suscetível de integrar, em abstrato o crime de denúncia caluniosa, alegadamente cometido por J……. (Cfr. fls. 2 a 42 do Processo n.° 4081/10.0TALRS);
WW. A aludida certidão deu entrada nos serviços do Ministério Público de Loures em 31/05/2010, sendo distribuído como inquérito em 23/06/2010 (Cfr. fls. 2 do Processo n.° 4081/10.0TAI..RS);
XX. Em foi proferido despacho de arquivamento no Processo n.° 4081/10.0TALRS (Cfr. fls. 251 e 252 do Processo n.° 4081/10.OTALRS);
YY. O autor sentiu angústia, tristeza e revolta com a pendência e demora dos Processos n.° 3322/09.1TALRS e 4081/10.0TALRS (Provado com base no depoimento das testemunhas declarações de parte).



DO DIREITO


1. decisão singular de mérito do relator - reclamação para a conferência;

O regime da decisão singular de mérito apenas proferida pelo Relator foi introduzido pelo DL 329-A/95, podendo a parte afectada pela decisão reclamar desta para a conferência conforme disposições conjugadas dos artºs. 705º e 700º nº 3 CPC, hoje, artºs. 656º ex vi 652º nº 1 c) e nº 3 CPC da revisão de 2013.
Deduzida reclamação para a conferência “(..) o colectivo de juízes reaprecia as questões que foram objecto da decisão singular do Relator e, nesse sentido, caso se esteja perante a decisão sumária do recurso, reaprecia novamente o recurso, naturalmente sem qualquer vinculação ao anteriormente decidido.
No entanto, se assim é, ou seja, se normalmente a intervenção da conferência, no caso em que se reclama de uma decisão sumária, faz retroagir o conhecimento do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão, importa ter presente que, nos termos gerais, no recurso ou na reclamação, o Recorrente ou o Reclamante podem restringir o seu objecto, isto é, o requerimento para a conferência (mesmo resultante de convolação do requerimento de interposição de recurso de revista) pode restringir o objecto próprio da reclamação, concretamente identificando a parte da decisão sumária de que discorda (da qual se sente prejudicado) (..)” – doutrina constante do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23.02.2015, tirado no rec. nº RP201502231403/04.7TBAMT-H.P1.

*
No citado Acórdão da Relação do Porto é feita referência expressa aos termos gerais de direito no que respeita à possibilidade de, em sede de reclamação da decisão singular do Relator, o Recorrente restringir o abjecto do recurso, “(..) identificando os segmentos decisórios sobre os quais demonstra o seu inconformismo. Trata-se, na prática, de uma solução que se encaixa na possibilidade de desistência do recurso, nos termos que constam do artº 632º nº 5, com a especificidade de a extinção da instância ser, aqui, parcial. (..)” (1)
O que implica precisar o pressuposto legal de delimitação do âmbito da pretensão recursória e das hipóteses legais de modificação.
A delimitação objectiva do recurso é dada pelas conclusões, cfr. artºs. 635º nº 4, 637º nº 2 e 639º nºs 1 e 2 CPC, na medida em que “(..) A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões. ..)
Mas, independentemente do âmbito definido pelo recorrente no requerimento de interposição, é legítimo restringir o objecto do recurso nas alegações, ou, mais correctamente, nas respectivas conclusões, indicando qual a decisão (ou parte da decisão) visada pela impugnação. (..) A restrição pode ser tácita em resultado da falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é, quando, apesar da maior amplitude decorrente do requerimento de interposição de recurso, o recorrente restrinja o seu âmbito através das questões que identifica nas conclusões. (..)”, cfr. artº 635º nº 4 CPC. (2)
No tocante à ampliação do objecto do recurso, o artº 636º nº 1 CPC permite que, embora a decisão seja favorável à parte e a parte vencida interponha recurso, caso no Tribunal a quo não tenha acolhido todos ou alguns dos fundamentos da acção (de facto ou de direito) suscitados pela parte vencedora, essas questões serão reapreciadas pelo Tribunal ad quem a requerimento do Recorrido em alegações complementares, isto é, o Tribunal de recurso reapreciará os fundamentos do segmento da sentença recorrida em que a parte vencedora tenha decaído.

*
Do complexo normativo citado se conclui que o acto processual de convocação da conferência no regime do artº 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi 656º CPC não é configurado como meio adjectivo próprio para alterar as conclusões de recurso, ressalvada a hipótese já mencionada de limitação do objecto (artº 635º/4 CPC), nem para desistir do recurso (artº 632º º 5 CPC), posto que “(..) a desistência do recurso apenas é possível até à prolação da decisão, tornando-se agora inequívoca a solução que já anteriormente se defendia. Representa uma medida que que valoriza o papel do tribunal superior, evitando que o recorrente accione o mecanismo da desistência depois de ter sido confrontado com o resultado do recurso.
Aliás, o momento que releva para o efeito nem sequer é o da notificação da decisão, mas antes o da sua prolação (..)”,. (3)
Neste sentido, junta aos autos a decisão singular de mérito sobre o objecto do recurso proferida pelo relator (artº 652º/1 c) ex vi 656º CPC) ocorre nessa data a preclusão de exercício do direito de desistência por parte do recorrente, cfr. artº 632º nº 5 CPC.
A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo artº 635º nº 4 CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do artº 636º nº 1 CPC, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final.
Como se diz no Acórdão da Relação do Porto acima citado, no regime do artº 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi 656º CPC a reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária, conhecimento limitado às questões especificadas pelo recorrente nas conclusões de recurso, sem prejuízo de o recorrente, ora reclamante, restringir na reclamação o objecto recursório anteriormente definido nos termos do artº 635º nº 4 CPC.

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No caso concreto, o Recorrido J…….. pede a prolação de Acórdão pela Conferência.
O que significa que, conforme regime supra exposto, cabe conhecer do mérito do recurso tendo por objecto as questões fixadas nas conclusões pelo Recorrente Estado Português e mantendo-se a posição processual do Recorrido.
Ou seja, cumpre em via da reclamação deduzida reapreciar as questões suscitadas em sede de conclusões de recurso, fazendo retroagir o conhecimento de mérito do recurso ao momento anterior à decisão singular de mérito apenas proferida pelo Relator.


2. objecto do recurso;

Em traços gerais, a estrutura da controvérsia é a seguinte.

O inquérito-crime nº 3322/09.1TALRS teve início em 01.07.2009 e terminou em 05.09.2013 por despacho de arquivamento fundamentado em falta de dolo específico no tocante ao crime de denúncia caluniosa em que foi Arguido o ora Recorrido – alíneas A), B) e UU) do probatório.
Resulta patente das peças processuais a seguinte situação:
(i) no processo -crime nº 33/08.9TALRS o Recorrido é assistente e autor da acusação particular por crime de difamação agravada deduzida contra F.M. e F.L;
(ii) no inquérito crime nº 3322/09.1TALRS o Recorrido é Arguido por crime de denúncia caluniosa e F.M. e F.L. são os ofendidos, assentando ambos os processos exactamente na mesma factualidade.

*
Relativamente ao processo de inquérito-crime nº 3322/09.1TALRS o Tribunal a quo considerou violado o direito a obter uma decisão em prazo razoável, dando por preenchidos os pressupostos do dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos, na medida em que entre a data de instauração e a data de arquivamento decorreram 50 meses e 4 dias, circunscritos a 41 meses e 16 dias atento um acto processual cujo atraso é imputado ao Recorrido. – vd. fls. 17, 21 e 24 da sentença sob recurso.
Em sede de recurso, o Digno Magistrado do Ministério Público assaca a sentença de incorrer em violação primária de direito substantivo, por erro de julgamento em matéria de subsunção da prova documental, concluindo pela não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado por acto ilícito.
O caso concreto trazido a recurso apenas diz respeito ao processo de inquérito-crime nº 3322/09.1 TALRS, tendo o Tribunal a quo tomado em conta o período de 50 meses e 4 dias, circunscritos a 41 meses e 16 dias, ou seja, 3 anos, 5 meses e 16 dias em fase de inquérito em 1ª Instância, período julgado como violador do prazo razoável de decisão, no caso, imputado ao Ministério Público.
Todavia, não se acompanha o julgado do Tribunal a quo, pelas razões que seguem.


3. decisão judicial em prazo razoável - artº 6º § 1 da CEDH – artº 20º nº 4 CRP;

O direito a uma decisão em prazo razoável, como uma das valências do direito de acesso à justiça, garantido pelo artº 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa e no artº 6º § 1º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, significa que “Toda a pessoa tem direito que o seu caso seja decidido (..) em prazo razoável, por um tribunal (..) que decidirá (..) sobre os seus direitos e obrigações de natureza cível (..)”, pelo que, no quadro dos elementos constitutivos da obrigação de indemnização, cabe analisar o facto concreto donde, na tese do Recorrente deriva a violação do seu direito subjectivo a obter decisão em prazo razoável.
O conceito de “prazo razoável” pressupõe o reporte a um standard ou padrão médio de funcionamento tido como tal em cada época concreta, fundamentado em graus de eficiência do serviço público da administração da justiça.
Segundo a sentença proferida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem/1ª Secção, procº nº 30273/07 de 11.02.2010, caso Leonardo da Silva c. Luxemburgo, “(..) a razoabilidade da duração de um processo aprecia-se de acordo com as circunstâncias do caso concreto e segundo os critérios consagrados pela jurisprudência, particularmente a complexidade da causa, o comportamento do Autor e das autoridades competentes, bem como o desenrolar da litigância pelas partes interessadas (..)”.

*
Como nos diz a doutrina “(..) é irrelevante saber se e em que medida os prazos processuais foram incumpridos (“não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais, à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos actos daquele percurso”)(..)
Se os prazos foram cumpridos e, apesar disso, o processo se alongou naqueles termos, é porque o Estado deveria ter providenciado os meios humanos e materiais e a configuração do processo e termos de permitir administrar a justiça em tempo razoável (cfr. Acórdão do STA – 1ª de 5/5/2010, Procº nº 122/10 e o Acórdão do STA – 2ª de 6/11/2012, Procº nº 976/11). (..) (4)
Continuando e seguindo de perto o Autor citado, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vem evoluindo no sentido de qualificar como prazo razoável a duração média do processo, apontando para 3 anos de duração média, na primeira instância, para a generalidade das matérias e para 4 a 6 anos de duração global da lide, da mesma parecendo resultar uma via de solução articulada em três fases, a saber,
(i) apurar a duração média da categoria de processo,
(ii) apurar os casos de claro de afastamento inaceitável desse padrão médio, salvo culpa do próprio lesado e
(iii) em via de análise mais fina, apurara os restantes casos, com apoio nos critérios orientadores enunciados na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Consequentemente, temos por assente que a ilicitude se refere sempre à duração global do processo e não decorre de uma consideração analítica dos actos de processo e respectivos prazos.
Sendo este o enquadramento normativo geral, vejamos o caso concreto.


4. inquérito-crime nº 3322/09.1TALRS e processo crime nº 33/08.9 TALRS ;

A presente acção de indemnização contra o Estado por facto ilícito tem como fundamento a omissão de decisão em prazo razoável do Ministério Público no processo de inquérito-crime por denúncia caluniosa em que foi Arguido o Recorrido, inquérito-crime nº 3322/09.1TALRS.
O processo de inquérito-crime nº 3322/09.1TALRS teve início em 01.07.2009 e terminou em 05.09.2013 por despacho de arquivamento fundamentado na falta de dolo específico no tocante ao crime de denúncia caluniosa em que foi Arguido o ora Recorrido – alíneas A), B) e UU) do probatório.
O processo de inquérito-crime nº 3322/09.1TALRS é originário de certidão mandada extrair por despacho judicial no procº crime nº 33/08.9TALRS, em fase de instrução criminal – alíneas A) e B) do probatório., fls. 27 do acórdão de17.06.2010 do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 850 dos autos.
No procº crime nº 33/08.9TALRS o Recorrido constituiu-se assistente e deduziu acusação particular contra os Arguidos F.M. e F.L por crimes de difamação agravada p.p.p. artºs. 180º/1 e 183º/1 a) e b) C. Penal, com pedido de indemnização cível – alínea I) do probatório.
No procº crime nº 33/08.9TALRS os Arguidos F.M. e F.L foram absolvidos da parte crime com improcedência do pedido indemnizatório por sentença de 25.03.2011 do 3º Juízo Criminal de Loures, tendo o Recorrido interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que por acórdão de 29.12.2012 confirmou a sentença de 1ª Instância, tendo o Recorrido interposto recurso para o Tribunal Constitucional que por acórdão de 15.07.2013 no procº nº 121/13 decidiu no sentido de não conhecer do objecto do recurso interposto pelo ora Recorrido – alíneas A), B), I), MM) e QQ) do probatório e fls. 982-999, 1136-1191 e 1262-1275 dos autos quanto à sentença de Loures e acórdãos da Relação de Lisboa e do Tribunal Constitucional.


5. sentença absolutória – despacho de arquivamento;

Como referido, da sentença de 25.03.2011 do 3º Juízo Criminal de Loures proferida procº crime nº 33/08.9TALRS e confirmada por acórdão da Relação de Lisboa de 29.12.2012 resulta que os ali Arguidos F.M. e F.L foram absolvidos da acusação particular deduzida pelo Recorrido da prática de um crime de difamação agravada ppp artºs. 180º/1 e 183º/1 a) e b) C. Penal praticado na qualidade de testemunhas no processo-crime nº 2110/03.3TALRS – alíneas I) do probatório..
Da sentença de 25.03.2011 do 3º Juízo Criminal de Loures proferida procº crime nº 33/08.9TALRS e confirmada por acórdão da Relação de Lisboa de 29.12.2012, consta a matéria de facto provada e não provada, nos termos que se transcrevem (fls. 982-999, 1136-1191 dos autos):
“(..)
9. O assistente foi formador de educação religiosa cristã de jovens adolescentes e adultos, em regime de voluntariado na comunidade paroquial de ........................., pelo menos entre 1991 e 16 de Agosto de 2006.
10. M………… e o assistente mantiveram um relacionamento amoroso entre 1995 e 1998..
11. Os arguidos tinham conhecimento do facto descrito em 10)
(..)
Não se provaram os seguintes factos:
a) Que os arguidos soubessem serem falsas as afirmações proferidas nas audiências de julgamento ocorridas no processo nº 2110/03.3TALRS, respectivamente nos dias 09/07/2007 e 31/10/2007, melhor referidas nos factos provados nºs. 1 a 5.
b) Que os arguidos tenham pretendido, ao proferir essas afirmações, destabilizar a família do assistente, denegrir o seu nome, honra e consideração. (..)”
Na sentença de 25.03.2011 do 3º Juízo Criminal de Loures proferida no procº crime nº 33/08.9 TALRS e confirmada por acórdão da Relação de Lisboa de 29.12.2012, fundamentou-se como segue (fls. 982-999, 1136-1191 dos autos):
“(..)
Aos arguidos é imputada a prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180°, n.° 1, 183°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal.
Pratica um crime de difamação “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo” sendo equiparada à injúria verbal a feita por escrito, gesto, imagens ou qualquer outro meio de expressão, conforme prescreve o artigo 182° do mesmo diploma.
Se a ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação, ou, tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação, as penas são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo (artigo 183°, n.°s 1, alíneas a) e b), do Código Penal).
A honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que pela generalidade das pessoas, são consideradas essenciais para que um indivíduo possa, com legitimidade, ter estima por si próprio, pelo que é e pelo que vale.
Por sua vez, a consideração traduz-se num juízo que formam os outros no sentido de considerar alguém um bom elemento social, isto é, o conceito que os outros têm sobre a personalidade moral de alguém, a estima ou respeito que lhe tributam (vá\ a propósito Beleza dos Santos, “Algumas Considerações Jurídicas Sobre Crimes de Difamação e de Injúria” in RLJ, Ano 92°, n.° 3152, p. 167 e Ac. RL, de 6.02.96, in CJ, Ano XXI, t. 1, p. 156).
Para o preenchimento da tipicidade não releva a gravidade da ofensa (pelo que não é mister que o facto imputado seja ilícito ou criminoso), apenas se tornando necessário que de ofensa se possa falar, impertinência. Assim, importará apreciar se do facto imputado se extrai a susceptibilidade de lançar o descrédito e a suspeita sobre a vítima perante a opinião pública, ou seja, sobre a opinião de um grande círculo de pessoas que não esteja em contradição com as valorações da ordem jurídica, pelo que será de apelar ao significado social da afirmação proferida, tendo em conta todo o conjunto de circunstâncias internas e externas à situação [v.g. grau de cultura dos intervenientes, a sua posição social, as valorações do meio, etc.).
O crime de difamação pode definir-se assim como a atribuição a alguém de factos ou conduta, ainda que não criminosos, que encerrem em si mesmo uma reprovação ético-social, isto é, que sejam ofensivos da reputação do visado (valores estes com consagração constitucional - vide artigos 26° e 37° da Constituição da República Portuguesa).
De acordo com Leal-Henriques e Simas Santos [Código Penal Anotado, 2º VoL, p. 317) “os processos executivos do crime de difamação podem ser vários: imputação de um facto ofensivo, ainda que meramente suspeito; formulação de um juízo de desvalor; reprodução de uma imputação ou de um juízo”.
Por outro lado, é elemento diferenciado do crime de difamação que a imputação do facto ofensivo seja levado a terceiros, e, portanto, só pode falar-se em lesão do bem jurídico honra e consideração quando a imputação correspondente chegue ao conhecimento de terceiros. Quanto à imputação subjectiva do crime em apreço, é hoje doutrina unânime que não é necessário qualquer dolo específico, qualquer especial intenção, pelo que é bastante a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir ofensas à honra e consideração de alguém (cfr., neste sentido, entre outros, Oliveira Mendes, in O direito à honra e sua tutela penal.p. 59, e Acs. RP, de 3/2/88, in CJ, I, 233, e do STJ de 1/7/97, BMJ, 369, p. 593).
Assim, no que diz respeito ao elemento subjectivo da infracção, pode dizer-se estar presentemente cimentada a ideia de bastar o dolo genérico, em qualquer das suas formas, não se exigindo ao agente a intenção de ferir a honra e consideração alheias, ou seja, não se lhe exige um animus difamandi.
Deste modo, bastará que o agente sabendo que está a atribuir um facto ou a formular um juízo de valor cujo significada ofensivo do bom nome ou consideração alheia conhece, quer agir, seja com intenção de que a ofensa o atinja, seja sabendo que da sua conduta necessariamente resultará a ofensa na honra ou consideração, seja prevendo essa possibilidade e com ela se conformando, seja considerando-a uma consequência necessária da sua conduta.
In casu nas intervenções processuais dos arguidos a sua actuação pautou-se pelas razões elencadas neste processo, ou seja, por dizer a verdade, sendo certo que, por se tratar de processos judiciais, estava em causa a realização da justiça. Desse modo, tem aplicação no presente caso, a propósito de tais factos, o disposto no n.° 2 do artigo 180° cio Código Penal.
Por aí, não pode o tribunal afirmar a responsabilidade criminal dos arguidos.
Refira-se, ainda, que as afirmações em julgamento (2110/03.3TALRS) pelos ora arguidos, então na qualidade de testemunhas, foram feitas sob juramento.
Nessa medida, a afirmação da verdade nunca poderia corresponder à prática de um facto típico, precisamente porque a mentira, nessas circunstâncias, também é criminalmente típica.
Tratar-se-ia de uma contradição valorativa, que o sistema não pode acolher.
De resto, o tribunal deu como provado a veracidade, dessas afirmações. (..)”

*
O despacho de arquivamento proferido em 05.09.2013 no inquérito-crime nº 3322/09.1TALRS em que é Arguido o Recorrido, é do seguinte teor:
“(..) Apreciação:
Nos termos do art° 365°, n° 1, do Código Penal, comete o crime de denúncia caluniosa "quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou tom pena de multa
Da construção do tipo legal, verifica-se que a prática deste crime exige, por parte do agente, um dolo específico, consistente na consciência da falsidade da imputação feita a terceiro, com o marcado propósito de que contra este seja instaurado procedimento criminal.
Ora no caso vertente não cremos que se verifique de forma inequívoca tal requisito na actuação do arguido, considerando que o mesmo actuou no que considerou ser para si a verdade dos factos - o que se depreende da forma como reagiu naqueles autos a todas as decisões que o afetavam de forma negativa.
Nestes termos, por falta dos necessários requisitos legais para preenchimento do tipo legal do crime de denúncia caluniosa, nos termos do art° 2.°, n° 1, do Código de Processo Penal, determino o arquivamento destes autos” (..)” - alínea UU) do probatório.


Feitas as transcrições devidas, cabe delas tirar a consequência jurídica que compete.

Resulta evidente que existe um relacionamento jurídico-penal na vertente das circunstâncias de tempo, lugar e modo e no domínio da autoria e comparticipação criminosa no tocante aos sujeitos intervenientes que assumem posições processuais opostas e à identidade de matéria de facto, sendo que tanto os sujeitos como a factualidade conformam o objecto de ambos os processos:
a. no processo-crime procº crime nº 33/08.9TALRS o Recorrido é ofendido, assistente e autor da acusação particular contra os ali Arguidos F.M. e F.L;
b. todavia, no inquérito-crime nº 3322/09.1TALRS, o Recorrido é Arguido por denúncia caluniosa em que são ofendidos F.M. e F.L
E também é evidente que, o inquérito-crime 3322/09.1TALRS em que o Recorrido é Arguido tinha que aguardar o trânsito em julgado da decisão penal quanto aos Arguidos F.M. e E.L no processo crime nº 33/08.9TALRS, cuja absolvição o Recorrido levou em recurso da 1ª Instância ao Tribunal Constitucional, posto que, quanto mais não fosse, se F.M. e F.L fossem condenados - interesse processual pretendido pelo Recorrido nos citados recursos - o inquérito crime aberto contra si seria arquivado por assentar precisamente na mesma factualidade.
De facto, de duas, uma:
· ou os F.M. e F.L tinham cometido um crime de difamação agravada quando testemunharam em Tribunal que o Recorrido tivera um relacionamento amoroso entre 1995 e 1998 com outra pessoa que não o seu cônjuge-mulher (objecto do processo crime nº 33/08.9TALRS),
· ou, pelo contrário, o relacionamento amoroso era dado como facto verídico no processo crime nº 33/08.9TALRS.

Resultou provada esta segunda hipótese.

O que permitiria, com base no trânsito em julgado da sentença absolutória dos F.M. e F.L, formular um juízo de indiciação da prática (imputação objectiva, do facto ao resultado) do crime de denúncia caluniosa p.p.p. artº 365º/1 C. Penal, e um juízo de imputação da autoria (imputação subjectiva, do facto ao agente) do crime de denúncia caluniosa ao Recorrido no inquérito-crime nº 3322/09TALRS.
Só assim não resulta do inquérito-crime por razões de direito substantivo penal, atento que foi seguido o entendimento de que o crime de denúncia caluniosa exige o dolo específico, tendo o Digno Magistrado do Ministério Público, titular do inquérito-crime, entendido que não existia matéria de facto indiciária do dolo específico - alínea UU) do probatório.

*
Cumpria ao Ministério Público aguardar o resultado dos recursos interpostos pelo Recorrido da sentença absolutória dos F.M. e F.L do crime de difamação agravada quando testemunharam em Tribunal que o Recorrido tivera um relacionamento amoroso entre 1995 e 1998 com outra pessoa que não o seu cônjuge-mulher (objecto do processo crime nº 33/08.9TALRS).
Para evitar a eventualidade de contradição de decisões entre a sentença penal absolutória de F.M. e F.L em que o Recorrido é assistente, pendente de recurso (processo-crime nº 33/08.9TALRS) e a decisão de inquérito (inquérito-crime nº 3322/09.1TALRS) em que o Recorrido é Arguido e são ofendidos F.M. e F.L.
Para evitar a simultaneidade de tramitação de dois processos penais - um já julgado com recurso pendente (primeiro na Relação e depois no Constitucional) e outro em fase de inquérito - com identidade de matéria de facto mas contraditórios do ponto de vista da valoração e integração do cometimento do tipo de ilícito penal e imputação de autoria - dum lado o crime de difamação agravada dos F.M. e F.L. e do doutro a denúncia caluniosa do Recorrido, sendo que a factualidade é a mesma, o referido relacionamento amoroso extraconjugal, entre 1995 e 1998, por parte do Recorrido.

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Tudo ponderado, a conclusão que se impõe é no sentido se sufragar o entendimento sustentado nas conclusões de recurso pelo Digno Magistrado do Ministério Público, em representação do Estado.
A decisão de arquivamento em 05.09.2013 do inquérito-crime nº 3322/09.1 TALRS (iniciado em 01.07.2009 por certidão extraída do processo crime nº 33/08.9TALRS) fundamentado em falta de dolo específico no tocante ao crime de denúncia caluniosa em que foi Arguido o ora Recorrido, não configura um facto ilícito posto que não se verifica uma omissão de decisão do Ministério Público em prazo razoável, na exacta medida em que, nos termos expostos, o inquérito-crime nº 3322/09.1TALRS teria que aguardar o trânsito em julgado da sentença absolutória proferida no processo-crime nº 33/08.9TALRS.
Não se acompanha, pelo exposto, o enquadramento sustentado pelo Tribunal a quo no domínio da faute de service, ou funcionamento anormal do serviço, previsto no artº 7º nº 4 da Lei 67/2007, de 31.12, para os casos de das “(..) situações de deficiente funcionamento da justiça que não resultam directamente de actos jurisdicionais em sentido próprio (..) [mas] diferentemente, de uma responsabilidade que, não podendo ser imputada a um concreto interveniente processual resulte do funcionamento anormal do serviço, considerado no seu conjunto, em correspondência com a situação prevista no artº 7º nº 4 (..) [cujo] dever de indemnizar pressupõe, não apenas um comportamento antijurídico, traduzido na prática de um acto ilícito, como também um juízo de censura que, quando imputável ao serviço em si mesmo considerado, equivale ao conceito de culpa do serviço. (..)” (5)
Pelo que o julgado em 1ª Instância não pode subsistir, cabendo absolver o Estado do pedido condenatório formulado.


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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar procedente o recurso, revogar a sentença recorrida e absolver o Estado do pedido indemnizatório formulado pelo Recorrido.

Custas a cargo do Recorrido, sem prejuízo de apoio judiciário. .
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Lisboa, 21.MAR.2019

(Cristina dos Santos) ……………………………………..

(Sofia David) ………………………………………………

(Helena Afonso) …………………………………………..



1 Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, Almedina/2013, pág. 85.

2 Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, págs. 115, 84/85.

3 Abrantes Geraldes, Recursos do novo Código de Processo Civil, págs. 71/72.

4 Luís Fábrica, Comentário ao Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, Universidade Católica Editora/2013, págs.333/334.

5 Carlos Cadilha, Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, 2ª ed. Coimbra Editora/2011, págs.198/199.