Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:862/16.0BESNT
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/06/2017
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:NOTIFICAÇÃO POSTAL REGISTADA
DEVOLUÇÃO DA CARTA
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
Sumário:I - Segundo o art. 112º, nº 1, al. a), do CPA as notificações podem ser feitas por carta registada, dirigida para o domicílio do notificando.

II - Todavia, não funciona para as notificações procedimentais feitas por registo postal a presunção que o nº 3 do art. 254º do anterior CPC (a que corresponde o art. 248º do actual CPC) prevê para as notificações de actos judiciais aos mandatários, isto é, de que a notificação produz efeitos ainda que a carta seja devolvida.

III - Recaindo o dever de notificação sobre a administração pública, sobre a qual impende o ónus de diligenciar pela sua efectiva concretização, não pode dar-se como concretizada a notificação efectuada através de carta que comprovadamente veio devolvida e que não chegou à esfera de cognoscibilidade do respectivo destinatário.

IV – Assim, não podia ser indeferido o pretendido rendimento social de inserção com fundamento na não comparência da recorrente nos serviços do recorrido, quando a respectiva convocatória foi efectuada mediante carta registada comprovadamente devolvida.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

Galina ............. intentou acção administrativa especial contra o Instituto de Segurança Social, I.P., tendo peticionado a anulação de acto que lhe indeferiu a concessão de rendimento social de inserção, peticionando igualmente a concessão do mesmo, com efeito retroactivo.

Por sentença proferida pelo T.A.F. de Sintra em 16 de Novembro de 2016, foi a acção julgada improcedente, decisão da qual interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. O douto Tribunal Recorrido alicerçou a sua decisão na convicção de que a então Requerente havia recebido Aviso para levantar a carta registada, facto que não se pode dar como provado, atendendo aos elementos probatórios juntos aos autos, nomeadamente o relatório dos CTT, do qual consta apenas um eventual depósito;
2. Dos elementos constantes do processo, não se conclui pelo afastamento de responsabilidade alheia à da ora Recorrente, nomeadamente, erro por parte dos CTT.
3. Não se podendo concluir como se refere na Sentença recorrida: Se não levantou a correspondência na estação de correios, conforme Aviso deixado pelos correios, sibi imputet.
4.O Tribunal a quo defende, ao considerar que a notificação foi feita, que é aplicável ao procedimento administrativo a presunção vertida no art. 254° do Código do Processo Civil, presumindo-se a notificação do destinatário do oficio registado nos termos expressos naquele Código, ainda que a correspondência venha devolvida.
5. No entanto, o Código do Procedimento Administrativo não contém qualquer artigo que remeta subsidiariamente para o Código do Processo Civil. Bem pelo contrário, o Código de Processo Administrativo pretende ser tendencialmente exaustivo a todos os procedimentos da Administração Pública e de aplicação subsidiária aos procedimentos especiais.
6. Neste sentido o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 01 de Outubro de 2008, no âmbito do Processo n.º 337/08: [...] não é aplicável ao caso a presunção a que alude o artº 254 nº 2, do CPC (na redacção então vigente, anterior ao DL nº 32412003 de 27.12). Com efeito, esta regra foi criada para ser aplicada à notificação dos actos do processo judicial , sendo que o Código de Procedimento Administrativo ao regular a notificação dos actos administrativos não fez constar aí norma idêntica - cfr, nomeadamente, o artº 70°. A este propósito, veja-se na jurisprudência deste STA, o acórdão de 99.11.18 no processo nº 45247 e o acórdão de 2005.04.05, no processo nº 102104 [...].
7. Nem se admite a aplicação analógica das normas de Processo Civil, pois, nos termos do n.º 2 do art. 10.º do Código Civil, não basta a mera semelhança formal das situações para que se possa aplicar analogicamente uma norma. É necessário que as razões justificativas que estiveram na origem de tal regulamentação subjazam ao caso em concreto.
8.Cumpre não esquecer que está em causa a própria subsistência da então Requerente do RSI, motivo pelo qual as garantias que a Lei lhe concede devem ser escrupulosamente respeitadas, nomeadamente o reenvio da convocatória e uma resposta pertinente à sua reclamação, o que, como se verificou, não sucedeu, em nenhum dos casos.
9. Relembrar ainda o direito à segurança social está consagrado nos artigos 22.º e 1.ª parte do n.º 1 do art. 25.º in fine, da Declaração Universal dos Direitos Humanos do seguinte modo: Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos económicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país.
10. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar [...] e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.
11. O direito à segurança social abarca, portanto, todas aquelas situações em que um cidadão está em situação de inferioridade económica, por motivos alheios à sua vontade, designadamente por efeito de um handicap físico (doença, invalidez, velhice) ou de uma conjuntura desfavorável (desemprego, falta de meios de subsistência), visando compensar, ao menos parcialmente, a impossibilidade de o mesmo prover à sua subsistência.
12. O direito à segurança social inclui-se nos chamados direitos económicos, sociais e culturais, ou direitos de 2ª geração, os quais foram reconhecidos por influência dos ideários socialistas e socialdemocratas na primeira metade do século XX.
13. Estes direitos conferem ao cidadão a faculdade de exigir do Estado uma prestação económica ou social, sendo, por isso, conhecidos como direitos prestacionais ou direitos positivos e impondo àquele uma obrigação de facere.
14. A parte I (Direitos e Deveres Fundamentais), Título III (Direitos Económicos, Sociais e Culturais), Capítulo II (Direitos e Deveres Sociais) da Constituição da República Portuguesa, integra o art. 63.º (Segurança Social e Solidariedade), dispondo o seu n.º 1 que Todos têm direito à segurança social, sendo que o termos todos denota a universalidade do direito fundamental à segurança social.
15. Conscientes das limitações deste facere, é exigido ao Estado, como limite superior a "reserva do possível" e como limite inferior o conteúdo mínimo do mesmo, definido pelo patamar de dignidade humana vigente em cada época.
16. E é à luz deste princípio que estamos convictos de que a negação deste direito à Recorrente constitui uma violação do direito à segurança social, na sua vertente de pilar do direito a um mínimo de existência condigna.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O M.P. emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

II) Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:

1. A Autora, nascida em 31 de Julho de 1978, na Ucrânia, de nacionalidade ucraniana, é residente legal em Portugal desde 10 de Fevereiro de 2006 – cf. Declaração do SEF, no p.a.


2. A Autora encontra-se inscrita, como candidata a emprego, no Serviço de emprego da Amadora, desde 4/02/2015, na situação de desempregada/e à procura de novo emprego – declaração do IEFP no p.a.

3. A Autora requereu o Rendimento Social de Inserção, no balcão do Areeiro, em 4 de Novembro de 2015 – doc. nº 1 junto com a p.i.

4. Em 19 de Novembro de 2015, via correio registado, foi emitida notificação à Autora, convocando a mesma para comparecer no dia 4 de Dezembro de 2015, a fim de ser sujeita a entrevista com o objectivo da eventual elaboração do contrato de inserção, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 9º nº 1 da Portaria nº 257/2012, 27/08 – fls. 13 a 16 do p.a.

5. Essa correspondência foi enviada para a morada que a Autora indica como sua residência – R. ……………., nº 6 – 6º Dtº, ……………….. – 2650 – 407 ………………….– idem.

6. A Autora não estava em casa, na altura da entrega, e não levantou a carta registada na estação dos correios, conforme AVISO – idem, fls. 13 a 18 do p.a.

7. No dia 6 de Janeiro de 2016 a Autora recebeu a notificação da decisão ao requerimento referido em 3, nos termos seguintes:
« Texto no original»

- doc. nº 2

8. A Autora pronunciou-se em 13/01/2016, a dizer que não tinha recebido a correspondência – doc. 3 e 4 juntos com a p.i.

9. Em 28/01/2016 a entidade demandada confirmou a decisão de indeferimento – doc. nº 5.

10. A Autora reclamou, tendo sido emitida Decisão final, nos termos seguintes:
« Texto no original»

- Doc. nº 8.

Ao abrigo do artº 662º do C.P.C. adita-se o seguinte facto:

11) A notificação referida em 4) foi remetida registada com aviso de recepção – cfr. fls. 13 do P.A..

III) Fundamentação jurídica

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, importa conhecer do mesmo.

Como primeiro fundamento de ataque à decisão recorrida referiu a recorrente que o Tribunal alicerçou a sua decisão na convicção de que teria recebido aviso para levantar a carta registada, facto que não se pode dar como provado, atendendo aos elementos probatórios juntos aos autos, nomeadamente o relatório dos CTT, do qual consta apenas um eventual depósito.

Vejamos, para o que importa analisar o recurso no seu todo para indagar da relevância da apreciação da discordância da recorrente quanto à matéria de facto dada como assente.

O fundamento do acto impugnado – o indeferimento da concessão de rendimento social de inserção – foi a circunstância de a recorrente ter sido “…convocada por carta registada para a morada que consta no requerimento” – cfr. doc. 5 junto com a petição inicial – não tendo comparecido à convocatória agendada para o dia 04/12/2015 para efeitos de celebração de contrato de inserção, pelo que “…a não comparência à referida convocatória determinou a decisão de indeferimento, bem como o período de inibição de acesso ao RSI durante o período de 24 meses.”

De acordo com o artigo 6º nº 1 alínea f) da Lei nº 13/2003, de 21 de Maio, alterada e republicada pelo D.L. nº 133/2012, de 27 de Junho “1 - O reconhecimento do direito ao rendimento social de inserção depende de o requerente, à data da apresentação do requerimento, cumprir cumulativamente os requisitos e as condições seguintes:” (…) “f) Celebrar e cumprir o contrato de inserção legalmente previsto, designadamente através da disponibilidade ativa para o trabalho, para a formação ou para outras formas de inserção que se revelem adequadas; prevendo o artigo 29º nº 2 do mesmo diploma que “2 - A recusa de celebração do contrato de inserção por parte do requerente implica o indeferimento do requerimento da prestação e o não reconhecimento do direito ao rendimento social de inserção durante o período de 24 meses após a recusa.”.

A sentença recorrida, para julgar a pretensão formulada, estribou-se na seguinte fundamentação: “In casu, a notificação de comparência foi enviada para o local onde a Autora declarou residir (cf. morada indicada na p.i.).
Se não levantou a correspondência na estação dos correios, conforme aviso deixado pelos correios, sibi imputet.
Se a Autora permaneceu longe da sua residência declarada, por mais de três dias, deveria ter providenciado para que a correspondência lhe chegasse ao conhecimento.”, parecendo, assim, acolher a ideia de que a presunção prevista no artigo 254º nº 3 do C.P.C. na versão anterior à introduzida pela Lei nº 41/2003, de 26 de Junho, de acordo com o qual “a notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja” seria aplicável aos procedimentos administrativos, entendimento que este Tribunal não acolhe, revelando-se útil recordar a fundamentação de Acórdão proferido em 14 de Janeiro de 2015, pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do Proc. nº 01618/13 do qual se transcreve o seguinte passo:
(…)
“Daí que a questão que vem colocada consiste em saber se deve considerar-se que a executada, ora Recorrida, foi efectivamente notificada do acto para efeitos de pagamento voluntário da dívida, ou se, perante a devolução da carta, o IEFP devia ter efectuado mais diligências para concretizar a notificação do acto.

É inquestionável que estamos perante a cobrança de dívida que provém de acto administrativo (despacho da entidade competente para controlar o cumprimento da iniciativa local de emprego), pelo que importa atender às regras sobre notificação de actos administrativos contidas no Código de Procedimento Administrativo (CPA), e não às regras sobre notificação de actos tributários contidas no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Como se sabe, tais actos, quando gozam de eficácia externa, têm de ser notificados aos interessados, mediante comunicação oficial e formal, na forma prevista na lei, de acordo com a imposição do nº 3 do art. 268º da Constituição, tendo a falta de notificação como consequência legal a ineficácia do acto. Por isso, na concretização desse imperativo constitucional, o art. 66º do CPA estabelece que devem ser notificados aos interessados os actos administrativos que decidam sobre quaisquer pretensões por eles formuladas, que imponham deveres, sujeições ou sanções, ou causem prejuízos, ou que criem, extingam, aumentem ou diminuam direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afectem as condições do seu exercício.

A notificação desempenha, assim, um papel garantístico ou processual, na medida em que só após a notificação pode o acto ser oponível e iniciar-se o decurso do prazo de impugnação.
Nessa consonância, o art. 70º, nº 1, alínea a), do CPA dispõe que “as notificações podem ser feitas por via postal, desde que exista distribuição domiciliária na localidade de residência ou sede do notificando (…)”.
Em anotação a este preceito legal, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e JOÃO PACHECO DE AMORIM, referem, no “Código de Procedimento Administrativo – Comentado”, 2ª Ed., pág. 361, que “o envio da notificação pelos correios é feito sob a forma registada, não havendo nenhuma razão para distinguir neste aspecto o processo judicial e o processo administrativo, considerando-se, portanto, que vale aqui, até por razões de certeza, a regra do artigo 254º do Código de Processo Civil: fica feita prova no processo (ao qual é junto o respectivo talão de registo) de que a notificação foi enviada e em que data, podendo presumir-se (como em juízo) que os serviços postais entregaram, nos prazos normais, aos respectivos destinatários, a correspondência que lhes é confiada. Note-se, porém, que não funciona para as notificações procedimentais feitas por registo postal a regra aplicável em matéria de notificações judiciais (nº 3 do art. 1º do Decreto-Lei nº 121/76), segundo o qual elas se consideram feitas no terceiro dia posterior à data do registo (ou no primeiro dia útil imediatamente subsequente).». (nosso sublinhado)

E também na jurisprudência (Cfr, entre outros, o acórdão da Secção de C.A. do STA de 1/10/2008, no recurso nº 0337/08, onde se deixou frisado que a presunção constante do nº 3 do art. 254º do CPC «não é aplicável aos processos administrativos, que são regulados em primeira linha pelo CPA, em que não há qualquer norma que determine a aplicação subsidiária do CPC.».) se firmou o entendimento de que não vale para os procedimentos administrativos a presunção que o nº 3 do art. 254º do anterior Código de Processo Civil (a que corresponde o art. 248º do actual CPC) prevê para as notificações de actos judiciais aos mandatários, isto é, de que a notificação produz efeitos ainda que a carta seja devolvida.

É certo que quando a comunicação é efectuada através dos serviços postais, que podem levar algum tempo a colocar a carta em condições de o destinatário ter possibilidade de a conhecer, a lei processual presume, através de uma regra de experiência (id quod plerumque accidit), que a comunicação postal demora três dias (após o registo) a entrar na esfera de perceptibilidade do seu destinatário (3º dia que se transfere para o 1º dia útil seguinte se aquele for um dia não útil), o que constitui uma presunção legal destinada a facilitar a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando.

Todavia, a atribuição legal de certa relevância ao registo da carta não permite obter a certeza inabalável de que o seu destinatário a recebeu nesse prazo. Assim como a forma de notificação postal não exclui o risco da carta não ser efectivamente recebida pelo destinatário (razão por que o notificado pode ilidir essa presunção), também se a carta for devolvida não se pode inferir que o registo faz presumir que ela foi colocada na esfera de cognoscibilidade do destinatário. É que se nenhum aviso for deixado no domicílio do notificando, não há, sequer, a garantia da cognoscibilidade da existência da carta; e se o aviso foi deixado, vicissitudes várias, como a ausência temporária do domicílio (vg. trabalho, férias, doença, etc.), podem impedir o acesso à carta.

Assim, a consequência lógica que a lei deduz do registo da carta, ou seja, que se presume que demora três dias a ser posta alcance do destinatário, deixa de poder ser feita, pelo menos com o mesmo grau de probabilidade, se a carta for devolvida.

E daí que a presunção legal da notificação por via postal de acto administrativo só possa funcionar se a carta não vier devolvida.

Por conseguinte, recaindo o dever de notificação sobre a administração pública, sobre a qual impende o ónus de diligenciar pela sua efectiva concretização, de forma a levar o acto ao conhecimento do seu destinatário, não pode dar-se como concretizada a notificação efectuada através de uma carta que, comprovadamente, veio devolvida e que não chegou, assim, à esfera de cognoscibilidade do respectivo destinatário.

Em suma, atendendo à função garantística que a notificação representa e ao papel integrativo de eficácia que se lhe reconhece, cremos que qualquer outra afirmação se torna inviável, por inexistência da necessária situação objectiva de certeza legal da cognoscibilidade do acto notificando.

No caso vertente, o IEFP procedeu à notificação através de carta registada, mas esta não chegou a ser entregue e recepcionada pela destinatária, ora Recorrida, pois a carta foi devolvida pelos serviços postais dos CTT com a menção “não atendeu” e “não reclamado”. Isto é, a notificação não chegou a concretizar-se, por a carta não ter sido recepcionada.
E não se aplicando aqui a regra contida no nº 3 do artigo 254º do CPC, no sentido de que «a notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou para o domicílio por ele escolhido», não pode afirma-se que o acto administrativo chegou ao conhecimento da interessada, ora recorrida (independentemente das razões subjacentes à não reclamação da correspondência junto dos correios), motivo por que ela não pode considerar-se notificada – pois que também nada indicia que tivesse tido, nessa data e por via de tal carta, conhecimento efectivo do teor da notificação remetida e dos elementos pertinentes previstos no artigo 68º do CPA.

Impunha-se, neste caso, que o IEFP diligenciasse pela confirmação da residência da recorrida no endereço em causa e pela realização de nova tentativa de notificação, uma vez que não beneficia de qualquer presunção de notificação e nada evidencia que a correspondência só não foi reclamada porque a recorrida assim não o pretendeu. E também nada indica que estejamos perante uma situação em que recaísse sobre a destinatária, ora recorrida, um especial dever de se acautelar face a um expectável recebimento de correspondência.”

O Tribunal acolhe na íntegra na íntegra a fundamentação vertida no supra parcialmente transcrito Acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo – entendimento reiterado em Acórdão proferido pela referida Secção do S.T.A. em 28 de Janeiro de 2015, no âmbito do Proc. nº 309/14) – pelo que, ao contrário do que foi entendido na sentença recorrida não se pode considerar que a presunção prevista no nº 3 do artigo 254º do C.P.C., na versão anteriormente vigente, seja aplicável aos procedimentos administrativos, pelo que o acto impugnado que considerou que a recorrente não compareceu, embora para tal notificada, à convocatória agendada para o dia 04 de Dezembro de 2015, padece de vício de violação de lei.

Ao supra exposto, acresce ainda a circunstância de a notificação enviada para a recorrente para comparecer nos serviços do R. ter sido enviado sob registado com aviso de recepção, pelo que também por este motivo não parece ser de aplicar o regime anteriormente previsto no nº 3 do artigo 254º - o regime actual, previsto no artigo 248º, apenas prevê as notificações electrónicas – pelo que deveriam os serviços do R., ao invés de considerar injustificada a não comparência da recorrente, no dia 4 de Dezembro de 2015, para efeitos de celebração do contrato de incentivos, diligenciar por nova tentativa de notificação da recorrente.

Retomando o início do recurso em apreço para referir que o acolher da tese sustentada pela recorrente quanto à inaplicabilidade ao procedimento administrativo do artigo 254º do C.P.C., na versão anterior, implica a desnecessidade da abordagem do ataque dirigido no presente recurso à matéria de facto assente, não podendo este Tribunal abordar a invocada violação do direito à Segurança Social dado a mesma não ter sido tratada, certamente porque não invocado na petição inicial, na sentença recorrida.

Aqui chegados falta apenas abordar a pretensão condenatória formulada pela recorrente nos autos consistente na condenação do ora recorrido no deferimento da pretendida concessão de rendimento social de inserção para referir que este Tribunal, face aos factos apurados, não pode condenar o recorrido nos estritos termos pretendidos pela recorrente, dado não ser possível concluir que a mesma preencherá as condições legalmente prevista para a atribuição de tal prestação, previstas na Lei nº 13/2003, de 21 de Maio apenas podendo condenar o R. a reapreciar o requerimento formulado pela A., praticando novo acto expurgado do vício julgado procedente, sendo que, como resulta do regime da execução de sentenças anulatórias de actos administrativos, se se concluir que a recorrente tem direito ao rendimento social de inserção a concessão do mesmo deverá produzir efeitos desde a prática do acto ora anulado.



III) Decisão

Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, anulando o acto impugnado e condenando o Instituto de Segurança Social, I.P. a reapreciar o requerimento de concessão de rendimento social de inserção formulado pela recorrente, praticando novo acto expurgado do vício julgado verificado.
Custas pelo recorrido, em ambas as instâncias.
Lisboa, 6 de Dezembro de 2017

Nuno Coutinho

José Gomes Correia


Paulo Vasconcelos