Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:109/21.7BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/03/2022
Relator: FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:RECURSO DE DECISÃO ARBITRAL;
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
ACUSAÇÃO DISCIPLINAR
Sumário:I – A circunstância do Recorrente fazer algumas e insipientes criticas à matéria de facto fixada, sem que a impugne, determina que a mesma se constitua como caso julgado formal, uma vez que foi incumprido o ónus de impugnação.

II – A acusação disciplinar não poderá ser vaga e conclusiva, sob pena de impedir, ou pelo menos limitar, um adequado contraditório e defesa.

Com efeito, qualquer acusação disciplinar, que não viabilize um adequado contraditório será efetivamente nula.

III - Na medida em que as penas disciplinares são um mal infligido a qualquer destinatário, devem, em tudo quanto não esteja expressamente regulado, aplicar-se os princípios que garantem e defendem o indivíduo contra todo o poder punitivo.

É requisito essencial da acusação, a individualização ou discriminação dos factos disciplinarmente puníveis, com a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que foram cometidas e com referência aos preceitos legais e às penas aplicáveis.

A acusação tem, pois, imperativamente que indicar os preceitos legais violados e as penas aplicáveis, para que o arguido se possa defender cabalmente dessa acusação, sob pena de nulidade insuprível.

IV - Só uma acusação elaborada de forma clara, precisa, detalhada e circunstanciada, permite ao arguido no procedimento disciplinar, conhecer os factos que lhe são imputados e, dessa forma, defender-se, de forma cabal e completa, assim se assegurando em pleno o seu direito de defesa (cfr. os artigos 32.º, n.º 10 e 269.º, n.º 3, ambos da CRP).

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Procº nº 109/21.7BCLSB
Recurso de Decisão Arbitral
Recorrente: Federação Portuguesa de Futebol
Recorridos: V... - Futebol SAD
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO
A Federação Portuguesa de Futebol vem Recorrer para esta Instância do Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, que julgou procedente o recurso apresentado pelo V... - Futebol SAD, no âmbito do Procº n.º 22/2021.
O litígio tinha originariamente como objeto a impugnação do acórdão de 17/05/2021 proferido pelo Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, no âmbito do Processo Disciplinar 79-2020/2021.
Este acórdão decidiu pela aplicação ao V...das sanções de realização de 1 jogo à porta fechada e de multa no valor de €5.000, pela prática da infração disciplinar PP pelo artigo 87.°-A, n.°s 4 e 5, do Regulamento Disciplinar da LPFP [RDLPFP].
Formulou a Federação Portuguesa de Futebol no seu Recurso, as seguintes Conclusões:
“1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, notificado em 27 de julho de 2021, que julgou procedente o recurso apresentado pela ora Recorrida, que correu termos sob o n.º 22/2021.
2. Em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitral (por maioria) em revogar o Acórdão proferido pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da ora Recorrente, absolvendo a Recorrida da prática da infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 87.º- A, n.º 4 e n.º 5, do RD da LPFP, que lhe tinha sido aplicada por aquele órgão no âmbito do processo disciplinar n.º 79 - 2020/2021
3. Em causa nos presentes autos está a violação dos deveres a que a Recorrida se encontra adstrita, por ser promotora do espetáculo desportivo sub judice, de instalar e a manter em perfeitas condições e em funcionamento, um sistema de videovigilância, que permitisse o controlo visual de todo o recinto desportivo, e respetivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas, nos termos conjugados da alínea t) do n.º 1 do artigo 35.º do RCLPFP19, alínea u) do artigo 6.º do Anexo VI ao sobredito RCLPFP19 [Regulamento de Prevenção da Violência], bem como nos n.ºs 1 e 2 do artigo 18.º da Lei n.º 39/2009 de 30 de Julho;
4. Sucede que, o Colégio de Árbitros, por maioria, entendeu que o Acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Recorrente não assegurou "(...) o direito fundamental de defesa da Demandante, [sendo] a sua preterição subsumível ao artigo 161.º, n.º 2, alínea d) do Código do Procedimento Administrativo e, consequentemente, determinante de nulidade."
5. Sem razão, pois vejamos, salvo o devido respeito, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, a Recorrida teve conhecimento claríssimo dos factos que lhe foram imputados e das respetivas disposições regulamentares e legais que as preveem e sancionam, tendo sindo, quer na instauração do processo disciplinar sub judice, quer na dedução da respetiva acusação, sempre respeitado o direito fundamental de defesa da Recorrida. No que se refere à notificação de instauração do processo disciplinar, a Comissão de Instrutores, cumpriu, integralmente, o estatuído no artigo 227.º, n.º 1 do RD da LPFP, em concreto, procedeu à indicação das infrações disciplinares pelas quais está indiciado, fornecendo, ainda, toda a factualidade relevante para que a Recorrida, caso assim entendesse, se pudesse pronunciar. Aliás, como resulta do processo disciplinar junto aos autos, a Recorrida não suscitou uma tal nulidade com fundamento na violação do seu direito de defesa devido à falta de especificação dos factos.
6. Por outro lado, no que respeita à acusação, a mesma satisfaz integralmente as exigências de concretização dos factos, das circunstâncias de tempo e lugar em que os mesmos ocorreram, das circunstâncias agravantes aplicáveis e bem assim a indicação dos preceitos legais correspondentes às infrações que lhe são imputadas, conforme determina o artigo 233.º, n.º 2 do RD da LPFP.
7. A Recorrida, em face do teor da acusação, estava em perfeitas condições de perceber quais os factos de que a mesma tinha sido acusada e pelos quais foi punida. Não há quaisquer imputações vagas e genéricas, sendo que os factos relatados descrevem condutas perfeitamente concretas, e com bastante pormenor. Os factos e as circunstâncias de modo, tempo e lugar das infrações resultam, com absoluta clareza e determinação, da acusação.
8. A ratio legis do artigo 233.º, n.º 2 do RD da LPFP é a de que a acusação seja formulada de molde a permitir ao arguido tomar efetivo conhecimento e consciência dos factos de que vem acusado, o que, na situação dos autos, resulta de forma muito clara da acusação proferida no procedimento disciplinar, sendo que a mesma nada tem de obscuro, sendo perfeitamente percetíveis quais as condutas que são imputadas à Recorrida.
9. Ademais, não se olvide que o processo disciplinar tem peculiares características, não obedecendo a formas rígidas e solenes, tal como se de um processo penal se tratasse.
Recorde-se que Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado a não aplicação direta e global aos processos contraordenacionais - e, por maioria de razão, aos processos disciplinares - dos princípios constitucionais próprios do processo criminal. Veja-se, neste sentido, o entendimento constante do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 09192/12, de 12-03-2015.
10. Desde há muito vem sendo entendimento uniforme e reiterado da nossa jurisprudência que "Não se verifica a nulidade da falta de audiência do arguido quando se mostre que, a despeito da generalidade da acusação, o arguido compreendeu perfeitamente o seu âmbito, sentido e alcance." e de que "Não há nulidade insuprível, por falta de audiência, independentemente de alguma deficiência narrativa e/ou de particularização, se a acusação, não sendo embora uma peça modelar, satisfaz o mínimo indispensável à vinculação temática da autoridade decidente e o arguido dá mostras de ter entendido o respetivo sentido e alcance, podendo defender-se dela sem limitações.". - cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 3/12/1981, de 19/05/1983, P. 016807, 30/05/1985, P. 20623, de 28/2/1989, P. 25630, de 12/10/1989, P. 25539, de 17.01.2007, P. 820/06, e de 1/2/2011, P. 0938/10.
11. Com efeito, dos autos resulta, com toda a clareza, que a Recorrida percebeu claramente os factos de que vinha acusada, o que transparece, quer da defesa apresentada em sede disciplinar, quer do requerimento inicial de arbitragem apresentado junto do Tribunal a quo, uma vez que, se aquela contesta expressamente as condutas que lhe foram imputadas na mesma, é porque compreendeu perfeitamente o seu sentido e alcance e, assim, pôde cabalmente exercer os seus direitos de defesa, não lhe tendo sido coartadas quaisquer garantias ou vedada qualquer possibilidade concreta de defesa.
12. Por este facto, e sem conceber, ainda que se verificasse a insuficiência factual da acusação pelo facto de a mesma não referir expressamente quais as concretas câmaras que não tinham som, sempre a mesma teria de considerar-se necessariamente suprida, não se verificando, pois, qualquer nulidade.
13. Assim, a Recorrida não ficou minimamente cerceada no seu direito a produzir uma defesa eficaz, - como produziu por escrito - quer no sentido de demonstrar que os factos não integram nenhum ilícito disciplinar, o que passa forçosamente por um claro conhecimento dos factos e das infrações que lhe são imputadas e também das disposições legais que a preveem e punem.
14. Atendo a todo o acima exposto, não se percebe como pôde o Acórdão recorrido afirmar que estamos perante uma nulidade "subsumível no artigo 161.º, n.º 2, alínea d) do Código do Procedimento Administrativo”, por violação do direito fundamental de defesa da Recorrida previsto no artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa.
15. Só se pode afirmar a nulidade de um ato porque o mesmo viola o conteúdo essencial de um direito fundamental quando a prática do ato tiver por consequência desprover decisivamente o seu destinatário da proteção que esse direito lhe dá, não sendo, deste modo, qualquer lesão que será apta a gerar tal nulidade.
16. No que diz respeito ao n.º 10 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, referiu-se no Acórdão 659/2006 do Tribunal Constitucional que "Tal norma implica tão-só ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laborai, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (...)”.
17. Este é o limitado alcance da norma do n.º 10 do artigo 32.° da CRP, tendo sido rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de 1997, uma proposta no sentido de se consagrar o asseguramento ao arguido, "nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios", de "todas as garantias do processo criminal" {artigo 32.º B do Projeto de Revisão Constitucional n.º 4/VI1, do PCP; cf. o correspondente debate no Diário da Assembleia da República, II Série RC, n.9 20, de 12 de setembro de 1996, pp. 541 544, e I Série, n.º 95, de 17 de julho de 1997, pp. 3412 e 3466).
18. Aqui chegados, não temos qualquer dúvida, como não as teve o Conselho de Disciplina, que no âmbito do processo disciplinar sub judice foram asseguradas todas as garantias de defesa e, ainda que se entenda, o que não se concede e alega por mero dever de patrocínio, que se verifica a insuficiência factual da acusação pelo facto de a mesma não referir expressamente quais as concretas câmaras que não tinham som, sempre a mesma teria de considerar-se necessariamente suprida porquanto a Recorrida deu mostras de ter entendido o respetivo sentido e alcance da acusação, produzindo - como o fez - a sua defesa sem qualquer limitação.
19. Por todo o acima exposto, de forma alguma se pode afirmar que foi, sequer, violado o direito fundamental de defesa da Recorrida e, muito menos, o seu "conteúdo essencial" ou "núcleo duro" foi, de alguma forma posto em causa.
20. Pelo que, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que não foi assegurado o direito fundamental de defesa da Demandante, sendo a sua preterição subsumível ao artigo 161.º, n.º 2, alínea d) do Código do Procedimento Administrativo e, consequentemente, determinante de nulidade do Acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Recorrente.
Sem prescindir,
21. O dever de fundamentação dos Acórdãos do Conselho de Disciplina abrange realidades distintas, e conexas, que incluem a fixação dos factos provados e não provados, a respetiva fundamentação sintética de direito, mas também a explicitação sintética das razões pelas quais o julgador considerou provado determinado facto.
22. Atendendo ao exposto, facilmente se percebe que o Acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Recorrente está suficientemente fundamentado, para o efeito útil das normas em aplicação.
23. Ainda, um destinatário normal, colocado perante as razões de facto e direito constantes do Acórdão proferido pelo CD da Recorrente, percebe a factualidade e as normas que sustentaram a decisão de aplicação à Recorrida das sanções de multa e jogo à porta fechada.
24. Aliás, tal conclusão é corroborada pelo facto de a Recorrida ter percebido de forma cabal as razões em que assentou o acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Recorrente, face aos erros de julgamento que, na respetiva do requerimento inicial de arbitragem, imputa ao mesmo.
25. E, ainda que se entendesse, o que não se concebe e alega por dever de patrocínio, que o Acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Recorrente tem uma fundamentação deficiente, medíocre ou errada, sempre se dirá, na esteira do entendimento unanime da doutrina e jurisprudência portuguesas que só enferma de nulidade a sentença em que se verifique a falta absoluta de fundamentos, seja de facto, seja de direito, que justifiquem a decisão e não aquela em que a motivação é deficiente. Sem prescindir,
26. À exceção dos deveres ínsitos na Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, aprovada, consabidamente, pela Assembleia da República, todos os deveres constantes do RC da LPFP e respetivo anexo, bem como a norma sancionatória sub judice, constam de Regulamentos aprovados pelas próprias SAD's que disputam as competições profissionais em Portugal, entre elas a V... - Futebol SAD.
27. O RD e o RC da LPFP são aprovados em Assembleia Geral da LPFP, de que faz parte a Recorrida assim como todos os outros clubes que integram as ligas profissionais.
28. Em concreto, a Recorrida não se manifestou contra a aprovação das normas pela qual foi punida em sede de Assembleia Geral tendo, pelo contrário, aprovado as mesmas decidindo conformar-se com elas. Neste sentido, veja-se o que é, de forma muito pertinente, observado nos processos n.º 60/2017 e 61/2017.
29. Em concreto, sublinhe-se que a exigência de um sistema de vigilância com determinadas características não resulta do art.º 879-A, n.º 4 do RD da LPFP mas sim de Lei (do artº 189 da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho) e do RC da LPFP aprovado ao abrigo dessa lei.
30. O RD da LPFP limita-se a sancionar a conduta do clube que não cumpra as obrigações relativas ao sistema de videovigilância. Ademais, não cremos que se possam apelidar as normas pelas quais a Recorrida foi sancionada como normas punitivas em branco, ou melhor, é indiferente que assim se pense, uma vez que os deveres relativos ao sistema de videovigilância estão hoje, como à data dos factos, claramente identificados no RC da LPFP e na Lei n.º 39/2009, de 30 de julho e, obviamente, sujeitos ao princípio da tipicidade.
31. Com efeito, a Recorrida bem sabia que, na data dos factos, nos termos conjugados da alínea t) do n.ºs 1 do artigo 35.º do RCLPFP19, alínea u) do artigo 6.º do Anexo VI ao sobredito RCLPFP19 [Regulamento de Prevenção da Violência], bem como nos n.ºs 1 e 2 do artigo 18.º da Lei n.º 39/2009 de 30 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 113/2019, de 11 de setembro, estava obrigada a instalar e a manter em perfeitas condições e em funcionamento, um sistema de videovigilância, que permitisse o controlo visual de todo o recinto desportivo, e respetivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas.
32. Ora, uma vez que parte dos ficheiros gravados na pen-drive de fls. 9 destes autos remetidos pela Recorrida, correspondentes a imagens captadas por várias câmaras componentes do sistema de videovigilância instalado no Estádio D. Afonso Henriques, não tinham som, dúvidas não subsistem relativamente à violação dos deveres acima mencionados.
33. Ao CD cabe indagar, para o que ora interessa, se a Recorrida manteve, ou não, no jogo dos autos, um sistema de videovigilância que permitisse o controlo visual de todo o recinto desportivo, e respetivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas.
34. Pelo que, ao contrário do que alega, os factos que lhe são imputados e respetiva subsunção ao direito encontram-se, como acima se mencionou, perfeitamente explicitados, quer na acusação, quer no Acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Recorrente, sendo muito percetível que estão preenchidos todos os elementos típicos da norma sancionatória sub judice.
35. Pelo que, não existe qualquer nulidade por falta de fundamentação e, muito menos, por violação do princípio do acusatório,
Sem prescindir, de toda a prova junta aos presentes autos resulta, de forma clara, que a Recorrida não dispunha de um sistema de videovigilância que permitisse o controlo visual de todo o recinto desportivo, e respetivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas, conforme exigidos pelos RC da LPFP e pela Lei n.s 39/2009.
36. E, não se diga que a junção aos autos do Relatório de Auto de vistoria datado de 12 de abril de 2019 e do Relatório de vistoria intercalar de requalificação do sistema de CCTV e verificação de novos bancos de 9 de agosto de 2019, impunham a absolvição da Recorrida.
37. Em concreto, os relatórios de vistoria datados de 2019 não são, obviamente, aptos a demonstrar que em 2020 o sistema de videovigilância permitia o controlo visual de todo o recinto desportivo, e respetivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas.
38. De facto, é irrefutável que qualquer dúvida em matéria de prova se resolve a favor do arguido, por aplicação dos princípios da presunção da inocência e do in dúbio pro reo.
39. Contudo, nos presentes autos, não existe qualquer dúvida relativamente aos factos que motivaram a condenação da Recorrida.
40. Muito pelo contrário, toda a prova produzida nos autos está harmoniza entre si, tendo sido analisada de forma crítica e conjugada, desse modo permitindo concluir a que a Recorrida, no jogo sub judice, não manteve, como lhe competia, uma sistema de videovigilância que permita o controlo visual de todo o recinto desportivo, e respetivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas, as quais visam a proteção de pessoas e bens. Motivo pelo qual, o princípio do in dúbio pro reo, não tem aplicação no caso concreto.
41. Atento todo o supra exposto, não temos qualquer dúvida de que andou bem o Conselho de Disciplina da Recorrente na fixação da matéria de facto considerada provada resultando a mesma de toda a prova carreada para os autos de processo disciplinar, designadamente os ficheiros gravados na pen-drive de fls. 9 dos autos.
42. O que se refere os números 8 e 9 da matéria de facto dada como assente pelo Tribunal a quo, cabe chamar à colação, uma vez mais, a declaração de voto do Árbitro M...., segundo o qual «contrariamente ao que se refere no ponto 5.1 do acórdão ("Fundamentação de facto - Matéria de facto dada como provada") entendo que não ficou demonstrado nos autos que o sistema de videovigilância do Estádio Dom Afonso Henriques tivesse sido "aprovado pelas entidades competentes (Comissão Técnica da LPFP e PSP) em 9 de agosto de 2019" sem que "(...) estiv[esse] prevista a gravação de som em todas as câmaras do estádio, sendo apenas exigido que, em algumas zonas, existam microfones para a respetiva captação e gravação" - cf. Pontos 8 e 9 da matéria de facto dada como assente -, nem tal resulta, tao pouco "dos documentos juntos aos presentes autos com o P.D., nomeadamente a fis. 118 e das declarações da testemunha.».
43. Sem necessidade de mais delongas, andou mal o Tribunal a quo ao considerar os números 8 e 9 da matéria de facto dada como assente.
44. Assim, por ser promotora «do espetáculo desportivo em cujo recinto se realizem espetáculos desportivos de natureza profissional ou não profissional considerados de risco elevado», estava a Recorrida obrigada, na data dos factos, nos termos conjugados da alínea t) do nº9 1 do artigo 35.º do RCLPFP19, alínea u) do artigo 6.º do Anexo VI ao sobredito RCLPFP19 [Regulamento de Prevenção da Violência], bem como nos n.ºs 1 e 2 do artigo 18.º da Lei n.º 39/2009 de 30 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 113/2019, de 11 de setembro, a instalar e a manter em perfeitas condições e em funcionamento, um sistema de videovigilância, que permitisse o controlo visual de todo o recinto desportivo, e respetivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas.
45. Como resulta do estatuído no artigo 86.º-A, n.º 1 do RD da LPFP, ao abrigo do princípio da colaboração com a justiça desportiva, os clubes, uma vez notificados para o efeito, devem habilitar a Cl, no prazo de dois dias úteis, com cópia das imagens capturadas pelo sistema de videovigilância dos respetivos estádios.
46. Com efeito, a Recorrida regularmente notificada no Processo Disciplinar n.º 73-19/20, habilitou a Cl, no prazo concedido, com as cópias do registo de imagens criados pelo CCTV instalado no Estádio Dom Afonso Henriques, aquando do jogo em apreço, sem que parte das mesmas apresentassem, porém, qualquer som.
47. Tratou-se, naturalmente de um incumprimento ou de um cumprimento imperfeito ou defeituoso da sua obrigação regulamentar de manter em perfeitas condições o sistema de videovigilância que, como melhor veremos adiante, tem de comportar os registos de imagem e som captados por tal sistema.
48. A Recorrida, nem em sede arbitral, nem em sede disciplinar, juntou, em algum momento, qualquer prova do cumprimento do dever acima mencionado.
49. Destarte, não se nos afiguram quaisquer dúvidas quanto ao facto de a Recorrida não ter atuado com o cuidado e diligência que lhe era exigível, tendo a possibilidade de prever o preenchimento do tipo, contribuindo para a produção do resultado típico, in casu, não salvaguardando pela manutenção em funcionamento de um sistema de videovigilância com captação de imagens e som, conforme exigido pelos regulamentos e normas legais em vigor, e por conseguinte, quanto ao preenchimento dos elementos integrativos do disposto nos artigos 87.º-A, n.º 4 do RD da LPFP.
50. Atendendo ao cadastro disciplinar da Recorrida, à data da prática dos factos, a mesma tinha antecedentes disciplinares, tendo sido punida numa das três épocas desportivas anteriores, em 2017/2018, pelo ilícito disciplinar sub judice, pelo que, deverá ser considerada reincidente nos termos conjugados do disposto nos artigos 54.º e 87.º-A, n.º 5, todos do RD da LPFP.
51. O TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF.
52. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal o quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 2.º, al. b) 18.º, n.º 3, 32.º, n.º 10 da CRP, artigo 161.n.º 2, al. d) do CPA e, ainda, dos artigos 227.º e 233.º do RD da LPFP e por erro na apreciação da prova produzida nos autos
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deverá o Tribunal Central Administrativo Sul dar provimento ao recurso e revogar o Acórdão Arbitral proferido, com as devidas consequências legais, assim se fazendo o que é de lei e de justiça.

O V... - Futebol SAD veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso, sem conclusões, terminando, afirmando que “Hão, por isso, de improceder todas as conclusões da Recorrente! Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente.”

O Ministério Público, já neste Tribunal, notificado em 27 de setembro de 2021, nada veio dizer, requerer ou Promover.
II – Objeto do recurso:
Em face das conclusões formuladas, cumpre decidir se o Tribunal Arbitral do Deporto incorreu em erro ao julgar procedente o pedido de revogação do Acórdão recorrido que condenou o V... - Futebol SAD pela prática da infração disciplinar PP pelo artigo 87.°-A.°, n.°s 4 e do RD da LPFP, na sanção de realização de um jogo à porta fechada e de multa de €5.000, mais devendo ser analisados os suscitados erros relativos à matéria de facto.

III - Fundamentação De Facto:
No acórdão recorrido foi julgada provada a seguinte factualidade:
1. No dia 16 de fevereiro de 2020, disputou-se o jogo n.º 12108 (203.01.188), entre a V... - Futebol SAD e a F... - Futebol SAD, a contar pera a Liga NOS, no Estádio Dom Afonso Henriques.
2. No âmbito dos autos de Processo Disciplinar n.º 73-19/20, em cumprimento de Despacho aí proferido, datado de 24.02.2020, foi a V...- Futebol, SAD. notificada «para, nos termos do disposto no artigo 18.°, n.º 7 da Lei n.º 39/2009, de 30 de junho (vide, também, artigo 86.°-A, n.º 1 do RDLPFP), remeter aos presentes autos, no prazo de 2 dias, registo de imagem e som criado pelo seu sistema de videovigilância, instalado no Estádio D. Afonso Henriques, relativamente ao jogo disputado entre a V...- Futebol, SAD, e a F...- Futebol, SAD, realizado no dia 16 de fevereiro de 2020, a contar para a 21a jornada da LIGA NOS, designadamente, as imagens e som captadas nas bancadas do referido estádio durante o período regulamentar do jogo referido».
3. Nessa sequência, a V... - Futebol SAD remeteu os ficheiros gravados na pen-drive de fls. 9 destes autos.
4. O Conselho de Disciplina da FPF foi notificado, no dia 31 de Março de 2021, do Despacho proferido pelo Senhor Dr. B...., Instrutor do Processo Disciplinar n.º 73 – 20/9/2020, entretanto concluso ao Órgão, que no seu relatório final indica: ‘‘Tendo presente que a cópia da gravação das imagens e som, captado pelo sistema de videovigilância (CCTV) do Estádio D. Afonso Henriques, remetida pela V...- Futebol, SAD, não disponibiliza som em muitas das câmaras que compõem o referido sistema, ordena-se que seja extraída certidão de fls. 85-66,90-91, da cópia das imagens e som captado peio CCTV constante de fls. 127, bem como da presente, e que a mesma seja remetida d Exma. Sr. a Presidente da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol para os efeitos idosibun Arbitral do Desporto por convenientes", (fls. 1 do P.D.)
5. No dia 16 de Abril de 2021, foi a Demandante notificada do seguinte despacho, em cumprimento do artigo 227.° do RD da LPFP: "a ) Da instauração do presente processo disciplinar pelo Conselho de Disciplina da FPF; b) De que o mesmo tem por objeto «[ajusência de som das gravações captadas pelo sistema de videovigilância (CCTV) do Estádio Dom Afonso Henriques» (cfr. capa deste Processo], designadamente, as captadas aquando do jogo n.º 12108 (203.01.188), entre a V...- Futebol 5AD e a F... - Futebol SAD, realizado no dia 15 de Fevereiro de 2020, a contar para a Liga NOS, omissão que motivou o proferimento do seguinte Despacho, pelo Exmo. Senhor Instrutor, no Processo Disciplinar n.º 73- 2019/2020: 'Tendo presente que a cópia da gravação das imagens e som, captado pelo sistema de videovigilância (CCTV) do Estádio D. Afonso Henriques, remetida pela V...- Futebol, SAD, não disponibiliza som em muitas das câmaras que compõem o referido sistema, ordena-se que seja extraída certidão de fls. 65-66,90-91, da cópia das imagens e som captado pelo CCTV constante de fls. 127, bem como da presente, e que a mesma seja remetida d Exma. Sr. a Presidente da Secção Profissional do Conselho de Discipline da Federação Portuguesa de Futebol para os efeitos tidos por convenientes' c) De que, sem prejuízo do que resultar da instrução, os factos supra descritos são suscetíveis de configurar a prática, pela Arguida, de infração disciplinar p.e.p. pelo artigo 877-A, n.º 4, do RD 2019/2020". (fls, 17 do P.D.)
6. O que se diz nos artigos 3°, 4° e 5° da acusação da Comissão de Instrutores é o seguinte:
'‘3.° Nessa sequência, a V... - Futebol SAD remeteu os ficheiros gravados na pen-drive de fls. 9 destes autos, sendo que,
4.° Parte desses ficheiros, correspondentes a imagens captadas por várias câmaras componentes do sistema de videovigilância instalado no Estádio D. Afonso Henriques, não têm som.
5º A Arguida agiu de forma livre, consciente e voluntária, sabendo que o seu comportamento consubstancia conduta prevista e punível pelo ordenamento jus- disciplinar desportivo, não se abstendo, porém, de a realizar."
7. O sistema de videovigilância do Estádio em causa foi aprovado pelas entidades competentes (Comissão Técnica da IPFP e PSP) em 9 de agosto de 2019, nomeadamente no que respeita à gravação de som, por ocasião de vistoria intercalar.
8. Neste sistema, assim aprovado, não está prevista a gravação de som em todas as câmaras do estádio, sendo apenas exigido que, em algumas zonas, existam microfones para a respetiva captação e gravação.
9. Em nenhuma fase do processo disciplinar que concluiu pela condenação da Demandante lhe foi comunicado qual a ‘‘parte" dos ficheiros por ela remetidos, "correspondentes a imagens captadas por várias câmaras componentes do sistema de videovigilância", que não tem som.

IV – Fundamentação De Direito:
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida:
“No artigo 87.°-A do Regulamento Disciplinar da LPFP 2019/2020, determina-se o seguinte:
“Incumprimento de deveres de organização
(...)
2. O clube que não cumpra a obrigação de corte da relva estabelecida no n.º 4 do artigo 39.° do Regulamento das Competições é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 e o máximo de 100 UC.
(...)
4. O clube que não cumpra as obrigações relativas ao sistema de videovigilância que pera si decorrem do Regulamento das Competições é punido com a sanção prevista no n.º 2.
5. Em caso de reincidência no ilícito previste no número anterior, para além da sanção nele prevista, o clube é punido com a sanção de realização de um a dois jogos à porta fechada." E o n.º 1 do artigo 227.° do mesmo Regulamento diz o seguinte:
"Artigo 227°
Notificação do Arguido
1. A instauração do processo disciplinar é notificada ao arguido, no prazo de dois dias, com indicação das infrações disciplinares pelas quais se procede e de que está indiciado e do convite para, querendo, se apresentar a fim de prestar declarações sobre os factos em investigação e requerer diligências instrutórias."
Pois bem, para que a Demandante possa vir ao processo "prestar declarações sobre os factos em investigação e requerer diligências instrutórias", é mister que conheça esses factos, não sendo para o efeito suficiente a informação de que "parte" dos ficheiros entregues não tem som, ou de que “não disponibilize som em muitas das câmaras". De facto, várias são as razões que podem ter levado a este facto genérico, mas a Demandante apenas poderia estar apta a identificá-las e em condições de, eventualmente, afastar a prática do ilícito que lhe estava a ser imputada se lhe tivesse sido transmitido quais as câmaras relativamente às quais não tinha sido disponibilizado som, ou qual a parte dos ficheiros entregues que não tinha som. Cabe ainda trazer aqui o disposto no artigo 233.º do mesmo Regulamento:
"Artigo 233.°
Dedução de acusação
1. Se, finda a instrução, se verificarem indícios suficientes da prática de uma infração disciplinar e do seu autor, o instrutor deduz acusação.
2. A acusação deverá enunciar de forma suficientemente esclarecedora as circunstâncias de tempo, lugar e modo relativas acs factos constitutivos das infrações disciplinares imputadas ao arguido, bem como às circunstâncias agravantes e atenuantes que lhe sejam aplicáveis, e enunciar de modo claro e compreensivo as disposições legais ou regulamentares violadas e as sanções e demais consequências abstratamente aplicáveis.
Esta concretização revelava-se, no caso em apreço, essencial para o exercício do direito de defesa da Demandante no processo,"
Ora, mais uma vez, deve entender-se que a acusação deduzida contra a Demandante não enunciava de forma suficientemente esclarecedora os próprios factos constitutivos da infração disciplinar imputada ao arguido, de modo a que este pudesse efetivamente afastar a sua prática.
Uma vez que essa possibilidade foi posta em causa, considera-se ter sido negado à Demandante o direito de defesa deve considerar-se "como omissão de formalidades essenciais à defesa como implicando a ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental de defesa" (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.° ed. revista, Coimbra Editora, 2010, p. 841). O acórdão recorrido, nos pontos 21 a 31, não considera ter havido violação do direito de defesa, por considerar, em síntese, que "[d]os factos assentes na acusação é possível, pois, retirar que foram facultadas à Arguida todas as possibilidades de efetuar uma defesa eficaz, pois é esta a exigência que avulta das normas aplicáveis no âmbito de um procedimento disciplinar cujas exigências em muito se distanciam do processe penal desde logo por serem diferentes as finalidades que cada um prossegue".
O acórdão recorrido violou, assim, os artigos 2.º, 9.°, alínea b), 18.°, n.º 3 e 32.°, n.º 10 da CRP. Deste modo, não tendo sido assegurado o direito fundamental de defesa da Demandante, a sua preterição é subsumível ao artigo 161.°, n.º 2, alínea d) do Código do Procedimento Administrativo e, consequentemente, determinante de nulidade.
Atento tudo o supra explanado, considera-se, assim, nulo o acórdão recorrido, ficando prejudicada a apreciação das restantes questões de Direito suscitadas.

Correspondentemente, decidiu-se no Tribunal Arbitral do Desporto “dar provimento ao recurso interposto pela Demandante e, em consequência,
a. Julgar procedente o pedido de revogação do Acórdão recorrido que condenou a Demandante pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 87.°-A.°, n.°s 4 e do RD da LPFP, na sanção de realização de um jogo à porta fechada e de multa de €5.000.”
Vejamos:
Há uma questão incontornável para a decisão a proferir nesta instância e que se prende com a circunstância da Recorrente/FPF, não obstante ter feito algumas e insipientes criticas à matéria de facto fixada, não a impugnou, em face do que do que a mesma se constituiu como caso julgado formal.

Efetivamente, no que aqui releva, consta dos factos 7 a 9 da matéria dada como provada, o seguinte:
“7. O sistema de videovigilância do Estádio em causa foi aprovado pelas entidades competentes (Comissão Técnica da LPFP e PSP) em 9 de agosto de 2019. nomeadamente no que respeita à gravação de som. por ocasião de vistoria intercalar.
8. Neste sistema, assim aprovado, não está prevista a gravação de som em todas as câmaras do estádio, sendo apenas exigido que, em algumas zonas, existam microfones para a respetiva captação e gravação.
9. Em nenhuma fase do processo disciplinar que concluiu pela condenação da Demandante lhe foi comunicado qual a "parte" dos ficheiros por ela remetidos. "correspondentes a imagens captadas por várias câmaras componentes do sistema de videovigilância", que não tem som.”

Objetivando as meras criticas efetuadas pelo Recorrente à matéria de facto fixada, aí se afirmou singelamente que “(…) andou mal o Tribunal a quo ao considerar os números 8 e 9 da matéria de facto dada como assente”, sendo que, nem sequer se questiona o facto 7, no qual resulta que o sistema de videovigilância se encontra aprovado pelas entidades competentes.

Incontornavelmente foi incumprido o ónus de impugnação da matéria de facto pela Recorrente, pois que se limitou a discordar genericamente sobre o teor de parte da prova produzida.

Consolidada que está a matéria de facto, ficou, por natureza, condicionado tudo quanto se poderá decidir a final.

Com efeito, estando aprovado pelas entidades competentes (Comissão Técnica da LPFP e PSP) o sistema de videovigilância, o qual não prevê a gravação de som em todas as câmaras do estádio, mal se compreende como poderia a SAD do V... ser penalizada pelo facto de não ter facultado o registo sonoro de todas as imagens de videovigilância facultadas, tanto mais que se não concretiza quais os registos sonoros em falta, refugiando-se a Federação em afirmações meramente genéricas e conclusivas, como sejam ficheiros sonoros “(…) correspondentes a imagens captadas por várias câmaras componentes do sistema de videovigilância, que não tem som.”

Estando instalado um sistema de vigilância, composto por 56 câmaras, e não estando todas elas dotadas com sistema de gravação de som, naturalmente que não poderia ser fornecido algo inexistente e que, mal ou bem, não foi previsto no sistema aprovado.

Admite-se que o sistema seria mais eficaz com a simultânea recolha de som e imagem, mas não foi isso que foi previsto, aprovado e instalado, uma vez que só existirá recolha de som por zona e não por câmara, sendo que em cada zona haverá mais do que uma câmara.

Assim sendo, a imputação de infrações a factos alegadamente praticados teria de concretizar exatamente quais as situações alegadamente em falta, com a definição das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que as ditas infrações se teriam verificado.

É claro que a SAD do V..., bem sabe o que está em causa, mas tal circunstância não permite que lhe sejam imputadas responsabilidades disciplinares por algo que não dispõe e a que não estava obrigada a dispor, em função do sistema de videovigilância instalado no seu estádio, aprovado por quem tem competência para tal.

Acresce ainda que a acusação não poderia ser vaga e conclusiva, sob pena de impedir, ou pelo menos limitar, um adequado contraditório e defesa.

Qualquer acusação, mesmo ao nível disciplinar, que não viabilize um adequado contraditório será efetivamente nula.

Como decorre da filosofia constante do Acórdão do TCAN nº 185/11.0BECBR, aqui aplicado mutatis mutandis, na medida em que as penas disciplinares são um mal infligido a qualquer destinatário, devem, em tudo quanto não esteja expressamente regulado, aplicar-se os princípios que garantem e defendem o indivíduo contra todo o poder punitivo.

É requisito essencial da acusação, a individualização ou discriminação dos factos disciplinarmente puníveis, com a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que foram cometidas e com referência aos preceitos legais e às penas aplicáveis.
A acusação tem, pois, imperativamente que indicar os preceitos legais violados e as penas aplicáveis, para que o arguido se possa defender cabalmente dessa acusação, sob pena de nulidade insuprível.

Só uma acusação elaborada de forma clara, precisa, detalhada e circunstanciada, permite ao arguido no procedimento disciplinar, conhecer os factos que lhe são imputados e, dessa forma, defender-se, de forma cabal e completa, assim se assegurando em pleno o seu direito de defesa (cfr. os artigos 32.º, n.º 10 e 269.º, n.º 3, ambos da CRP).

Acresce ainda, e no mesmo sentido, se duvidas houvesse, o referido no artigo 222.°, n.º 3 do RD onde se refere que “Os acórdãos da Secção Disciplinar devem ser fundamentados de facto e de direito mediante a enunciação sintética da respetiva motivação em termos claros e sucintos."

O acórdão elaborado pelo conselho de Disciplina da FPF e que foi revogado pela decisão em sindicância é claramente violador do preceito vindo de citar, posto que não fundamenta os factos constitutivos da infração disciplinar imputada ao arguido.

Em face de tudo quanto supra se expendeu e sem necessidade de acrescida argumentação, não merece censura a decisão recorrida, em face do que se negará provimento ao Recurso.

V - Decisão
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, em negar provimento ao presente recurso e, consequentemente, manter o acórdão arbitral.

Custas pelo Recorrente FPF.

Lisboa, 3 de fevereiro de 2022

Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa