Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04840/11
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/04/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IVA.
LIQUIDAÇÃO ADICIONAL.
DIREITO À DEDUÇÃO.
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1.Apenas confere o direito à dedução o imposto contido em facturas ou documentos equivalentes emitidos pelos fornecedores de bens ou prestadores de serviços, na posse do sujeito passivo aquando do exercício dessa dedução, por este suportado e destinados ao exercício da sua actividade;

2. O IVA contido em notas de crédito passadas pelo fornecedor das mercadorias a outro sujeito passivo, em que posteriormente lhe atribui um rappel, desta forma tendo diminuído o preço da operação em causa, comporta, para aquele, o direito à regularização facultativa do IVA a mais liquidado, sendo obrigatória para o adquirente, que no posterior apuramento do imposto a entregar liquida imposto a menos, por ter efectuado uma dedução superior à devida, por haver deduzido o IVA suportado pelo montante inicial, antes dessa diminuição do preço;

3. Quando a AT proceda à liquidação adicional de IVA tendo por fundamento o não reconhecimento das deduções efectuadas pelo sujeito passivo, cabe à AT, apenas, a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, o que pode ser efectuado através de indícios, e ao contribuinte, o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por U………. – União dos ……………………, CRL, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I. Salvo o devido respeito, mal andou o douto tribunal a quo, quando considerou que a Administração Fiscal não fez prova do bem fundado da formação do seu juízo, uma vez que:
II. Os documentos analisados pelo Serviço de Inspecção Tributária e constam do processo, verifica-se que a Impugnante deduziu indevidamente IVA, na distribuição das comissões que recebeu pelas suas associadas;
III. Que pelo facto da contabilidade empresa não reflectir de forma clara as atribuições dos rapeis em causa, foi necessária a informação prestada pelo Director Financeiro que forneceu disquetes e um quadro resumo que abarca as modalidades de atribuições de rapeis;
IV. Ainda o mesmo Director, informou sobre o modo como é efectuado o cálculo da atribuição dos rapeis aos seus associados, sendo o valor mais significativo, o valor a que correspondem as aquisições que os associados fazem directamente aos fornecedores e a outra parte corresponde a aquisições que os associados fazem directamente á Impugnante;
V. Que, no Acórdão proferido no recurso n° 26635 de 17/04/2002 do TCA Sul, é feita a análise da questão do ónus da prova, relativamente á matéria de facto e cita-se o seu sumário “quando o acto de liquidação adicional de IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe á administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do artº 82° n° 1 do CIVA e ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos tributários, que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artº 19° do CIVA".
VI. Assim, e tendo em atenção que a Administração Tributária verificou a existência dos pressupostos legais que a legitimam para o não reconhecimento do direito á dedução do IVA, através da análise dos documentos contabilísticos, que constam do processo.
VII. Termos em que não se vislumbra qualquer ilegalidade ou desconformidade na actuação da Administração Tributária ao efectuar a liquidação do IVA do ano de 1999, referente ao IVA deduzido indevidamente pela Impugnante.

Termos em que, com o mui Douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revoga da a Douta Sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP),junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, devendo a sentença recorrida manter-se na ordem jurídica.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se ocorreu dedução indevida de IVA nos rappéis distribuídos aos associados da ora recorrida; E se ocorreu dedução de IVA em duplicado nos casos em que algumas destas associadas emitiram à ora recorrida notas de débito em suporte da entrada das mesmas comissões.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M.º Juiz do Tribunal "a quo" fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Impugnante tem como actividade principal o comércio por grosso não especializado de produtos alimentares, bebidas e tabaco" - CAE 513090.
B) A Impugnante encontra-se enquadrada para efeitos de IVA no regime normal com periodicidade mensal.
C) Em 09.10.2001, sob número 1118, foi remetido à Impugnante uma Carta - Aviso, em cumprimento do disposto na al. l) do n.º 3 do artigo 59° da LGT e do artigo 49°do RCPIT, comunicando que na sequência da Ordem de Serviço n.º 66972/3, a muito curto prazo seria objecto de acção inspectiva, abrangendo os exercícios de 1998 e 1999. (Doc. fls. 364/365 dos autos)
D) A Carta - Aviso a que alude a al. C) do probatório foi recepcionada pela Impugnante em 10.10.2001. (acordo)
E) Em 04.01.2002, a Administração Tributária solicitou ao Tribunal a consulta do Processo de Inquérito n.º 1/…………… TELSB a que alude o Relatório de Inspecção levado à al. G) do probatório. (Cfr. art. 11° da contestação)
F) Em 21.03.2002, a Impugnante foi notificada da Ordem de Serviço n.º 66973, na qual consta o despacho: "Proceda-se à Inspecção Externa 9/10/01" do Chefe de Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária. (Doc. fls. 366 dos autos)
G) Mediante ofício n.º 1309, datado de 07.11.2002, foi a Impugnante notificada para, no prazo de dez dias exercer o direito de audição, por escrito sobre o projecto de conclusões do Relatório de Inspecção. (Doc. fls. 367 dos autos)
H) O Relatório da Inspecção Tributária foi concluído a 20.11.2002, com despacho final a 20.11.2002, do qual se destaca:
“2. OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA
De acordo com a ordem de serviço n.º 66973, de 09/10/2001, foi enviada carta Aviso registada em 09/10/2001, á sede da “U………… - União …………………………, CRL ­NIPC: …………………. (...), dando conhecimento da acção inspectiva ao exercício de 1999.
A referida ordem de serviço teve origem em informação da 1. Direcção de Finanças de Lisboa (Divisão de Processos Criminais Fiscais - Equipa 50), na qual foi dado conhecimento de irregularidades fiscais detectadas na U……………….. de ……………, CRL, resultantes da peritagem desenvolvida no processo de inquérito n.º 1/…………….TELSB do DCIAP/Lisboa.
3. 2- Em sede de IVA
Conforme o já referido no subponto 2.3.1.1., deste relatório, foram atribuídos rapeis à "U…………….”, por algumas entidades, as quais ou não efectuaram qualquer regularização de IVA ou efectuaram regularizações de IVA a várias taxas de imposto, tendo a "U……………" deduzido o imposto à taxa normal, nos documentos que posteriormente emitia, nas distribuições destes aos seus associados.
Desta forma, a "U……………….. deduziu indevidamente IVA, na distribuição de rapeis aos associados, no montante total de 13.940.927$00 (€ 69.537.05), verba que se considera em falta no mês de Dezembro de 1999, sendo impossível imputar o valor do imposto correspondente a cada pagamento efectuado a cada uma das associadas.
Na parte final do subponto 2.3.1.1., deste relatório, refere ainda que, com a contabilização das notas de débito emitidas pelas associadas, "P…………………- Distribuição ………………, S.A.” “…………….-H…………….., S.A." e G……………. Gestão ………………….., S.A." originou uma duplicação do IVA deduzido, no montante 5.691.854$00 (€ 28.390,85).
Pelo exposto, foram efectuadas correcções de IVA deduzido indevidamente, no registo de rapeis distribuídos, no montante total de 19.632.781$00 (97.927,90), referente aos seguintes períodos:
Períodos IVA (Escudos IVA (Euros)
Maio 795.024$ 3.965,56.
Agosto 774.813$ 3.864,75
Outubro 1.933.562$ 9.644,57
Dezembro 16.129.382$ 80.453,02
Total 19.632.781$ 97.927,90
Pelo exposto no subponto 2.3.1.2, deste relatório, existem indícios que a "U…………………." se serviu de documentos emitidos por diversas entidades, que poderão corresponder a operações simuladas na aquisição de bens destinados a serem transmitidos) sendo a "U………….." uma das intervenientes neste negócio, uma vez que também obtém vantagens patrimoniais indevidas, com a dedução da totalidade do imposto mencionado nessas facturas, o qual é sempre inferior àquele que liquida na transmissão desses produtos, apesar de obter lucro com a venda dos mesmos, acaba sempre por entrar em concorrência desleal com entidades "idóneas " que exerçam o mesmo tipo de actividade.
Nos termos do art. 19°, n.º3, do CIVA, o imposto resultante de operações de simulação não é passível de dedução, tendo a “U…………….” deduzido imposto de possíveis operações simuladas no montante de 732.928.388$00 (€ 3.655.831,39).” (Doc. fls. 21 a 62 e 54 do p.a.t. apenso)
I) Em 09.12.2002, a Impugnante foi notificada, mediante ofício n.º 026810, datado de 05.12.2002, das conclusões resultantes da acção de inspecção. (Doc. fls. 369 a 371 do p.a.t. em apenso)
J) Em 27.02.2003, com base nas correcções efectuadas na decorrência da acção de inspecção a Administração Fiscal emitiu a liquidação de IVA n.º…………………, no montante de € 3.753.759,29, na qual se mostra aposto o dia 30.04.2003 com data limite de pagamento voluntário. (Doc. fls. 60 e 61 do p.a.t. em apenso)
L) Em 27.02.2003, a Administração Fiscal emitiu as liquidações de Juros Compensatórios n.ºs …………………. (P.99.01), …………..(P.99.02), ……………. (P.99.03), …………… (P.99.04), …………….. (P.99.05), ……………. (P.99.06), …………….. (P.99.07), ………………(P.99.08), ………………. (P.99.09), …………………. (P.99.10), ………………….. (P.99.11),……………… (P.99.12), respectivamente nos montantes de € 63.954,70, € 50.497,65, € 92.121.15, € 154.938.71, € 77.091.16, € 89.100.99, € 88,582,24, € 64.294.78, € 38.085.65, € 34.453.15, € 91.971.09 e € 15.715.94, todas com data limite de pagamento voluntário no dia 30.04.2003. (Doc. fls.58 do p.a.t. em apenso)
M) Em 17.03.2003, a Impugnante foi notificada das liquidações a que aludem as alíneas J) e L) do probatório. (Doc. fls. 359 a 363 dos autos)
N) Mediante ofício n.º 28695 datado de 19.12.2003, sob o assunto: "Envio de informação sobre acção de inspecção- S.P. U……………- União ……………., CRL" o Director de Finanças Adjunto informou o Chefe do Serviço de Finanças de ……………….., nos seguintes termos:
“(...) 4- Da verificação dos elementos constantes no processo não existe qualquer pedido de prorrogação." (Doc. fls. 8 do p.a.t. em apenso)
O) Em 16.12.2002, a Impugnante procedeu ao pagamento do imposto (€ 3.753.759,29) ao abrigo do Decreto - Lei n.º 248-A/2002 de 14.12. (Doc. fls. 56 e 57 do p.a.t. em apenso)
P) A Impugnante recebeu dos seus associados as notas de crédito que se encontram juntas aos autos a fls 269 a 299, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
Q) O processo de inquérito n.º 1/……………… do DCIAP/Lisboa deu origem ao processo judicial que correu termos do 3° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ovar sob o n.º 1/……………….TELSB, no qual a Impugnante, entre outras foi acusada do crime de fraude fiscal. (Doc. fls. 66 e 67 dos autos)
R) Por sentença proferida no âmbito do Proc. 1/…………………TELSB foi a Impugnante absolvida dos crimes acusada e pronunciada. (Doc. fls. 66 e 67 dos autos)
S) O Ministério Público interpôs recurso da sentença a que alude a al. N) do probatório para o Tribunal da Relação do Porto, que por Acórdão de 13.06.2005, confirmou a decisão absolutória da 1ª instância, não tendo quanto a esse ponto sido impugnado. (Doc. fls.66 e 67 dos autos)
T) As Notas de Crédito emitidas pela Impugnante ás suas associadas extrai-se que sobre o valor das mercadorias incide IVA à taxa de 17%. (Doc. fls.302 a 305 dos autos)
U) Em 30.07.2003, deu entrada no Serviço de Finanças de Oeiras-3 a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos).

Dos factos, com interesse para a decisão da causa não ficou provado o facto alegado na al. d) do ponto 17 da contestação "notificação para prorrogação do prazo de procedimento de inspecção, por mais de 3 meses em 18/09/2000,", pois que pese embora, notificada para o efeito, por despacho de fls. 355 a Fazenda Pública nada requereu ou apresentou.

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e do p.a. em apenso, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.


4. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal "a quo", em síntese, quanto ao IVA relativo aos períodos até Março de 1999, que ocorrera a caducidade do direito à sua liquidação, e quanto aos restantes períodos de imposto, que a regularização do imposto nas notas de crédito por si emitidas aos seus fornecedores é para si facultativa, que nas operações consideradas em duplicado não se encontra demonstrado que se tratem das mesmas operações e que no corte do direito à dedução do IVA de € 3.655.831,39, em que a AT se fundou no relatório da acusação em processo crime, como a ora recorrida veio a ser absolvida, só os indícios recolhidos em tal inquérito não são suficientes para desconsiderar tal direito, antes devendo prevalecer a presunção de veracidade da escrita da contribuinte, sendo que a AT não cumpriu com o ónus probatório em ordem a proceder às respectivas correcções.

Para a recorrente Fazenda Pública, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é apenas contra parte do assim decidido que veio a esgrimir argumentos tendentes a procurar demonstrar o desacerto dos concretos fundamentos da decisão recorrida, tendo desde logo no corpo alegatório dos seus art.ºs 1.º e 30.º vindo expressamente restringir o objecto do recurso à verba de € 97.927,90, relativa às regularizações de IVA emanantes das notas de crédito passadas aos seus associados que continua a entender ser devido e que as notas de débito emitidas pelas associadas que enumera já estão contidas nos rappéis distribuídos pela mesma, ocorrendo assim dedução de imposto em duplicado, que assim continua a ser devido.

Vejamos então.
Como consta provado na matéria da alínea H) do probatório fixada na sentença recorrida, extraída do relatório da exame à escrita cuja cópia consta de fls 21 a 62 do PAT apenso, as correcções técnicas utilizadas na liquidação do IVA impugnado assentaram em diversa factualidade sobre que as partes nem divergem, sendo no que ao objecto do presente recurso diz respeito, se restringe à parte das correcções em que a AT considerou ter existido imposto deduzido a mais e ter ocorrido duplicação de dedução em diversas outras operações.

Quanto àquele primeiro ponto, a ora recorrida que era constituída por grande quantidade de outras sociedades (35, segundo foi apurado então pela fiscalização nesse relatório), como a sua própria denominação social indica, adquiria, em nome próprio, nuns casos, as mercadorias aos respectivos vendedores, que depois vendia aos seus associados, facturando-as como tal, e noutros casos, eram os próprios associados que directamente adquiriam aos respectivos fornecedores, recebendo, ainda assim neste caso, a ora recorrida, uma comissão “rappel”, sendo que nesta segunda modalidade, a mesma depois distribuía pelos seus associados parte destas comissões, de acordo como o seu volume de compras efectuado a esse fornecedor, sendo que esta atribuição era efectuada pela ora recorrida através de factura por si emitida ou de nota de crédito emitida pelo fornecedor, onde a mesma não procede à regularização do imposto, mas já nas distribuições pelos seus associados, de parte destas comissões, deduz o imposto correspondente, continuando a AT a entender que nestes casos existe quebra ou ruptura na cadeia do IVA, permitindo-lhe deduzir mais imposto do que aquele que lhe caberia.

Como escreve F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, anotado e comentado, 4.ª edição, pág. 501, o objectivo do IVA é claro visando manter a cadeia das deduções, que é a alma do sistema e obstaculiza as tentativas de obter a dedução do imposto não suportado, obriga à exigência de facturas de aquisição de bens e serviços pelos sujeitos passivos, o que contraria a evasão fiscal e torna imperiosa a observância da forma legal na emissão desses documentos, sob pena de não conferirem direito à dedução.

Nos termos do disposto nos art.ºs 19.º e 22.º do CIVA, o sujeito passivo do imposto só pode deduzir ao imposto recebido dos seus clientes, o imposto suportado nas operações tributáveis que efectuou que lhe tenha sido facturado na aquisição de bens e serviços por outros sujeitos passivos, cujas facturas se encontrem em seu poder e na declaração do período de imposto em que este se torne exigível, sem prejuízo da possibilidade de posteriores correcções nos termos do art.º 71.º do mesmo Código.
Para isso, deve a contabilidade ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controle, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto nos termos do art.º 44.º do mesmo Código.

As facturas ou documentos equivalentes na posse do sujeito passivo, na data em que se encontra a exercer o direito à dedução do IVA suportado, constituem assim, um requisito substancial em ordem ao exercício desse direito (1), cuja prova cabe ao contribuinte (2), sendo que a liquidação correspondente não pode deixar de se manter quando exista um indevido direito à dedução, sendo também certo por outro lado, que a AT, agindo vinculadamente, só pode estribar uma liquidação oficiosa ou adicional, desconsiderando os elementos constantes de uma contabilidade regularmente organizada, quando fundadamente, considere que nas declarações dos sujeitos passivos figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, nos termos do disposto no n.º1 do art.º 82.º do CIVA, devendo assim, nestes casos, fazer a prova do bem fundado das suas presunções da inexistência dos factos tributários (direito à dedução) e ao contribuinte, o da existência de tal direito(3).

Quanto às notas de crédito emitidas pelos respectivos fornecedores a favor da ora recorrida relativos a tais rappéis, como bem se salienta na fundamentação da sentença recorrida, nos termos do disposto entre outros do art.º 71.º do CIVA, era uma questão que apenas a tais fornecedores dizia respeito, já que o preço da mercadoria ficara reduzido, em função dessas atribuições, ainda que, mesmo para estes, tal regularização fosse facultativa, nos termos do n.º2 deste mesmo artigo, o que bem se compreende, já que estes fornecedores haviam apurado um imposto superior a favor do Estado e que, mercê desse desconto, o imposto seria menor, sendo do seu interesse económico procederem a tal regularização a seu favor, sendo neste casos, pois, uma obrigação que não impendia sobre a ora recorrida.

E para aqueles casos em que a ora recorrida directamente adquiriu as mercadorias aos respectivos fornecedores que depois as vendeu aos seus associados e emitiu as notas de crédito a seu favor em função dos rappéis recebidos dos respectivos fornecedores, já era a si, enquanto sujeito passivo, que lhe cabia proceder a tais regularizações do imposto a favor do Estado, nos termos supra citados, ainda assim, também facultativa, como acima se fundamentou, que de resto terá exercido, sendo que a forma de a tal proceder, se efectuada antes do registo, era através de factura e da nota de crédito, desde logo operando com o abatimento ou desconto (valor líquido), no apuramento do imposto devido; se depois do registo, já seguia os trâmites do n.º2 do art.º 71.º, como aliás, bem se pronuncia, quer a M. Juiz do Tribunal “a quo” na sentença recorrida, quer o Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer.

Questão diferente seria, se a ora recorrida no apuramento do imposto a entregar ao Estado, tivesse deduzido o imposto por si suportado nessas aquisições pelo montante inicial ou seja antes do desconto dos fornecedores, desta forma deduzindo um montante superior ao devido relativamente a cada uma dessas operações, caso em que o imposto a entregar já havia sido inferior ao devido mercê dessa maior dedução, pelo que aqui a rectificação já era obrigatória nos termos do n.º3 do art.º 71.º do CIVA, não se vendo, no entanto, no respectivo relatório da fiscalização, que algum imposto a este título tenha sido liquidado à mesma ora recorrida.

Como igualmente bem fundamentou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, a AT, ainda que expressamente o não invoque, nesta sua actuação, parece ter feito aplicar o entendimento vazado na norma do art.º 72.º-A do CIVA, acrescentado pelo art.º 30.º, n.º12, da Lei n.º 55-B/2004 (Orçamento do Estado para 2005), que veio a estender a todos os intervenientes numa operação simulada, que sejam sujeitos passivos do imposto, a responsabilidade solidária pelo pagamento do imposto devido, quando desde logo as liquidações em causa são de data muito anterior e tal norma não é de aplicação retroactiva, não sendo pois de aplicação no presente caso.

E quanto ao IVA de € 28.390,85 que a AT liquidou por considerar ter sido o mesmo objecto de dedução por duas vezes (em duplicado), mercê das notas de débito emitidas pelas associadas P………….. ……….., F…….. e G………………….. à ora recorrida, relativas a tais rappéis, quando estas importâncias já lhe haviam sido pagas através de notas de crédito ou facturas, onde em ambas as operações a mesma teria deduzido o correspondente IVA suportado, daí a sua duplicação, tendo em conta a atribuição destas comissões à mesma, acima descritas, em função das concretas operações donde dimanavam, não apontou a AT um único caso concreto onde tal duplicação tenha sido constatada, limitando-se a tal conclusão genérica de terem sido emitidas notas de débito por estas associadas quando o valor total dos rappéis já havia sido distribuído também a estas associadas, pelas referidas notas de crédito ou facturas (subentende-se), o que nos termos do disposto no n.º1 do art.º 82.º do CIVA, não chega para indiciar que assim tenha sido, ou seja, não se pode dizer que a AT tenha, fundadamente, carreado para o procedimento de inspecção elementos factuais suficientes que permitam desconsiderar a presunção de veracidade dos dados e lançamentos decorrentes das declarações da ora recorrida e apurados através da sua contabilidade nos termos do disposto no art.º 75.º da LGT e 59.º do CPPT, de molde a neles ancorar a respectiva liquidação, pelo que não cumpriu a parte do ónus probatório que sobre si impendia, pelo que prejudicado ficado a questão da repartição do ónus da prova quanto à real existência dos pressupostos de que depende o direito à dedução, que é subsequente a tal desconsideração, ao contrário do invocado pela ora recorrente na matéria da sua conclusão V. das alegações do seu recurso, matéria que assim também não pode deixar de improceder.

Tanto mais que a ora recorrida veio na petição da sua impugnação judicial, na matéria dos seus art.ºs 118.º e 119.º, expressamente colocar em causa que tal duplicação tenha ocorrido, e juntar o documento n.º16 (fls 223 a 299 dos autos), que no seu entender o comprovarão, e sobre o que a Fazenda Pública nada disse, na sua contestação, tendo-se limitado a juntar o respectivo processo administrativo, como de fls 60 dos autos se pode colher.


Improcede assim, toda a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Sem custas, face à isenção de que gozava a recorrente Fazenda Pública.


Lisboa,4 de Outubro de 2011

Eugénio Sequeira
Aníbal Ferraz
Lucas Martins

(1) Cfr. neste sentido entre muitos outros, o acórdão do STA de 17.4.2002, recurso n.º 26.635.
(2) Cfr. neste sentido o acórdão deste TCAS de 16.5.2006, recurso n.º 1021/06, de que o ora Relator ali foi Adjunto.
(3) Cfr. neste sentido e em caso paralelo, o acórdão do STA de 9-10-2002, proferido no recurso n.º 871/02.