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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07508/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/15/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
VÍCIOS DE ACTIVIDADE CONTRAPÕEM-SE AOS VÍCIOS DE JULGAMENTO.
NULIDADE DA SENTENÇA. FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO.
ARTº.615, Nº.1, AL.B), DO C.P.CIVIL.
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
TÍTULO EXECUTIVO. REQUISITOS.
NULIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO NÃO CONSTITUI FUNDAMENTO DO PROCESSO DE OPOSIÇÃO.
FUNDAMENTO PREVISTO NO ARTº.204, Nº.1, AL.H), DO C.P.P.T.
ÂMBITO DE APLICAÇÃO. COBRANÇA DE DÍVIDAS QUE NÃO FORAM CRIADAS POR ACTO ADMINISTRATIVO.
QUESTÕES NOVAS.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).
2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
3. A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso.
4. Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.b), do C.P.Civil (cfr.actual artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário.
5. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
6. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
7. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
8. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
9. No processo de execução fiscal o título executivo consiste numa certidão ou em qualquer outro documento a que, por lei especial, seja atribuída força executiva (cfr.artº.162, do C.P.P.Tributário), estando os respectivos requisitos consagrados no artº.163, do C.P.P.Tributário.
10. Nos termos do artº.165, nº.1, al.b), do C.P.P.T., constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal a falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental. Esta nulidade ocorre quando falte à certidão de dívida algum dos requisitos indicados no artº.163, nº.1, do mesmo diploma, se a falta não puder ser suprida por documento.
11. A nulidade do título executivo (principalmente nos casos em que tal nulidade, a existir, puder ser suprida por prova documental) não é fundamento de processo de oposição a execução fiscal, antes devendo ser arguida e conhecida no próprio processo de execução fiscal.
12. No artº.204, nº.1, al.h), do C.P.P.T., prevê-se como fundamento de oposição a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação. Ora, em regra, liquidado um tributo, é feita a respectiva notificação, podendo o sujeito passivo impugnar a liquidação, por via graciosa ou contenciosa (reclamação graciosa ou impugnação judicial, em conformidade com o preceituado nos artºs.70, 99 e 102, do C.P.P.T.). Por ser dada esta oportunidade ao interessado de impugnar o acto de liquidação e haver um prazo para serem usados esses meios processuais é vedada ao sujeito passivo, em regra, a possibilidade de discutir na oposição a legalidade daquele. Com excepção dos casos em que for imputado ao acto vício qualificável como nulidade ou invocada a sua inexistência (cfr.artºs.133 e 134, do C.P.A.).
13. Quando não se trate de vícios desse tipo, estar-se-á perante ilegalidades em concreto do próprio acto, que só poderão ser fundamento de oposição à execução fiscal quando a lei não previr meios para a sua impugnação contenciosa. Casos em que a lei não assegura meios de impugnação dos actos de liquidação são aqueles em que se permite a extracção de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento, sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio, definidor da obrigação (cfr.v.g.contribuições/quotizações para a segurança social).
14. A discussão da legalidade da liquidação da dívida exequenda na oposição à execução só é permitida nos casos em que, por via do “âmbito da execução fiscal” definido no artº.148, do C.P.P.T., são cobradas dívidas, através de tal processo, que não foram criadas por acto administrativo. Só em relação a estas se pode afirmar que o executado não teve anteriormente a possibilidade de utilizar meio judicial de impugnação ou recurso para sindicar a respectiva legalidade.
15. O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
... , com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Beja, exarada a fls.192 a 195 do presente processo de oposição a execução fiscal contra o recorrente instaurada pela Fazenda Pública, por dívida respeitante a reembolso de subsídio concedido pelo IFADAP/IFAP no montante de € 21.766,68, na qual termina julgando totalmente improcedente a mesma oposição.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.235 a 241 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O IFAP já procedeu à anulação nº.288 com o presente processo pendente, o que constitui grave violação do dever de cooperação;
2-A douta sentença, com o devido respeito, que é muito, é nula, porquanto, omite questões de facto, que cumpria observar, quer na prova a produzir, quer ainda, porque não levou em conta a documentação constante dos autos;
3-Foram alegados factos relevantes e que falecem na certidão, que foi dada à execução, como título executivo;
4-Não foram dados como provados os documentos emanados do recorrente e com relevo para os autos;
5-Houve falta de motivação na apreciação da análise crítica da prova e sendo esta omissa, ou insuficiente, há nulidade - cfr.artº.615, 1, b) do C.P.C.;
6-Impõe-se a modificação da matéria fáctica, porquanto não foram valorados, o que implicará a ampliação da base factual, podendo o Tribunal Superior fazê-lo - cfr.artº.662 do C.P.C.;
7-Ademais, há ausência total de título executivo, cuja certidão não contém os elementos essenciais, que a lei prevê - cfr.artºs.163 e 165, 1, b) e 4 do C.P.P.T.;
8-O IFAP não proferiu qualquer decisão, com respeito pelos princípios da legalidade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, que a douta sentença também violou;
9-Há vícios de forma, com preterição dos pressupostos de facto e de direito, além das nulidades, por violação dos artºs.18, 101 a 107, 165, 268, 277 a 283 da C.R.P.; artºs.55 a 60, da L.G.T., e artºs.100 a 105, do C.P.A.;
10-Termos em que, revogando-se a douta sentença, dando-se provimento ao recurso, se fará JUSTIÇA.
X
Contra-alegou o recorrido (cfr.fls.251 a 265 dos autos), o qual pugna pela confirmação do julgado e termina estruturando as seguintes Conclusões:
1-Ao contrário do que parece crer fazer crer o recorrente, a prestação de garantia no âmbito da execução fiscal, não obsta a que, estando reunidos os pressupostos legais da compensação de créditos, o recorrido possa da mesma lançar mão para se ver ressarcido do seu crédito;
2-Já que a garantia prestada apenas suspende a execução fiscal, e consequentemente a eventual apreensão de bens do executado;
3-Não tendo aquela o mérito de suspender a eficácia do acto administrativo decisório que determinou a obrigatoriedade de o recorrente proceder à devolução das verbas que indevidamente recebeu, sendo por isso legítimo ao recorrido, que se reconheceu devedor ao recorrente de um determinado crédito, proceder à compensação entre os créditos em causa;
4-A douta sentença proferida pelo Tribunal "a quo" não padece de qualquer causa de invalidade;
5-Já que as questões de factos suscitadas ao longo da fase dos articulados - com relevância para a discussão dos autos - foi devidamente ponderada e levada em consideração na decisão ora em crise;
6-A douta sentença encontra-se ainda, relativamente a cada uma das questões que decidiu e a cujo conhecimento estava legalmente obrigada, devidamente fundamentada;
7-Como bem decidiu a sentença a inexequibilidade do título não configura um dos fundamentos da oposição à execução fiscal, aqueles taxativamente enumerados no artigo 204 do CPPT, razão pela qual a douta sentença, e bem, julgou improcedentes os argumentos apresentados pelo ora recorrente;
8-Tendo a douta sentença analisado tais argumentos e decidido em conformidade com as estatuições legais, estando a decisão proferida devida e bastantemente fundamentada, permitindo compreender o percurso cognoscitivo percorrido pelo douto julgador e que levou a que a decisão fosse naquele sentido;
9-Quanto aos demais fundamentos de recurso invocados pelo recorrente, os mesmos reconduzem-se a matérias que já se encontram largamente debatidas e decididas na Jurisprudência dos Tribunais superiores, jurisprudência essa na qual se apoiou também a douta decisão para levantar cada uma das questões suscitadas pelo recorrente na sua oposição, fundamentos esses que aqui se reproduzem;
10-Nos termos do disposto no artigo 640 do Código de Processo aplicável por via do disposto no artigo 2 do CPPT, o recurso da matéria de facto pressupõe a indicação em concreto da matéria de facto julgada mal apreciada, devendo ser indicados expressamente os pontos da matéria de facto impugnados, com indicação dos meios de prova que, na óptica do recorrente implicariam diversa decisão;
11-Não decorre das doutas alegações e conclusões formuladas pelo recorrente que aquele tenha dado cumprimento ao disposto no artigo 640 do CPC, razão pela qual, o recurso, quando a esta matéria, deverá ser rejeitado;
12-Devendo o mesmo, no mais, e com fundamento no aqui plasmado e no doutamente decidido pelo Tribunal "a quo", ser considerado totalmente improcedente;
13-Pelo exposto, se conclui que a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja não padecendo de qualquer invalidade, sendo louvável o juízo ali formulado, deverá ser integralmente mantida por esse Venerando Tribunal, julgando-se totalmente improcedente o recurso apresentado pelo recorrente, decisão com a qual se fará a costumada JUSTIÇA.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.279 e 280 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.192 e 193 dos autos - numeração nossa):
1-Em 26/02/2007 foi instaurado o processo de execução fiscal nº.0299-2007/100064.0 contra o aqui oponente (cfr.documento junto a fls.15 dos presentes autos);
2-Na sua origem encontrava-se certidão de dívida extraída pelo IFADAP / IFAP em 31/01/2007 de acordo com a qual é certificado o seguinte:"(...) para efeitos de cobrança coerciva através de processo de execução fiscal que ... , contribuinte n° 118378180 (...), titular do projeto que neste Instituto recebeu o n° 1995640024600, aprovado no âmbito do Reg. (CE) 2080/92, é devedor a este Instituto da quantia de € 20.956,00 referente a prémio, quantia esta que o beneficiário recebeu no âmbito do contrato junto como anexo l mas a que está obrigado a reembolsar por não reunir as condições previstas na legislação aplicável determinando-se, em consequência, a reposição da quantia indevidamente recebida o que não foi efectuado dentro do prazo legal conforme notificações juntas como anexo II, pelo que auferiu, deste modo, um enriquecimento ilegítimo. (...)" (cfr.documento junto a fls.18 dos presentes autos);
3-O contrato em questão foi celebrado em 12/11/1996 e nele foram planificadas as ajudas ao investimento e prémios a conceder pelo IFADAP a partir de então (cfr. documento junto a fls.20 dos presentes autos);
4-Foi instaurado processo administrativo pelo IFADAP/INGA a respeito do mencionado projecto na sequência de visita realizada pela DRAAL às parcelas de terreno detidas pelo oponente e relativas às quais foi elaborado o mesmo;
5-Findo o mesmo, mediante audição prévia do oponente, foi proferida decisão de modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas com devolução de parte daquelas que já haviam sido processadas acrescidas dos respectivos juros (cfr. documento junto a fls.25 e 26 dos presentes autos);
6-Esta decisão datava de 13/01/2006 e foi notificada ao oponente mediante carta registada com aviso de receção em data que se não logrou apurar, concedendo-lhe o prazo de 30 dias para efectuar o mencionado reembolso (cfr.documento junto a fls.25 e 26 dos presentes autos);
7-Apresentando reclamação contra tal decisão veio o mesmo Instituto a confirmar aquela mediante repetição dos seus fundamentos e concessão de prazo suplementar para pagamento de 10 dias (cfr.documento junto a fls.22 e 23 dos presentes autos);
8-Desta foi o oponente notificado em 16/10/2006 (cfr.documento junto a fls.24 dos presentes autos);
9-Novamente por carta datada de 21/02/2007 o oponente dirige reclamação da decisão em questão (cfr.documento junto a fls.123 e 124 dos presentes autos);
10-O oponente foi citado pessoalmente para a execução em 15/05/2007 (cfr. documentos juntos a fls.29 e 30 dos presentes autos);
11-Em 14/06/2007 deu entrada no Serviço de Finanças de Moura a petição inicial que deu origem aos presentes autos (cfr.data de entrada aposta a fls.4 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Os factos considerados decorrem dos documentos constantes dos autos os quais não foram impugnados pelas partes…”.
X
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
12-A p.i. que originou os presentes autos, que a ora recorrente titula como oposição, apresenta os seguintes fundamentos:
a)Que se verifica a incompetência material dos Serviços de Finanças e dos Tribunais Tributários para a presente execução, dado que nos encontramos perante contrato de natureza privada;
b)Que o título executivo é nulo e a dívida inexigível;
c)Que o contrato tem mais de dez anos pelo que a devolução do respectivo montante não é possível;
d)Que não existe uma decisão definitiva e executória que fundamente o pedido de reposição da dívida exequenda, sendo esta ilegal;
e)Termina pugnando pela procedência da oposição (cfr.conteúdo da p.i. junta a fls.4 a 10 dos presentes autos).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida considerou improcedente a excepção de incompetência material dos Tribunais Tributários, mais tendo julgado totalmente infundados os restantes fundamentos da oposição.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e como supra se alude, que a sentença recorrida é nula, porquanto, omite questões de facto, que cumpria observar, quer na prova a produzir, quer ainda, porque não levou em conta a documentação constante dos autos (cfr.conclusão 2 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar, supomos, nulidade por omissão de pronúncia.
Destrincemos se procede a nulidade da sentença suscitada pelo recorrente.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13).
Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, não sendo deduzido recurso (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).
Mais, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº.133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac.T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).
Revertendo ao caso dos autos, na conclusão do recurso, o recorrente, segundo percebemos, alega o vício de omissão de pronúncia em virtude da sentença recorrida ter omitido questões de facto, que cumpria observar, quer na prova a produzir, quer ainda, porque não levou em conta toda a documentação constante dos autos.
Ora, a falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto, tudo conforme aludido acima.
Em suma, não se vê que a sentença recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, devendo improceder este fundamento do recurso.
Mais aduz o apelante que houve falta de motivação na apreciação da análise crítica da prova e sendo esta omissa, ou insuficiente, há nulidade da decisão recorrida - cfr.artº.615, 1, b) do C.P.C. (cfr.conclusão 5 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, se bem percebemos, assacar à decisão recorrida o vício de nulidade devido a falta de especificação dos fundamentos de facto.
Deslindemos se a sentença recorrida comporta tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.b), do C.P.Civil (cfr.actual artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6871/13).
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida constante de fls.192 a 196 do presente processo e do exarado supra quanto à fundamentação da matéria de facto da sentença do Tribunal “a quo”, é este esteio fundamento do recurso manifestamente improcedente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme supra mencionado, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Concluindo, improcede o presente esteio do recurso incidente sobre a alegada falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão recorrida.
O recorrente dissente do julgado alegando, igualmente, que não foram dados como provados os documentos por si juntos ao processo e com relevo para os autos. Que se impõe a modificação da matéria fáctica, porquanto não foram valorados, o que implicará a ampliação da base factual, podendo o Tribunal Superior fazê-lo - cfr.artº.662 do C.P.C. (cfr.conclusões 4 e 6 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, segundo percebemos, consubstanciar erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc.7396/14).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo quanto aos concretos meios probatórios que deveriam fundamentar a alteração à matéria de facto defendida pelo recorrente.
Concluindo, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio da apelação.
O recorrente dissente do julgado alegando, também, que há ausência total de título executivo, cuja certidão não contém os elementos essenciais, que a lei prevê - cfr.artºs.163 e 165, 1, b) e 4 do C.P.P.T. (cfr.conclusão 7 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão recorrida comporta tal vício.
No processo de execução fiscal o título executivo consiste numa certidão ou em qualquer outro documento a que, por lei especial, seja atribuída força executiva (cfr.artº.162, do C.P.P.Tributário), estando os respectivos requisitos consagrados no artº.163, do C.P.P.Tributário.
Nos termos do artº.165, nº.1, al.b), do C.P.P.T., constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal a falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental. Esta nulidade ocorre quando falte à certidão de dívida algum dos requisitos indicados no artº.163, nº.1, do mesmo diploma, se a falta não puder ser suprida por documento (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc.7467/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.125 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, defende a recorrente que o título executivo que levou à instauração da execução fiscal nº.0299-2007/100064.0, a qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Moura, não preenche os requisitos legais, embora não especifique quais os que faltam.
Do exame da factualidade provada (cfr.nº.2 do probatório) e do teor do documento junto a fls.18 dos presentes autos, deve concluir-se pela existência de requisitos legais da certidão de dívida que fundamentou a instauração da execução fiscal em causa, nomeadamente todos os requisitos identificados nas diversas alíneas do artº.163, nº.1, do C.P.P.T.
Por outro lado, sempre se dirá que a nulidade do título executivo (principalmente nos casos em que tal nulidade, a existir, puder ser suprida por prova documental) não é fundamento de processo de oposição a execução fiscal, antes devendo ser arguida e conhecida no próprio processo de execução fiscal (cfr.ac.S.T.A-Pleno da 2ª.Secção, 23/2/2005, rec.574/04; ac.S.T.A-Pleno da 2ª.Secção, 19/11/2008, rec.430/08; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.144 e seg.).
Atento o referido, deve concluir-se que o título executivo em causa nos presentes autos reúne os requisitos previstos na lei, não padecendo de qualquer nulidade o processo de execução fiscal nº.0299-2007/100064.0, assim se negando provimento ao presente esteio do recurso.
Mais aduz o apelante que o IFAP não proferiu qualquer decisão, com respeito pelos princípios da legalidade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, vectores estes que a sentença recorrida também violou (cfr.conclusão 8 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deve recordar-se, antes de mais, que a oposição a execução fiscal é espécie processual onde os fundamentos admissíveis definidos na lei se encontram consagrados no artº.204, nº.1, do C.P.P.Tributário (cfr.artº.286, do anterior C.P.Tributário), preceito que consagra uma enumeração legal taxativa dado utilizar a expressão “...a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos...”. Tal regime de fundamentação da oposição a execução fiscal, o qual já se encontrava consagrado nos artºs.84 e 86, do Código das Execuções Fiscais de 1913, visa, em princípio, evitar o protelamento excessivo da cobrança coerciva dos créditos do Estado. O legislador teve, por isso, a preocupação de limitar as possibilidades de defesa em processo de execução fiscal aos casos de flagrante injustiça (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/3/95, rec.18898, Ap.D.R., 31/7/97, pág.781 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/12/2012, proc.5989/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/2/2014, proc.7256/13; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.Edição, Almedina, 1996, pág.449; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.322 e seg.).
O recorrente vem invocar a apreciação da ilegalidade da dívida exequenda (pretensa ilegalidade da deliberação do IFAP que declarou a rescisão do contrato e a exigência da devolução parcial do subsídio - cfr.nº.5 do probatório).
Este fundamento da oposição e do recurso apenas se pode enquadrar no artº.204, nº.1, al.h), do C.P.P.T., norma que prevê como fundamento a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação. Ora, em regra, liquidado um tributo, é feita a respectiva notificação, podendo o sujeito passivo impugnar a liquidação, por via graciosa ou contenciosa (reclamação graciosa ou impugnação judicial, em conformidade com o preceituado nos artºs.70, 99 e 102, do C.P.P.T.). Por ser dada esta oportunidade ao interessado de impugnar o acto de liquidação e haver um prazo para serem usados esses meios processuais é vedada ao sujeito passivo, em regra, a possibilidade de discutir na oposição a legalidade daquele. Com excepção dos casos em que for imputado ao acto vício qualificável como nulidade ou invocada a sua inexistência (cfr.artºs.133 e 134, do C.P.A.).
Quando não se trate de vícios desse tipo, estar-se-á perante ilegalidades em concreto do próprio acto, que só poderão ser fundamento de oposição à execução fiscal quando a lei não previr meios para a sua impugnação contenciosa. Casos em que a lei não assegura meios de impugnação dos actos de liquidação são aqueles em que se permite a extracção de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento, sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio, definidor da obrigação (cfr.v.g.contribuições/quotizações para a segurança social).
Tratar-se-á, no entanto, de situações em que seja a própria lei que não prevê meio de impugnação contenciosa e não de casos em que a lei a preveja, mas ela não tenha sido posta à disposição do sujeito passivo, por ter sido omitida a necessária notificação. Com efeito, nestes casos, estar-se-á perante uma omissão de um acto imposto por lei, necessário para assegurar a eficácia do acto (artº.36, nº.1, do C.P.P.T., e artº.77, nº.6, da L.G.T.), situação que também constitui fundamento de oposição, mas enquadrável no artº. 204, nº.1, al.i), do C.P.P.T., gerando a eventual extinção da execução devido a inexigibilidade da dívida (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/2/2014, proc.7256/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.495 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, saber se houve ou não incumprimento das condições acordadas para a concessão do subsídio cuja devolução parcial está a ser exigida mediante processo de execução fiscal e, por isso, se é ou não válida a deliberação do IFAP que declarou a rescisão do contrato e a exigência da devolução do subsídio, é matéria que contende com a legalidade em concreto da liquidação da dívida exequenda.
Ora, conforme mencionado acima, a discussão da legalidade concreta (resultante da aplicação da lei ao caso) da liquidação da dívida exequenda é vedada em sede executiva, a menos que não exista meio judicial de impugnação ou recurso do acto de liquidação, o que nunca sucede quando a dívida exequenda teve origem num acto administrativo, como é o caso dos autos. Na verdade, o direito de recurso contencioso contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, desde que lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos está hoje constitucionalmente consagrado (artº.268, nº.4, da Constituição da República Portuguesa) e a garantia do recurso contencioso configura-se, de acordo com o entendimento unânime, como tendo a natureza de um direito fundamental, análogo aos “direitos, liberdades e garantias”.
Assim, a discussão da legalidade da liquidação da dívida exequenda na oposição à execução só é permitida nos casos em que, por via do “âmbito da execução fiscal” definido no artº.148, do C.P.P.T., são cobradas dívidas, através de tal processo, que não foram criadas por acto administrativo. Só em relação a estas se pode afirmar que o executado não teve anteriormente a possibilidade de utilizar meio judicial de impugnação ou recurso para sindicar a respectiva legalidade (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/6/1997, rec.21534; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/5/2011, rec.202/11; ac.T.C.A.Norte-2ª.Secção, 27/3/2008, proc.00695/04-Braga; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/2/2014, proc.7256/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.496).
Dito isto, fácil se torna concluir que, no caso dos autos, não é possível a discussão da legalidade da liquidação na oposição à execução fiscal. O recorrente teve possibilidade de recorrer contenciosamente da deliberação do IFAP que rescindiu unilateralmente o contrato e exigiu a devolução parcial do subsídio (cfr.nºs.5 a 8 do probatório) que ora lhe está a ser exigido coercivamente. Recorde-se que foi notificado duas vezes com vista à devolução do subsídio. Se não abriu a via contenciosa de ataque àquela decisão, “sibi imputet” (cfr.instauração de uma ação administrativa especial de impugnação, nos termos do disposto nos artºs.51 e 58, do C.P.T.A.). O que não pode pretender é agora, mediante a oposição à execução fiscal, que se aprecie em sede de oposição à execução fiscal a legalidade da referida deliberação. Como referimos já, para que se abra a possibilidade excepcional de discutir a legalidade da liquidação da dívida exequenda na própria execução é necessário que a lei não preveja meio para o ataque contencioso da legalidade da dívida, o que só pode acontecer se esta não for criada por acto administrativo. Ora, manifestamente, não é esse o caso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/2/2014, proc.7256/13).
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente fundamento do recurso e confirma-se a decisão recorrida, neste segmento.
Por último, alega o recorrente que há vícios de forma, com preterição dos pressupostos de facto e de direito, além de nulidades, por violação dos artºs.18, 101 a 107, 165, 268, 277 a 283 da C.R.P.; artºs.55 a 60, da L.G.T., e artºs.100 a 105, do C.P.A. (cfr.conclusão 9 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
A questão sob apreciação não foi invocada na petição inicial (cfr.nº.12 do probatório). Na verdade, não se alcança da p.i. que a matéria vertida na conclusão que se deixou exposta haja sido alegada em 1ª. Instância, pelo que não poderia ser objecto de conhecimento e correcção pelo Tribunal “a quo”, sendo nesta sede de recurso pela primeira vez suscitada. Igualmente sendo matéria que não é de conhecimento oficioso.
É que o direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/1992, rec.13331; ac.S.T.J., 25/2/1993, proc.83552; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/8/2012, proc.5857/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 9/7/2013, proc.6817/13). Não vale, contudo, também entre nós, em toda a sua pureza, o modelo de recurso de reponderação. Além de outras excepções (v.g.as partes podem acordar, em 2ª. Instância, a alteração ou ampliação do pedido - cfr.artº.264, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g.excepções dilatórias, atento o disposto no artº.578, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), quer à relação material controvertida (v.g.prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P. Tributário). No que respeita à matéria de direito, são os Tribunais de recurso inteiramente livres quanto à determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso ajuizado, devendo, mesmo, tomar em consideração as modificações da lei sobrevindas após o julgamento ocorrido na instância inferior, caso elas abranjam a relação jurídica litigiosa (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.92 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.153 e seg.; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, AAFDL, 1982, pág.174).
Concluindo, o recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema suscitado na conclusão apelatória em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que dele se não conhece.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 15 de Maio de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Pereira Gameiro - 2º. Adjunto)
(Com a observação de que discordo do aditamento ao probatório do n.º 12 por isso não ser matéria de facto a levar ao probatório).