Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2836/15.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
EXERCÍCIO DE FACTO DA GERÊNCIA
Sumário:I - Da gerência de direito não se retira, por presunção, a gerência de facto.
II - A partir do momento em que é declarada a insolvência de uma sociedade, cessam os poderes de gestão e administração dos gerentes e administradores.
III - Decorre da regra fixada pelo artigo 81.º, n.º 1 do CIRE que a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador de insolvência.
IV - No caso concreto, a falta de prova do não exercício da gerência reporta-se, sem distinção, ao período anterior e posterior à declaração de insolvência e à nomeação do respectivo administrador. Para além do evidente afastamento da gerência da sociedade em consequência da nomeação de administrador judicial de insolvência da devedora originária, a verdade é que não há nos autos, alegado e demostrado, qualquer circunstancialismo que evidencie este pressuposto essencial da reversão, cuja prova competia à AT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

A... deduziu oposição à execução fiscal n.º n.º15622... e apensos, instaurada contra a sociedade Hospital Veterinária D..., Lda, pelo Serviço de Finanças de Sintra 1, para cobrança coerciva da quantia exequenda relativa a Retenções na Fonte IRS do período de tributação de 2013, no valor global de € 9.429,00 (nove mil, quatrocentos e vinte e nove euros) e acrescido.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra julgou procedente a oposição.

Inconformada, a Fazenda Pública veio recorrer da sentença proferida, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição deduzida por A..., NIF 1..., ao abrigo do disposto no artigo 204.º do CPPT, à execução fiscal n.º 15622..., instaurada contra a sociedade “HOSPITAL VETERINÁRIO D..., LDA.”, com o NIPC 5..., para cobrança de dividas fiscais provenientes Retenções na Fonte IRS relativas ao período de tributação de 2013, já devidamente identificadas nos autos, no valor global de € 9.429,00 (nove mil, quatrocentos e vinte e nove euros) e acrescido.

II. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do artigo 24.º da LGT.

III. Se bem interpretamos a Sentença sob recurso, o Douto Tribunal a quo consignou que, quando se verificou a data limite de pagamento voluntário da dívida em cobrança no PEF n.º 15622..., a Oponente já não detinha poderes de administração e/ou disposição da sociedade devedora originária, pelo que, tendo a reversão sido efectuada ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, competia à administração tributária (AT) a prova do exercício da gerência de facto, o que a AT não logrou fazer.

IV. Resulta da certidão da Conservatória do Registo Comercial que às datas a que se reportam as obrigações e, desde a constituição da sociedade, era gerente da sociedade devedora originária A..., sem que até à data tivesse renunciado a tal cargo, o que constitui factualidade que merecia a dignidade de constar dos factos assentes da Sentença recorrida, que se reputa relevante para a decisão da causa e que deve ser aditado ao probatório, nos termos do disposto no artigo 640.º do CPC, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

V. No fundo a ora Recorrida não impugna que o seja; na realidade, atenta a p.i facilmente se depreende que coloca em causa a fundamentação do despacho de reversão no que ao exercício efectivo da gerência de facto concerne. Sem, todavia, negar em momento algum que exerceu aquela gerência.

VI. Ela é a gerente de facto, simplesmente em termos de direito (juridicamente) entende a sentença ora recorrida que estaria impossibilitada de a exercer por poder conflituar com as funções do próprio administrador de insolvência. Na verdade, o facto de ter sido nomeado um administrador de Insolvência não significa que o administrador se deva demitir ou dispensar das suas funções.

VII. Na verdade, com a declaração de insolvência a sociedade mantém a sua personalidade jurídica, apenas se extinguindo com o registo do encerramento da liquidação, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 160.º do Código das Sociedades Comerciais.

VIII. Pelo que, reconhecendo-se que a sociedade declarada insolvente ainda mantém ou pode manter actividade comercial, relativamente aos poderes de disposição e administração ou gerência tudo quanto não colida com os deveres daquele naturalmente ainda será da responsabilidade deste podendo o próprio actuar.

IX. Exactamente porque dentro dos vários actos praticados pelos administradores em representação da sociedade devedora originária, estão os típicos actos de gestão ou administração corrente, actos nos quais o administrador de insolvência não se deve imiscuir. Pois as suas funções encontram-se adstritas à natureza do processo insolvência.

X. E mais, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 81.º do CIRE, a declaração de insolvência priva de imediato o insolvente e respectivos administradores dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente. Não se afirma que a declaração de insolvência priva, tout court, os respetivos administradores dos poderes de administração e disposição como é afirmado na Sentença recorrida.

XI. Há um claro intuito de limitar essa privação aos bens da massa insolvente, não da sociedade. Portanto, não nos chocaria aceitar a tese vertida na Sentença recorrida não fosse o facto da mesma não se mostrar alicerçada na letra da lei.

XII. Desta forma, em nosso modesto entendimento, é claro que existe uma deliberada intenção do legislador em estabelecer uma separação entre aquelas que são as obrigações e deveres do Administrador da Insolvência por referência à própria massa falida, daquelas que persistem na esfera do administrador da devedora originária ainda que insolvente, em tudo o que não colida com os deveres e funções do primeiro.

XIII. Assim sendo, como foi dado por provado na Sentença recorrida, a dívida é posterior à declaração de insolvência, pelo que a discussão sobre a gestão patrimonial é inócua, tanto mais que o órgão de execução fiscal está impedido de reclamar os créditos no processo de falência. Se assim não fosse e ao arrepio do n.º 6 do artigo 180.º do CPPT, seria a massa insolvente quem ilegalmente responderia pelos créditos objeto da presente oposição.

XIV. Por manifestamente conclusivo para o que ora nos ocupa, convidamos à leitura do entendimento postulado no Acórdão do TCA Sul, de 21-05-2015, proc. n.º 06381/13, segundo o qual:

“III - A qualidade de gerente de uma sociedade ou as funções que do ponto de vista da legislação comercial lhe estão cometidas por força da sua nomeação nessa qualidade, não se confundem com a qualidade de administrador de insolvência nem com as funções a este atribuídas nos termos do Código de Insolvências e Recuperação de Empresas (cfr., em especial, artigos 252.º e 259.º do Código das Sociedades Comerciais e artigo 55.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).

IV – Tendo o Tribunal a quo dado como provado que o Oponente foi o único gerente nomeado até à data da insolvência e não constando da certidão em causa, e que suportou a fixação dessa factualidade, a nomeação de qualquer outro gerente, não se verifica a existência de qualquer erro no julgamento de facto realizado.

IV – Também se não verifica qualquer erro de julgamento se o “facto” cuja integração no probatório vem requerida, e alegadamente omitido, se mostra suportado em documento que no probatório se mostra integralmente reproduzido

V – Mostrando-se comprovado nos autos que o Oponente exerceu a gerência da devedora originária nos dois momentos temporais a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 1, do art. 24.º, da Lei Geral Tributária, era sobre este que incidia, à luz ainda da própria imputação ou fundamentação jurídica do despacho de reversão, o ónus da prova de que a falta de pagamento dessas dívidas não lhe era imputável.”

XV. Desta forma, e como decorre da jurisprudência vertida no Acórdão do TCA Sul, de 21- 05-2015, proc. n.º 06381/13, já acima citada, comprovado que se encontra nos presentes autos que a Oponente exerceu a gerência da sociedade no prazo legal de pagamento voluntário da dívida ora em cobrança, era sob a égide da disciplina legal prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT que importava fundamentar a presente reversão.

XVI. Assim não diligenciou o Douto Tribunal a quo. Pelo contrário, o que fez foi furtar-se ao aprofundamento da apreciação da questão relativa à administração de facto da sociedade devedora originária após a declaração de insolvência para, de forma muito singela, inverter o regime jurídico constante do n.º 1 do artigo 24.º da LGT e proceder à apreciação de matéria jurídica que não consta do mecanismo de reversão.

XVII. Destarte, com o devido e muito respeito, a Sentença sob recurso, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!


*

A Recorrida apresentou contra-alegações nas quais apenas disse que:

“1º

A douta Sentença recorrida não merece qualquer reparo.

Pelo que, oferece o merecimento dos autos.

Termos em que, com os mais de direito, deve ser negado provimento ao Recurso mantendo-se, na íntegra, a douta Sentença recorrida, como é de JUSTIÇA!”



*

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

*

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



*

II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Com interesse para a decisão da causa, mostram-se provados os seguintes factos:

a) A 25/01/2014 foi instaurado o PEF n.º15622..., contra a sociedade Hospital Veterinário D… Lda., para cobrança de dívida no valor de 9.9429,00 euros, relativos a IRS de 2013 (cfr. documento de fls. 1 e ss. do PEF);

b) A oponente remeteu requerimento dirigido ao PEF, que se dá por integralmente reproduzido (cfr. documento de fls. 27 dos autos);

c) A 23/09/2014, foi emitida informação no PEF n.º15622..., e apensos, onde se lê (cfr. documento de fls. 24 dos autos):


«Imagem no original»



d) A 23/09/2014, foi proferido despacho, onde se lê (cfr. documento de fls. 24, verso dos autos):


e) A 26/06/2014, foi emitido ofício citação, dirigido à oponente, no PEF n.º15622..., para cobrança de dívida, no valor de 9.429,00euros, relativa a retenções na fonte de IRS, do período 01/01/2013 a 31/12/2013, com data de pagamento até 20/12/2013 (cfr. documento de fls. 23 e 25 dos autos);

f) A 09/09/2013, foi proferida sentença de declaração de insolvência, da devedora originária (cfr. Ap. 35/20131011, registada na CRC, documento n.º4 junto com a PI, de fls. 33 e ss dos autos);

g) Através da Ap. 36/20131011, foi registada a nomeação de administrador judicial de insolvência da devedora originária (cfr. documento n.º4 junto com a PI, e fls. 33 e ss. dos autos);

Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.

Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório.



*

- De Direito

A sentença recorrida julgou procedente a oposição deduzida por A... e ordenou a extinção da execução fiscal instaurada subjacente à oposição, por entender não provado o exercício da gerência da devedora originária, tudo por referência ao momento temporal relevante nos autos.

Vejamos, então, tendo presente que, conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões, temos que a Recorrente pretende que este Tribunal adite matéria de facto ao probatório, tal como resulta da seguintes conclusão: “Resulta da certidão da Conservatória do Registo Comercial que às datas a que se reportam as obrigações e, desde a constituição da sociedade, era gerente da sociedade devedora originária A..., sem que até à data tivesse renunciado a tal cargo, o que constitui factualidade que merecia a dignidade de constar dos factos assentes da Sentença recorrida, que se reputa relevante para a decisão da causa e que deve ser aditado ao probatório, nos termos do disposto no artigo 640.º do CPC, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT”.

Admite-se relevo ao apontado circunstancialismo, face ao que está em causa nos autos, pelo que adita-se o seguinte ao probatório:

h) A sociedade Hospital Veterinário D... Lda. foi constituída em 1990, com cinco sócios, entre os quais a A..., obrigando-se a sociedade com a assinatura de dois gerentes ou de procurador nos limites do respectivo mandato (cfr. certidão da CRC junta ao PEF).

Estabilizada a matéria de facto, avancemos.

Depois de afastar a verificação de diversos outros fundamentos de oposição, a sentença julgou procedente a oposição tendo alinhado o seguinte discurso que, na parte relevante, se transcreve:

“(…)

Por fim, e quanto à questão da prova do exercício efectivo do cargo de gerente pela oponente, é invocada a falta de prova levada a cabo pela FP.

(…)

De todo o exposto resulta claro que para além do pressupostos da culpa, cuja prova depende da norma em que se funda a reversão, o pressupostos relativo à prova do exercício da gerência ou administração, cabe à FP (artigo 74.º da LGT).

Recordemos que a reversão foi fundada na alínea b) do n.º1 do artigo 24.º, da LGT, o que equivale a dizer que a reversão foi efectivada por não ter sido efectuado o pagamento da dívida na data do cumprimento da mesma, que ocorreu a 20/12/2013, data em que fora já nomeado administrador de insolvência, no âmbito do processo de insolvência.

Ora, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência (n.º 1 do art.º 81.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas -«CIRE»). Além de que o administrador de insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência (n.º 4 do art.º 81.º do CIRE).Isto naturalmente não se aplica nos casos em que a administração da massa é atribuída ao devedor (art.os223.º e seguintes do CIRE), o que não resulta no presente caso[cfr. alínea b)dos factos provados].

Por outro lado, proferida a sentença declaratória da insolvência, os bens da sociedade devedora são apreendidos, bem como todos os elementos da contabilidade, e confiados ao administrador de insolvência (artigos 149.º e 150.º do CIRE).

Assim sendo, resulta dos elementos constantes dos autos que na data do pagamento voluntário a oponente não tinha quaisquer poderes de disposição sobre a sociedade, no âmbito do exercício da gerência, e assim sendo resulta provado que não era, de facto, gerente da devedora originária, pelo que por não verificados os pressupostos de reversão, tem de proceder a presente oposição”.

A Fazenda Pública insurge-se contra o assim decidido, sustentando que “o facto de ter sido nomeado um administrador de Insolvência não significa que o administrador se deva demitir ou dispensar das suas funções”, sendo que “com a declaração de insolvência a sociedade mantém a sua personalidade jurídica”. Insiste a Recorrente no sentido de ser reconhecido “que a sociedade declarada insolvente ainda mantém ou pode manter actividade comercial, relativamente aos poderes de disposição e administração ou gerência tudo quanto não colida com os deveres daquele naturalmente ainda será da responsabilidade deste podendo o próprio actuar”. E, prossegue, “dentro dos vários actos praticados pelos administradores em representação da sociedade devedora originária, estão os típicos actos de gestão ou administração corrente, actos nos quais o administrador de insolvência não se deve imiscuir” Para a Recorrente, “como foi dado por provado na Sentença recorrida, a dívida é posterior à declaração de insolvência, pelo que a discussão sobre a gestão patrimonial é inócua, tanto mais que o órgão de execução fiscal está impedido de reclamar os créditos no processo de falência. Se assim não fosse e ao arrepio do n.º 6 do artigo 180.º do CPPT, seria a massa insolvente quem ilegalmente responderia pelos créditos objeto da presente oposição”.

Vejamos o que nos oferece dizer, lembrando que a AT reverteu a execução fiscal contra a Recorrida com base na gerência de facto do Hospital Veterinário, invocando, para tanto, o disposto no artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT.

Nos termos de tal preceito, temos que:

«1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

(…)

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

Como é evidente, a reversão operada ao abrigo da apontada alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, pressupõe que o gerente de facto o tenha sido no momento em que se verifica o termo do prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias, sendo que nesta hipótese, e se assim for, caberá ao revertido provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento.

É para nós claro, face à prova produzida, e atentas as especificidades do caso concreto, como o Tribunal a quo evidenciou, que a AT não demonstrou o que lhe competia, isto é, que a revertida era gerente de facto da devedora originária no período temporal aqui em causa, não oferecendo dúvidas que é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício da gerência.

Na verdade, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções. Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

Com efeito, e como repetidamente se vem considerando na jurisprudência, da gerência de direito não se retira, por presunção, a gerência de facto.

A este propósito, deixamos transcritas as considerações feitas no acórdão do TCAN, de 30/04/14, processo nº 1210/07.5, as quais assumem aqui inteira pertinência:

“(…)

Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).

De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).

Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»

Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que o revertido tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.

Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar” (fim de citação).

No caso, recordemos que a reversão foi fundada na alínea b) do n.º1 do artigo 24.º, da LGT, o que equivale a dizer que a reversão foi efectivada por não ter sido efectuado o pagamento da dívida na data do cumprimento da mesma, que ocorreu a 20/12/2013, data em que fora já nomeado administrador de insolvência, no âmbito do processo de insolvência. De acordo com os factos provados, em 09/09/2013, foi proferida sentença de declaração de insolvência, da devedora originária e através da Ap. 36/20131011, foi registada a nomeação de administrador judicial de insolvência da devedora originária.

Como refere o acórdão deste TCA, de 17/09/20, proferido no processo nº 2666/14.5, “a partir do momento em que é declarada a insolvência de uma sociedade, cessam os poderes de gestão e administração dos gerentes e administradores.

De facto, decorre expressamente da regra fixada pelo artigo 81.º, n.º 1 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) que a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador de insolvência.

Além disso, a privação dos poderes de administração e disposição dos bens do devedor é um efeito necessário da declaração de insolvência porquanto se produz em todos os casos e por mero efeito da declaração de insolvência.

Nas palavras de LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO « [e]sta solução [a do art. 81º, nº 1] compreende-se, dado que a declaração de insolvência faz pressupor uma certa desconfiança na capacidade de administração do devedor, dado que aí pode ter residido a causa da sua situação de insolvência». (Direito da Insolvência, 7ª ed., p. 167)”.

Note-se, aliás, que diferentemente daquilo que se refere no recurso, a Recorrida evidenciou que a Administração Tributária não provou, como lhe competia, a gerência de facto da devedora originária, o que decorre, além do mais, da afirmação explícita contida no artigo 72º da petição inicial. Esta falta de prova do não exercício da gerência) reporta-se, sem distinção, ao período anterior e posterior à declaração de insolvência e à nomeação do respectivo administrador.

Ora, no caso concreto, para além do evidente afastamento da gerência da sociedade em consequência da nomeação de administrador judicial de insolvência da devedora originária, a verdade é que não há nos autos, alegado e demostrado, qualquer circunstancialismo que evidencie este pressuposto essencial da reversão, cuja prova competia à AT.

Tanto basta para julgar improcedentes as conclusões da alegação de recurso e negar provimento ao recurso. Mantém-se, pois, a sentença recorrida.


***


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 15/04/21

[A Relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Hélia Gameiro e Ana Cristina Carvalho]


(Catarina Almeida e Sousa)