Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1089/18.1BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:09/09/2021
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:PRINCÍPIO DA TIPICIDADE DOS MEIOS PROCESSUAIS;
ART.º 38.º, N.º 2, DO CPTA;
USO INDEVIDO DA ACÇÃO ADMINISTRATIVA;
MINISTÉRIO PUBLICO;
PROCEDIMENTO DE MASSA;
PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO
Sumário:I - No contencioso administrativo vigora o princípio da tipicidade dos meios processuais, que exige que as partes utilizem o meio próprio e adequado à tutela dos seus direitos e interesses. Essa propriedade e adequação é aferida pela configuração dada ao litígio por essas mesmas partes, pela causa de pedir e pedidos formulados na acção;

II – Conforme preceituado no art.º 38.º, n.º 2, do CPTA, a acção administrativa não pode ser usada para através dela se conhecer da invalidade de um contrato de trabalho em funções públicas, fundada na invalidade consequente da ilegalidade de acto homologatório da lista de classificação final do concurso, quando este acto homologatório já não podia ser impugnado;

III - O Ministério Público está obrigado ao uso do meio processual previsto no art.º 99.º do CPTA, relativo ao contencioso dos procedimentos de massa;

IV - O prazo de 1 mês previsto no art.º 99.º, n.º 2, do CPTA, afasta a aplicação do prazo previsto no art.º 58.º, n.º 1, al. a), do CPTA.

V - Para além disso, este prazo de 1 mês é um prazo único, que se aplica independentemente dos desvalores que se invocam na acção e da respectiva cominação legal. É um prazo que se aplica quer se invoquem invalidades sancionadas com a anulabilidade do acto, quer estas sejam sancionadas com a respectiva nulidade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I - RELATÓRIO
O Ministério Público (MP) interpôs recurso da sentença do TAF de Almada, que julgou verificada a excepção dilatória inominada prevista no art.º 38.º, n.º 2, do CPTA, por uso indevido da acção administrativa, com a consequente absolvição dos RR. da instância.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: ”1.ª – A presente acção administrativa visa a declaração de nulidade, por violação da disposição conjugada dos artigos 9.º, 161.º, n.º 2, al. d) e e) do CPA e 47.º e 266.º, n.º 2 da CRP, do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado celebrado entre os Réus.
2.ª – O douto despacho saneador recorrido julgou verificada a excepção dilatória inominada prevista no artigo 38.º, n.º 2 do CPTA, por uso indevido da acção administrativa, entendendo, em síntese, que o Ministério Público podia, e devia, ter impugnado o acto administrativo que findou o procedimento concursal,
nos termos e prazos ínsitos no artigo 99.º do CPTA e, não o tendo feito, não pode, nesta acção, ser conhecida a validade do contrato de trabalho em funções públicas celebrado pelos Réus, por aquele acto já não ser impugnável.
3.ª – O prazo de um mês previsto no artigo 99.º, n.º 2 do CPTA não se aplica ao Ministério Público, que não é parte no procedimento concursal, e cuja legitimidade processual activa se funda na defesa da legalidade e do interesse público, estando, por isso, abrangido na ressalva desta norma o prazo para o exercício da acção pública por parte do Ministério Público estipulado no artigo 58.º, n.º 1, al. a) do CPTA para os actos anuláveis.
4.ª – Nessa ressalva, está também abrangida a impugnação dos actos nulos, pois a norma processual que consta do n.º 2 do artigo 99.º do CPTA não tem a virtualidade de tornar inimpugnável um acto que, por natureza, pode ser impugnável a todo o tempo, pelo que não pode ter-se por afastado o disposto no artigo 58.º, n.º 1 do CPTA, uma vez que só nos casos excepcionalmente previstos na lei substantiva é que a impugnação de actos nulos fica sujeita a prazos.
5.ª – O entendimento do Tribunal a quo de que o conhecimento da invalidade do contrato de trabalho em funções públicas celebrado entre os Réus depende da prévia declaração de nulidade do acto final do procedimento, só é aplicável aos participantes no procedimento concursal, conforme resulta do disposto nos artigos 77.º, n.º 1, al. d) e 99.º, n.º 2 do CPTA, e não se aplica à acção pública relativa à validade do contrato interposta pelo Ministério Público.
6.ª – O Ministério Público, na defesa da legalidade e do interesse público, tem legitimidade para a impugnação directa dos contratos submetidos à jurisdição administrativa, pelo que pode proceder à impugnação autónoma do contrato celebrado entre os Réus, sem necessidade de impugnar previamente qualquer acto administrativo praticado no âmbito do procedimento concursal, conforme resulta do disposto no artigo 77.º-A, n.º 1, al, b) do CPTA.
7.ª – E do artigo 99.º do CPTA não resulta qualquer impedimento, ou sequer limitação, à faculdade do Ministério Público proceder à impugnação directa dos contratos de trabalho em funções públicas celebrados na sequência de procedimentos concursais com mais de 50 participantes.
8.ª – No âmbito dos presentes autos, pode, e deve, ser conhecido o fundamento da invalidade do contrato em causa, não estando o seu conhecimento, contrariamente ao entendimento perfilhado no douto despacho recorrido, dependente “da prévia declaração de nulidade do ato final do procedimento”.
9.ª – Sendo que, estando em causa a “nulidade do ato final do procedimento”, o n.º 2 do artigo 38.º do CPTA sempre seria inaplicável, uma vez que a limitação constante desta norma só se aplica no caso de actos anuláveis.
10ª – Ao julgar verificada a excepção dilatória inominada prevista no artigo 38.º, n.º 2, do CPTA, por uso indevido da acção administrativa, o Tribunal a quo não fez uma adequada aplicação dos artigos 99.º, n.º 1 e 2 e 38.º, n.º 2, ambos do CPTA, conjugados com o disposto no artigo 77.º-A, n.º 1, al, b) do mesmo diploma legal.“

O Recorrido Município de Sesimbra (MS) nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1º - O recurso de apelação sub judice é manifestamente improcedente, porquanto a argumentação nele aposta carece de notório substrato legal, uma vez que o douto Tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento ou violação de disposição legal.
2º - Conforme resulta da letra do artigo 52º da LTFP são admitidas duas causas específicas de invalidade do vínculo de emprego público, nomeadamente (i) a declaração de nulidade ou a anulação da decisão final do procedimento concursal que deu origem à constituição do vínculo, e (ii) a declaração de nulidade ou a anulação da decisão final do procedimento concursal que deu origem à ocupação de novo posto de trabalho pelo trabalhador.
3º - Em qualquer uma destas situações encontramo-nos perante uma causa específica de invalidade do vínculo de emprego público, diversa daquelas que são previstas pelo Código Civil, consagrada pelo legislador como uma invalidade praticada na fase procedimental do concurso e que pode ser causa determinante da nulidade ou anulação do vínculo de emprego público.
4º - Pelo que, ao contrário do que ao ora Recorrente faz crer nas suas alegações de recurso, a apreciação da validade do vínculo de emprego público, com fundamento na nulidade ou anulabilidade da decisão final do procedimento que deu origem à constituição desse vínculo, encontra-se, necessariamente, dependente da prévia impugnação da decisão final do referido procedimento.
5º - É certo que, do artigo 38º do CPTA resulta a possibilidade de apreciação, a título incidental, da ilegalidade de atos administrativos que já não possam ser impugnados, desde que a lei substantiva assim o admita.
6º - Porém, tal possibilidade, apenas será admitida quando se vise efeitos destintos daqueles que seriam obtidos pela imposição de uma ação de impugnação do ato em causa. Uma vez que, o n.º2 deste disposto legal prevê expressamente que “não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável”.
7º - Fundamentando este entendimento veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 15 de julho de 2016, Processo n.º 00059/15.6BERBRG, Relatora Alexandra Alendouro, onde pode ler-se o seguinte: o artigo 38.º, n.º 2, do CPTA não permite que a acção administrativa comum seja utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação de acto impugnável, que o mesmo é dizer que “não se pode ir buscar à acção comum…os efeitos complementares ou “executivos” (como aqueles que se encontram enunciados no artigo 173.º do CPTA) caracteristicamente associados ao juízo próprio de ilegalidade, ao juízo anulatório, sejam por exemplo os relativos ao restabelecimento in natura da situação jurídica ilegalmente criada, porque isso corresponderia ou pressuporia uma verdadeira anulação do acto, a sua eliminação da ordem jurídica.” – cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, ob. cit., p. 278.” (sublinhado nosso).
8º - Por último, e contrariamente ao pugnado pelo Recorrente, tendo em conta os autos, não pode o disposto no artigo 99º do CPTA ser afastado, em função do autor da ação.
9º- Segundo o artigo 99º, n.º2 do CPTA, que afasta o regime geral em matéria de prazos que resulta do artigo 58º, o prazo para propositura das ações compreendidas no contencioso dos procedimentos de massa é de um mês, independentemente de estar em causa a anulação ou a nulidade do ato.
10º - No mesmo sentido pode ver-se o entendimento acolhido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 13 de agosto de 2018, Processo n.º 2157/17.2BELSB, Relatora Helena Canelas, segundo o qual: “O processo de contencioso de procedimentos de massa compreende as ações respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos (cfr. nº 1 do artigo 99º do CPTA),
podendo assim nele ser formuladas quer pretensões impugnatórias, tendo em vista designadamente a declaração de nulidade ou a anulação de atos administrativos, quer pretensões condenatórias, visando nomeadamente obter a condenação das entidades administrativas na prática de atos administrativos ilegalmente omitidos ou recusados. 3.4 Atento o seu objeto e natureza, este processo encontra-se sujeito a um prazo de instauração mais curto do que os estabelecidos para idênticas pretensões quando formuladas no âmbito da ação administrativa, estabelecendo o nº 2 do artigo 99º do CPTA revisto, que salvo disposição legal em contrário, o prazo de propositura dos processos de contencioso de procedimentos de massa é de um mês.” (sublinhado nosso).
11º - Ou ainda o que escreveu Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, em Comentários ao Código do Processo nos Tribunais Administrativos, segundo os quais “tratando-se de um prazo único, o prazo do n.º2 deve ser aplicado independentemente do vício que afeta o ato e da qualidade em que intervém o demandante. O n.º2, ao fixar o prazo de um mês, que se sobrepõe-se a qualquer das regras do n.º1 do artigo 58.º, não se podendo distinguir entre impugnação de atos nulos o de atos anuláveis, ou entre a impugnação promovida pelo MP, no exercício da ação pública, e a impugnação a cargo de quaisquer outros interessados”.
12º - Face ao exposto, tratando-se de impugnação pelo Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 59.º, n.º 6 do CPTA, o referido prazo de um mês conta-se a partir da data da prática do ato ou da sua publicação quando obrigatória.
13º - Sendo que no caso em apreço são imputados ao ato vícios que consubstanciam quer causas de anulabilidade do ato nos termos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (adiante, apenas CPA), quer causas de nulidade – por alegada ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental.
14º - De acordo com aquele que tem sido o entendimento dominante quer na jurisprudência quer ao nível da doutrina nacional, segundo o qual estamos na presença de um prazo único, independentemente do autor da ação, e independentemente de estarmos perante a anulabilidade ou a nulidade do ato impugnado.
15º - O prazo de um mês para intentar a ação no âmbito do contencioso dos procedimentos de massa terminou no dia 16 de julho de 2018, verificando-se a caducidade do direito de ação que nos termos do disposto no artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4 alínea k) constitui exceção dilatória e determina a absolvição do Réu da instância.
16º - Por tudo o exposto, é possível concluir que bem andou o Tribunal a quo em decidir pela total improcedência da ação, concluindo estar verificada a exceção dilatória inominada prevista no artigo 38º, nº2 do CPTA invocada pelo ora Recorrido.”

A Recorrida A… nas contra-alegações não formulou conclusões.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, factualidade não impugnada, que se mantém:
A) Em 03/04/2017, o presidente da Câmara Municipal de Sesimbra proferiu despacho para abertura de concurso para a constituição de vínculo de emprego público na modalidade contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, para o preenchimento de vários postos, entre os quais, um posto de trabalho do mapa de pessoal, previsto e não ocupado no mapa de pessoal do Município de Sesimbra, na carreira e categoria de Técnico Superior, para o exercício de funções na Divisão de Ambiente Urbano, na área funcional de ambiente (cf. documento n.º1 junto com a petição inicial [p.i.] a fls. 13 a 22 dos autos);
B) Em 08/05/2017, o procedimento concursal foi publicitado pelo aviso n.º 5014/2017, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 88 (cf. documento n.º1 junto com a p.i. a fls. 13 a 22 dos autos);
C) Apresentaram candidatura 56 candidatos (cf. documento n.º 3 junto com a p.i. a fls. 55 a 60 dos autos);
D) Ao procedimento concursal identificado na alínea A) supra apenas foi admitida a Ré A… (cf. documento n.º 3 junto com a p.i. a fls. 55 a 60 dos autos);
E) Os restantes 55 candidatos foram excluídos por não apresentarem os documentos (um) ou por não possuírem o requisito de formação académica exigido no aviso de abertura do procedimento concursal (cf. documento n.º 3 junto com a p.i. a fls. 55 a 60 dos autos);
F) Em 02/03/2018, o presidente da Câmara Municipal de Sesimbra proferiu despacho de homologação da lista unitária de ordenação e classificação final dos candidatos, na qual consta a Demandada C… como única candidata aprovada (cf. documento n.º 4 junto com a p.i. a fls. 61 a 63 dos autos);
G) Em 28/03/2018, os Demandados MUNICÍPIO DE SESIMBRA e A… celebraram o denominado “contrato de trabalho em funções públicas // contrato por tempo indeterminado” (cf. documento n.º 5 junto com a p.i. a fls. 64 a 68 dos autos);
H) Em 09/05/2018, foi publicado o aviso n.º 6…./2018, pelo qual se publicita a celebração de contrato de trabalho em funções públicas, com a Ré A…, na carreira e categoria de Técnico Superior, na 2.ª posição remuneratória e nível 15 da tabela remuneratória única, a que corresponde a remuneração base de 1201,48€, na sequência do procedimento concursal identificado na alínea A) supra (cf. documento n.º 6 junto com a p.i. a fls. 69 a 70 dos autos);
I) Em 15/06/2018, foi publicado, no Diário da República n.º 114, 2.ª Série, o aviso n.º 8…/2018, pelo qual se publicita a «Lista unitária de ordenação final dos candidatos aprovados - procedimento concursal comum para a constituição de vínculo de emprego público na modalidade de contrato de trabalho por tempo indeterminado (1 posto de trabalho de Técnico Superior/Departamento de Administração e Finanças - Ref. A) - Aviso n.º 5014/2017, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 88, de 08/05/2017»;
J) Em 13/09/2018, a Inspeção-Geral de Finanças dirigiu ao MINISTÉRIO PÚBLICO junto deste Tribunal Administrativo de Almada o ofício com a referência 6…, pelo qual dá conhecimento da eventual ilegalidade do procedimento concursal (cf. documento n.º 8 junto com a p.i. a fls. 73 a 76 dos autos);
K) Em 13/12/2018, o MINISTÉRIO PÚBLICO intentou a presente ação administrativa, na qual peticiona:
«- Decretar-se a nulidade do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado celebrado a 28 de Março de 2018 entre o Réu Município de Sesimbra e a Ré A…;
- Subsidiariamente, pede-se que seja decretada a anulação do referido contrato face à ilegalidade, e anulação com efeitos circunscritos ao presente caso, do acto homologatório da lista de classificação final do concurso.»

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir do erro decisório porque o prazo de 1 mês que está previsto no art.º 99.º do CPTA, para a interposição de acções em contencioso de procedimentos de massa e a exigência de impugnação do acto de homologação final do concurso, não se aplica ao MP, que não foi parte no procedimento concursal e tem legitimidade, no exercício da acção pública, para impugnar o contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado celebrado pelos Recorridos, conforme art.º 77º-A, n.º 1, al. b), do CPTA e essa mesma impugnação fundada no desvalor nulidade não está sujeita a prazo.
Diga-se, desde já, que a decisão recorrida é para manter.
Para fundamentar a decisão tomada, o Tribunal ad quo, esgrimiu nomeadamente o seguinte: ”Como prevê o artigo 38.ºdo CPTA, «nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por atos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um ato administrativo que já não possa ser impugnado» (n.º 1), mas «não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável» (n.º 2).
Do referido preceito legal resulta, assim, a possibilidade de apreciação, a título incidental, da ilegalidade de um ato administrativo que já não possa ser impugnado, por consolidado na ordem jurídica, desde que essa ação não seja utilizada para obter o efeito típico que resultaria da anulação do ato administrativo entretanto inimpugnável, isto é, «usada para tornear a falta de impugnação desse ato, com eventual ofensa do caso decidido e resolvido», ou, dito por outras palavras, «só pode ocorrer se com a pretensão nela deduzida se visem obter efeitos jurídicos diversos, ou não coincidentes, dos que derivariam da instauração da ação administrativa especial de impugnação» (neste sentido, entre outros, acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 23/04/2009, processo n.º 03135/07. de 12/11/2009, processo n.º 04765/09, de 23/10/2014, processo n.º 04375/08, de 05/05/2016, processo n.º 12958/16 e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 08/04/2011, processo n.º 01070/09.1BEBRG, de 22/05/2015, processo n.º 00938/13.5BEAVR, de 21/04/2016, processo n.º 00432/15.0BEVIS e de 15/07/2016, processo n.º 00059/15.6BEBRG).
Essa possibilidade de apreciação incidental está ainda condicionada àquelas situações em que a lei substantiva o admite, designadamente nas situações em que se visa efetivar a responsabilidade civil extracontratual da Administração pela alegada prática de atos administrativos ilegais.
No caso dos autos, e como referido, para a impugnação de atos administrativos no âmbito de procedimentos de massa, ou seja, com mais de 50 participantes no domínio de concursos de pessoal, procedimentos de realização de provas e procedimentos de recrutamento, o meio próprio é o previsto no artigo 99.º do CPTA.
(…)Com particular interesse, no que concerne à invalidade dos contratos de trabalho em funções públicas, impõe-se chamar, também, à colação o disposto no artigo 52.º da LTFP, no qual se determina que são causas específicas da invalidade, total ou parcial, do vínculo de emprego público a) a declaração de nulidade ou anulação da decisão final do procedimento concursal que deu origem à constituição do vínculo; e b) a declaração de nulidade ou anulação da decisão final do procedimento concursal que deu origem à ocupação de novo posto de trabalho pelo trabalhador. Trata-se, portanto, de uma invalidade consequente face à invalidade do procedimento concursal.
Este preceito consagra, então, a denominada invalidade consequencial, ou seja, o efeito de contágio, para o contrato, da invalidade do procedimento conducente à sua celebração (v. Miguel Lucas Pires, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Anotada e Comentada, 2.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2016, pp. 114-115).
Ao abrigo do referido artigo 52.º da LTFP, o contrato de trabalho em funções públicas se torna consequentemente inválido, não em virtude da mera invalidade do ato administrativo antecedente ou da possibilidade temporal da sua efetivação, mas apenas de efetiva declaração de nulidade ou anulação da decisão final do procedimento concursal que deu origem à constituição do vínculo ou à ocupação de novo posto de trabalho pelo trabalhador (v. André Salgado de Matos, “A invalidade de contratos de trabalho em funções públicas consequente de invalidade de actos administrativos no novo paradigma da constituição de relações de emprego público”, in Estudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier, Vol. I. Lisboa, Universidade Católica Editora, 2015, pp. 195-196).
Dito isto, é forçoso concluir que a apreciação da validade do contrato depende da declaração de nulidade ou anulação do ato homologatório do procedimento concursal ou qualquer outro ato administrativo do procedimento que enferme de ilegalidade (seguindo aqui a interpretação de André Salgado de Matos, “A invalidade…”, op.ci.t). Donde, não se concebe, contrariamente ao propugnado pelo Autor, que a ilegalidade do ato administrativo que findou o procedimento concursal seja conhecida a título incidental, posto que carecia a mesma de ter sido, impugnada e declarada.
Mais. Tal impugnação teria que ter ocorrido nos termos e prazos ínsitos no acima referido artigo 99.º do CPTA, ou seja, dentro do prazo (único) de um mês, contado este nos termos previstos para as ações respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos, por força da remissão contida no artigo 97.º, n.º 1, alínea b) do CPTA (v., neste sentido, o citado acórdão do Tribunal Administrativo Sul, processo n.º 2157/17.2BELSB).
Ora, nos termos previstos no artigo 59.º, n.º 7 do CPTA, o prazo para a impugnação pelo Ministério Público conta-se a partir da data da prática do ato ou da sua publicação, quando obrigatória. Assim, considerando que o ato de homologação da lista final unitária data de 02/03/2018 e foi publicado em 15/06/2018 (alínea F) e I) supra) e a presente ação deu entrada no dia 18/12/2018 (alínea K) supra), há muito decorreu o prazo para a impugnação do mesmo. Pese embora não logre aqui aplicação o disposto no artigo 77.º-B, n.º 2 do CPTA, mesmo que se admitisse que o Ministério Público apenas teve conhecimento de tal ato em 13/09/2018 (alínea J) supra), o prazo de um mês também já teria decorrido quando a presente ação foi intentada.
E porque assim é, resulta claro que o ato administrativo final do procedimento concursal é inimpugnável, por ter decorrido o respetivo prazo de impugnação, não podendo, pois, ser obtido o efeito pretendido pelo Ministério Público através da presente ação administrativa de declaração de nulidade do contrato de trabalho em funções públicas.
Dito de outro modo, o reconhecimento da invalidade consequente ou consequencial do contrato de trabalho em funções públicas celebrado entre os aqui Réus depende da prévia declaração de nulidade do ato final do procedimento, que já não é impugnável e, como tal, não se pode intentar obter o efeito invalidante previsto no artigo 52.º da LTFP por meio da presente ação administrativa, relegando para (mera) causa de pedir o que podia, e deveria, ter sido o pedido principal.
Termos em que, sem necessidade de mais amplas considerações, se considera verificada a exceção inominada prevista no artigo 38.º, n.º 2 do CPTA, com a consequente absolvição dos Réus da instância (neste sentido, na parte em que se debruça sobre as consequências da violação do artigo 38.º, n.º 2 do CPTA, veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 04375/08, de 23/10/2014) – artigo 89.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA e artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 578.º do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA.
Esta fundamentação está certa.
No contencioso administrativo vigora o princípio da tipicidade dos meios processuais, que exige que as partes utilizem o meio próprio e adequado à tutela dos seus direitos e interesses. Essa propriedade e adequação é aferida pela configuração dada ao litígio por essas mesmas partes, pela causa de pedir e pedidos formulados na acção.
Como decorre da PI, através da mesma vêm-se requerer a declaração de nulidade do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, celebrado em 28/03/2018, entre o MS e A… ou, subsidiariamente, para que o mesmo seja anulado e seja também anulado o acto homologatório da lista de classificação final do concurso em questão.
Todas as ilegalidades que se imputam ao indicado contrato decorrem de invalidades cometidas no procedimento concursal, ou do acto homologatório da lista de classificação final do concurso. Isto é, não se indica na PI nenhuma invalidade própria do contrato, mas todas as invalidades invocadas são invalidades consequentes.
Na decisão recorrida julgou-se verificada a excepção dilatória inominada prevista no art.º 38.º, n.º 2, do CPTA (na versão anterior à revisão introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17/09, aqui aplicável), por uso indevido da acção administrativa, por, no caso, o MP pretender obter os mesmos efeitos que resultariam da anulação do acto homologatório da lista de classificação final do concurso e para a impugnação desse acto dever recorrer-se ao meio processual que está previsto no art.º 99.º do CPTA, relativo ao procedimento de massa.
É manifesto que a pretensão do A. é a invalidação do acto homologatório da lista de classificação final do concurso, pois todas as invalidades que imputa ao contrato celebrado decorrem daquele acto prévio.
Nessa mesma medida, a situação em apreço caí, efectivamente, na previsão do 38.º, n.º 2, do CPTA, pois o que o A. e Recorrente verdadeiramente pretendeu com o pedido de declaração de nulidade do contrato de trabalho, foi alcançar a pretensão que resultaria da impugnação do acto homologatório da lista de classificação final do concurso.
Pergunta seguinte, verificando-se a referida excepção inominada seria essa excepção suprível e poderia o Tribunal convidar a parte a corrigir a sua PI, suprindo a excepção invocada, ou poderia o Tribunal fazer a acção prosseguir, na forma adequada, de acção de procedimento de massa, para o conhecimento do pedido subsidiário, de anulação do indicado acto homologatório?
Se se entender que o MP não está obrigado ao uso do meio processual previsto no art.º 99.º do CPTA, relativo ao contencioso dos procedimentos de massa, tal seria possível, pois a acção interposta pelo MP estava em tempo para efeitos da impugnação do indicado acto homologatório da lista de classificação final do concurso.
Apreciada a PI, verifica-se que as ilegalidades imputadas ao acto homologatório da lista de classificação final do concurso conduzem à anulabilidade de tal acto e não à sua nulidade, não obstante o A. também clamar pela declaração de nulidade (cf. art.ºs. 39, 44 a 47, 51 e 54 da PI).
Como decorre dos autos, o referido acto foi prolatado em 02/03/2018 e publicado no DR de 15/06/2018. A presente acção foi apresentada pelo MP em 13/12/2018.
Logo, se se considerar que o MP não estava obrigado ao uso do meio processual previsto no art.º 99.º do CPTA, a presente acção estava em tempo para efeitos de impugnação do acto homologatório da lista de classificação final do concurso, porquanto o prazo para o MP fazer essa impugnação era de 1 ano, conforme art.º 58.º, n.º 1, al. b), do CPTA.
Neste caso, a acção teria de prosseguir para efeitos de conhecimento do pedido subsidiário, de anulação do acto homologatório da lista de classificação final do concurso, ainda que se verificasse a excepção de dilatória inominada prevista no art.º 38.º, n.º 2, do CPTA, para efeitos de conhecimento do pedido principal.
Ora, da nossa parte, consideramos que o MP estava obrigado a utilizar o meio processual previsto no art.º 99.º do CPTA, e, por isso mesmo, acompanhamos e confirmamos a decisão recorrida.
No caso, a pretensão que verdadeiramente se almeja é a apreciação da legalidade do acto homologatório da lista de classificação final do concurso. Está também em causa um procedimento que preenche os pressupostos do art.º 99.º, n.º 1, al. a), do CPTA. Consequentemente, este era o meio adequado para se impugnar tal acto homologatório.
No demais, o art.º 99.º do CPTA não exclui do seu campo de acção as acções intentadas pelo MP ao abrigo da acção pública - cf. neste sentido, entre outros, ALMEIDA, Mário Aroso de; CADILHA, Carlos Alberto Fernandes - Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 4.ª ed. Coimbra: Almedina, 2017, p. 789-790; ou GOMES, Carla Amado - O processo urgente de contencioso de massa. Em Comentários à Legislação Processual Administrativa. Coord. GOMES, Carla Amado, NEVES, Ana Fernanda, SERRÃO, Tiago. 4.a ed. Lisboa: AAFDL, 2020, p. 982 e 988–989. AFONSO, Helena Maria Telo - Contencioso dos procedimentos de massa. Cadernos de Justiça Administrativa. Braga. 130 (Jul.-Ago) (2018) pp. 28-29.
Mais se assinale, que tal exclusão também não faria sentido, pois o que se pretende com este mecanismo processual é dar uma resposta muito célere e uniforme a todos os litígios que envolvam procedimentos abrangidos pelo âmbito de aplicação do art.º 99.º, n.º 1, do CPTA. Pretende-se agregar numa única forma processual todos esses litígios e as várias pretensões formuladas pelos respectivos participantes nesses procedimentos, ou por outros interessados. Consequentemente, exige-se o uso deste meio processual por todos aqueles que pretendam impugnar os actos proferidos no âmbito dos indicados procedimentos concursais, aqui se incluindo o MP, quando no exercício da acção pública.
Logo, o prazo para intentar a presente acção, se dirigida à impugnação do acto homologatório da lista de classificação final do concurso, era de 1 mês, contado a partir da data em que aquela lista foi publicada, por aplicação conjugada dos art.ºs 99.º, n.º 2 e 59.º, n.º 3, al. a), do CPTA.
O indicado prazo de 1 mês afasta a aplicação do prazo previsto no art.º 58.º, n.º 1, al. a), do CPTA - cf. os Acs. do TCAS n.º 2157/17.2BELSB, de 13/08/2018 ou n.º 2823/16.0BELSB, de 05/07/2017.
Para além disso, este prazo de 1 mês é um prazo único, que se aplica independentemente dos desvalores que se invocam na acção e da respectiva cominação legal. É um prazo que se aplica quer se invoquem invalidades sancionadas com a anulabilidade do acto, quer estas sejam sancionadas com a respectiva nulidade – cf. neste sentido AFONSO, Helena Maria Telo – Contencioso, ob. cit, p. 28.
Consequentemente, a excepção inominada prevista no art.º 38.º, n.º 2, do CPTA, verifica-se no caso em apreciação e configura uma excepção insuprível, pois não é possível ao Tribunal convidar a parte a corrigir a sua PI, suprindo a excepção invocada, nem poderia o Tribunal fazer prosseguir a acção na forma adequada, para o conhecimento do pedido subsidiário, de anulação do indicado acto homologatório, porque para esse efeito a presente acção ter-se-ia de considerar interposta extemporaneamente.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- sem custas por isenção do Recorrente.

Lisboa, 9 de Setembro de 2021.
(Sofia David)

O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Dora Lucas Neto e Pedro Nuno Figueiredo.