Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:569/17.0BEPRT
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/04/2017
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:REABILITAÇÃO URBANA
CENTRO HISTÓRICO DO PORTO
Sumário:I- Tendo em conta a data das decisões judiciais - 10/12/2010 e 18/03/2011, do probatório emerge que é provável a verificação do vício do erro sobre os pressupostos de facto na Decisão de Embargo, por não ter ponderado a suspensão de eficácia do Aviso n° 151732010, onde se inclui precisamente a freguesia de S. Nicolau, onde se situa o imóvel, a entidade administrativa tinha obrigação de ter mencionado e ponderado o conteúdo de tais decisões, no que respeita ao Aviso n°15173/2010, o que não fez.

II- Por outro lado, a entidade administrativa investiu-se de funções de polícia municipal/administrativa, em vez de se mostrar colaborante com a legalização das obras da loja da requerente, o que contraria totalmente o espírito do legislador, tanto no FUUE, como no D.L. n° 307/2009, 23/10, captado no respectivo Preâmbulo.

II- Perante a mens legislatoris explicitada no transcrito preâmbulo, a preocupação do legislador foi a reabilitação dos edifícios degradados e para isso foram criadas as sociedades de reabilitação urbana para que, em colaboração com os particulares, proprietários dos edifícios, promovessem a renovação das cidades, transformando os edifícios degradados em pólos de atracção das cidades e, em especial dos centros históricos das mesmas.

III- E também é pacífico que no próprio RJUE, a política que inspirou o legislador foi o da legalização das obras porventura, clandestinas, promovendo a demolição como última ratio (cf. art° 106° n° 2 do RJUE).

IV- Assim e porque nos encontramos no âmbito cautelar cujas finalidades se revestem das características da sumariedade e perfunctoriedade, é forçoso concluir que a requerente, ao agasalho da escalpelizada legislação, frui de um fumus boni iuris a seu favor, conclusão reforçada pelo facto de a requerida não ter demonstrado minimamente que as obras realizadas não fossem legalizáveis, quando é certo que, como decorre do citado regime especial, era competência específica da requerida colaborar e incentivar legalização do estabelecimento da requerente. E, mais determinante ainda, nem, sequer veio apresentar Resolução Fundamentada, nos termos do disposto no art° 128° CPTA.

V- O que vem dito é para nós bastante para confirmar o juízo emitido na sentença recorrida quanto à probabilidade da aparência do “bom direito” até porque, como também assertivamente se declarou da sentença recorrida quanto aos restantes argumentos em discussão, só poderão ser analisados em sede de acção principal, atenta a sua extensão, conjugados com a provisoriedade dos presentes autos cautelares.

VI- Existindo a probabilidade da acção principal ser procedente por verificação das ilegalidades que o requerente indiciariamente enunciou e, por serem cumulativos os requisitos exigidos no art° 120° do CPTA e não se verificando pelo menos um deles torna-se desnecessária a averiguação de existência dos demais, determinando, desde logo o indeferimento do pedido o que vale por dizer que ficou demonstrada a probabilidade de vencimento nos autos principais, assim se mostrando preenchido o pressuposto do fumus boni iuris.

VII- Não obstante, a sentença ainda se permitiu tecer considerações que se reputam ajustadas e não excrescentes quanto ao requisito do perigo na demora da decisão na acção principal, considerando a tal propósito que a não adopção da providência cautelar impede a requerente de continuar a sua actividade comercial, mantendo o seu estabelecimento fechado, o que também seria prejudicial ao interesse público e aos fins das leis de reabilitação, consubstanciados em manter "vivos" e a funcionar os estabelecimentos nos centros das cidades.

VIII -Pois se o legislador chegou ao ponto de estabelecer um mecanismo de venda forçada de imóveis que se apresentem degradados e em ruínas, é porque o seu objectivo é renovar as cidades e, sobretudo, os centros históricos, como o caso dos autos.

IX- Donde que nenhuma censura merece a sentença ao aditar ainda que mesmo que os requisitos consignados no art° 120° n°1 do CPTA não se mostrassem indiciados, ainda assim, da ponderação de interesses, sempre seria de conceder o deferimento da providência, uma vez que a sua recusa (mantendo fechado o estabelecimento da requerente) mostrar-se-ia mais prejudicial para os interesses que o legislador pretendeu acautelar com a sucessiva legislação urbanística de reabilitação das cidades e, em especial, dos centros históricos (assim se interpretando e aplicando o disposto no n° 2 do art° 120° CPTA a contrario).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I- RELATÓRIO

O presente recurso jurisdicional foi interposto pelo Requerido Porto ………….., SRU- Sociedade ……………………………….., S.A., na providência cautelar intentada por Alma ………………………, Ldª, para suspensão da eficácia do despacho do Exmº Sr. Presidente do Conselho de Administração daquele datado de 05-01-2017, proferido no âmbito da Informação nº 24/GJ/RF e Informação nº51GQ/2016 e que foi decretada pelo Tribunal a quo.

Nas alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões:

“A. Os argumentos aduzidos Tribunal o quo que sustentaram a concessão da providência cautelar em violam claramente disposições e princípios legais, principalmente quanto aos fundamentos do fumus boni iuris apontados pela referida sentença;
B. Neste sentido, primeiramente destaca-se o notório equívoco, de facto e de direito, constante na douta decisão, quer seja porque o ato administrativo subjudice não ordenou qualquer tipo de embargo, mas sim determinou a CESSAÇÃO DE UTILIZAÇÃO DO IMÓVEL; quer seja porque os referidos acórdãos suspenderam a eficácia do Aviso nº15173/2010 APENAS NA PARTE que publicita a implantação da Zona de Proteção Especial (ZEP) do Centro Histórico do Porto, não tendo, portanto, em causa a classificação do Centro Histórico do Porto e respetiva zona de proteção, razão pela qual a Recorrente não tem qualquer obrigação de menção ou de ponderação do conteúdo das referidas decisões judiciais quando da aplicação de medidas de tutela da legalidade neste imóvel, ou em quaisquer outro localizados na área da sua competência;
C. Ademais, quer seja por Inexistir qualquer a atitude da Reclamante que pudesse indicar a não colaboração com um eventual pedido de legalização da Reclamada; quer seja pela Reclamante não ter corno, apriori, indicar que as obras realizadas são ou não passíveis de legalização; quer seja, ainda, Reclamante ter decidido por aplicar, legalmente e no âmbito do exercício do seu poder discricionário, a cessação de utilização do imóvel em causa não possuir a necessária autorização de utilização, tendo sido ainda ponderado o desrespeito à prévia ordem de embargo de obras, não se verifica, no caso em concreto, qualquer fumus boni iuris a ser invocado em favor da Reclamada;
D. Não obstante, ressalta-se que o periculum in mora invocado no caso em concreto configura-se como verdadeiro venire contra factum proprium proibido em sede de ordenamento jurídico por se tratar de abuso de Direito, uma vez que o prejuízo eventualmente decorrente da execução da ordem de cessação de utilização do imóvel, repita-se legalmente aplicado, foi um risco criado pela própria Recorrida, que não apenas violou uma prévia ordem de embargo das obras ilegais que estavam a ser realizadas no prédio como, também, iniciou e prosseguiu com o seu uso e exploração comercial sem a necessária autorização de utilização;
E. Por fim, diferentemente do entendimento proferido na douta sentença, consideramos que os danos que resultam da concessão da tutela cautelar, configurados na violação a princípios fundamentais da Administração Pública, em especial os princípios da igualdade e da imparcialidade, bem como na descredibilização das ordens proferidas peia autoridade pública competente e que visa tutelar um bem classificado como de interesse nacional, se mostram muito superiores e de maior impacte face àqueles que resultar da sua recusa apontados na referida decisão (quais sejam, os fins da lei de reabilitação visam manter vivos e a funcionar os estabelecimentos nos centros da cidade).
F. Portanto, além ao fumus boni iuris, também não se encontram preenchidos os demais pressupostos necessários à concessão da providência cautelar.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por decisão que negue provimento a providência cautelar pretendida, uma vez ausentes os pressupostos necessários s sua concessão.”

A Recorrida apresentou contra-alegações, aí concluindo como segue:

“A. O Tribunal a quo bem decidiu ao julgar totalmente procedente a providência cautelar para suspensão da eficácia de acto administrativo sub judice, não merecendo, portanto, a douta sentença qualquer reparo;
B. Contrariamente ao que pretende fazer crer a Recorrente, da leitura integral da douta sentença facilmente se vislumbra que a mesma apenas faz referência ao acto de embargo unicamente porque as partes ao mesmo fizeram referência em sede de articulado, não existindo, em momento algum, qualquer erro quanto ao acto administrativo impugnado e cuja suspensão se requereu;
C. A douta sentença andou bem ao decidir que a Recorrente se investiu de funções de polícia municipal/administrativa, em vez de se mostrar colaborante com a legalização das obras da loja da Recorrida, o que contraria manifestamente o espírito do legislador, quer no RJUE, quer no Decreto-lei n.°307/2009, 23/10 na sua versão originária, ao arrepio do disposto no artigo 9°, n° 1 do Código Civil;
D. Conforme decorre da douta sentença, da análise do aludido preâmbulo facilmente se constata que a preocupação do legislador se prendeu com a reabilitação dos edifícios degradados, tendo para o efeito criado as sociedades de reabilitação urbana, com o escopo que as mesmas promovessem a renovação das cidades, em colaboração com os proprietários dos edifícios, por forma a transformar edifícios degradados em pólos de atracção das cidades e, em especial, dos centros históricos das mesmas;
E. Conforme resulta da douta sentença, também no RJUE a política que inspirou o legislador foi o da legalização das obras porventura, clandestinas, promovendo a demolição com ultima ratio conforme artigo 108,°, nº2 do RJUE;
F. Sendo carto que as obras em apreço são legalizáveis (caso se considere que as mesmas carecem de controlo prévio da edilidade, o que só por absurdo se admite), tendo sido, à cautela, instaurado o respectivo processo de legalização, e, considerando que em momento algum veio a Recorrente alegar, que as mesmas não eram legalizáveis, nem tampouco apresentou resolução fundamentada nos termos do disposto na artigo 128.° do CPTA, é -cristalino que não assiste qualquer ramo à Recorrente, sendo que lhe competia colaborar e incentivar a legalização do estabelecimento da: Recorrida, como é de lei;
G. Contrariamente ao disposto no nº1 do artigo 102º-A do RJUE, ao invés de notificar a Recorrida para proceder à legalização das operações urbanísticas em apreço, a Recorrente notificou a mesma para proceder á cessação da utilização do imóvel;
H. É assim inequívoco que a aplicação in casu da medida de tutela urbanística não contende com quaisquer critérios de discricionariedade administrativa ou de oportunidade, mas, pelo contrário, com estritos critérios de legalidade, precisamente porque é a própria lei quem impõe à Administração Pública o dever de notificar a Recorrida para proceder á legalização das operações urbanísticas em apreço;
I. Em face do princípio da legalidade previsto no disposto no artigo do CPA, andou bem a douta sentença, ao julgar totalmente procedente a providência cautelar em apreço;
J. Mão merece provimento a alegação de que a Recorrente não tinha como indicar, a priori, - que- as obras realizadas eram ou não legalizáveis, precisamente porque decorre da factualidade dada como assente e, bem assim, do procedimento administrativo junto aos presentes autos, que a Recorrente procedeu à vistoria do imóvel em apreço, tendo descrito as obras que no seu entendimento se encontravam a ser executadas, o que leve por corolário a prefação do despacho de embargo;
K. Não merece ainda provimento a alegação de desrespeito da ordem de embargo por parte da Recorrida, não só porque a mesma não decorre da factualidade dada como assente (não tendo sequer a Recorrente peticionário a sua inclusão na matéria de facto dada como provada), resultando tão só da mesma que a ordem de embargo foi feita na pessoa do empreiteiro, não tendo ficado demonstrado o conhecimento do mesmo por parte da Recorrida em momento anterior à conclusão das obras;
L. Nem nunca tal poderia suceder, visto que a Recorrida apenas tomou conhecimento da ordem de embargo em momento posterior à conclusão das obras;
M. Também a alegação da inexistência de uma atitude descomprometida e negligente assumida por parte da Recorrida não deverá de todo proceder, não só porque a mesma não decorre da factualidade dada como assente (não tendo sequer a Recorrente peticionado a sua inclusão na matéria de facto dada corno provada), mas também porque as obras em apreço não só não ampliaram ou alteraram a estrutura do imóvel sub judice, como também não alteraram a fachada do mesmo, nem tampouco procederam à sua demolição e reconstrução, pelo que as mesmas não carecem de controlo prévio por parte da edilidade nos termos do disposto no artigo 4° do RJUE, a contrario;
N. A aplicação in casu da medida de tutela urbanística deveria obedecer ao princípio da proporcionalidade previsto no artigo 7.° do CPA e a consequentes critérios de razoabilidade, justiça e proporcionalidade na determinação da aplicação da medida que se revele mais adequada á reposição da legalidade urbanística e protecção do interesse público, e menos gravosa para os particulares envolvidos, devendo em todo o caso privilegiar-se a adopção de medidas de tutela que conduzam à restauração da legalidade;
O. Uma vez feita a ponderação de interesses, a douta sentença decidiu que a não adopção da providência cautelar impede a requerente de continuar a sua actividade comercial, mantendo o seu estabelecimento fechado, o que também seria prejudicial ao interesse público e aos fins das leis de reabilitação, consubstanciados em manter "vivos" e a funcionar os estabelecimentos nos centros da cidade, precisamente porque se o legislador chegou ao ponto de estabelecer um mecanismo de venda forçada de imóveis que se apresentem degradados e em ruínas, é porque o seu objectivo é renovar as cidades e, sobretudo, os centros históricos, como do caso dos autos;
P. Não se trata de beneficiar "os incumpridores" das normas perante os "cumpridores das mesmas", nem tampouco de "descredibilizar as ordens legalmente proferidas pela autoridade pública" ou de conferir "benefícios financeiros ilegítimos", mas tão só de aplicar o normativo de acordo com o espírito, a teleologia e a razão de ser do mesmo;
Q. Afigurando-se o indeferimento da providência cautelar e o consequente encerramento da loja da Recorrente prejudicial para os interesses que o legislador pretendeu acautelar com a sucessiva legislação urbanística de reabilitação das cidades e, em especial dos centros históricos nos termos do disposto no nº 2 do artigo 120.° do CPTA, não merece a douta sentença qualquer reparo;
R. O imóvel em apreço não constitui imóvel de interesse nacional, nem tampouco se encontra localizado na área incluída na lista de Património Mundial da UNESCO por força do disposto no Aviso n.°15173/2010, publicado em Diário da República, 2ª Série, nº 134, de 12 de Julho de 2012, precisamente porque a produção dos efeitos do aludido Aviso foi suspensa, por sentença datada de 10/12/2010 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, confirmada por sentença datada de 18/03/2011 da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte;
S. Tanto assim é que o número 1 do aludido Aviso não classifica o imóvel em apreço como monumento nacional, tendo não só tornado público que em 1966, foi incluído na lista "indicativa do Património Mundial da UNESCO o conjunto conhecida por centro histórico do Porto, referindo o número 2 a publicação no anexo I da planta de implantação com a zona especial de protecção e no anexo II da planta de localização que corresponde tão só ao mapa de Portugal com as cidades de Porto e Gaia sinalizadas);
T. Encontrando-se suspensa a aplicação da zona especial de protecção não é sequer possível delimitar rigorosamente as áreas correspondentes só centro histórico do Porto, razão pela qual não deverá ser dado provimento às alegações da Recorrente;
U. Não é por um bem imóvel ou determinada zona ou sítio ser inscrito na lista de Património Mundial que o mesmo é automaticamente considerado como classificado, precisamente porque a classificação de um bem como de interesse nacional/monumento nacional depende sempre da prévia existência de um procedimento de classificação oficioso previsto nos artigos 23.ª e seguintes da Lei n,° 107/2001, de 8 de Setembro, o que notoriamente não sucede in casu;
V. Até porque, nos termos do disposto no artigo 28.° do citado diploma legal e, bem assim, do disposto no n.° 1 do artigo 39.° do Decreto-lei n,° 309/2009, de 23 de Outubro, a classificação de um bem como de interesse nacional/ monumento nacional reveste necessariamente a forma de decreto do Governo e não a forma de Aviso, contrariamente ao que sucede in casu;
W. Em momento algum obteve ou pretendeu obter a Recorrida qualquer benefício ilegítimo, não só porque o acto administrativo sub judice se encontra inquinado de nulidade (designadamente pelo deferimento tácito da suspensão peticionada, pela usurpação de poderes, pela coarctação do direito de audição, pela ausência de notificação para proceder à legalização das obras, pelo facto de as obras não carecerem de contraio prévio por parte da edilidade, pelo desrespeito da suspensão do Aviso nº15173/2010, publicado em Diário da República, 2ª Série, nº 134, de 12 de Julho de 2012), mas também: porque conforme bem sabe a Recorrente, a Recorrida contratou um empreiteiro para proceder a um conjunto de obras de reduzida relevância urbanística, onde foi transferida para o empreiteiro a obrigação de requerer eventuais licenças camarárias para a execução das obras em apreço, tendo o embargo das obras em apreço sido feito junto do encarregado da obra, tendo chegado ao conhecimento da Recorrida em momento posterior à conclusão das mesmas;
X. A conduta da Recorrida não excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou peio fim social ou económico do direito, não existindo qualquer abuso de direito (cuja aplicação será sempre subsidiária), muito menos qualquer venire contra factum proprium, até porque a Recorrida não assumiu qualquer conduta contrária às que assumiu em momento anterior;
Y. Conforme decorre dos factos nº 12, 13 e 14 dados como assente (cuja revogação não foi peticionada por parte da Recorrente), o encerramento da loja da Recorrente acarretaria um conjunto de avultados prejuízos não só de ordem financeira, mas também de ordem social, não auferindo a mesma quaisquer benefícios com o não encerramento, porquanto o encerramento da loja da Recorrida traria como consequência que a mesma deixaria de auferir quaisquer remunerações pela exploração do imóvel, pondo em perigo o pagamento das remunerações e a manutenção dos postos de trabalho dos seus funcionários Sara Patrícia Vaz Pedra, João Filipe de Jesus Carvalho e Joana Maria F. de Castro Miranda, admitidos ao seu serviço em 1 de Dezembro de 2016;
Z. A par do interesse público na revitalização dos centros históricos -das cidades, se o interesse público e social na manutenção dos contratos de trabalho, razão pela qual não merece a douta sentença qualquer reparo.
Nestes termos e nos demais de Direito, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida, para todos os efeitos legais como é de Direito e Justiça!”

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, silenciou.

Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.

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2.- DA FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Dos Factos:
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663º, nº6 do NCPC, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto constante da sentença recorrida, que não vem impugnada.
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2.2. Motivação de Direito

Como resulta do disposto nos artigos 635º nº 4 e 639º nº 1 do NCPC- sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso- as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Como é elementar, há que apreciar as questões que prioritariamente se imponham e cuja verificação impeça o conhecimento de quaisquer outras.
Na verdade, impõe-se ao tribunal o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, donde que urge apreciar a questão colocada pela Recorrente particular sobre se o despacho recorrido enferma de erro de julgamento:
(i) quanto à interpretação e aplicação da citada legislação, face à qual entendeu que a requerente goza de um fumus boni iuris a seu favor, em termos de possibilitar a conclusão pela probabilidade da acção principal ser procedente por procedência das ilegalidades que o requerente indiciariamente aqui enuncia, ou seja, que a procedência da pretensão material do requerente é provável;
(ii) -quanto ao requisito do perigo na demora da decisão na acção principal, por o tribunal considerar que a não adopção da providência cautelar impede a requerente de continuar a sua actividade comercial, mantendo o seu estabelecimento fechado, o que também seria prejudicial ao interesse público e aos fins das leis de reabilitação, consubstanciados em manter "vivos" e a funcionar os estabelecimentos nos centros das cidades; e
(iii) ainda que os requisitos consignados no art° 120° n°1 do CPTA não se mostrassem indiciados, ainda assim, da ponderação de interesses, sempre seria de conceder o deferimento da providência, uma vez que a sua recusa (mantendo fechado o estabelecimento da requerente) mostrar-se-ia mais prejudicial para os interesses que o legislador pretendeu acautelar com a sucessiva legislação urbanística de reabilitação das cidades e, em especial, dos centros históricos.
Vejamos agora se a sentença errou nos pressupostos de facto e de direito das normas legais aplicáveis, ou seja, se houve errada interpretação e aplicação do artigo 120° do CPTA.
De acordo com o disposto no artigo 120.°, n.° 1 do CPTA, a providência será decretada quando se verifiquem os seguintes pressupostos:
-Um requisito de perigosidade - periculum in mora -assente na existência de fundado receio na verificação de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que as Requerentes visam acautelar no processo principal, sendo que, para a concretização destes conceitos não vale já o critério da insusceptibilidade de avaliação pecuniária dos prejuízos invocados, mas antes o da impossibilidade de reintegração da esfera jurídica das Requerentes ou da maior ou menor dificuldade em concretizar essa reintegração, no caso do prejuízo de difícil reparação;
-A existência de fumus boni iuris, na sua formulação positiva, ou seja, na demonstração de que é provável que a pretensão a formular ou formulada no processo principal seja julgada procedente.
Neste âmbito, temos vindo a considerar que haverá que averiguar, em cada caso, em face de uma análise sucinta e perfunctória da mesma, pois só esta é compatível com a celeridade e a própria natureza das providências cautelares, que têm por características designadamente, a provisoriedade e a sumariedade, se é possível concluir, sem margem para dúvidas, que a pretensão formulada ou a formular no processo principal será julgada procedente.
Quer isto dizer que será em função das especificidades do caso concreto, traduzido na alegação da causa de pedir e da formulação do pedido, que o "juiz a quo" decidirá da admissibilidade dos meios de prova, de forma a obter o indispensável esclarecimento da factualidade sobre a qual assentará a solução de direito.
Assim, o esclarecimento exigível corresponderá ao estritamente necessário para decidir o pedido de decretamento das providências cautelares requeridas, considerando a natureza sumária, perfunctória e instrumental, que caracteriza este meio processual e cuja finalidade consiste a de acautelar o efeito útil da decisão a proferir na acção principal de que depende.
Poto isto, à guisa de enquadramento e como bem se assinala na sentença recorrida, nestes autos cautelares, o requerente faz assentar o requisito do fumus boni juris na indiciação de vários “vícios”, a saber:
-Falta de comunicação do Embargo pelo empreiteiro;
-Indeferimento (fora do prazo de cinco dias previsto no art° 189° n° 3 CPA, da reclamação apresentada);
- usurpação de poderes da entidade requerida, ou a falta de informação da delegação de poderes;
- preterição da formalidade de audiência prévia, previamente ao acto suspendendo;
- desconhecimento da necessidade de autorização de utilização;
- falta de notificação da entidade administrativa para a legalização das obras efectuadas, se necessárias;
- suspensão do Aviso n° 15173/2010 por sentença do TAF do Porto, confirmada pelo TCA Norte;
Manifestando a sua oposição a essas denúncias, contrapõe a entidade requerida que a sentença recorrida, ao decidir pela verificação deste requisito, consubstancia uma errada interpretação e aplicação das nromas aplicáveis, pois são manifestos a improcedência da alegada falta de notificação do embargo; o indeferimento dentro do prazo de 30 dias (e não cinco, como pretende a requerente), nos termos do RJUE; a improcedência do alegado vício de usurpação de poderes, nos termos do DL n°307/2009, 23/10 que veio estabelecer o regime jurídico da reabilitação urbana, em áreas como a dos autos; a inutilidade do Direito de audição prévia, porquanto o acto seria praticado com o mesmo conteúdo na situação em apreço e a necessidade de autorização de utilização, em qualquer caso.
Quid juris?

Antecipe-se, desde já, que propendemos a subscrever a bem elaborada fundamentação fáctico-jurídica da sentença.
Assim, tendo em conta a data das decisões judiciais - 10/12/2010 e 18/03/2011, do probatório emerge que é provável a verificação do vício do erro sobre os pressupostos de facto na Decisão de Embargo, por não ter ponderado a suspensão de eficácia do Aviso n° 151732010, onde se inclui precisamente a freguesia de S. Nicolau, onde se situa o imóvel (cf. nº 10 e 11 do probatório), a entidade administrativa tinha obrigação de ter mencionado e ponderado o conteúdo de tais decisões, no que respeita ao Aviso n°15173/2010, o que não fez (cf. n° 5 e 6 do probatório).
Acresce que a entidade administrativa investiu-se de funções de polícia municipal/administrativa, em vez de se mostrar colaborante com a legalização das obras da loja da requerente, o que contraria totalmente o espírito do legislador, tanto no FUUE, como no D.L. n° 307/2009, 23/10, em cujo Preâmbulo (na versão original, que é a aqui aplicável) se textua:
“O Programa do XVII Governo Constitucional confere à reabilitação urbana elevada prioridade, tendo, neste domínio, sido já adoptadas medidas que procuram, de forma articulada, concretizar os objectivos ali traçados, designadamente ao nível fiscal e financeiro, cumprindo destacar o regime de incentivos fiscais à reabilitação urbana, por via das alterações introduzidas pelo Orçamento do Estado para 2009, aprovado pela Lei n. ° 64 -A/2008, de 31 de Dezembro, no Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto -Lei n. ° 215/89, de 1 de Julho, e a exclusão da reabilitação urbana dos limites do endividamento municipal. O regime jurídico da reabilitação urbana que agora se consagra surge da necessidade de encontrar soluções para cindo grandes desafios que se colocam à reabilitação urbana. São eles:
a) Articular o dever de reabilitação dos edifícios que incumbe aos privados com a responsabilidade pública de qualificar e modernizar o espaço, os equipamentos e as infra -estruturas das áreas urbanas a reabilitar;
b) Garantir a complementaridade e coordenação entre os diversos actores, concentrando recursos em operações integradas de reabilitação nas «áreas de reabilitação urbana», cuja delimitação incumbe aos municípios e nas quais se intensificam os apoios fiscais e financeiros;
c) Diversificar os modelos de gestão das intervenções de reabilitação urbana, abrindo novas possibilidades de intervenção dos proprietários e outros parceiros privados;
d) Criar mecanismos que permitam agilizar os procedimentos de controlo prévio das operações urbanísticas de reabilitação;
e) Desenvolver novos instrumentos que permitam equilibrar os direitos dos proprietários com a necessidade de remover os obstáculos à reabilitação associados à estrutura de propriedade nestas áreas.
O actual quadro legislativo da reabilitação urbana apresenta um carácter disperso e assistemático, correspondendo-lhe, sobretudo, a disciplina das áreas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana (SRU) contida no Decreto -Lei n. ° 104/2004, de 7 de Maio, e a figura das áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística (ACRRU), prevista e regulada no capítulo XI da Lei dos Solos, aprovada pelo Decreto -Lei n. ° 794/76, de 5 de Novembro.
Assim, considera -se como objectivo central do presente decreto -lei substituir um regime que regula essencialmente um modelo de gestão das intervenções de reabilitação urbana, centrado na constituição, funcionamento, atribuições e poderes das sociedades de reabilitação urbana, por um outro regime que proceda ao enquadramento normativo da reabilitação urbana ao nível programático, procedimental e de execução. Complementarmente, e não menos importante, associa -se à delimitação das áreas de intervenção (as «áreas de reabilitação urbana») a definição, pelo município, dos objectivos da reabilitação urbana da área delimitada e dos meios\ adequados para a sua prossecução.
Parte-se de um conceito amplo de reabilitação urbana e confere-se especial relevo não apenas à vertente imobiliária ou patrimonial da reabilitação mas à integração e coordenação da intervenção, salientando -se a necessidade de atingir soluções coerentes entre os aspectos funcionais, económicos, sociais, culturais e ambientais das áreas a reabilitar. Deste modo, começa -se por definir os objectivos essenciais a alcançar através da reabilitação urbana, e determinar os princípios a que esta deve obedecer.
O presente regime jurídico da reabilitação urbana estrutura as intervenções de reabilitação com base em dois conceitos fundamentais: o conceito de «área de reabilitação urbana», cuja delimitação pelo município tem como efeito determinar a parcela territorial que justifica uma intervenção integrada no âmbito deste diploma, e o conceito de «operação de reabilitação urbana», correspondente à estruturação concreta das intervenções a efectuar no interior da respectiva área de reabilitação urbana.
Com efeito, numa lógica de flexibilidade e com vista a possibilitar uma mais adequada resposta em face dos diversos casos concretos verificados, opta -se por permitira realização de dois tipos distintos de operação de reabilitação urbana.
O papel dos intervenientes públicos na promoção e condução das medidas necessárias à reabilitação urbana surge mais bem delineado, não deixando, no entanto, de se destacar o dever de reabilitação dos edifícios ou fracções a cargo dos respectivos proprietários. No quê concerne a estes últimos, e aos demais interessados na operação de reabilitação urbana, são reforçadas as garantias de participação, quer ao nível das consultas promovidas aquando da delimitação das áreas de reabilitação urbana e da elaboração dos instrumentos de estratégia e programação das intervenções a realizar quer no âmbito da respectiva execução. (...)
Especialmente inovador no actual quadro jurídico nacional, embora recuperando um instituto com tradições antigas na legislação urbanística portuguesa, é o mecanismo da venda forçada de imóveis, que obriga os proprietários que não realizem as obras e trabalhos ordenados à sua alienação em hasta pública, permitindo assim a sua substituição por outros que, sem prejuízo da sua utilidade particular, estejam na disponibilidade de realizar a função social da propriedade. O procedimento de venda forçada é construído de forma próxima ao da expropriação, consagrando-se as garantias equivalentes às previstas no Código das Expropriações e garantindo -se o pagamento ao proprietário de um valor nunca inferior ao de uma justa indemnização.”
Perante a mens legislatoris explicitada no transcrito preâmbulo, como bem se refere na sentença, dúvidas não podem subsistir de que a preocupação do legislador foi a reabilitação dos edifícios degradados e para isso foram criadas as sociedades de reabilitação urbana para que, em colaboração com os particulares, proprietários dos edifícios, promovessem a renovação das cidades, transformando os edifícios degradados em pólos de atracção das cidades e, em especial dos centros históricos das mesmas.
E também é pacífico que no próprio RJUE, a política que inspirou o legislador foi o da legalização das obras porventura, clandestinas, promovendo a demolição como última ratio (cf. art° 106° n° 2 do RJUE).
Por assim ser e porque nos encontramos no âmbito cautelar cujas finalidades já ficaram acima delineadas me cujas características principais são a sumariedade e perfunctoriedade, é forçoso concluir, em perfeita sintonia com a sentença, que a requerente, ao agasalho da escalpelizada legislação, frui de um fumus boni iuris a seu favor, conclusão reforçada pelo facto de a requerida não ter demonstrado minimamente que as obras realizadas não fossem legalizáveis, quando é certo que, como decorre do citado regime especial, era competência específica da requerida colaborar e incentivar legalização do estabelecimento da requerente. E, mais determinante ainda, nem, sequer veio apresentar Resolução Fundamentada, nos termos do disposto no art° 128° CPTA.
O que vem dito é para nós bastante para confirmar o juízo emitido na sentença recorrida quanto à probabilidade da aparência do “bom direito” até porque, como também assertivamente se declarou da sentença recorrida quanto aos restantes argumentos em discussão, só poderão ser analisados em sede de acção principal, atenta a sua extensão, conjugados com a provisoriedade dos presentes autos cautelares.
Em suma: existe a probabilidade da acção principal ser procedente por verificação das ilegalidades que o requerente indiciariamente aqui enuncia.
E, por serem cumulativos os requisitos exigidos no art° 120° do CPTA e não se verificando pelo menos um deles torna-se desnecessária a averiguação de existência dos demais, determinando, desde logo o indeferimento do pedido.
É que, na esteira do Acórdão deste TCA Sul proferido no proc. 708/16.9BEBJA.B, de 22-6-2017:
"...Caso se mostrem verificados os requisitos previstos no artigo 120.°, n.° 1 do CPTA, impõe-se, ainda, ao julgador, nos termos do disposto no n.° 2 deste mesmo artigo, a ponderação de todos os interesses em jogo, para que seja assegurado o princípio da proporcionalidade na tomada de decisão sobre a adoção da providência.
Constata-se, assim, que os pressupostos de concessão das providências cautelares são, agora, mais exigentes e restritos. Na verdade, mantendo-se o requisito do periculum in mora, o legislador, prescindindo da anterior distinção entre providências cautelares conservatórias e antecipatórias, elegeu como pressuposto o fumus boni iuris exclusivamente na sua vertente positiva, ou seja, exigindo a demonstração da probabilidade da procedência da pretensão formulada ou a formular na ação principal..."
Deve, por isso, extrair-se a conclusão de que ficou demonstrada a probabilidade de vencimento nos autos principais, assim se mostrando preenchido o pressuposto do fumus boni iuris.
Não obstante, a sentença ainda se permitiu tecer considerações que se reputam ajustadas e não excrescentes quanto ao requisito do perigo na demora da decisão na acção principal, considerando a tal propósito que a não adopção da providência cautelar impede a requerente de continuar a sua actividade comercial, mantendo o seu estabelecimento fechado, o que também seria prejudicial ao interesse público e aos fins das leis de reabilitação, consubstanciados em manter "vivos" e a funcionar os estabelecimentos nos centros das cidades.
Pois se o legislador chegou ao ponto de estabelecer um mecanismo de venda forçada de imóveis que se apresentem degradados e em ruínas, é porque o seu objectivo é renovar as cidades e, sobretudo, os centros históricos, como o caso dos autos.
Conclui então a sentença, a nosso ver também com acerto, que ainda que os requisitos consignados no art° 120° n°1 do CPTA não se mostrassem indiciados, ainda assim, da ponderação de interesses, sempre seria de conceder o deferimento da providência, uma vez que a sua recusa (mantendo fechado o estabelecimento da requerente) mostrar-se-ia mais prejudicial para os interesses que o legislador pretendeu acautelar com a sucessiva legislação urbanística de reabilitação das cidades e, em especial, dos centros históricos (assim se interpretando e aplicando o disposto no n° 2 do art° 120° CPTA a contrario).
Donde que a sentença recorrida, por ter feito uma correcta apreciação da factualidade apurada e uma correcta subsunção dos mesmos às normas legais aplicáveis, não enferma dos vícios que lhe são imputados, devendo ser inteiramente confirmada.

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4. DECISÃO

Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

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Lisboa, 04 de Outubro de 2017

(José Gomes Correia)
(António Vasconcelos)
(Sofia David)