Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:274/12.4BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:12/07/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:TAXA MUNICIPAL PROTECÇÃO CIVIL (TMPC)
REGULAMENTO
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I. A prestação exigida à impugnante, a título de TMPC não pode ser classificada como taxa, assumindo antes a natureza jurídica de imposto.
II. Assim, impõe-se desaplicar as normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 3 e 5.º, n.º 2 do Regulamento da Taxa Municipal de Protecção Civil da Covilhã, aprovado por deliberação da Assembleia Municipal da Covilhã, de 14/10/2011, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por ofensa da regra da reserva de lei, consagrada na alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º da CRP.

III. A inconstitucionalidade orgânica das identificadas normas acarreta, consequentemente, a anulação da liquidação de TMPC do ano de 2012, por violação de lei.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. B. – C., S.A., contribuinte fiscal n.º 500 ., veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação da taxa municipal de protecção civil, relativa ao ano de 2012, no valor de € 125.160,95, emitida pela Município da Covilhã.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«i. Vem o presente Recurso interposto da Sentença proferida, em 27 de abril de 2018, que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrente contra a liquidação da TMPC, referente ao ano de 2012, no valor de € 125.160,95.

ii. Na petição inicial de Impugnação Judicial a ora Recorrente invocou, em síntese, i) a inconstitucionalidade daquela taxa por esta configurar um verdadeiro imposto; ii) e a ilegalidade da mesma por violação do princípio da equivalência.

iii. A Sentença recorrida concluiu, em síntese, que a referida taxa não se configura como um imposto, suportando a sua decisão essencialemente no acórdão proferido, em 20 de janeiro de 2010, pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.° 0731/09.

iv. Acontece, porém, que contrariamente ao que foi decidido pelo Tribunal a quo é evidente que a TMPC não pode ser enquadrada com uma taxa, mas antes como um verdadeiro imposto que recai sobre a Recorrente.

v. Com efeito, a taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa exigida por um ente público em contrapartida de uma prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo (cf. artigo 4.°, n.° 2 da LGT e artigo 3.° do RGTAL), a qual se materializa na prestação de um serviço, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico à atividade do particular.

vi. Sucede, porém, que analisado o Regulamento da Câmara Municipal da Covilhã com o n.° 15/2012, através do qual a autarquia introduziu a TMPC, conclui-se que o facto gerador da obrigação de pagamento da TMPC não é constituído por uma prestação concreta e individualizada à ora Recorrente relacionada com a proteção civil, mas antes por um facto distinto a partir do qual a Câmara Municipal da Covilhã, ora Recorrida, parece presumir a realização ou aproveitamento duma prestação administrativa ligada àquele desiderato.

vii. De facto, o que se retira do artigo 3.°, n.° 3 daquele Regulamento e da fundamentação económico- financeira anexa ao mesmo é que a obrigação de pagamento da TMPC não nasce com a prestação ao particular de um qualquer serviço da Câmara Municipal da Covilhã relacionado com a proteção civil, como se impunha, mas sim com a propriedade ou gestão de infraestruturas instaladas no concelho.

viii. Com efeito, o artigo 2.°, n.° 2 do Regulamento a Câmara Municipal da Covilhã elenca um conjunto de atividades que não correspondem a quaisquer prestações concretas e individualmente dirigidas à ora Recorrente, mas antes a prestações difusas que visam dar cumprimento ao disposto Lei de Bases da Proteção Civil, aprovada pela Lei n.° 27/2006, de 3 de junho, e na Lei n.° 65/2007, de 12 de novembro.

ix. Não poderia, pois, a douta Sentença recorrida ter desconsiderado, como fez, que o regulamento qualifica como sendo contrapartida da TMPC não são prestações administrativas concretas, efetivas e individualizadas relacionadas com a proteção civil, como seria próprio da estrutura comutativa de uma designada TMPC, mas meros objetivos genéricos no domínio da proteção civil municipal que se encontram previstos na Lei de Bases da Proteção Civil e na Lei n.° 65/2007.

x. Facto este que é evidenciado, desde logo, pelo preâmbulo do regulamento para constatar que a base de incidência da TMPC assenta nas alíneas do n.° 2 do artigo 2° da Lei de Bases da Proteção Civil, que nada mais é do que uma enumeração dos domínios em que a atividade de proteção civil pode ser exercida.

xi. Sendo que, como demonstrado em primeira instância e se reitera através do presente recurso, é por mera referência a esses objetivos fundamentais com contornos genéricos que se constrói a base de incidência objetiva da TMPC.

xii. Fica, pois, inequivocamente demonstrado que a TMPC não constitui a contrapartida de uma prestação administrativa da autarquia efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo por referência à atividade da proteção civil, materializada v.g. num verdadeiro e próprio ato administrativo, num ato instrumental ou numa operação material do município.

xiii. É, pois, impossível estabelecer qualquer correlação entre a referida TMPC - que, sublinhe-se, teria, alegadamente, com contrapartida uma prestação administrativa concreta do Município da Covilhã no domínio da Proteção Civil - e a forma de apuramento da mesma, uma vez que a mesma foi calculada tem por base a multiplicação das medições da rede de gás natural instalada no Município da Covilhã.

xiv. O que significa que a Câmara Municipal da Covilhã instituiu uma TMPC, taxa que não teve qualquer contrapartida individualizada para a ora Recorrente no domínio da Proteção Civil, tendo depois liquidado esta mesma taxa por referência a uma outra realidade completamente distinta - a ocupação do subsolo com base na extensão da rede de gás ocupada pela ora Recorrente.

xv. Não restam pois, quaisquer dúvidas de que não existiu qualquer prestação concreta proporcionada à Recorrente no domínio da proteção civil da qual se pode dizer que é a efetiva causadora ou beneficiária, mas apenas uma utilidade eventual e genericamente direcionada à coletividade que resulta das competências administrativas próprias do município.

xvi. Mas mais: o Tribunal a quo nem sequer teve em consideração que a TMPC foi já declarada inconstitucional, pelo Tribunal Constitucional, por diversas vezes, nomeadamente, e mais recentemente, no âmbito do processo n.° 848/2017, relativamente, à Taxa Municipal de Proteção Civil de Lisboa, concluindo, em síntese, nos termos seguintes: “(...) Em suma, na justificação económica da TMPC encontram-se elementos que, à semelhança do que ocorria com o tributo criado pelo município de Vila Nova de Gaia, são dificilmente compatibilizáveis com a estrutura bilateral da taxa - designadamente, a descrição muito genérica e abrangente do conjunto de atividades de proteção civil, a “identificação dos processos” que “conduzem a serviços” ligados à proteção civil como (alegada) expressão de um nexo entre prestações, a agregação indiscriminada dos custos da globalidade dos serviços de proteção civil e a distribuição praticamente arbitrária desses custos por categorias de sujeitos passivos. (...) Estes elementos estruturais do tributo - comuns às hipóteses dos presentes autos e à encarada pelo Tribunal no Acórdão n.° 418/2017 - representam o primeiro obstáculo à qualificação da TMPC como taxa.”, (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 848/2017, proferido no processo n.° 281/2017 em 13 de dezembro de 2017).

xvii. Ora, o entendimento que foi acolhido pelo douto Tribunal Constitucional relativamente à TMPC criada pelo Município de Lisboa vale, mutatis mutandis, para a TMPC do Município da Covilhã, uma vez que também nesta taxa falta o pressuposto de que depende a comutatividade ou sinalagmaticidade própria das taxas, o que nos leva a concluir que estamos perante um autêntico imposto.

xviii. A prova cabal dessa ausência de correspetividade e da indivisibilidade de qualquer prestação no âmbito da proteção civil é que o regulamento define que o facto gerador da obrigação de pagamento da TMPC é constituído pela propriedade das infraestruturas que ocupam o espaço público do município (cfr. artigo 3.°, n.° 3 do regulamento e o anexo I), sendo esta taxa liquidada com base na aplicação de um valor unitário de € 1,55 por cada metro linear da rede de gás existente no concelho, nos termos do n.° 2.5 do anexo II do regulamento.

xix. Ou seja, a cobrança desta taxa não surge como contrapartida de um serviço concreta e individualmente prestado, mas antes do facto de a ora Recorrente ter a sua rede de distribuição de gás instalada no concelho da Covilhã.

xx. Nos casos em que as taxas assentam sobre presunções de tal modo frágeis que podemos apenas dizer que a prestação é eventual ou possível, a doutrina não hesita em afirmar que estamos perante um imposto.

xxi. Deverá, pois, concluir-se que ao autorizar o lançamento de uma taxa que não constitui contrapartida do que quer que seja, mas antes uma resposta a prestações meramente hipotéticas, faz-se tábua rasa do princípio da equivalência e transforma-se a taxa num imposto, cuja criação pela Câmara Municipal da Covilhã viola a reserva de lei parlamentar prevista no artigo 165.°, n.° 1, alínea i) da CRP.

xxii. Em consequência de todo o exposto, é evidente o erro de julgamento em que assenta a Sentença recorrida, devendo, em consonância com a mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, concluir-se que o tributo liquidado enferma de inconstitucionalidade por violação da reserva de lei (cfr. artigos 103.°, n.° 2 e 165.°, n.° 1, alínea i) da CRP).

xxiii. Do mesmo modo, também não pode ser desconsiderado que a TMPC viola também, de forma flagrante, o princípio da equivalência económica.

xxiv. Como demonstrado em primeira instância e agora em sede de recurso, no presente caso não se vislumbra uma prestação efetiva e concretamente dirigida à ora Recorrente como contrapartida do pagamento da TMPC, pelo que a identificação do custo associado a essa prestação ou do seu valor perde, à partida, todo o sentido.

xxv. Assim sendo, impõe-se a conclusão de que estamos perante um tributo público unilateral, um imposto, o qual foi ilegitimamente lançado pela Câmara Municipal da Covilhã para angariar receitas para a prossecução das suas atribuições e não para compensar uma prestação administrativa.

xxvi. De qualquer forma, ainda que se admitisse, por mera hipótese académica, que estamos perante efetivas prestações no domínio da proteção civil a cuja compensação a TMPC se destina, seria necessário verificar se a taxa encontra correspondência no custo ou no valor dessa prestação.

xxvii. Ora, no caso específico das entidades proprietárias de infraestruturas instaladas no domínio público municipal, a fundamentação económico-financeira anexa ao regulamento da TMPC explica que o valor da taxa corresponde ao “valor do custo da contrapartida ” e que tem em vista o ressarcimento do “custo com a prestação do serviço".

xxviii. Sucede, porém, que relativamente às infraestruturas de distribuição de gás, a TMPC é calculada sobre a extensão da rede detida ou gerida pelas entidades indicadas no artigo 3.°, n.° 3 do regulamento e tem o valor base de € 1,55 por metro linear/ano.

xxix. Ora, não existe qualquer fundamento para o apuramento de um valor distinto e mais gravoso para as condutas de gás do que para outras infraestruturas, uma vez que a existir uma prestação no domínio da proteção civil, o respetivo custo - e por maioria de razão o benefício - será exatamente o mesmo para uma concessionária de distribuição de gás, para uma indústria e para um munícipe individual.

xxx. Aliás, pela sua natureza nem sequer pode ser segregada ao nível individual, beneficiando a todos que integram a coletividade da mesma forma e, por conseguinte, sem distinções no que respeita ao custo provocado ou ao benefício proporcionado.

xxxi. Prova do total desrespeito à equivalência económica é a pré-fixação de taxas diferenciadas atendendo à natureza dos sujeitos passivos e não aos custos que cada um provoca, os quais seriam, em abstrato, os mesmos.

xxxii. Esse desrespeito é de tal forma gritante que a TMPC prevista no ponto 2.5 do anexo II ao regulamento incide sobre a extensão da rede de gás, sem que se consiga descortinar de que forma a extensão da rede se relaciona com o custo da prestação alegadamente compensado pela TMPC.

xxxiii. Ora, como é evidente, não há relação possível entre a extensão da rede e os custos de uma eventual prestação administrativa no campo da proteção civil, de tal modo que é falacioso afirmar que quanto maior for essa rede, mais elevado será o custo a suportar pela autarquia.

xxxiv. Mais: o município não pode fixar o valor da taxa atendendo à dimensão do património do sujeito passivo, devendo cingir-se à esfera administrativa de forma a refletir no montante do tributo os custos que efetivamente suporta com a prestação feita ao sujeito passivo.

xxxv. Ora, se não há prestação concreta que constitua o pressuposto da liquidação da TMPC, não há custo ou benefício suscetível de ser compensado com o seu pagamento, pelo que estamos perante uma clara violação do princípio da equivalência consagrado no artigo 4.° do RGTAL.

xxxvi. De qualquer forma, na hipótese de existir uma efetiva atividade camarária estaremos perante prestações difusas que se enquadram nas competências gerais do município, pelo que carece de sentido afirmar que uma empresa concessionária provoca um custo mais elevado do que aquele que é provocado v.g. por uma pessoa singular, ou beneficia de forma mais intensa da prestação do que esta última.

xxxvii. Na verdade, quer se trate de uma pessoa singular, de uma empresa de telecomunicações ou de uma empresa de distribuição de gás, as situações são absolutamente idênticas e merecem tratamento igualitário, sob pena de se atentar contra o princípio da igualdade tributária previsto no artigo 13.° da CRP. Acresce que não consta do regulamento qualquer justificação plausível para a introdução de taxas variadas consoante a natureza do sujeito passivo, em claro desrespeito ao disposto no artigo 8.°, n.° 2, al. c) do RGTAL.

xxxviii. Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que estamos perante uma forma de discriminação tributária contra a Recorrente que pelo simples facto de ter instalada no concelho da Covilhã a sua rede de distribuição de gás natural, é onerada com uma TMPC mais elevada que outros operadores em igual situação.

xxxix. Importa, pois, sublinhar que só é possível assegurar a justiça nos tributos comutativos quando interpretamos o princípio da equivalência como uma expressão da ideia de igualdade que emana do artigo 13.° da CRP e reconhecemos que as questões da quantificação e da repartição são indissociáveis.

xl. O princípio da equivalência proíbe que na estrutura das taxas se introduzam diferenciações entre os contribuintes alheias aos custos ou benefícios por estes provocados/aproveitados e, por outro lado, impede que o montante das taxas seja fixado acima dos custos ou do benefício, sacrificando o sujeito passivo em prol da coletividade. Ou seja, o custo ou o benefício constituem o limite máximo em matéria de quantificação das taxas, o que se funda na preocupação de proteger o particular da discriminação e da arbitrariedade na imposição de tributos com bilateralidade aparente.

xli. No caso vertente, essa falta de ligação entre o valor da TMPC e o custo ou o benefício é flagrante porque a prestação administrativa que provoca aquele custo ou benefício pura e simplesmente não existe. No caso vertente o valor da taxa não é adequado ao custo provocado pelo sujeito passivo ou ao valor da prestação que lhe é dirigida, como impõe a regra contida no n.° 1 do artigo 4.° do RGTAL e, sobretudo, o princípio da igualdade tributária que emana do artigo 13.° da Constituição.

xlii. Por outro lado, é inexplicável e discriminatório exigir à proprietária da rede de gás instalada na Covilhã uma taxa cujo valor é superior a que é cobrada, por exemplo, aos sujeitos passivos indicados no n.° 1 do artigo 3.° do regulamento ou aos detentores das redes de telecomunicações e de energia elétrica de média/baixa tensão.

xliii. A existir prestação administrativa na área da proteção civil, o custo - e por maioria de razão o benefício - será exatamente o mesmo para todos os sujeitos passivos, porquanto se trata de uma prestação difusa, ou seja, não existe qualquer prestação individualizada a favor da ora Recorrente, xliv. Em face do exposto, deverá concluir-se que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que foi evidenciado, quer em primeira instância, quer agora em sede de recurso, que a TMPC viola, de forma flagrante, o princípio da equivalência, que representa uma expressão do princípio da igualdade tributária consagrado no artigo 13.° da CRP, pelo que a liquidação deve ser anulada.»

3. O Recorrido, Município da Covilhã, não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais juntos das Exmas. Juízas Desembargadoras Adjuntas vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença incorre em erro de julgamento por a taxa municipal de protecção civil (TMPC) configurar um imposto sendo, sendo inconstitucional por violar a reserva da lei parlamentar, e, caso o tributo assuma os contornos de uma taxa, se viola o princípio da equivalência económica.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1. A impugnante é concessionária, em regime de exclusividade, do serviço público essencial de rede de distribuição de gás natural e dos seus gases de substituição na Zona Centro Interior, ocupando bens do domínio público municipal, nomeadamente o subsolo – cfr. bases I, II e III, anexas ao Decreto-Lei n.º 33/91, de 16 de janeiro e contrato de concessão, junto como doc. n.º 1 com a petição inicial de impugnação, a fls. 28 a 49 dos autos.

2. Em 13 de janeiro de 2012, foi publicado no Diário da República, 2.ª série (n.º 10), o Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil do Município da Covilhã, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, entrando em vigor no 1.º dia útil após a respetiva publicitação - cfr. artigo 14.º do regulamento, a fls. 99 a 102 dos autos.

3. Através do ofício n.º 0550, datado de 24 de janeiro de 2012, remetido pelo Município da Covilhã, a impugnante foi notificada para proceder ao pagamento, até ao dia 14 de fevereiro de 2012, da taxa municipal de proteção civil, referente à rede de gás natural instalada no Município da Covilhã, cuja taxa foi calculada tendo por base a multiplicação das medições da rede de gás instalada no município, numa extensão de rede de 80.749 (metro linear), com o custo unitário de 1,55€, perfazendo o montante total de 125.160,95€ - cfr. ofício, junto como doc. n.º 2 com a petição inicial de impugnação, a fls. 50 dos autos.

4. Em 27 de fevereiro de 2017, a impugnante apresentou junto do Município da Covilhã, reclamação da liquidação, melhor identificada no ponto anterior – cfr. doc. n.º 3, junto com a petição inicial de impugnação, a fls. 51 dos autos.

5. Em 08 de junho de 2012, através do SITAF deu entrada neste Tribunal a presente impugnação.

Factos não provados

Não existem quaisquer outros factos com relevo que importe fixar como não provados.

Motivação da matéria de facto

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto provada assentou na análise da documentação constante nos autos, conforme discriminado no probatório supra


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2. DE DIREITO

2.1. A primeira questão que importa apreciar é a de saber se a sentença enferma de erro de julgamento por ter entendido que o tributo – TMPC –reveste a natureza de taxa.

A Recorrente ataca a sentença recorrida pugnado pela qualificação da TMPC como imposto, em suma, por o pressuposto de obrigação de pagamento do mencionado tributo para as entidades proprietárias ou gestoras de infraestruturas no município da Covilhã não é representado por uma prestação administrativa da autarquia, como impõem os artigos 4.º, n.º 2 da LGT e 3.º do RGTAL, enfermando, por isso, o tributo liquidado de inconstitucionalidade por violação da reserva de lei parlamentar (artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP).

Alega que, o que se retira do artigo 3.º, n.º 3 do regulamento e da fundamentação económico-financeira anexa ao mesmo é que a obrigação de pagamento da TMPC decorre da propriedade ou gestão de infraestruturas instaladas no concelho.

Invoca a favor da sua tese o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 848/2017, que declarou a inconstitucionalidade da TMPC de Lisboa, referindo que vale, mutatis mutandis, para a TMPC da Covilhã.

Neste segmento a sentença recorrida para decidir que o tributo liquidado reveste a natureza de taxa convocou o discurso fundamentador do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20/01/2010, proferido no processo n.º 0731/09, que transcreveu, que se pronunciou, em oposição de acórdãos, sobre a liquidação e cobrança de tributos pela ocupação do subsolo municipal, dos anos de 1999 e 2005.

Vejamos, então.

O Regulamento n.º 15/2012, aprovado pela Assembleia Municipal da Covilhã, estabelece as disposições respeitantes à liquidação, cobrança e pagamento da taxa municipal de protecção civil (TMPC) no Município da Covilhã (cfr. artigo 2.º, n.º 1 do Regulamento).

Dispõe o n.º 2, do artigo 2.º do Regulamento, com a epígrafe “Objecto”:

«2 – A TMPC tem por objecto compensar financeiramente o Município pela despesa pública local, realizada no âmbito da protecção civil, e constitui a contrapartida do Município por:

a) Prestação de serviços de protecção civil;

b) Funcionamento da comissão municipal de protecção civil;

c) Funcionamento da comissão municipal de protecção civil;

d) Cumprimento e execução do plano municipal de emergência;

e) Prevenção e reacção a acidentes graves e catástrofes, de protecção e socorro de populações; e,

f) Promoção de acções de protecção civil e de sensibilização para prevenção de riscos.

A incidência subjectiva vem definida no artigo 3.º, com a epígrafe “Âmbito de aplicação”, preceituando o seu n.º 3 o seguinte:

«3 – A TMPC aplica-se, de igual modo, ás entidades, proprietárias/gestoras das infra-estruturas instaladas, total ou parcialmente, no Município da Covilhã, nomeadamente as rodoviárias, ferroviárias, de gás, de electricidade, de telecomunicações, de abastecimento de combustíveis e antenas de radiocomunicação.»

O artigo 5º do Regulamento estabelece regras sobre a liquidação da taxa e o artigo 6.º regula o procedimento na liquidação e cobrança da TMPC.

O aludido Regulamento da Taxa Municipal de Protecção Civil (RTMPC) é acompanhado da “Fundamentação Económico-Financeira do valor da TMPC da Covilhã, que no ponto 2 apresenta a justificação da TMPC e no ponto 3 a metodologia utilizada.

Os critérios económico-financeiros estão previstos no Anexo I do Regulamento e o Anexo II prevê a Tabela de Taxas Municipais de Protecção Civil.

Importa, então, saber se a prestação exigida à ora Recorrente, ao abrigo das normas do referido Regulamento, assume a natureza jurídica de taxa ou de imposto. Caso seja afastada a natureza jurídica como taxa da TMPC, forçoso é concluir que se trata de um imposto, cuja aprovação é da exclusiva responsabilidade da Assembleia da República, nos termos da alínea i), n.º 1, do artigo 165.º da CRP, o que acarreta a inconstitucionalidade orgânica da TMPC.

A natureza jurídica da TMPC tem sido alvo de estudo pela doutrina e de apreciação e decisão pela jurisprudência, destacando-se nesta a do Tribunal Constitucional.

Conceição Gamito & Teresa Teixeira Mota, com a coordenação de Sérgio Vasques, concluíram no estudo que elaboraram sobre a TMPC, a que aderimos, com a configuração que tem nos vários regulamentos, que se trata de um imposto e não de uma taxa como a sua designação parece apontar (in “Taxas e Contribuições Sectoriais” – “O Sector das Utilities e as Taxas de Proteccção Civil, Almedina).

Os citados autores, no que ao Regulamento da Taxa de Protecção Civil da Covilhã respeita, apontam:

«A análise da definição do âmbito de incidência subjectiva em matéria de TMPC permite também concluir pela sua desconformidade com a lei. Com efeito, os custos associados à actividade do município de prevenção de riscos de incêndio e de garante das tarefas de protecção civil são suportados, não por aqueles que mais usufruem ou são causadores desses custos - como seriam os proprietários de prédios rústicos —, mas outrossim pelas empresas, na sua generalidade detentoras de recursos próprios ou por si contratados a título particular, cujos riscos associados em matéria de protecção civil são muito diminutos. *• Tal determina que a carga tributária associada à TMPC seja suportada de forma exclusiva por quem não usufrui ou dá causa ao serviço público ou que, mesmo que usufruindo daquele serviço, vem a ficar onerado num montante superior que advém da circunstância de existir uma repartição da incidência subjectiva da TMPC confinada às pessoas singulares proprietárias de prédios urbanos e às pessoas colectivas (e que, incompreensivelmente, deixa de parte as pessoas singulares proprietárias de prédios urbanos). Desta repartição da incidência subjectiva que deixa de lado uma “categoria” de potenciais sujeitos passivos da taxa, resulta que a TMPC vem a afigurar-se como um tributo de encargos desproporcionais e, por conseguinte, de duvidosa constitucionalidade e legalidade. Se o exposto em matéria de incidência subjectiva é, de per si, suficiente para pôr em crise a legalidade da TMPC, certo é que casos de flagrante inconstitucionalidade e ilegalidade por violação do princípio da proporcionalidade poderão surgir em alguns regulamentos municipais. Exemplo disso mesmo é o regulamento da TMPC do município da Covilhã, que, embora na delimitação da incidência subjectiva da TMPC preveja que esta taxa se aplica às pessoas singulares residentes na área do município, às pessoas colectivas que aí desenvolvam a sua actividade e às empresas proprietárias ou gestoras das infra-estruturas instaladas no município, vem, em sede de fundamentação económico-financeira (em anexo ao regulamento) prever que o município da Covilhã suporta na íntegra o custo inerente à actividade prestada em benefício das pessoas singulares e das pessoas colectivas que desenvolvam actividades de comércio, serviços ou indústria. De uma tal previsão normativa resulta que a TMPC é suportada, essencialmente, apenas pelas entidades gestoras ou proprietárias de infra-estruturas instaladas no município, sendo esta taxa calculada em função da extensão/metros lineares das redes (rodoviária, ferroviária, distribuição de energia eléctrica, gás, telecomunicações e outras) que estas entidades detêm no município. Sem prejuízo do maior detalhe que será dado adiante à base de cálculo da TMPC89, não podemos deixar de referir desde já que uma taxa assim calculada - em função da extensão das redes - está inelutavelmente dissociada do valor ou custo de qualquer serviço putativamente prestado pelo município. É, pois, inevitável concluir que o que assim se atinge, numa violação flagrante dos princípios elementares que regem um tributo desta natureza, é a transferência para as Utilities do custo da actividade desenvolvida pelo município neste domínio (e, eventualmente, até noutros) em benefício de toda a colectividade.» (ob. cit., págs. 68 e 69).

Como é consabido o tribunal especialmente vocacionado para apreciação de questões de inconstitucionalidade é o Tribunal Constitucional.

Acontece que o Tribunal Constitucional tem vindo a pronunciar-se sobre os Regulamentos da TMPC de vários Municípios, designadamente, de Lisboa, de Vila Nova de Gaia, de Aveiro e de Odemira, os quais foram objecto de um juízo de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, reiterando o entendimento já expendido em outros acórdãos do mesmo Tribunal anteriormente proferidos (vide Acs. do Tribunal Constitucional n.º 848/2017, de 13/12/2017, n.º 367/2018, de 03/07/2018, n.º 775/2019, de 17/12/2019 e n.º 4/2020, de 08/01/2020 e jurisprudência constitucional aí citada, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).

A questão de constitucionalidade das normas que integram o objecto do presente recurso, que originaram o pagamento da taxa por entidade gestora de intraestruturas de rede de gás que ocupam o espaço público do Município, não difere das normas apreciadas nos citados acórdãos do Tribunal Constitucional, que declararam a inconstitucionalidade das normas dos concretos Regulamentos da TMPC em causa, congéneres do Regulamento da TMPC da Covilhã, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP.

De referir que nos abstemos de proceder à distinção dos conceitos de taxa e de imposto, por esta matéria se mostrar proficuamente tratada nos acórdãos do Tribunal Constitucional que passamos a citar e para cuja fundamentação remetemos.

Assim, chamamos à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 775/2019, de 17/12/2019, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 04/02/2020, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 4.º, n.º 2 e 5.º, n.º 1 do Regulamento Municipal de Protecção Civil de Aveiro, por violação do disposto na alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º da CRP, cujo discurso fundamentador passamos a transcrever:

«8 — Conforme notado pelo recorrente, a questão de constitucionalidade que integra o objeto do presente recurso não difere daquela que deu origem à prolação do Acórdão n.º 418/2017, que se pronunciou no sentido da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do Regulamento da Taxa de Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia (estando em causa a obrigação de pagamento da taxa por entidades gestoras de infraestruturas de telecomunicações), juízo esse retomado nos Acórdãos n.os 611/2017 e 17/2018 (estando em causa a obrigação de pagamento da taxa por entidades gestoras das infraestruturas das redes de gás). A fundamentação sufragada em tais arestos acabou por ser acolhida, no essencial, pelo Plenário do Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 367/2018, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos mencionados preceitos regulamentares. Partindo do entendimento, desde há muito firmado na jurisprudência constitucional, segundo o qual a ‘caracterização de um tributo, quando releve para efeito da determinação das regras aplicáveis de competência legislativa, há de resultar do regime jurídico concreto que se encontre legalmente definido, tornando -se irrelevante o nomen juris atribuído pelo legislador ou a qualificação expressa do tributo como constituindo uma contrapartida de uma prestação provocada ou utilizada pelo sujeito passivo’, o Tribunal concluiu, neste último aresto, que a Taxa de Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia não reunia as propriedades de uma taxa, revelando -se o ato do seu lançamento incompatível, por isso, com a reserva relativa de competência da Assembleia da República constante da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. Secundando, em larga medida, a argumentação expendida no Acórdão n.º 418/2017, escreveu- -se no Acórdão n.º 367/2018 o seguinte: ‘‘[...] 2.1 — As normas em causa foram objeto de um juízo de inconstitucionalidade no Acórdão n.º 418/2017, no qual foi ponderado o seguinte: [...] ‘É conhecida e tem sido frequentemente sublinhada, mesmo na jurisprudência constitucional, a distinção entre taxa e imposto. O imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. O que permite compreender que os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária). A taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática. A taxa pressupõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir -se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária). A taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, ‘a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma presta ção pública, mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte’ (Sérgio Vasques, em Manual de Direito Fiscal, p. 207, ed. de 2011, Almedina). Entretanto, a revisão constitucional de 1997 introduziu, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto [artigo 165.º, n.º 1, alínea i)]. As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de uma atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., p. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora). [...] 2.5.1 — Como assinala José Manuel M. Cardoso da Costa (“Ainda a distinção entre ‘taxa’ e ‘imposto’ na jurisprudência constitucional’’, in Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, org. J. L. Saldanha Sanches e António Martins, Coimbra, 2006, pp. 547/573.): ‘‘[...] A orientação que, relativamente à distinção entre ‘imposto’ e ‘taxa’, se foi sedimentando na jurisprudência constitucional considerada no escrito antes referido [trata -se de ‘O enquadramento constitucional do direito dos impostos em Portugal: a jurisprudência do Tribunal Constitucional’, in Perspetivas Constitucionais — Nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. II, de 1997, do mesmo autor] pode recapitular -se nos seguintes tópicos: — o critério básico em que essa distinção, segundo o Tribunal Constitucional, há de assentar é o que se reconduz à ideia da ‘unilateralidade’ dos impostos e da ‘bilateralidade’ ou ‘sinalagmaticidade’ das taxas, ou seja, e como bem se sabe, a que atende ao facto de ao pagamento destas últimas haver de corresponder uma contraprestação ‘específica’, por parte do ente público seu titular, a qual justificará esse pagamento — o que não acontecerá no caso dos impostos. O Tribunal começa por acolher, pois, o clássico critério ‘estrutural’ que a doutrina fiscalista, na esteira da ciência das Finanças, vem há muito adotando (designadamente entre nós) para o efeito; — no contexto de tal critério, entende ainda o Tribunal, em consonância com a doutrina comum e inquestionada, que não tem de haver, porém, (rigorosa) ‘equivalência’ económica entre o montante da taxa e o valor da respetiva contraprestação — bem podendo tal montante, pois, ser designadamente superior ao custa daquela contraprestação. Trata -se, portanto, de uma bilateralidade ou sinalagmaticidade essencialmente ‘jurídica’; — todavia, não deixava já o Tribunal de admitir que um certo nível de ‘proporcionalidade’ do montante da taxa fosse exigível, de todo o modo, para que ela não se desvirtuasse num imposto. Ou seja: não deixou o Tribunal de admitir que o critério ‘estrutural’ de base de que partia não devesse ser tomado em termos puramente ‘formais’ e sempre houvesse de conhecer ou receber uma certa dimensão ‘material’.’’ Deve notar -se, ainda, que a jurisprudência constitucional procedeu a um alargamento do conceito de taxa, modificando um pouco o sentido traçado em decisões anteriores (por exemplo nos Acórdãos n.os 436 e 437/2003), no Acórdão n.º 177/2010 (taxa camarária pela afixação de painéis publicitários em prédio pertencente a particular), onde podemos ler: ‘‘[...] [E]ssa situação [alterou -se] com a promulgação da Lei Geral Tributária (aprovada pelo Decreto- -Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro). Na verdade, o artigo 4.º, n.º 1, desse diploma veio explicitar que ‘as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares’. De igual modo, a Lei n.º 53 -E/2006, de 29 de dezembro (alterada pela Lei n.º 64 -A/2008, de 31 de dezembro, e pela Lei n.º 117/2009, de 29 de dezembro), que aprova o regime geral das taxas das autarquias locais, consagra, no artigo 3.º, idêntica categorização.

Perante esta enumeração tripartida das categorias de prestação pública que dão causa e servem de contrapartida à prestação exigível a título de taxa, é incontroverso que o legislador não acolheu aquela conceção restritiva, tendo antes considerado a remoção de um obstáculo jurídico como pressuposto autossuficiente da figura. A própria formulação utilizada sugere isso mesmo, pois a disjuntiva que antecede a referência final corta toda a ligação conectiva com os dois tipos de contraprestação antes expressos. E não faria, na verdade, qualquer sentido que o enunciado legal previsse um terceiro grupo de situações, em alternativa às duas outras anteriormente previstas, para se concluir que não se chega, afinal, a ultrapassar o âmbito da ‘utilização de um bem do domínio público’, pois só conta a remoção que a ela conduza. [...]’’ 2.5.2 — As circunstâncias, já assinaladas (itens 2.2.1. e 2.4., supra), de a TMPC englobar indiferenciadamente todos os custos do serviço municipal de proteção civil e de a previsão da referida taxa no RGTAL ser genérica são de molde a suscitar dúvidas muito consistentes quanto à necessária bilateralidade ou sinalagmaticidade deste tributo, ainda que se adote o conceito mais amplo de taxa que se traçou no Acórdão n.º 177/2010. Dúvidas que, de resto, não têm escapado à atenção da doutrina. [...] No que à incidência objetiva da TMPC diz respeito, assinalam -se duas notas que, desde logo, permitem identificar na TMPC elementos que põem em crise a sua qualificação como taxa e que possibilitam aos particulares que vêm a assumir -se como sujeitos passivos da mesma questionar a legalidade da TPMC e, mesmo, a sua conformidade com a Constituição. Assim, começa por verificar -se que, no que tange à delimitação dos serviços putativamente prestados pelos municípios e que justificariam a cobrança da TMPC, todos os regulamentos municipais seguem o elenco do regulamento -tipo, prevendo que a TMPC constitui a contrapartida do município: (i) pela prestação de serviço de bombeiros e de proteção civil; (ii) pelo funcionamento da comissão municipal de proteção civil; (iii) pelo cumprimento e execução do plano de emergência municipal; (iv) pela prevenção e reação a acidentes graves e catástrofes, de proteção e socorro das populações; e (v) pela promoção de ações de proteção civil e de sensibilização para prevenção de riscos. [cf. artigo 2.º do RTMPC, supra transcrito] [...] Atendendo ao circunstancialismo enunciado, é patente em todos os regulamentos da TMPC a impossibilidade de descortinar as prestações concretamente aproveitadas ou provocadas pelos particulares que permitam a identificação de uma contraprestação traduzida na taxa a cobrar. Ao invés, o que é possível discernir naquele elenco são prestações efetuadas (ou que, pelo menos, constituem incumbência dos municípios) que aproveitam à generalidade da coletividade, sem ser possível individualizar a prestação concreta de um serviço público, como constitui imperativo legal. Mercê da identificada impossibilidade, outra conclusão não pode retirar -se senão a de que a TMPC há -se ser qualificada como imposto (e não como taxa, como parece fazer crer o nomen iuris). Assim, a TMPC encontra -se prima facie ferida de inconstitucionalidade orgânica porquanto, sendo jurídica e materialmente qualificada como imposto, não poderia ser criada através de regulamento da Assembleia Municipal, devendo outrossim ter sido submetida ao crivo da Assembleia da República. Tal representa, inelutavelmente, uma violação do princípio da legalidade tributária no sentido de reserva de lei formal, ínsito nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.º 2 da CRP e plasmado também no artigo 8.º da LGT. [...]’ 2.1.1 — No Acórdão n.º 611/2017, o mesmo juízo foi retomado, com o mesmo objeto, remetendo para a fundamentação do Acórdão n.º 418/2017. Posteriormente, no Acórdão n.º 17/2018, considerou -se irrelevante para a formulação do (mesmo) juízo de inconstitucionalidade a diferente categoria do sujeito passivo: “[...] Estando em causa as mesmas normas regulamentares e o mesmo exato tributo, apenas a categoria em que se inscreve o sujeito passivo impugnante não é integralmente coincidente: en quanto no Acórdão n.º 418/2017 estava em causa a liquidação da TMPC a uma entidade gestora de redes de telecomunicações, o ato de liquidação impugnado no âmbito dos presentes autos teve por destinatária uma entidade gestora de redes de gás. Tal aspeto é insuscetível, porém, de justificar qualquer desvio ao juízo formulado naquele aresto. Com efeito, não permitindo as atividades municipais em matéria de proteção civil, que justificariam a TMPC, estabelecer uma qualquer conexão com específicas pessoas ou grupo que delas sejam causadores ou beneficiários, encontra -se aprioristicamente excluída a possibilidade de sedear aquele tributo no âmbito de uma relação diferenciada com certa categoria de agentes, bem como a de nele reconhecer a vinculação a uma contraprestação municipal singularizável, designadamente em virtude de um eventual risco acrescido que àqueles agentes pudesse ser objetivamente associado. Conforme igualmente salientado no Acórdão n.º 418/2017, todos e quaisquer sujeitos que residam, estejam estabelecidos ou se desloquem na área do município em causa, ainda que de um modo muito difuso, ‘provocam’ as atividades de proteção civil a cujo financiamento se destina a TMPC — porque a sua simples presença pode condicioná -las ou determinar o seu conteúdo — ou delas ‘beneficiam’, pelo menos potencialmente. E porque assim é, não é possível reconhecer na TMPC a conexão característica dos tributos comutativos, o que ocorre tanto do ponto de vista dos beneficiários — que não são suscetíveis de delimitação, uma vez que a ‘causa’ da atividade e o ‘benefício’ dela decorrente se diluem na generalidade da população —, como do prisma da própria prestação municipal — que não é individualizável, consubstanciando, ao invés, uma atividade de que todos são ou podem vir a ser indiferenciadamente beneficiários. Sendo estas as propriedades evidenciadas pela TMPC, o acréscimo de risco que poderia eventualmente associar -se à atividade desenvolvida pelas entidades gestoras das infraestruturas das redes de gás não assume qualquer valor diferencial: a TMPC não só não surge e/ou se determina em função desse risco concreto, como este não exerceu, conforme se viu, qualquer influência na respetiva conformação. Não denotando o objeto do presente recurso qualquer especificidade distintiva relevante em relação àquele que foi julgado nos Acórdãos n.º 418/2017 e n.º 611/2017, é de concluir, pois, também aqui, pela inconstitucionalidade orgânica das normas decorrentes dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do RTMPC de Vila Nova de Gaia. [...]”. Também nas Decisões Sumárias n.os 14/2018 e 15/2018 o juízo de inconstitucionalidade operou por remissão para os fundamentos do Acórdão n.º 418/2017. 2.1.2 — O Acórdão n.º 848/2017 pronunciou -se no sentido da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 59.º, dos n.os 1 e 2 do artigo 60.º, da primeira parte do artigo 61.º, dos n.os 1 e 2 do artigo 63.º e do n.º 1 do artigo 64.º, todos do Regulamento Geral de Taxas, Preços e outras Receitas do Município de Lisboa, republicado pelo Aviso n.º 2926/2016, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 45, de 4 de março de 2016 — normas essas respeitantes à Taxa Municipal de Proteção Civil —, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 103.º e na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa. Nesta decisão, o Tribunal fez uso, em boa medida, do percurso argumentativo do Acórdão n.º 418/2017 (adaptado às diferentes circunstâncias do tributo em causa), para concluir, em suma, que não merece a qualificação jurídica de taxa o tributo relativamente ao qual ‘a relação comutativa que deveria estar pressuposta numa verdadeira taxa não se encontra a partir de qualquer dos seus elementos objetivos’. E, quanto à (eventual) qualificação do tributo como contribuição financeira, acrescentou -se: “[...] Na verdade, o tributo em apreço encontra -se previsto exclusivamente num regulamento municipal habilitado por uma lei que apenas prevê a aprovação de taxas (o RGTAL). Deste modo, e tal como já afirmado no Acórdão n.º 581/2012, ‘[...] uma vez que inexiste qualquer outro diploma legal que contenha uma habilitação genérica para a aprovação pelos municípios de outro tipo de tributos, das duas uma: ou o tributo [em análise] se pode reconduzir ao conceito de «taxa» consa grado no citado RGTAL, e, por conseguinte, aquele preceito regulamentar não é inconstitucional; ou, diversamente, correspondendo o [mesmo] tributo a um «imposto» ou a uma «outra contribuição tributária com contornos paracomutativos», o mesmo preceito não poderá deixar de ser tido como incompatível com o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição [...]’, designadamente por violação da reserva de lei parlamentar. É certo que, no Acórdão n.º 539/2015, o Tribunal afastou a existência de uma reserva de lei parlamentar relativamente a toda a matéria das contribuições (‘[c]onfiguram -se assim dois tipos de reserva parlamentar: um relativo aos impostos, que abrange todos os seus elementos essenciais, incluindo a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (artigo 103.º), outro restrito ao regime geral, que é aplicável às taxas e às contribuições financeiras, e relativamente às quais apenas se exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais e, portanto, sobre um conjunto de diretrizes orientadoras da disciplina desses tributos que possa corresponder a um regime comum. Com esta alteração deixou de fazer qualquer sentido equiparar a figura das contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá -las sujeitas à reserva da lei parlamentar, passando o regime destas a estar equiparado ao das taxas. O princípio da legalidade, relativamente às contribuições financeiras, tal como o das taxas, apenas exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais comuns às diferentes contribuições financeiras, não necessitando de uma intervenção ou autorização parlamentar para a sua criação individualizada, enquanto que, relativamente a cada imposto, continua a exigir -se essa intervenção qualificada, a qual deve determinar a sua incidência, a sua taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.’). Porém, o regime das finanças locais continua a ser reservado à competência legislativa da Assembleia da República [artigos 165.º, n.º 1, alínea q), e 238.º, n.os 2 e 4], verificando -se que o Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais (Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro) não prevê, sequer, as contribuições financeiras como receitas municipais — o que comprova, também por esta via, que o RGTPRML, na parte respeitante às normas em análise, e ainda que se pudesse entender que as mesmas contemplam uma contribuição financeira, teria invadido a reserva de competência da Assembleia da República. [...]”. Trata -se, em toda a jurisprudência citada — é inequívoco — de um entendimento essencialmente uniforme relativamente à estrutura fundamental a que deve obedecer um tributo para que possa merecer a qualificação jurídica de ‘taxa’, centrando -se este entendimento em particulares exigências no que respeita à relação comutativa em que deve assentar. [...] Deste modo, reiterando o sentido daquela jurisprudência, resta afirmar a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do Regulamento da Taxa de Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia’’. Os fundamentos constantes quer do aresto acima transcrito, quer de todos aqueles que sucessivamente se têm vindo a pronunciar pela inconstitucionalidade das normas que suportam a criação de taxas municipais de proteção civil ao nível de outros municípios — como Odemira, Setúbal e Lisboa — justificam que ao mesmo juízo sejam submetidas as normas regulamentares que suportam a TMPCA. Isso mesmo foi reconhecido já por este Tribunal que, nas Decisões Sumárias n.os 226/2019, 253/2019, 262/2019, 272/2019, 272/2019 e 295/2019, se pronunciou pela inconstitucionalidade orgânica das normas do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Aveiro, aqui em causa, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 103.º e na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, ainda que numa situação em que em causa estava em causa a aplicação do tributo a entidades gestoras de estruturas inseridas em outros ramos de atividade. Ora, também no caso vertente, é fácil de verificar que a agregação dos gastos municipais com o serviço de proteção civil, através de critérios não concretamente objetivados, seguida da sua imputação (também) à aqui recorrida, na qualidade de entidade gestora de infraestrutura integrante da rede ferroviária nacional, impedem que, a partir da estrutura do tributo, se consiga delimitar a relação comutativa pressuposta por qualquer taxa. Tal como é fácil de concluir que a circunstância de o ato de liquidação impugnado no âmbito do processo -base ter tido por destinatária a entidade gestora da infraestrutura integrante da rede ferroviária nacional é insuscetível de justificar qualquer desvio ao juízo exposto. De facto, como se decidiu no Acórdão n.º 34/2018, ‘‘uma vez que as atividades municipais em matéria de proteção civil, que justificariam a TMPC de Setúbal, não permitem estabelecer uma qualquer conexão com específicas pessoas ou grupo que delas sejam causadores ou beneficiários, encontra -se aprioristicamente excluída a possibilidade de sedear aquele tributo no âmbito de uma relação diferenciada com certa categoria de agentes, bem como a de nele reconhecer a vinculação a uma contraprestação municipal singularizável, designadamente em virtude de um eventual risco acrescido que àqueles agentes pudesse ser objetivamente associado. [...] Com efeito, todos e quaisquer sujeitos que residam, estejam estabelecidos ou se desloquem na área do município ainda que de um modo muito difuso, ‘provocam’ as atividades de proteção civil a cujo financiamento se destina a TMPC de Setúbal — porque a sua simples presença pode condicioná -las ou determinar o seu conteúdo — ou delas ‘beneficiam’, pelo menos potencialmente. E porque assim é, não é possível reconhecer naquela ‘taxa’ a conexão característica dos tributos comutativos, o que ocorre tanto do ponto de vista dos beneficiários — que não são suscetíveis de delimitação, uma vez que a ‘causa’ da atividade e o ‘benefício’ dela decorrente se diluem na generalidade da população —, como do ponto de vista da própria prestação municipal — que não é individualizável, consubstanciando, ao invés, uma atividade de que todos são ou podem vir a ser indiferenciadamente beneficiários (neste sentido, a propósito da TMPC, cf. Acórdão n.º 848/2017)’’. Por assim ser, também aqui se impõe a conclusão de que a TMPCA não pode ser juridicamente qualificada como taxa; trata -se, ao invés, de um verdadeiro imposto, cuja aprovação é da exclusiva responsabilidade da Assembleia da República, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. Tanto basta para que, com base na fundamentação constante dos Acórdãos n.os 418/2017, 611/2017, 848/2017, 17/2018, 34/2018, 332/2018 e 367/2018, integralmente transponível para o caso vertente, se conclua pela inconstitucionalidade das normas objeto do recurso, por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, conforme ajuizou o tribunal recorrido. [...]». 2.1.1 — O juízo de censura jurídico -constitucional constante do Acórdão n.º 366/2019 corresponde ao que havia sido anteriormente afirmado nas Decisões Sumárias n.os 226/2019, 253/2019, 272/2019, 295/2019, 330/2019, 332/2019 e 349/2019, tendo sido retomado, por regra por remissão para os fundamentos do citado Acórdão n.º 366/2019, mas sempre com fundamentos idênticos, nos Acórdãos n.os 431/2019 e 533/2019 e nas Decisões Sumárias n.os 485/2019, 492/2019, 502/2019, 503/2019, 519/2019, 520/2019, 531/2019, 534/2019, 536/2019 e 546/2019. Trata -se, em toda a jurisprudência citada — é inequívoco —, de um entendimento essencialmente uniforme relativamente à estrutura fundamental a que deve obedecer um tributo para que possa merecer a qualificação jurídica de «taxa», centrando -se este entendimento em particulares exigências no que respeita à relação comutativa em que deve assentar. 2.2 — O presente pedido de generalização encontra -se alinhado com a orientação jurisprudencial que se indicou (iniciada com o Acórdão n.º 418/2017, a cujo sentido aderiram os Acórdãos n.os 611/2017 e 17/2018, orientação essa que o Acórdão n.º 848/2017 também adotou, no essencial, para concluir pela inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de normas que regiam a Taxa Municipal de Proteção Civil de Lisboa, bem como o Acórdão n.º 367/2018, para declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de normas que regiam a Taxa Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia). É precisamente essa orientação que deve ser retomada, não se prefigurando quaisquer razões para dela subtrair o juízo de generalização peticionado. Deste modo, reiterando o sentido daquela jurisprudência, resta afirmar a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 4.º, n.º 2, e 5.º, n.º 1, do RTMPCA.»

Os Regulamentos da TMPC dos municípios de Aveiro, Vila Nova de Gaia e da Covilhã preveem a aplicação deste tributo a pessoas coletivas proprietárias ou gestoras de infraestruturas, nomeadamente, rodoviárias, ferroviárias, de gás, eletricidade, televisão e telecomunicações, em função dos metros lineares ocupados por essas infraestruturas em tais municípios.

O Tribunal Constitucional é o órgão especialmente vocacionado para o conhecimento de questões de constitucionalidade e no acórdão acabado de transcrever (acórdão n.º 775/2019 – RTPC de Aveiro) aí se considerou que, [s)endo estas as propriedades evidenciadas pela TMPC, o acréscimo de risco que poderia eventualmente associar-se à actividade desenvolvida pelas entidades gestoras das infraestruturas das redes de gás não assume qualquer diferencial: a TMPC não só não surge e/ou se determina em função desse risco concreto, como este não exerceu, conforme se viu, qualquer influência na respectiva conformação.

O Tribunal Constitucional decidiu no Acórdão n.º 418/2017 supracitado, respeitante à TMPC de Vila Nova de Gaia, que os metros lineares utilizados por estas infraestruturas neste município não estabelecem uma relação dos respetivos proprietários ou entidades gestoras com uma qualquer atividade de proteção civil que justifique a cobrança da TMPC.

Por sua vez, o Acórdão n.º 34/2018, de 31/01/2018 declarou a inconstitucionalidade das normas do RTPC de Setúbal, tendo expendido, na parte com relevo para a presente caso, o seguinte discurso fundamentador:

«10. O último aspeto a considerar diz diretamente respeito à particular categoria em que se inscreve o sujeito tributário, decorrendo do facto de o ato de liquidação impugnado no âmbito do processo-base ter tido por destinatária uma entidade exploradora de infraestruturas de abastecimento.

Tal aspeto é insuscetível, porém, de justificar qualquer desvio ao juízo para que vem apontando.

Com efeito, uma vez que as atividades municipais em matéria de proteção civil, que justificariam a TMPC de Setúbal, não permitem estabelecer uma qualquer conexão com específicas pessoas ou grupo que delas sejam causadores ou beneficiários, encontra-se aprioristicamente excluída a possibilidade de sedear aquele tributo no âmbito de uma relação diferenciada com certa categoria de agentes, bem como a de nele reconhecer a vinculação a uma contraprestação municipal singularizável, designadamente em virtude de um eventual risco acrescido que àqueles agentes pudesse ser objetivamente associado.

Contra o que acaba de afirmar-se, poder-se-ia sustentar, porém, que, sendo a entidade impugnante, aqui recorrida, uma sociedade exploradora de postos de abastecimento, a situação sub judice evidenciaria suficientes semelhanças com aquela que foi apreciada no Acórdão n.º 316/2014, em termos de justificar um julgamento de igual sentido.

Assim não é, todavia.

Conforme notado no Acórdão n.º 848/2017 a propósito da TMPC, também no âmbito da TMPC de Setúbal não é possível entrever, ao contrário do caso julgado no referido aresto, uma qualquer proximidade funcional suscetível de suportar o estreitamento do universo dos beneficiários a que o elenco constante do artigo 3.º, n.º 1, do RTMPC dá concretização. Tal como assinalado à TMPC, não é possível reconhecer na TMPC de Setúbal uma presunção de benefício (que vai pressuposta na – e revelada pela – estrutura do tributo) suficientemente forte, mas apenas uma presunção fraca, ou até mesmo vazia de conteúdo. E isto porque o espectro dos seus supostos beneficiários é demasiado alargado e a invocada presunção não tem contornos definidos, não podendo, nessa medida, afastar-se com segurança o seu caráter arbitrário, dado que a relação entre prestações é vaga e indireta, ao ponto de quebrar os nexos essenciais ao estabelecimento das correlações presumidas.

Com efeito, todos e quaisquer sujeitos que residam, estejam estabelecidos ou se desloquem na área do município ainda que de um modo muito difuso, «provocam» as atividades de proteção civil a cujo financiamento se destina a TMPC de Setúbal — porque a sua simples presença pode condicioná-las ou determinar o seu conteúdo — ou delas «beneficiam», pelo menos potencialmente. E porque assim é, não é possível reconhecer naquela «taxa» a conexão característica dos tributos comutativos, o que ocorre tanto do ponto de vista dos beneficiários — que não são suscetíveis de delimitação, uma vez que a «causa» da atividade e o «benefício» dela decorrente se diluem na generalidade da população —, como do ponto de vista da própria prestação municipal — que não é individualizável, consubstanciando, ao invés, uma atividade de que todos são ou podem vir a ser indiferenciadamente beneficiários (neste sentido, a propósito da TMPC, cf. Acórdão n.º 848/2017)

Por assim ser, também aqui se impõe a conclusão de que a TMPC de Setúbal, incluindo no segmento em que recai sobre entidades exploradoras de infraestruturas de abastecimento, não pode ser juridicamente qualificada como taxa; o que torna as normas que suportam a sua criação incompatíveis com a reserva relativa de competência constante da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.» (disponível em www.tribunalconstitucional.pt/).

Nesta perspectiva, tendo em conta toda a fundamentação exposta, a prestação exigida à impugnante, a título de TMPC não pode ser classificada como taxa, assumindo antes a natureza jurídica de imposto.

Em face de tudo o que antecede, impõe-se desaplicar as normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 3 e 5.º, n.º 2 do Regulamento da Taxa Municipal de Protecção Civil da Covilhã, aprovado por deliberação da Assembleia Municipal da Covilhã, de 14/10/2011, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por ofensa da regra da reserva de lei, consagrada na alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º da CRP.

A inconstitucionalidade orgânica das identificadas normas acarreta, consequentemente, a anulação da liquidação de TMPC do ano de 2012, por violação de lei.

Face ao exposto, procede por aqui o presente recurso, revoga-se a sentença recorrida, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.


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Conclusões/Sumário:

I. A prestação exigida à impugnante, a título de TMPC não pode ser classificada como taxa, assumindo antes a natureza jurídica de imposto.

II. Assim, impõe-se desaplicar as normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 3 e 5.º, n.º 2 do Regulamento da Taxa Municipal de Protecção Civil da Covilhã, aprovado por deliberação da Assembleia Municipal da Covilhã, de 14/10/2011, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por ofensa da regra da reserva de lei, consagrada na alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º da CRP.

III. A inconstitucionalidade orgânica das identificadas normas acarreta, consequentemente, a anulação da liquidação de TMPC do ano de 2012, por violação de lei.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e em julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação do acto de liquidação da TMPC do ano de 2012.

Custas pelo Recorrido, que não incluem a taxa de justiça, por não ter apresentado contra-alegações.

Notifique.

Lisboa, 7 de Dezembro de 2021


Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta