Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1731/14.3 BESNT |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 06/01/2023 |
| Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
| Descritores: | COLIGAÇÃO ILEGAL DE OPONENTES DEMONSTRAÇÃO DA CULPA FALTA DE IDENTIDADE DA CAUSA DE PEDIR |
| Sumário: | I-À data da dedução da oposição, a admissibilidade da coligação de Oponentes estava dependente da causa de pedir (factos jurídicos de que emerge o pedido de extinção da execução fiscal) ser a mesma e única e quando, sendo diferente, a procedência dos pedidos principais dependesse essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito. II-Se é certo que a causa de pedir atinente à insuficiência do património é a mesma para ambos os revertidos, na medida em que se afere por referência à sociedade devedora originária e às concretas diligências apuradas para o efeito pela AT, a verdade é que no domínio da culpa, embora ambas integrem o fundamento de oposição consignado na alínea b), do artigo 204.º, do CPPT, a factualidade tendente a demonstrar a ausência de culpa de cada um dos revertidos, depende da atuação concreta de cada um deles, ou seja, das diligências adotadas e dos meandros organizacionais individualmente espoletados enquanto gestores e tendentes a obviar a falta de pagamento das dívidas exequendas. III-Embora exista identidade de pedidos –extinção da execução fiscal -, não pode entender-se que exista total identidade nas causas de pedir na medida em que a demonstração da ausência de culpa dos revertidos não pode ser entendida como uma única e mesma causa de pedir, porquanto depende da apreciação casuística de diferentes factos para cada um dos Oponentes. |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | I-RELATÓRIO
J… e L…, com os demais sinais nos autos, vieram interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Sintra que julgou procedente a exceção dilatória de coligação ilegal de oponentes e absolveu a Fazenda Pública da instância, no âmbito da oposição deduzida ao processo de execução fiscal n.º 3166201301169572, instaurado pelo Serviço de Finanças de Sintra 4 originariamente contra a sociedade “B…, S.A.”, para cobrança coerciva de dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do exercício de 2008, no montante de €129.483,72, que foi revertida contra os ora Oponentes, na qualidade de devedores subsidiários. *** Os Recorrentes, apresentam as suas alegações de recurso nas quais formulam as conclusões que infra se reproduzem: “1. Os oponentes, viram contra si intentados alguns processos de reversão fiscal entre os quais, três, seguiram a via de contencioso judicial incluindo o que deu origem aos presentes autos. 2. De facto, é com espanto que se deparam com uma sentença que salvo mais sábio entendimento configurará até uma verdadeira decisão surpresa. 3. Efetivamente, na sequência da exceção de ilegalidade da coligação dos oponentes, suscitada pelo representante da fazenda pública por volta de 2014/2015, só agora em 2022, passados tantos anos, tal exceção foi analisada e decidida, no entanto e, ainda assim, segundo creem os oponentes, não respeitando quer a jurisprudência, quer a própria lei. 4. Ao tempo era concretamente aplicável aos autos o artigo 36º do Código do Processo civil, o qual se aplica subsidiariamente por força do disposto na al. e) do art.º 2.º do CPPT, o que se mantêm, suportado pela jurisprudência. 5. O senhor Juiz ao entender que não estão verificadas as condições que permitiriam a coligação ao abrigo do suprarreferido artigo 36º do CPC, estará a fazer, com o devido respeito, inadequada interpretação da norma face à factualidade e causa de pedir aqui em apreço e que foi colocada em crise pela representante da fazenda publica, cuja atitude e actuação repetiu noutros processos onde os aqui oponentes reagiram da mesma exata forma, mas onde se concluiu pelo indeferimento da exceção em causa. 6. Aliás, a mesmíssima questão, foi suscitada pelo representante da Fazenda publica e a mesma foi indeferida conforme foi entendido pelos Exmos. senhores juízes em dois processos distintos daquele. 7. Para os dois oponentes, em todos esses processos estavam em causa, na sua origem, factos absolutamente comuns, absolutamente idênticos e coincidentes em relação aos dois, tal como nos presente autos 1731/14.3BESNT. 8. E a mesma causa de pedir e concretamente as mesmas conclusões e o mesmo pedido! 9. Iguais! 10. De resto os oponentes reagiram sempre os dois em conjunto logo na fase administrativa, conforme cópia de alegações enviadas que se anexam (DOCs 1 e 2). Processos administrativos esses que sem que lhes tenha sido proporcionado o direito ao contraditório, deram origem junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e com interesse para a questão, aos presentes autos também a outros processos, de resto fundamento específico, ele próprio, para oposição. 11. Num desses processos, com a referência 1730/14.5BESNT, tanto o excelentíssimo Senhor Procurador do MP, concluiu fundamentadamente pela improcedência da exceção, conforme parecer cuja cópia se junta (DOC.3) como afinal, o excelentíssimo senhor Juiz concluiu igualmente pela improcedência da referida exceção conforme cópia que igualmente se junta (DOC.4). 12. Noutro desses processos, com a referência 1795/14.0BESNT, o excelentíssimo senhor Juiz apesar de se tratar de extinção por inutilidade superveniente analisou concretamente a exceção suscitada pelo representante da Fazenda pública e concluiu igualmente pela improcedência da referida exceção conforme cópia que igualmente se junta (DOC.5). 13. Os oponentes, em todos os processos. encontram-se em posição absolutamente coincidente quer quanto a toda a factualidade que presidiu à reversão para ambos quer quanto à sua defesa, causa de pedir, conclusões e pedidos concretos. 14. Tal qual como nos presentes autos 1731/14.3BESNT. a sua posição insere-se cristalinamente na previsão do artigo 36º do CPC aplicável pelo artigo 2º do CPPT e como tal, ao apresentarem-se coligados não violaram tal norma o que permite concluir pela total improcedência da exceção de ilegalidade de coligação, contrariamente ao decidido. 15. Entendem de facto os oponentes que as causas de pedir e o pedido por si formulado são comuns aos dois Oponentes, não existindo causas de pedir próprias de cada Oponente, por seu turno, os factos materiais relevantes para a apreciação da questão em apreço, são os mesmos. 16. Ainda que se entendesse haver duas causas de pedir distintas, o que não se concede, sempre se dirá que a procedência do pedido formulado pelos Oponentes, dependerá sempre da apreciação dos mesmos factos e da interpretação e aplicação, das mesmas regras de direito. E em qualquer caso sempre se inseririam na previsão legitimadora do referido artigo 36º do CPC. 17. Bastará, com o devido respeito, ler atentamente quer as alegações em sede de fase administrativa, quer a Petição, formuladas pelos oponentes. 18. Porque tal como alguém disse, “é por dentro das coisas que as coisas são” 19. Razões, todas, para que a sentença aqui colocada em crise deva ser substituída por outra que considere totalmente improcedente por não provada a exceção de ilegalidade da coligação suscitada pela representante da Fazenda Pública. Nestes termos e nos mais de direito que Vexas seguramente suprirão, deve: 1. O presente recurso ser considerado totalmente procedente por provado. e. 2. A presente sentença ser revogada e substituída por outra que considere totalmente improcedente por não provada a exceção de ilegalidade da coligação.” *** Notificada para contra-alegar a Recorrida optou por não apresentar contra-alegações. *** O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: A) Contra a sociedade “B…, S.A.”, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3166201301169572 para cobrança coerciva de dívida de IRC do ano de 2008, no montante de 129.483,72 – cfr. fls. 1 e 2 do PEF apenso aos autos em suporte físico; B) Em 20-05-2014, no processo de execução fiscal n.º 3166201301169572, foi proferido despacho ordenando a reversão da execução fiscal contra J…, ora Oponente, na qualidade de responsável subsidiário pela dívida referida em A) – cfr. fls. 74 do PEF apenso aos autos em suporte físico; C) Na mesma data, no também no âmbito do mesmo processo de execução fiscal, foi proferido despacho ordenando a reversão da execução fiscal contra L…, ora Oponente, na qualidade de responsável subsidiário pela dívida referida em A) – cfr. 76 do PEF apenso aos autos em suporte físico; D) Em 03-07-2014, deu entrada nos serviços da entidade exequente a petição de oposição – cfr. fls. 4 dos autos em suporte físico; E) Da petição de oposição consta, designadamente, o seguinte: “(…) 2. Jamais se provou que da actuação dos aqui revertidos resultasse qualquer insuficiência de património da Sociedade B…, S.A. 3. Pelo contrário para além de desesperadamente lutarem e diligenciarem para o crescimento e saúde financeira da sociedade e bem assim pelo bem estar dos seus funcionários, suportaram durante mais de um ano, a forte penalização de não receberem daquela quaisquer salários ou quaisquer outras quantias, o que facilmente comprovam. (…)” - cfr. petição inicial a fls. 6 a 9 do sitaf.” *** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO In casu, os Recorrentes não se conformam com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Sintra que julgou procedente a exceção dilatória de coligação ilegal de Oponentes e absolveu a Fazenda Pública da instância. Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, apreciar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter entendido que se verificava a exceção dilatória da cumulação ilegal de Oponentes, na medida que foi convocada a sua ilegitimidade, por inexistência de culpa na falta de pagamento dos impostos, a qual carece de ser apreciada em separado, tendo por base os factos relevantes atinentes a cada um deles. Antes, porém, importa analisar duas questões prévias, a primeira relacionada com a admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso, e a segunda com a existência de uma, alegada, decisão surpresa. Vejamos, então. Atentemos, ora, na admissibilidade dos documentos juntos aos autos pela Recorrente com as alegações de recurso. Vejamos. A lei processual civil, concretamente o artigo 425.º e bem assim o normativo 651.º do CPC, possibilita a junção de documentos ao processo em fase de recurso apenas quando não tenha sido possível a respetiva apresentação em momento anterior (artigo 425.º, nº1, do CPC) ou quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (artigo 651.º, nº.1, do CPC); O STA, por Acórdão proferido em Recurso de Revista (1) Cfr. Acórdão de 27-5-2015, proferido no processo n.º 570/14; Vide, igualmente, o Acórdão do TCA Sul proferido no processo nº 07915/14, de 08 de junho de 2017. julgou que “são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância”. Sendo certo que, a verificação das circunstâncias supra identificadas têm, necessariamente, como pressuposto basilar que os factos documentados sejam pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, da circunstância dos documentos cuja junção se pretende visarem a prova dos fundamentos da ação e/ou da defesa e, bem assim da circunstância de o juiz se encontrar vinculado a ordenar o desentranhamento do processo dos que sejam impertinentes ou desnecessários (2) Vide José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.229 e seg.. Mais importa ter presente, neste particular, que o advérbio “apenas”, utilizado no artigo 651.º, nº 1, do CPC significa, tão-só, que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. É entendimento unânime jurisprudencial que deve ser recusada a junção de documentos que visem a prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a demonstração, sendo certo que não pode servir de pretexto da junção a mera surpresa quanto ao resultado (3) Cfr. Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 312/17.4 BEBJA, de 25 de janeiro de 2018; Vide Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.230. In casu, quanto aos documentos juntos com as alegações de recurso os mesmos devem ser objeto de recusa, visto que, na sua generalidade, nos encontramos perante documentos que têm data anterior ao encerramento da discussão em primeira instância, donde poderiam ter sido entregues em data anterior, em nada consubstanciando superveniência objetiva ou subjetiva, de resto, nem tão-pouco alegada. Ademais, importa, outrossim, relevar que os aludidos documentos carecem de qualquer relevância para a presente lide, na medida em que os mesmos se coadunam com a atuação dos Oponentes em sede administrativa, com parecer de DMMP e com decisões em processos judiciais que não o coadunado nos autos, em nada podendo relevar, neste e para este efeito, porquanto, não vinculativos e sem efeito útil para aferição da questão da coligação ilegal de Oponentes. Concluindo, dada a sua impertinência, devem os aludidos documentos serem desentranhados e restituídos aos Recorrentes, com a consequente condenação em custas pelo incidente anómalo a que deu causa, nos termos do artigo 527.º do CPC e 7.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) ao que se procederá no dispositivo do presente acórdão. Uma segunda nota inicial, quanto à aduzida decisão surpresa. Pese embora os Recorrentes tenham estabelecido uma alegação absolutamente conclusiva e sem qualquer substanciação atinente ao efeito, quanto a uma eventual decisão surpresa, sempre se dirá que a questão da coligação ilegal de oposições foi suscitada no articulado de contestação pelo DRFP, e na sequência da notificação desse articulado, os Recorrentes apresentaram resposta refutando, expressamente, a exceção. Logo, como é bom de ver, os mesmos tiveram oportunidade de se pronunciar sobre a arguida exceção, tendo, por conseguido, sido inteira e integralmente, assegurado o contraditório, em nada podendo corporizar uma decisão surpresa. Aqui chegados, atentemos, então, no assacado erro de julgamento atinente à coligação ilegal de Oponentes. Os Recorrentes alegam que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, visto que é concretizada uma inadequada interpretação da norma face à factualidade e causa de pedir em apreço, porquanto inexistem causas de pedir próprias de cada Oponente e os factos materiais relevantes para a apreciação da questão em apreço, são os mesmos. Ademais, os Oponentes, ora Recorrentes, sempre reagiram administrativamente, em conjunto, tendo, outrossim, a aludida exceção sido julgada improcedente em processos similares pendentes no mesmo Tribunal. O Tribunal a quo esteou a verificação da aludida exceção dilatória convocando, designadamente, a seguinte fundamentação jurídica: “Compulsada a petição inicial, constata-se que os Oponentes invocaram, para além da falta de excussão prévia do património da sociedade devedora originária, causa de pedir comum aos dois, sua ilegitimidade, por inexistência de culpa na falta de pagamento dos impostos. Ora, a culpa de cada um dos Oponentes tem de ser apreciada em separado, tendo por base os factos relevantes atinente a cada um deles. Se é verdade que, em aparência, estamos perante uma causa de pedir comum a ambos, a verdade é que não pode ser como tal considerada na medida em que depende de factos diferentes para cada um dos Oponentes. Recorda-se que causa de pedir é o facto jurídico que suporta a pretensão deduzida (cfr. art.º 581.º, n.º 4, do CPC); é o facto (ou conjunto de factos) que à luz da ordem normativa desencadeia consequências jurídicas; é o facto jurídico concreto gerador do direito invocado pelo autor e em que este baseia o pedido. Ora, o juízo sobre a culpa, ou a falta dela, implica necessariamente a consideração de factualidade que se refere individualmente a cada um dos Oponentes.” Vejamos, então, se a decisão recorrida padece da censura que lhe é gizada. Atualmente, o artigo 206.º-A do CPPT, aditado pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, preceitua que os executados e revertidos podem coligar-se entre si, nos termos aplicáveis ao processo de impugnação, contudo a mesma não é aplicável aos processos de oposição pendentes à data de entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 13.º do referido diploma legal, como sucede no caso no caso vertente. Sendo que à data em que foi deduzida a presente oposição, concretamente, 3 de julho de 2014, não existia no CPPT norma especial que previsse a coligação de oponentes. Contudo, pese embora, como visto, não existisse norma legal que previsse a coligação de Oponentes, a doutrina e jurisprudência vinham entendendo que nada obstava a que ela ocorresse, se se verificassem os requisitos em que a coligação era admitida pelo CPC, aplicável subsidiariamente por força do disposto na alínea e) do artigo 2.º do CPPT. (vide neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Volume III, 6.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, pág. 542). Neste particular, preceituava o artigo 36.º do CPC, sob a epígrafe de “Coligação de autores e de réus” que: “1 - É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência. 2 - É igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas. 3 - É admitida a coligação quando os pedidos deduzidos contra os vários réus se baseiam na invocação da obrigação cartular, quanto a uns, e da respetiva relação subjacente, quanto a outros.” Ora, do regime supra expendido adaptando o disposto na citada norma ao processo de Oposição à execução fiscal, será admissível a coligação de Oponentes quando a causa de pedir (factos jurídicos de que emerge o pedido de extinção da execução fiscal) seja a mesma e única e quando, sendo diferente a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito. No caso sub judice, constata-se que, embora exista identidade de pedidos – extinção da execução fiscal -, não pode entender-se que exista total identidade nas causas de pedir na medida em que a demonstração da ausência de culpa dos revertidos não pode ser entendida como uma única e mesma causa de pedir, porquanto depende da apreciação casuística de diferentes factos para cada um dos Oponentes. Com efeito, como doutrinado no Aresto do STA, proferido no processo nº 0180/16, datado de 15 de junho de 2016: “[a] ausência de culpa dos revertidos, apesar de integrar o mesmo fundamento de oposição, não devia ter sido considerada como uma única e mesma causa de pedir, na medida em que depende de factos diferentes para cada um dos Oponentes. Recorde-se que causa de pedir é o facto jurídico que suporta a pretensão deduzida (cfr. art. 581.º, n.º 4, do CPC); é o facto (ou conjunto de factos) que à luz da ordem normativa desencadeia consequências jurídicas; é o facto jurídico concreto gerador do direito invocado pelo autor e em que este baseia o pedido. Ora, o juízo sobre a culpa, ou a falta dela, implica necessariamente a consideração de factualidade que se refere individualmente a cada um dos Oponentes.” (destaque e sublinhado nosso) (4) No mesmo sentido, vide, designadamente, Acórdãos do STA prolatados nos processos nºs 01471/13, de 20.12.2018 e 0755/14, de 08.02.2017, e TCAS, processo nº 2528/16, de 31.10.2019. Note-se que, a causa de pedir é o ato ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o Autor invoca e pretende fazer valer, no fundo a causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido -no caso de oposição ao processo executivo a sua extinção- e corresponde ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido, não sendo passível de confusão conceptual com os próprios fundamentos da oposição taxativamente consagrados no artigo 204.º do CPPT. In casu, conforme aduzido pelo Tribunal a quo, os Oponentes convocaram a falta de demonstração da insuficiência do património e bem assim a sua ilegitimidade porquanto a falta de pagamento das dívidas tributárias não se deveu a uma atuação culposa de cada um dos revertidos, individualmente, considerados. Mas, se é certo que a causa de pedir atinente à insuficiência é a mesma para ambos os revertidos, na medida em que se afere por referência à sociedade devedora originária e às concretas diligências apuradas para o efeito pela AT, a verdade é que no domínio da culpa, embora ambas integrem o fundamento de oposição consignado na alínea b), do artigo 204.º, do CPPT, a factualidade tendente a demonstrar a ausência de culpa de cada um dos revertidos, depende da atuação concreta de cada um deles, ou seja, das diligências adotadas e dos meandros organizacionais individualmente espoletados enquanto gestores e tendentes a obviar a falta de pagamento das dívidas exequendas. Aliás, à semelhança do que sucede no domínio da prescrição das obrigações tributárias, no campo da densificação da culpa enquanto pressuposto legitimador da reversão os factos são distintos e implicam, naturalmente, uma análise fatual distinta. Não logrando, por conseguinte, mérito a alegação de que há total identidade de causas de pedir, como visto, a causa de pedir não é “a mesma e a única”. Não assistindo, outrossim, razão quando convoca uma relação de prejudicialidade, porquanto, nenhum dos pedidos formulados na situação está dependente do outro. E isto porque, nada obsta, por exemplo, que um dos Oponentes seja julgado parte ilegítima, por demonstrar a ausência de culpa na satisfação do pagamento das dívidas tributárias e o outro parte legítima, por falta de ilisão da culpa. Neste âmbito, cumpre convocar o doutrinado no Aresto do STA, prolatado no processo nº 0339/15, datado de 27 de abril de 2016, do qual se extrata, designadamente, o seguinte: “Causa de pedir, recorde-se, é o facto jurídico que suporta a pretensão deduzida (cfr. art. 498.º, n.º 4, do CPC); é o facto (ou conjunto de factos) que à luz da ordem normativa desencadeia consequências jurídicas; é o facto jurídico concreto gerador do direito invocado pelo autor e em que este baseia o pedido. Os Oponentes invocaram a mesma causa de pedir? Prima facie, diríamos que algumas das causas de pedir invocadas por ambos os Oponentes são as mesmas; a saber: a falta de responsabilidade pela dívida exequenda, a prescrição e a falta de notificação dentro do prazo da caducidade. Mas, numa análise mais detalhada, concluímos que só a falta de notificação dentro do prazo da caducidade pode considerar-se como a mesma causa de pedir invocada pelos dois. Desde logo, no que concerne à falta de responsabilidade pela dívida exequenda, fundamento invocado por ambos os Oponentes, enquanto o Oponente a faz assentar na falta de culpa pela insuficiência do património da sociedade originária devedora para responder pelas dívidas exequendas, a Oponente apoia-a na falta de exercício efectivo de funções de gerência, pelo que não pode afirmar-se que a causa de pedir seja a mesma. Por outro lado, a própria prescrição, invocada por ambos os Oponentes como causa de pedir, apesar de integrar o mesmo fundamento de oposição à execução fiscal, não constitui a mesma causa de pedir, pois está dependente de factos diferentes para um e outro Oponente, sendo, designadamente, que eventuais causas de interrupção e suspensão serão diferentes para um e outro. Só a falta de notificação dentro do prazo da caducidade, porque a notificação relevante será a que se refere ao devedor originário, e não a dos responsáveis subsidiários (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 34 d) ao art. 204.º, págs. 491/492.) (que, para este efeito, é irrelevante), poderá considerar-se a mesma causa de pedir, uma causa de pedir comum a ambos os Oponentes. No entanto, o n.º 1 do art. 30.º do CPC, para permitir a coligação de autores com fundamento na mesma causa pedir não se basta com a exigência dessa identidade, exigindo ainda que a causa de pedir seja única (se bem interpretamos a norma, não no sentido de uma só, mas no de que não existam outras causas de pedir que não sejam comuns a todos os autores). E bem se entende essa exigência: na verdade, não faria sentido permitir a coligação de autores que, a par da mesma causa de pedir, invocassem, cada um deles, causas de pedir próprias, sob pena de as razões de economia processual justificativas da coligação saírem postergadas. É o que se passa no caso sub judice, em que, a par de uma causa de pedir comum a ambos os Oponentes, existem causas de pedir próprias de cada um. Alega também o Recorrente, a fim de justificar a admissibilidade da coligação dos Oponentes que «a procedência dos respectivos pedidos sempre estaria dependente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito». Salvo o devido respeito, é manifesta a falta de razão do Recorrente. Tal resulta à evidência no caso da falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda e pela prescrição, causas de pedir invocadas por ambos os Oponentes. Relativamente a essas causas de pedir, os factos não serão seguramente os mesmos e também as regras de direito a aplicar não serão ou, pelo menos, poderão não ser as mesmas. Na verdade, a fim de integrar a primeira dessas causas de pedir, enquanto o Oponente alega a falta de culpa pela situação de insuficiência patrimonial da sociedade originária devedora, a Oponente alega a falta de exercício da gerência; quanto à segunda, como dissemos já, os factos relevantes, designadamente os que respeitam a eventuais causas de interrupção e de suspensão serão diferentes para um e outro. O que, tudo, exige ou, pelo menos, pode exigir a interpretação e aplicação de regras jurídicas diferentes. Por outro lado, como bem registou a Juíza do Tribunal a quo, também não existe entre os pedidos qualquer prejudicialidade ou dependência.” (destaques e sublinhados nossos). Significa, assim, que no caso concreto, a par da mesma causa de pedir – a falta de demonstração da insuficiência do património -, cada um dos Oponentes invocou causas de pedir próprias - falta de culpa pela insuficiência do património da sociedade originária devedora para responder pelas dívidas exequendas que para a sua análise, devem ser considerados factos próprios e podem inclusive depender da interpretação e aplicação de diferentes regras de direito. Face ao exposto, no que concerne à alegada ilegitimidade invocada, os factos alegados pelos Oponentes e que podem conduzir à, eventual, procedência da oposição são divergentes, pelo que os Oponentes estão impedidos de se coligar. E por assim ser, verifica-se, efetivamente, coligação ilegal de Oponentes, (cfr. artigo 36.º do CPC), exceção dilatória prevista no artigo 577.º, al. f) do CPC, determinativa da absolvição da Fazenda Pública da instância (cfr. artigo 278.º, n.º 1 al. e) do CPC, aplicável ex vi art.º 2.º, al. e) do CPPT), pelo que o Tribunal que assim o decidiu não padece do arguido erro de julgamento [Ac. do STA de 4 de março de 2020, proferido no processo n.º 0635/15.7BELRA 01333/17]. De relevar, a final, que nada releva, neste e para este efeito, as decisões prolatadas pelo TAF de Sintra no âmbito de outros processos judiciais, desde logo, porque a questão sub judice nunca foi convocada e sindicada nesta instância, inexistindo qualquer vinculação neste concreto particular, sendo certo que, como visto, a diretriz e o norteador que deve ser adotado pelos Tribunais coaduna-se com uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8.º, nº 3 do Código Civil, e, in casu, face à jurisprudência convocada e perfilhada, dimana inequívoco que este TCAS perfilhou o sentido da Jurisprudência dos Tribunais Superiores. De sublinhar que, com tal decisão não se denega o acesso dos Oponentes ao direito e aos tribunais, porquanto sempre estes, nos termos do disposto nos artigos 279.º números 1 e 2 do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 2.º, alínea e), do CPPT podem deduzir oposições autónomas contra os processos de execução fiscal em causa e melhor descritos na factualidade assente, no prazo aí estabelecido, sendo as mesmas consideradas interpostas na data da apresentação da petição inicial da oposição. ***
IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: -NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica. Custas pelos Recorrentes, sendo também devidas as respeitantes ao incidente reportado à junção indevida de documentos em sede de instância recursória e nesta instância, fixando-se, quanto a estas, a taxa de justiça em 1 UC. Registe. Notifique.
Lisboa, 01 de junho de 2023 (Patrícia Manuel Pires) (Jorge Cortês) (Luísa Soares) |