Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1248/11.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/29/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:GERÊNCIA EFECTIVA.
INQUISITÓRIO.
DEPOIMENTO DE PARTE
Sumário:A mera assinatura de declarações fiscais não constitui, só por si, prova do exercício de gerência de facto. A recolha de meios de prova, incluindo o depoimento de parte, é um poder do juiz exercido com vista ao apuramento dos factos da causa
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão
I- Relatório
A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional contra a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa proferida a fls. 274 e ss. (numeração em formato digital – sitaf) que julgou procedente a oposição que C ……………. deduziu, na qualidade de revertida, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1……………795 e apensos, instaurado contra a sociedade “P….. – Comércio …………, Lda.”, para cobrança coerciva de dívidas de IVA, IRC e Encargos dos processos de contraordenação, relativas aos anos de 2001 a 2005, no montante total de 77.317,44€.
Interpõe também recurso contra os despachos interlocutórios, o primeiro proferido no dia 07 de Novembro de 2019, a fls. 199 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), no qual se admite o aproveitamento da prova produzida no âmbito do Processo nº……/11.7 BELRS e a prestação de declarações de parte nos termos do art.º 466.º, nº 1 do CPC e contra o despacho do dia 9 de Março de 2020, ditado para a acta de fls. 258 e ss. (numeração em formato digital – sitaf) que, em sede de inquirição de testemunhas, anula o despacho de 07/11/2019 e chama a oponente para prestar declarações de parte depois do seu mandatário ter prescindido de tal meio probatório.

Relativamente ao recurso do despacho de 7 de Novembro de 2019, nas suas alegações de fls. 207 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), formula as seguintes conclusões:
«37- Recorre a Representação da Fazenda Publica do D. Despacho proferido pela M. Juiz do Tribunal a quo de 07-11-2019, no qual deferiu o aproveitamento de prova, nos termos do art.º421º, nº 1 do CPC, produzida no processo nº ………/11.7BELRS bem como a prestação de declarações de parte nos termos do art.º 466.º, nº 1 do CPC.
38- Por despacho de 04-07-2019 foi marcada data (17-09-2019) para a realização de audiência de discussão e julgamento.
39- No dia anterior a tal agendamento, veio a oponente submeter ao processo requerimento onde alega a impossibilidade de a testemunha efetuar o referido depoimento, alegando motivos de saúde, sem, contudo, juntar qualquer meio de prova que comprovasse o alegado, mais requerendo o aproveitamento de prova realizado no processo de oposição nº ………../11.7BELRS em que foi oponente B ……………, bem como a prestação de declarações de parte.
40- Por despacho de 16-09-2019 (proferido no mesmo dia da apresentação do requerimento pela oponente), foram ambas as pretensões deferidas, tendo do mesmo a Fazenda Publica apresentado recurso, por não ter sido notificada para se pronunciar quanto ao requerido, nos termos do nº 3 do art.º 3º do CPC, nem tampouco se ter aguardado o respetivo prazo para, querendo esta, o exercer espontaneamente.
41- Atento ao alegado pela Fazenda Publica no recurso por si apresentado, a M. Juiz do tribunal a quo deu sem efeito o seu despacho proferido em 16-09-2019, determinando ainda, a notificação da Fazenda Publica, para se pronunciar sobre o requerimento apresentado pela oponente,
42- Apreciando o requerimento então apresentado pela oponente, proferiu a M. Juiz do tribunal a quo, despacho em 07-11-2019, ora recorrido, no qual para alem de se admitir o aproveitamento da prova produzida nos autos de oposição nº 1257/11.7BELRS, admite ainda a prestação de declarações de parte requerida pela oponente.
43- Discorre a M. Juiz do tribunal a quo que “estando em tempo e considerando o alegado pela Oponente quanto à impossibilidade ou dificuldade da testemunha ser ouvida no âmbito do presente processo, que entende o tribunal não carecer de prova por estarem igualmente em causa os princípios da economia e celeridade processuais, afigura-se útil proceder ao aproveitamento da prova produzida no âmbito do processo nº 1257/11.7BELRS quanto à testemunha em causa”. (sublinhado nosso)
44- O deferimento do requerido pela oponente, no dia anterior ao designado para inquirição, quanto ao aproveitamento da prova produzida num outro processo sem comprovação de que a testemunha arrolada não pode comparecer, com fundamento de que tal facto não carece de prova por estarem em causa os princípios da economia e celeridade processuais, não deve, s. m. o., acolher, pois entende a Fazenda Publica que, para além da não violação dos princípios elencados supra, também não se encontram preenchidos os requisitos do nº 1 do art.º 421º do CPC.
45- No que tange à prestação de declarações de parte, e por a presente ação se tratar de uma OPOSIÇÃO JUDICIAL, considerando que os presentes autos foram instaurados em 2011, atendendo ao disposto no n.º 4 do art.º 6.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de julho, que aprovou o novo CPC, aplicando-se este aos incidentes e procedimentos deduzidos a partir da entrada em vigor da presente Lei – ou seja, a partir de 01 de Setembro de 2013 é entendimento, salvo m. o., que o art.º 466.º do novo CPC, que prevê declarações de parte, não se aplica aos presentes autos na medida em que o anterior CPC, de 1961, apenas prevê o depoimento de parte, pelo que deveria tal pedido ser indeferido.
46- Nestes termos, ao decidir como decidiu a M. Juiz do tribunal a quo violou as disposições dos artigos 421º do CPC bem como o n.º 4 do art.º 6.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de julho, pelo que o despacho recorrido padece de erro de julgamento de facto e de direito, por infração das normas mencionadas.
47- Mais ainda se requer subida imediata e efeito suspensivo nos termos do art.º 282º, nº 2 do CPPT, pois, salvo o devido respeito, a RFP considera que, se o presente recurso apenas subisse com o recurso da decisão final, tal recurso seria completamente esvaziado de qualquer efeito útil.

X
No que respeita ao recurso do despacho datado de 9 de Março de 2020, nas suas alegações de fls. 235 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente formula o seguinte quadro conclusivo:
«42- Recorre a Representação da Fazenda Publica do D. Despacho proferido pela M. Juiz do Tribunal a quo de 10-03-2020 (despacho proferido em sede de inquirição de testemunhas), no qual anulou todo o despacho proferido em 07-11-2019, no qual deferiu o aproveitamento de prova, nos termos do art.º421º, nº 1 do CPC, produzida no processo nº 1257/11.7BELRS bem como a prestação de declarações de parte nos termos do art.º 466.º, nº 1 do CPC.
43- Por despacho de 04-07-2019 foi marcada data (17-09-2019) para a realização de audiência de discussão e julgamento.
44- No dia anterior a tal agendamento, veio a oponente submeter ao processo requerimento onde alega a impossibilidade de a testemunha efetuar o referido depoimento, alegando motivos de saúde, sem, contudo, juntar qualquer meio de prova que comprovasse o alegado, mais requerendo o aproveitamento de prova realizado no processo de oposição nº 1257/11.7BELRS em que foi oponente Bruno Miguel Valentim Pedroso, bem como a prestação de declarações de parte.
45- Por despacho de 16-09-2019 (proferido no mesmo dia da apresentação do requerimento pela oponente), foram ambas as pretensões deferidas, tendo do mesmo a Fazenda Publica apresentado recurso, por não ter sido notificada para se pronunciar quanto ao requerido, nos termos do nº 3 do art.º 3º do CPC, nem tampouco se ter aguardado o respetivo prazo para, querendo esta, o exercer espontaneamente.
46- Atento ao alegado pela Fazenda Publica no recurso por si apresentado, a M. Juiz do tribunal a quo deu sem efeito o seu despacho proferido em 16-09-2019, determinando ainda, a notificação da Fazenda Publica, para se pronunciar sobre o requerimento apresentado pela oponente,
47- Apreciando o requerimento então apresentado pela oponente, proferiu a M. Juiz do tribunal a quo, despacho em 07-11-2019, no qual para alem de se admitir o aproveitamento da prova produzida nos autos de oposição nº 1257/11.7BELRS, admite ainda a prestação de declarações de parte requerida pela oponente.
48- No dia agendado para a prestação de declarações de parte, a oponente requereu a inquirição da testemunha que havia faltado sem apresentar qualquer tipo de justificação e sobre a qual havia sido proferido despacho de aproveitamento do seu depoimento noutro processo de oposição judicial requerendo ainda prescindir das declarações de parte anulando todo o despacho proferido em 07-11-2019.
49- É entendimento da Fazenda Publica não ser de considerar o depoimento da testemunha Carlos Rodrigues por: i) a sua não comparência na primeira data indicada para inquirição não se encontrar justificada; ii) caso assim se não entenda, que não seja valorado o depoimento pela mesma prestado em sede de inquirição realizada em 10-03-2020, por as suas declarações já constarem no processo, ainda que por meio de aproveitamento de prova.
50- No que tange à prestação de declarações de parte, e por a presente ação se tratar de uma OPOSIÇÃO JUDICIAL, considerando que os presentes autos foram instaurados em 2011, atendendo ao disposto no n.º 4 do art.º 6.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de julho, que aprovou o novo CPC, aplicando-se este aos incidentes e procedimentos deduzidos a partir da entrada em vigor da presente Lei – ou seja, a partir de 01 de Setembro de 2013 é entendimento, salvo m. o., que o art.º 466.º do novo CPC, que prevê declarações de parte, não se aplica aos presentes autos na medida em que o anterior CPC, de 1961, apenas prevê o depoimento de parte, pelo que deveria tal pedido ser indeferido.
51- Caso assim não se entenda, o artigo 466º do CPC começa por referir no seu n.º 1 que é a própria parte quem se oferece para depor, seja ela o autor, o réu ou os seus respetivos representantes legais. A nota de voluntariedade aqui presente e destacada por alguns autores, leva a crer que, então, não é permitido nem à parte contrária requerer, nem ao juiz determinar este tipo de declarações, sob pena de se substituir à parte na produção de prova cujo ónus é seu!
52- Nestes termos, ao decidir como decidiu a M. Juiz do tribunal a quo violou as disposições dos artigos 421º, 508º, 466º todos do CPC bem como o n.º 4 do art.º 6.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de julho, pelo que o despacho recorrido padece de erro de julgamento de facto e de direito, por infração das normas mencionadas.
53- Mais ainda se requer subida imediata e efeito suspensivo nos termos do art.º 282º, nº 2 do CPPT, pois, salvo o devido respeito, a RFP considera que, se o presente recurso apenas subisse com o recurso da decisão final, tal recurso seria completamente esvaziado de qualquer efeito útil.
X
No que concerne ao recurso da sentença, a Fazenda Pública, expendeu nas suas alegações de fls. 300 e ss. (numeração em formato digital–sitaf), as seguintes conclusões:
«A- Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos à margem melhor identificados, na parte que julgou procedente a oposição judicial apresentada por C ………………………., julgando a oponente parte ilegítima para a execução.
B- Discorda a Fazenda Publica, com o devido respeito, do entendimento sufragado na douta sentença, e com o mesmo não se conforma, porquanto padece, a douta sentença, de erro de julgamento de facto [por ter errado na valoração da prova] e de direito [por não ter feito uma correta interpretação e aplicação das normas estabelecidas quanto prova do exercício da gerência ínsito na alínea b) do n.1 do art.º 24.º da LGT e nº 1 do art.º 8º do RGIT].
C- Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em saber se os autos de oposição contêm
prova do exercício da gerência, também denominada ou comummente conhecida como
gerência de facto, por parte da revertida, ora oponente.
D- Antes de mais, e porque se mostra fundamental à apreciação do presente recurso, convém relembrar que esta Representação da Fazenda Publica apresentou recurso do despacho proferido em sede de inquirição de testemunhas em 17-03-2020 (fls. 235 do SITAF), onde colocou em crise: a) tanto o depoimento da testemunha arrolada por i) a sua não comparência na primeira data indicada para inquirição não se encontrar justificada; ii) caso assim se não entenda, que não fosse valorado o depoimento pela mesma prestado em sede de inquirição realizada em 10-03-2020, por as suas declarações já constarem no processo, ainda que por meio de aproveitamento de prova, b) bem como a prestação de declarações de parte nos termos do art.º 466º, nº 1 do CPC, requeridas pela M. Juiz.
E- Nestes termos, os factos constantes dos pontos 14, 15 e 16 que foram considerados provados com base no depoimento da testemunha C …………………, não devem ser considerados como assentes, devendo ser retirados do probatório.
F- Ora, consultado os autos, para além do facto dado como provado no ponto 2. do probatório, (gerência nominal).
G- A oponente tinha consciência de que para além de ser gerente de direito assinava documentação relativa à devedora originária, apenas tendo renunciado à gerência em 05-02-2003 (com data de registo na CRC em 20-02-2003).
H- Consta da matéria dada como assente, do ponto 13 dos factos provados, que a oponente assinou, pelo menos, “declaração de início de atividade” e “declaração de alterações”.
I- O douto Tribunal não considerou suficiente para provar a gerência de facto da ora recorrida, as suas assinaturas nos documentos acima enunciados.
J- Afigura-se-nos notório ter ficado demonstrado a prática por parte da oponente de atos em representação da sociedade, como forma típica de assegurar o giro comercial da mesma.
K- A oponente assumiu o cargo para o qual foi designada, bem sabendo que ao mesmo é inerente o exercício de determinadas funções.
L- O facto de o senhor seu pai eventualmente “orientar na prática” o andamento comercial da devedora originária não quer dizer que o mesmo não o tenha feito sob orientação da aqui recorrida, dando lhe conta dos negócios, e até, desempenhando o que esta lhe solicitava.
M- Ora, atentos os elementos probatórios juntos aos autos e salvo o devido respeito nunca poderia o Tribunal a quo ter decidido pela ilegitimidade da recorrida.
N- Pelo que, salvo o devido respeito, nunca poderia o douto Tribunal afirmar que apesar de resultar provado nos autos que a oponente assinou na qualidade de gerente da sociedade devedora originária, impressos da AT referentes à declaração de inicio de atividade e declaração de alterações, tal não significa, per si, que a mesma exerceu efetivamente funções de gerência, porquanto se demonstrou nestes autos que a oponente não só estava investida nas funções de gerente como exerceu efetivamente o cargo de gerente, durante o período a que os factos tributários respeitam, assim como naquele em que se venceu o prazo para o respetivo pagamento, na medida em que praticou atos de gerência, designadamente, exteriorizando a vontade da sociedade e vinculando-a perante terceiros
O- Em suma, entende a Fazenda Pública que a factualidade provada impõe a conclusão de que a oponente exerceu a gerência de facto na devedora originária no período temporal em causa nos autos, razão porque é responsável subsidiária pelas dívidas revertidas, não logrando provar que a falta de pagamento das dívidas exequendas não lhe é imputável, atento o disposto no art.º 24º, nº. 1, b) da LGT e art.º 8º nº 1 do RGIT.
P- Assim, não tendo a sentença do Tribunal a quo conhecido as restantes questões levantadas pela ora recorrida, por as considerar prejudicadas pela solução encontrada, sendo a sentença revogada pelo Acórdão proferido pelo TCA, deverão os presentes autos baixar àquele Tribunal para que essas questões sejam conhecidas, pois toda a prova deve ser reapreciada e devidamente selecionada, o que só poderá ser efetuado por aquele Tribunal.
Q- Dando assim por satisfeito o objetivo do duplo grau de jurisdição, e a não prolação de “decisões surpresa” uma vez que em momento algum será coatado o exercício do direito ao contraditório.
R- Em suma, e sendo entendimento da Fazenda Publica que a factualidade provada impõe a conclusão de que a oponente exerceu a gerência de facto na devedora originária, deverão os presentes autos baixar à 1ª instância para conhecimento das questões que ficaram prejudicadas pela solução encontrada pelo Tribunal a quo.
X
A recorrida apresentou contra-alegações, conforme requerimento de fls. 317 e ss. (numeração em formato digital–sitaf), no qual expendeu conclusivamente o seguinte:
«A -A douta sentença proferida pelo Tribunal” a quo” está devidamente fundamentada de facto e de direito não nos merecendo qualquer reparo pelo que ao contrário do pretendido pela Fazenda Pública, a mesma deve ser mantida na integra, não assistindo por isso qualquer razão quer factual, quer jurídica à recorrente.
B- Assim, conforme douta sentença C ………… é efetivamente parte ilegítima nos presentes autos.
C- A autoridade Tributária não fez prova que C …………. é parte legitima nos presente autos, pois não apresentou documentos, testemunhas ou quaisquer outros elementos de forma a fazer prova da sua tese.
D- Fazenda Pública pretende colocar em crise, com a apresentação do seu recurso:
A) O depoimento da testemunha Ca ………….;
B) A audição da oponente C ……………..;
C) A Ilegitimidade da oponente
E) No respeitante à inquirição da testemunha Ca …………………., o tribunal, sendo confrontado com uma testemunha que pode contribuir para a descoberta da verdade material e que estava no Tribunal pode, ao abrigo do princípio do inquisitório ouvi-la, sendo certo que foi sempre assegurado o princípio do contraditório em tal inquirição.
F) A Mm Juiz do tribunal “a quo” pode realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e á justa composição do litigio.
G) Não foi, por isso violado qualquer dispositivo ou norma legal, pelo que devem manter-se todos os factos provados com o depoimento desta testemunha
H- No respeitante à audição da Opoente pelo Tribunal, o tribunal também ao abrigo do principio do inquisitório e da descoberta da verdade material pode ouvi-la não tendo violado o artigo 421.º do Código do Processo Civil e nem o disposto no n.º4 do art. 6 da Lei n.º 41/2013 de 26 de Julho.
I- A oponente é efetivamente parte ilegítima, pois não foi feita prova que exerceu a gerência de facto.
J -O facto de ter assinado a declaração de início de actividade e declaração de alterações tal não é suficiente para provar a gerência de facto da oponente.
K -Ao longo da inquirição foi descrito quem efectivamente era o gerente de facto da sociedade, quem dava ordens, quem despedia, quem orientava a sociedade, isto é o pai da oponente, Sr. L…………...
L- Se havia outros elementos devia a F.P tê-los junto aos autos e feito prova com os mesmos não se aceitando que venha agora dizer em sede de recurso no seu ponto n.º 24 “… que não significa que não existam outros .” e que a a A.T não teve acesso a mais documentos do que aqueles que nos autos se acham inseridos .
M- A F.P não pode certamente vir agora nas suas alegações tentar fazer crer que havia mais elementos, pois se os mesmos existissem devia tê-los juntos aos autos.
N- Não houve qualquer erro de julgamento e é a autoridade Tributária e aduaneira que incumbe provar a gerência de facto, o que não fez.
O- A oponente é parte ilegítima nos presentes autos, pois não exerceu de facto a gerência do talho do seu pai, Sr. L …………….»
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu seu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso de apelação interposto da sentença.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
«1. A sociedade “P ….., comércio ……………, Lda.”, constituída por registo de 25.10.1999, tinha como objeto social o “comércio de carnes por grosso e retalho e distribuição das mesmas” - cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial a fls. 69 e 70 do PEF junta aos autos;
2. Na data da constituição da sociedade, mencionada no ponto que antecede, foi designada gerente C ………………, ora Oponente, obrigando-se a sociedade com a assinatura de um gerente - cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial a fls. 69 e 70 do PEF junta aos autos;
3. Através da inscrição 2 ap. 12/…………, foi registada alteração parcial do contrato e a designação do sócio B ………………. como gerente da sociedade mencionada no ponto 1 – cf. certidão do registo Comercial, a fls. 69 e 70 do PEF junta aos autos;
4. Através da inscrição 3, ap. 13/…….. foi registada a cessação da gerência, da ora Oponente, por renúncia em 05.02.2003 - cf. certidão da Conservatória do Registo Comercial a fls. 69 e 70 do PEF junta aos autos;
5. No Serviço de Finanças de Loures 1, contra a sociedade referida no ponto 1 (executada originária), foram instaurados os seguintes processos de execução fiscal:

PEF
Data instauração
Proveniência / período da dívida
Quantia exequenda
…………………574
17.09.2001
T. Just. 2000
704,22
…………………170
23.04.2004
Coimas 2002
2.361,19
…………………039
24.04.2004
IVA 11.2001
339,85
…………………944
28.09.2005
Coimas 04.2002 - 09.2002 1.492,17
…………………461
03.02.2005
Coimas 08.2001
1.431,56
………………….317
18.05.2005
Coimas 10.2002
738,51
………………….142
06.04.2005
Coimas 07.2002
71,95
………………….074
25.01.2005
IRC 2001
6.884,52
…………………438
24.04.2003
IVA 01.2002
338,20
…………………520
27.10.2004
IRC 2000
2.821,53
…………………791
22.05.2002
IVA 07.2001 – 09.2001
1.970,24
………………..216
17.11.2004
IRC 2002
7.106,80
……………….916
07.10.2002
IVA 10.2001
1.991,37
……………….448
31.07.2002
IVA 02.2001
2.004,70
……………….458
06.05.2004
IVA 02.2000-04.2000 / 06.2000-11.2000 12.949,74
IVA 02.2001-03.2001 /05.2001-07.2001
6.768,29
IVA 04.2002-06.2002 /08.2002-09.2002 4.702,50
……………….887
26.11.2002
IVA 10.2001-12.2001 3.353,28
………………..506
16.09.2003
IVA 10.2002
2.570,42
……………….964
26.11.2002
IVA 01.2002
3.336,10
………………..610
28.11.2002
IVA 02.2002
3.195,32
……………….188
15.10.2002
IVA 03.2002
4.138,34
………………..259
07.01.2004
IVA 07.2002
101,65
……………….943
26.11.2002
IVA 01.2000 2.992,80
……………….690
13.08.2004
IVA 02.2000 e 05.2000
01.2001-02.2001 e 08.2001
1.295,20
……………….269
05.02.2004
IVA 01.2001-12.2001
1.995,20

– cf. PEF apenso aos autos;
6. Os processos mencionados, no ponto que antecede, foram apensados ao processo …………..795, cuja dívida exequenda era €0,00, à data da reversão – cf. fls. 4 do PEF apenso aos autos;
7. Em 05.12.2008, foi lavrado “Auto de Diligências”, pelo órgão de execução fiscal, dando conta da inexistência de bens penhoráveis suficientes, na esfera da sociedade, mencionada no ponto 1, tendo sido proferido, em 17.06.2009, despacho, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Loures 1, ordenando a audição da Oponente para efeitos de reversão, constando do mesmo, designadamente, o seguinte:
“… Despacho
Face às diligências de fls. anteriores, determino a preparação do processo para efeitos de reversão (…) contra C ……………… contribuinte n.º …………….. (…) na qualidade de Responsável Subsidiário pela dívida abaixo discriminada.
Face ao disposto nos normativos do n.º4 do art.º23.º e do Art.º60.º da lei Geral Tributária, proceda-se à notificação do(s) interessado(s), para efeitos do exercício do direito de audição prévia, fixando-se o prazo de 10 dias a contar da notificação, podendo aquela ser exercida por escrito/oralmente.
Fundamentos da reversão
[em branco]
– cfr. fls. 13 e 78 do PEF apenso aos autos;
8. Em 13.07.2009, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças, que determinou a reversão das dívidas em execução fiscal, mencionadas no ponto 3, contra a ora Oponente, na qualidade de responsável subsidiária, constando do mesmo, designadamente, o seguinte:
“Face às diligências de fls. anteriores, e estando concretizada a audição do(s) responsável (eis) subsidiário(s) prossiga-se a reversão contra C …………………… contribuinte n.º ……………, morador em (…) na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.
Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do(s) executado(s) por reversão, nos termos do Art.º 160.º do C.P.P.T. para pagar no prazo de 30 dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n.º 5, do artigo 23.º da LGT).
(…) // Fundamentos da Reversão
Audição Prévia exercida sem ilidir de forma concreta a presunção legal da sua responsabilidade. (…)”
– cfr. fls. 99 do PEF apenso aos autos;
9. Na sequência do mencionado, no ponto que antecede, foi remetido o oficio n.º 1681, datado de 14.07.2009, via correio postal registado com aviso de receção, dirigido à Oponente, designado “citação (reversão)”, cujo campo identificado como “Fundamentos da reversão” se encontrava em branco - fls. 103 do PEF apenso aos autos;
10. O aviso de receção, mencionado no ponto 6, foi assinado em 16.07.2009 – cfr. fls.104 do PEF apenso aos autos;
11. No âmbito dos processos mencionados no ponto 5, foi efetuada a penhora do vencimento da Oponente – acordo;
12. Em 13.08.2009, a petição de oposição, que deu origem aos presentes autos, foi recebida no Serviço de Finanças de Loures 1 - cfr. fls. 6 dos autos.
Mais se provou que:
13. Os documentos designados “declaração de início de atividade” e “declaração de alterações” foram assinados pela ora Oponente, na qualidade de gerente da sociedade devedora originária – cfr. documentos n.ºs 1 e 2 do PEF apenso aos autos;
14. Era L ……………….., pai da Oponente, quem contratava pessoal, dava ordens e efetuava pagamentos;
15. Os contactos com fornecedores da sociedade mencionada em 1) eram feitos e decididos por L ………………..;
16. A tomada de decisões relativas a recebimentos e pagamentos, bem como as referentes ao funcionamento do talho era feita por L ……………………...
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Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
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A decisão da matéria de facto provada fundou-se, desde logo, na análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e das informações oficiais constantes do processo de execução fiscal apenso, conforme indicado em cada um dos pontos supra.//Os factos constantes dos pontos 14, 15 e 16 foram considerados provados com base no depoimento da testemunha Ca…………….., cortador de Carnes, que exerceu funções no estabelecimento comercial da sociedade devedora originária, desde 2001 até 2004/2005.// A testemunha depôs de forma espontânea, que se revelou credível ao Tribunal, revelando conhecer a atividade da sociedade devedora originária, pelo menos no período em que trabalhou no talho, sendo que, desde logo e quanto à razão de ciência, referiu conhecer a Oponente apenas como filha do “patrão”.// A testemunha esclareceu, de forma convicta e objetiva que foi contratado por L …………, mais explanando de forma clara que era o pai da Oponente quem dava ordens, tomava decisões, falava com fornecedores e tratava da “parte administrativa”. //Mencionou também que a Oponente raramente ia ao talho e que, quando o fazia, ia apenas ter com o pai, não tendo qualquer intervenção na atividade da sociedade.»
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2.2. De Direito.
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, por meio do qual foi julgada procedente a oposição deduzida por C …………….. à execução fiscal n.º 1…………..795, por dívidas de IVA, IRC, de 2000 a 2005 e coimas e encargos dos processos de contraordenação, dos anos de 2001 e 2002, no montante total de €77,317,44.
A Fazenda Pública interpôs recurso contra dois despachos interlocutórios e contra a sentença proferida nos autos. No que respeita aos primeiros, estão em causa os despachos seguintes:
i) O despacho proferido pelo tribunal recorrido, em 07.11.2019, por meio do qual se determinou: (i) Deferir a dispensa da inquirição da testemunha Ca ………….., bem assim como o aproveitamento da prova consubstanciada no depoimento da testemunha em referência, gravado no âmbito do Processo n.º ………/11.7BELRS, ao abrigo do disposto no artigo 422.º do CPC. // (ii) Deferir o requerimento da prestação de declarações de parte pela oponente.
ii) O despacho de 09.03.2020, que determinou a anulação do despacho de 07.11.2019, bem como, (i) deferiu a dispensa da prestação de declarações de parte, a requerimento da parte/oponente. // (ii) ordenou a anulação do aproveitamento de prova, «atendendo ao motivo que determinou o aproveitamento da mesma e, que se prende com questões de saúde da testemunha que no presente dia não constitui impedimento»; (iii) ordenou a inquirição da testemunha «conforme requerido»; (iv) ordenou a recolha do depoimento de parte pela oponente, «nos termos do art. ° 452° do CPC».
Uma vez que a eventual procedência dos recursos interpostos contra os despachos interlocutórios referidos pode determinar a anulação do processado subsequente, incluindo a própria sentença, cumpre conhecer previamente dos mesmos.
Por meio de despacho do relator, de 03.06.2022, proferido após ter sido cumprido o contraditório prévio, foi determinada a extinção da instância do recurso interposto contra o despacho referido em primeiro lugar, por inutilidade superveniente da lide recursória. É que o presente recurso jurisdicional é desprovido de objecto, dado que o despacho em crise foi revogado pelo despacho subsequente, o que determinou o decretamento da extinção do recurso em causa, por inutilidade superveniente da lide.
No que respeita ao recurso interposto contra o despacho referido em segundo lugar, cumpre referir o seguinte.
2.2.2. Do recurso interposto contra o despacho de 10/03/2020.
Analisando as conclusões do recurso em exame, verifica-se que os números 42) a 47), não se referem ao despacho questionado, pelo que tais conclusões se revelam inócuas, no que respeita à intenção rescisória em apreço. Motivo porque as mesmas são rejeitadas.
No que respeita às demais conclusões de recurso, verifica-se que a recorrente censura o despacho em crise com base nas razões seguintes: i) Erro de Direito quanto à determinação da anulação do aproveitamento da prova testemunhal recolhida noutro processo, porquanto o tribunal não tinha justificação para a decisão tomada; // ii) Erro de direito quanto à determinação da inquirição da testemunha Ca …………………, porquanto a testemunha não compareceu à diligência anterior marcada, sem justificação para tal; // iii) Erro de direito quanto à determinação do depoimento de parte, concretamente, da oponente, porquanto o regime dos incidentes constante do CPC (versão de 2013) não se aplica aos presentes autos, dado que os mesmos foram instaurados em 2011.
Vejamos.
Antes de entrarmos na apreciação do objecto do recurso, cumpre referir que a instrução da acção de oposição à execução fiscal assenta no princípio do inquisitório (artigos 114.º ex vi artigo 206.º/1, do CPPT e 4111.º do CPC ex vi artigo 2.º/e), do CPPT), o qual determina que «[a]os juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer» (artigo 13.º/1, do CPPT). Tais poderes de instrução jurisdicional da causa estão limitados pelo princípio do dispositivo, na vertente de monopólio das partes da articulação dos factos relevantes. Para além deste limite, vigora o dever jurisdicional de apuramento da verdade dos factos da causa (artigo 114.º do CPPT).
«[S]egundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a garantia de processo equitativo (‘fair trial’) coloca o tribunal sob o dever de levar a cabo um exame aprofundado dos pedidos, fundamentos e provas aduzidos pelas partes; e se se reconhece uma larga margem de apreciação aos legisladores e tribunais nacionais para estabelecerem as regras de admissibilidade e apreciação das provas, não se deixa de afirmar que as restrições à apresentação de provas não podem ser arbitrárias ou desproporcionadas, antes têm de ser consistentes com a exigência de julgamento equitativo e que sempre se deve exigir que o procedimento na sua globalidade, incluindo os aspectos relativos à admissibilidade das provas, seja equitativo» (1).
«O princípio do dispositivo funciona de um modo geral no que concerne à alegação dos factos, mas concede-se ao juiz a faculdade e, simultaneamente, o dever de, tanto quanto possível, aferir da veracidade desses factos. Continua a impender sobre as partes o ónus da indicação dos meios de prova, a observar, em regra, nos articulados (arts. 552.º, nº 6 e 572.º, al. d), mantendo-se o normativo do artigo 139.º, n.º 3, segundo o qual o decurso de um prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto. Mas, por outro lado, [o artigo 411.º do CPC] faz apelo à realização de diligências que importem à justa composição do litígio, enquanto o artigo 526.º impõe ao juiz um verdadeiro dever jurídico que deve exercer sempre que no decurso da acção se revele a existência de testemunhas não arroladas» (2).
«Deste modo, se acaso uma das partes não apresentar qualquer requerimento probatório, prescindido a parte contrária da inquirição das testemunhas arroladas, nos termos do artigo 498.º, n.º 2, não encontrará justificação a inquirição oficiosa dessas testemunhas. Já nas situações em que cada uma das partes promoveu diligências probatórias ajustadas à situação litigiosa, cumprindo com diligência o ónus que lhe competia, nada impedirá o juiz de aceder, por sua iniciativa, a outros meios de prova (…), utilizando um critério objectivo para aferir da necessidade ou da conveniência das diligências probatórias suplementares com vista ao apuramento da verdade» (3).
O princípio do inquisitório surge com uma feição mais vincada no âmbito do contencioso tributário. «Este está intimamente relacionado com os poderes de procura, selecção e valoração dos factos relevantes, não estando o julgador limitado às provas que as partes apresentarem ou requererem, podendo oficiosamente realizar toda e qualquer diligência de prova» (4). «O princípio do inquisitório apresenta a virtualidade de colmatar uma eventual omissão de uma das partes no que respeita à alegação de factos e à apresentação de novos meios probatórios» (5)
Feito o presente enquadramento, importa apreciar do bem fundado do presente apelo. 2.2.3. Estão em causa os segmentos decisórios do despacho recorrido referidos no ponto ii) de 2.2.1.
Com vista a dirimir as questões solvendas, mostram-se provadas as vicissitudes processuais seguintes:
a) Em 07.11.2019, o tribunal recorrido proferiu o despacho, por meio do qual, se determinou o seguinte: a) No que se reporta à inquirição da testemunha da oponente, Ca ……………, tendo sido invocados motivos relacionados com seu estado de saúde para justificar a sua não comparência na diligência de inquirição de testemunhas, de 17.09.2019, e atendendo a que o depoimento da testemunha recolhido no Processo n.º ………../11.7BELRS se reporta a factualidade idêntica à que se discute nos presentes autos, ordenou o aproveitamento da gravação do depoimento da testemunha em causa, ao abrigo do disposto no artigo 421.º/1, do CPC; // b) No que se refere à recolha do depoimento de parte, requerido pela mesma, ordenoua sua realização, ao abrigo do disposto nos artigos 466.º/1, do CPC e 13.º do CPPT.
b) Em 10.03.2020, no âmbito da diligência de “inquirição de testemunhas”, o mandatário da Oponente, formulou o requerimento seguinte:
«No respeitante às declarações de parte requeridas a oponente prescinde das mesmas. No respeitante á testemunha Ca ………….. requer-se a anulação do aproveitamento da prova feita no processo em que o mesmo foi ouvido na qualidade de testemunha, requerendo-se que o mesmo possa prestar, agora, o seu depoimento quanto á matéria que lhe vier a ser pedida em matéria de oposição».
c) Na sequência do requerimento referido na alínea anterior, o tribunal recorrido proferiu o despacho seguinte:
«Relativamente ao requerido, quanto à dispensa das declarações de parte, o tribunal defere. // Relativamente ao requerido quanto à desistência da produção de prova da testemunha Ca …………… o tribunal defere. // No que se refere ao requerido quanto á anulação do aproveitamento de prova e, atendendo ao motivo que determinou o aproveitamento da mesma e, que se prende com questões de saúde da testemunha que no presente dia não constitui impedimento, o tribunal defere procedendo-se á inquirição da testemunha conforme requerido. // Tendo sido anulado o despacho que decidiu o aproveitamento da prova desentranhe a ata de inquirição junto aos autos e constantes de fls.165 a 167 do SITAF».
d) Mais determinou o tribunal recorrido o seguinte:
“Apesar do tribunal ter deferido a despensa de declarações de parte e, uma vez que a oponente se encontra na sala o tribunal, entende ser útil para á descoberta da verdade ouvir a oponente pelo que, nos termos do art. ° 452° do CPC, vai proceder ao depoimento de parte e vai ouvir a parte no processo’’.
2.2.3.1. No que respeita à parte do recurso referida em i), cumpre referir que, no cotejo das alegações da recorrente nada há a censurar à anulação da decisão de aproveitamento de prova produzida noutro processo, imposto ao abrigo do disposto no artigo 421.º/1, do CPC, porquanto tal determinação deve ser conjugada com a decisão de ordenar a inquirição da testemunha, cuja recolha da gravação do depoimento havia sido anteriormente ordenada. O que significa que entre o depoimento da testemunha obtido noutro processo e a realização do depoimento da testemunha nos presentes autos, o tribunal, verificadas as condições para o efeito, optou pela última solução, a qual permite mais eficácia na realização dos princípios da correcta instrução da causa, como sejam, os princípios da imediação, do contraditório, da aquisição processual e da plenitude da assistência do juiz, porquanto a prova é recolhida perante os sujeitos processuais do processo e atendendo ao teor dos articulados e à posição processual dos mesmos assumida nos autos.
Ao decidir no sentido apontado, o segmento decisório em crise não merece censura.
Motivo porque se impõe julgar improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.3.2. No que respeita à parte do recurso referida em ii), a argumentação da recorrente centra-se sobre a inadmissibilidade da realização do depoimento da testemunha em causa, dado que o mesmo terá faltado sem justificação aparente à diligência de inquirição realizada em data anterior a 10.03.2022.
Está em causa a recolha do depoimento da testemunha Ca ………………………. Decorre da fundamentação da decisão da matéria de facto que as alíneas 14), 15) e 16) foram dadas como assentes com base no depoimento referido. Tais alíneas são determinantes para sustentar o juízo emitido pelo tribunal recorrido segundo o qual a oponente não exerceu a gerência de facto no período relevante.
O carácter essencial do depoimento e o facto de a parte ter desistido, inicialmente, do mesmo, em detrimento do aproveitamento de prova e, em momento posterior, requerido a recolha presencial do mesmo, invocando, em ambas as situações, a condição de saúde da testemunha, não conduz, em nome da eventual irregularidade cometida, ao seu desentranhamento. É que os poderes inquisitórios em que o tribunal tributário se encontra investidos nos termos da lei (artigos 13.º e 114.º ex vi artigo 206.º/1, do CPPT) não permitem outra solução que não seja a de o tribunal adoptar todas as diligências de prova necessárias ao apuramento rigoroso dos factos da causa, desde que observados as garantias e princípios do processo equitativo (artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), designadamente, as garantias de defesa e de contra-instância, o que foi observado no caso. O tribunal recorrido optou pela inquirição presencial, da testemunha em causa, após verificar que mesma apresentava condições de saúde para o efeito, observando todas as garantias de contra-instância, o que permitiu o apuramento da verdade material, no quadro das garantias do processo equitativo.
Pelo que se impõe concluir que o segmento decisório questionado não merece a censura que lhe é dirigida.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.
2.2.3.3. No que respeita à parte do recurso referida em iii), a recorrente sustenta que a decisão de determinar o depoimento de parte da oponente viola o disposto no artigo 466.º do CPC, bem assim como do disposto no artigo 6.º/4, da Lei n.º 41/2013, de 23 de Julho, que aprovou a reforma do CPC, com a mesma data.
Vejamos.
A realização a diligência em apreço foi determinada ao abrigo do disposto no artigo 452.º, n.º 1, do CPC, nos termos do qual, «[o] juiz pode, em qualquer estado do processo, determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa». Não se trata da realização de prova por depoimento de parte a pedido das partes, prevista no preceito do artigo 466.º do CPC, dado que no âmbito do artigo 452.º do CPC o juiz exerce um poder oficioso. Também não se trata da situação em que o juiz convida as partes a prestar esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito da causa (artigo 7.º, n.º 2, do CPC), porquanto no âmbito da diligência do artigo 452.º do CPC está em causa a composição e integração do acervo probatório, determinada oficiosamente pelo juiz, com vista à decisão da matéria de facto da causa.
Considerando os poderes inquisitórios que assistem ao juiz tributário (artigos 13.º e 114.º do CPPT) e atendendo à relevância do depoimento da oponente, numa situação como a dos autos, em que se discute o exercício de facto da gerência da sociedade devedora originária pela mesma, não se vê como acompanhar a asserção de que tal decisão enferma de erro de direito.
A recorrente invoca ainda o disposto no artigo 6.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013, de 26/06 (que aprovou a revisão do CPC de 2013), preceito que determina que «[o] disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa apenas se aplica aos que sejam deduzidos a partir da data de entrada em vigor da presente lei».
A argumentação da recorrente não é de acolher. Por um lado, não se trata de «incidente deduzido», dado que está em causa diligência determinada oficiosamente pelo juiz (artigo 452.º do CPC). Por outro lado, o regime dos meios de prova, no quadro da oposição à execução fiscal, é o que resulta do disposto nos artigos 115.º/1 e 114.º, do CPPT, o que quer dizer que o juiz pode determinar a realização de todos os meios de prova admitidos em direito, como sucedeu no caso em apreço, com a realização oficiosa da recolha de declarações de parte, nos termos do artigo 452.º do CPC (6).
O segmento decisório em crise não merece a censura que lhe é dirigida.
Motivo porque se impõe rejeitar a presente alegação.
2.2.4. No que respeita ao recurso interposto contra a sentença, com vista a sustentar o erro na apreciação da matéria de facto, a recorrente configura duas linhas de argumentação distintas. Por um lado, tendo por pressuposto o recurso interposto contra o despacho interlocutório de 10.03.2020, sustenta que os factos constantes dos pontos 14, 15 e 16 que foram considerados provados com base no depoimento da testemunha Carlos Manuel Machado Rodrigues, não devem ser considerados como assentes, devendo ser retirados do probatório; mais refere que «[c]onsta da matéria dada como assente, do ponto 13 dos factos provados, que a oponente assinou, pelo menos, “declaração de início de atividade” e “declaração de alterações”», pelo que considera ter ficado demonstrado a prática por parte da oponente de atos em representação da sociedade, como forma típica de assegurar o giro comercial da mesma. Por outro lado, afirma que «se demonstrou nestes autos que a oponente não só estava investida nas funções de gerente como exerceu efetivamente o cargo de gerente, durante o período a que os factos tributários respeitam, assim como naquele em que se venceu o prazo para o respetivo pagamento, na medida em que praticou atos de gerência, designadamente, exteriorizando a vontade da sociedade e vinculando-a perante terceiros».
Por seu turno, a sentença considerou não provado o exercício de facto da gerência por parte da oponente. Ponderou, em síntese, que, «a AT, ao contrário do que era seu ónus, não só não provou, como não alegou sequer o exercício efetivo de funções de gerência por parte da Oponente, em sede de despacho de reversão, e relativamente às dívidas de coimas, a culpa da Oponente. // Por outro lado, da prova produzida decorre que a Oponente não exerceu de facto as funções de gerente na sociedade devedora originária. // Resulta do probatório que, quem tomava as decisões de gestão na sociedade em causa, era L ………….., pai da Oponente».
Apreciação.
No que se refere à primeira linha de argumentação, a matéria de facto constante dos pontos 14, 15 e 16 não pode ser desconsiderada pelo tribunal, dado que não foi impugnada, de forma directa pela recorrente, nem o recurso sobre o despacho interlocutório logrou obter o êxito almejado. A assinatura das declarações de início e de alteração de actividade por parte da oponente (n.º 13, do probatório) não pode ser valorada fora do enquadramento da restante matéria de facto assente, da qual decorre que era o pai da oponente, L ……………., quem dava ordens, tomava decisões, contratava fornecedores e pessoal.
No que respeita à segunda linha de argumentação, assente no erro na apreciação da matéria de facto assente, dado que os autos comprovariam o exercício da gerência de facto por parte da oponente, cumpre referir o seguinte.
Seja no quadro do regime do artigo 13.º do CPT, seja no âmbito do regime do artigo 24.º da LGT, constitui pressuposto da efectivação da responsabilidade subsidiária o exercício da gerência efectiva por parte do revertido/oponente. A este propósito cumpre referir que - atento o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do código Civil e no artigo 74.º, n.º 1, da LGT - é à AT, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à gerência de facto. Por outro lado, não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função (7).
Se é verdade que «[d]a nomeação para gerente ou administrador (gerente de direito) de uma sociedade resulta uma parte da presunção natural ou judicial, baseada na experiência comum, de que o mesmo exercerá as correspondentes funções, por ser co-natural que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade; // Contudo, desde a prolação do acórdão do Pleno da Secção de CT do STA de 28-2-2007, no recurso n.º 1132/06, passou a ser jurisprudência corrente de que para integrar o conceito de tal gerência de facto ou efectiva cabia à AT provar para além dessa gerência de direito assente na nomeação para tal, de que o mesmo gerente tenha praticado em nome e por conta desse ente colectivo, concretos actos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-o com essa sua intervenção, sendo de julgar a oposição procedente quando nenhuns são provados» (8).
No caso em exame, do probatório resultam os elementos seguintes:
i) Os documentos designados “declaração de início de atividade” e “declaração de alterações” foram assinados pela ora Oponente, na qualidade de gerente da sociedade devedora originária – (n.º 13).
ii) Era L ………….. , pai da Oponente, quem contratava pessoal, dava ordens e efetuava pagamentos – (n.º 14).
iii) Os contactos com fornecedores da sociedade mencionada em 1) eram feitos e decididos por L ………………..– (n.º 15).
iv) A tomada de decisões relativas a recebimentos e pagamentos, bem como as referentes ao funcionamento do talho era feita por L …………….. (n.º 16).
Em face dos elementos coligidos no probatório, forçoso se torna concluir que não existe prova nos autos do exercício de facto da gerência por parte da recorrida/oponente, dado que a simples assinatura de declarações de actividade em nome da sociedade junto das Finanças, por ser meramente formal, nada nos diz sobre o exercício da actividade de tomada de decisão incidente sobre a actividade económica, compromissos externos, liquidez, a ponto de poder responsabilizar a oponente pela insuficiência do património societário para fazer face aos créditos fiscais exequendos. A sentença recorrida, ao julgar no sentido referido não incorreu em erro, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto contra o despacho interlocutório de 10.03.2020, bem como negar provimento ao recurso interposto contra a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)


(1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires)


(2.ª Adjunto – Vital Brito Lopes)


(1) Acórdão do TRPorto, de 02-07-2020, P. 285/14.5TVPRT.P1.
(2) António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pies de Sousa, CPC, anotado, Vol. I, Almedina, 2022, anotação ao artigo 411.º do CPC.
(3) António Santos Abrantes Geraldes et al., op. e loc. cit.
(4) Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Almeidina, 2019, p. 276.
(5) Manuel José Pimenta Gonçalves, A Aplicação subsidiária do CPC ao Processo Judicial Tributário, Almedina, 2022, p. 92.
(6) Neste sentido, v. Acórdão do T.R.Guimarães, de 11/02/2021, 171/15.1T8PRG-A.G1
(7) Francisco Rothes, Em torno da efectivação da responsabilidade dos gerentes – algumas notas motivadas por jurisprudência recente, I Congresso de Direito Fiscal, Vida Económica, pp. 45/64, maxime, p. 53/54.
(8) Ac. do TCAS, de 20.09.2011, P. 04404/10.