Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1685/19.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/30/2020
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:PROTECÇÃO INTERNACIONAL;
DOENÇA.
Sumário:I. Tendo a Requerente de pedido de protecção internacional obtido tratamento médico no seu país de origem para a doença que diz sofrer, as deficiências de funcionamento que aponta ao sistema público de apoio hospitalar e de assistência médica do seu país de origem, que afectam a generalidade da população, não preenchem os pressupostos para que lhe seja deferida a sua pretensão.
II. Em tal situação, o pedido de protecção internacional pode ser analisado de acordo com o regime de tramitação acelerada previsto no art.º 19.º da Lei de Asilo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul.

K......., nacional de São Tomé e Príncipe, vem interpor recurso da sentença que julgou improcedente o pedido de anulação do despacho datado de 29/07/2019, da Directora Nacional Adjunta do SEF, que considerou infundado o pedido de protecção internacional por si formulado.
Apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso:
“1.º Com base na factualidade apurada nos autos e do acervo de informação que tem vindo a público sobre a São Tomé e Príncipe, sobre o seu sistema público de apoio hospitalar e assistência medica, sobre a difícil situação político-económica e social - que serão factos que a generalidade das pessoas, têm conhecimento, podendo, nessa medida, qualificar-se de factos notórios e do conhecimento geral (cf. art.º 412.º do CPC) – é manifesto que a decisão do SEF que subsumiu o pedido do A. e ora Recorrente no art.º 19.º,n. º 1, als. e) e h), da Lei n.º 27/2008, de 30.06, está errada.
2.º A simples existência dos supra-mencionados relatórios e respectivo conteúdo, associada ao relato do Recorrente são seguramente razões pertinentes e relevantes para o mencionado pedido de protecção.
3.º O relato inicial Recorrente quanto à situação da falta total de assistência médica e medicamentosa em São Tomé e Principe foi sendo também corroborado nas notícias veiculadas nos órgãos de comunicação social, que de dia para dia vão apontando a situação daquele país como mais gravosa.
4.º Ora, atendendo ao concreto pedido do Recorrente, à sua situação familiar, ao conteúdo integral dos relatórios da Direção Gerald e Saúde e da Ordem dos Médicos indicados e ainda, às demais informações, que são públicas, sobre São Tomé e Principe, haverá um erro manifesto na decisão do SEF de fazer subsumir o pedido do Recorrente na tramitação acelerada do art.° 19.° da Lei do Asilo.
5.º No caso, exigia-se ao SEF a apreciação do pedido do Recorrente ao abrigo do procedimento “normal” do art.° 18.° da Lei n.° 27/2008, de 30.06, procedendo a maiores averiguações acerca da actual situação político-económica e social da República Togolesa.
6.º Caberia ao SEF, fazendo-se valer dos seus poderes oficiosos e inquisitórios, investigar acerca de toda a informação disponível sobre a situação económica-social e médica de São Tomé e Principe e depois apreciar essa mesma situação considerando as circunstâncias concretas do Recorrente, para então integrar o conceito de protecção por “razões humanitárias”.
7.º Em suma, no caso ora em apreço e face ao supra exposto, deverá entender- se que a decisão do SEF, que enquadrou o pedido do Recorrente na als. e) e h) do n.° 1 do art.° 19.°, da Lei n° 27/2008, de 30.06, está manifestamente errada nos seus pressupostos de facto, padecendo de um vício de violação de lei, pois, no caso, as razões que são invocadas para o pedido de protecção subsidiária, para o recorrente, são pertinentes e relevantes.
8.º Ou seja, a decisão recorrida terá de ser anulada porque aplicou ao pedido da requerente, erradamente, o iter procedimental do art.° 19.° da Lei de Asilo, fazendo- o tramitar de forma acelerada, quando o mesmo havia de ter sido tramitado nos termos do art.° 18.° da referida Lei.
9.º Deverá, portanto, ordenar-se a revogação a decisão recorrida e anular o acto da Sra. Inspectora Coordenadora Superior do SEF, de 29.7.2019, que indeferiu o pedido de asilo e de protecção subsidiária formulado pelo Recorrente, e determinar ao SEF a retoma do indicado procedimento, que deve ser tramitado nos termos do art.° 18.° da Lei n° 27/2008, de 30.06, averiguando-se sobre a situação médica- económica-hospitalar em São Tomé e Principe e ponderando-se a concreta situação da requerente do pedido de protecção subsidiária.”.

O Recorrido, notificado, não apresentou contra-alegações.
O Digníssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso.
Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º, nº2, e 146º, nº1, do CPTA, e dos artigos 608º, nº2, 635º, nºs. 4 e 5, e 639º, todos do novo Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 140º, n.º 3, do CPTA.
Há, assim, que decidir, perante o alegado nas conclusões de recurso, se a sentença recorrida errou ao declarar o pedido improcedente; se deve ser revogada e substituída por outra que determine a retoma do procedimento administrativo nos termos previstos no art.º 18.º da Lei de Asilo.
*
Dos factos.
Para a decisão do recurso, importa considerar a seguinte matéria de facto fixada na sentença recorrida:
A) Em 22/07/2019, a A. K….., nacional de São Tomé e Príncipe apresentou junto do Serviço de Estrangeiros e Fonteiras, no posto de fronteira do Aeroporto de Lisboa, pedido de protecção internacional, ao qual foi atribuído o n.° 1……/19 — cfr. fls.1, do PA.
B) Em 25/07/2019, a A. foi questionada sobre as circunstâncias e motivos que a conduziram a efectuar o pedido de protecção internacional, podendo ler-se na “Entrevista/transcrição”, o seguinte:

“P. Tem algum problema de saúde?

R. Sim. Desde que adoeci com tuberculose, quando acabei o tratamento não fui mais ao posto e agora tenho falta de ar, e não tenho medido a tensão. Não consigo aumentar de peso. Sinto que estou a precisar de um tratamento. Já falei aqui e fui levada ao médico que mandou fazer análises, mas não passou porque não sabe se eu vou ficar ou se vou embora e deu-me uma bomba para ajudara respirar

P. Neste momento, sente-se capaz e em condições de realizar esta entrevista?

R. Sim.

P. Esta primeira parte da entrevista serve para conhecermos melhor a sua pessoa, os seus antecedentes, a traçar o seu perfil. Pode falar sobre a sua pessoa, dando o máximo de detalhes sobre si.

R. Estudei e estava no 8.º ano, passei para o 9.º à noite e depois adoeci e fiquei 6 meses internada. Depois sai e os agentes de saúde iam a minha casa dar a medicação. Voltei a matricular, mas quando fui ao médico ele disse que era cedo e que não podia estudar à noite. Para estudar de dia, na escola das madres eu tinha que pagar, e como não tinha dinheiro não fui.

P. Onde vivia?

R. Vivia na zona de Madre Deus com a minha mãe, dois irmãos mais novos, de 18 e 12 anos de idade e os meus dois filhos.
P. Trabalhava?
R. Não.
P. Quem vos sustentava?
R. A minha mãe e a minha irmã que vive em Portugal, Licínia dos Ramos Vaz de Rosário. Ela é mais velha que eu dois anos, ela faz 27anos em dezembro.
P. O que faz a tua mãe?
R. É feirante e vende bananas no mercado.
P. E o pai dos teus filhos?
R. Estamos separados há dois aros. Ele está em São Tomé.
P. Ele ajuda no sustento dos filhos?

R. Ele dá roupa e sapato. Não dá comida. Ele não dá dinheiro, só vai a feira comprar roupa e sapato para os filhos.

P. Durante o dia o que fazes?

R. Fico em casa e de vez em quando, quando a dona precisa de ajuda para lavar a roupa, eu lavo e ela paga.

P. Qual é a sua religião?

R. Católica.

P. Vamos agora falar sobre o percurso que fez desde que saiu do seu país até chegar a Portugal. Pode descrever todo o trajeto que efetuou, dando o máximo de detalhes.
R. Sai de São Tomé no dia 21.07.2019 de avião e paramos em Acera, mas não descemos e depois viemos para aqui.
P. Viajaste sozinha?
R. Vim sozinha.
P. Viajou com que documento?
R. Viajei com o meu passaporte de São Tomé e com o visto que pedi na embaixada de São Tomé. Paguei 20 milhões de dobra, cerca de 800 euros, a um senhor que trabalha na Global Solutions e ele tratou de tudo. Eu paguei, ele trouxe os papéis e nós preenchemos e ele meteu os papéis nos negócios estrangeiros. Nós fomos para a embaixada portuguesa, tiraram as impressões digitais, a foto e fizeram a entrevista. Depois fomos para casa e esperei peio visto.
P. Tem agora a oportunidade de fornecer, sem interrupções, o seu relato pessoal sobre os motivos que o levaram a sair do seu país de origem. Se possível inclua o máximo de detalhes sobre esses motivos.
R. É que desde que adoeci, que a minha irmã que está aqui, pediu uma junta médica em São Tomé, para eu vir para aqui, para ter um tratamento mais adequado, mas não conseguimos. Com isso, alguém nos disse que tem um senhor que, a gente dá dinheiro e ele faz os documentos para a gente. Ele faz todos os processos para a gente poder vir. Como tentamos, como a minha irmã tentou e não conseguimos, vimos essa chance. O senhor (B…….) disse que se aqui chegasse e se perguntasse onde eu ia, para eu dizer que ia para Espanha fazer uma formação de Karaté. O que ele disse para falar foi isso que eu fiz quando cheguei aqui.
P. Por que pediu asilo?
R. Eu falei o que o senhor disse para falar. Depois levaram para o SEF. A minha irmã e o meu cunhado estavam aqui a minha espera e quando não me viram sair ligaram para o SEF. Depois o senhor inspetor chamou o meu cunhado que veio ter comig e disseram que se não falasse eu ia de volta para São Tomé. Eles perguntaram se queria ficar ou ir, se quisesse ficar teria que vir para esta casa e eu disse que queria ficar.
P. Quem te disse para pedir asilo?

R. O inspetor pediu os dados do homem e disse que ele estava a fazer muita bandidagem, eu dei os dados. Eu não sabia que o senhor estava a fazer isso e eu não quero o mal para mim. Não me disseram para pedir asilo. O meu cunhado é que perguntou ao inspetor se eu podia pedir asilo. Quando o meu cunhado disse para pedir asilo, eu perguntei o que significava asilo. Ele disse que é tipo uma casa que eu ia ficar até dizerem se podia ficar ou não em Portugal.

P, Velo para Portugal por que motivo?

R. Para poder fazer consulta, para ver a minha irmã que já não vejo há muitos anos e que está grávida.

P. E se regressar a São Tomé e Príncipe, o que pode acontecer?

R. Não vou ficar muito bem porque dois dias antes de vir, encontrei um trabalho. Recusei porque vinha, e agora se eu voltar, vou ficar com a minha vida atrasada porque queria ajudar aos meus filhos, a minha mãe e aos meus irmãos. Eu queria fazer consultas aqui que lá não tenho.

P. Em São Tomé teve algum problema?
R. Não.
P. Alguém te bateu ou perseguiu?
R. Não.
P. Tiveste algum problema com a polícia?
R. Não.

P, Nunca pediste um visto para vir tratar de problemas de saúde?
R. A Junta Médica? Não deram.
P. Quando pediu essa Junta médica?
R. Foi depois de ter saído do hospital, pouco tempo depois de ter saído do hospital.
(...)” - cfr. fls. 40-46 do PA.


C) Em 30/07/2019, pela Inspectora A…., do Gabinete de Asilo e Refugiados, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, foi prestada a Informação n° 1…../GAR/19, onde consta o seguinte:
6. Dos factos

1. A requerente apresentou-se no posto de fronteira do SEF sito no aeroporto Humberto Delgado em Lisboa aos 22.07.2019, proveniente de Acra, Gana, no voo TP1528, identificando como Q..., nacional de São Tomé e Príncipe, nascida aos 19.08.1994, apresentando o passaporte ordinário são-tomense n.8 PC0…… (emitido a 13 05.2019 válido até 12.05.2026) onde se encontrava aposto o visto português n.8 0…… (emitido aos 03.07.2019 e válido de 05.07.2019 até 28.07.2019).

2. Em virtude de as declarações prestadas pela requerente aquando do controlo documental se enquadrarem na situação fática, denunciada àquele posto de fronteira, de uma rede de auxílio a imigração ilegal, que para obtenção do visto fez uso de documentos fraudulentos justificativos de intenções e finalidades da viagem, usando como subterfúgio atividades desportivas na europa, foi a referida cidadã intercetada e conduzida à Unidade de Apoio daquele Posto de Fronteira do SEF.

3. Ouvida em declarações, resultou provado que a referida cidadã obteve o visto supramencionado por meios fraudulentos, com base em declarações falsas aquando do pedido de concessão de visto.

4. Face ao exposto, foi recusada a entrada em território nacional a ora requerente, por ausência de visto adequado à finalidade pretendida ou caducado, que foi instalada no Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária (CIT) situado neste aeroporto.

5. A requerente solicitou então, às autoridades portuguesas, um pedido de proteção internacional (PPI).

6. Em cumprimento do disposto no n.® 1, do art.s 16 da Lei n.® 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei n® 26/2014 de 05 de Maio, foi a requerente ouvida quanto aos fundamentos do seu pedido de protecção, tendo prestado as declarações constantes nos autos, que se transcrevem:

(...)

7. A requerente apresentou o passaporte e cópia do bilhete de identidade de cidadão nacional da República Democrática de S. Tomé e Príncipe, como documentos comprovativos da sua identidade, nacionalidade e para sustentação dos méritos do seu pedido de proteção, o que permite assumirmos estar perante uma cidadã nacional daquele país.
8. Consultado o SII/SEF apurou-se existir o processo de pedido de parecer de visto Mjl5……. da DRLVTA- Lis de 03/07/2019 e o correspondente registo no VIS PRT2……. relativo a um pedido de visto solicitado no consulado Português aos 03/07/2019.

9. Em cumprimento do n2 1 do art.® 24» da Lei n.2 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei ne 26/2014 de 05 de maio, foi comunicada ao Conselho Português para os Refugiados a apresentação do atual pedido de proteção internacional.

7. Da apreciação da admissibilidade do pedido
A requerente pertencente a etnia forro, católica, solteira, com o 8.° ano de escolaridade, residente na zona de Madre Deus com a mãe, dois irmãos mais novos e dois filhos menores, declarou que não exerce qualquer profissão, realizando apenas trabalhos de lavagem de roupa para particulares e subsiste com o dinheiro ganho pela mãe na feira e com aquele que é enviado pela sua irmã, residente em Portugal.
Quando frequentava o 8.2 ano adoeceu com tuberculose, foi medicada e quando terminou o tratamento nunca mais foi ao posto médico. Tem falta de ar e não tem medido a tensão arterial nem consegue aumentar de peso e sente que necessita de tratamento. Desde que chegou em Portugal, já foi medicada para a falta de ar, tendo o médico mencionado apenas que necessita de efetuar análises para saber o seu estado de saúde.
Questionada sobre os motivos pelos quais está a solicitar proteção, declarou que, desde que adoeceu com tuberculose, que pretendia vir para Portugal para receber um tratamento mais adequado. Como não conseguiu ir a uma Junta Médica para obter o visto, recorreu aos serviços de um senhor que tratou da documentação e seguindo as instruções daquele, após ter logrado obter 0 visto, quando chegou em Portugal, declarou qu^ vinha para uma formação em karaté, a realizar-se em Espanha Após ser recusada a sua entrada em Portugal (porque se apurou que 0 visto foi obtido de forma fraudulenta, com recurso a falsas declarações), 0 cunhado que, entretanto, a visitou no centro de instalação, é que sugeriu que ela solicitasse proteção internacional, desconhecendo, contudo, 0 significado de "proteção internacional" e que quando questionou aquele, 0 mesmo referiu que iria permanecer numa casa até que fosse decidido se poderia ou não ficar em Portugal. Referiu então que veio para Portugal para poder efetuar uma consulta médica que ali não existe e para ver a sua irmã, que não vê hé bastante tempo e que se encontra grávida.
Nunca teve qualquer problema com as autoridades ou com qualquer outra pessoa no seu país, e nunca foi agredida ou perseguida.
Declarou ainda que se regressar ao seu país não irá ficar bem, porque irá ficar com a vida "atrasada", pois antes de vir para Portugal recusou um trabalho e' não poderá ajudar a sua mãe, irmãos e filhos.
Em primeiro lugar há que referir que a requerente declarou ser nacional da República Democrática de São Tomé e Príncipe, tendo apresentado o passaporte e cópia do bilhete de identidade de cidadão nacional da República Democrática de S. Tomé e Príncipe, como documentos comprovativos da sua identidade e nacionalidade, o que permite assumirmos estar perante uma cidadã nacional daquele país.
Analisando agora o pedido de proteção internacional e antes de qualquer outra consideração, sublinhe-se que o relato da requerente ofereceu ao examinador um cenário sem qualquer relevância para a matéria de asilo, apenas indica questões não pertinentes ou de relevância mínima para a análise do cumprimento das condições para o reconhecimento do estatuto de refugiado. Com efeito, a requerente alega que veio para Portugal apenas para poder receber um tratamento médico adequado, para poder visitar a sua irmã que não vê há bastante tempo e que se encontra grávida e para poder ajudar a sua mãe, irmãos e filhos. Não menciona qualquer situação de natureza persecutória individual a que tenha sido sujeita e mencionou não ter qualquer problema com as autoridades do seu pais ou com qualquer outra pessoa. Não menciona qualquer receio em regressar ao seu pais, mencionando apenas que ficara com a vida "atrasada", pois antes de encetar a viagem recusou uma proposta de trabalho e não poderá ajudar a sua mãe, irmãos e filhos.
A requerente invoca assim questões pessoais para fundamentar o seu pedido de proteção internacional, razões essas que não estão contempladas pela lei de asilo ou pela convenção de Genebra. Com efeito, menciona a requerente que veio porque pretende receber tratamento médico adequado porque terá padecido de tuberculose. Ora, a requerente padeceu daquela doença quando frequentava o 8.s ano de escolaridade, portanto invoca assim um fato que carece de atualidade, atualidade essa necessária para fundamentar qualquer receio em termos de proteção internacional. Para além disso, a requerente recebeu tratamento médico adequado naquele país. Somente não se deslocou ao posto médico para avaliar a sua situação clinica após ter concluído o tratamento médico. De mencionar ainda que a requerente, após chegar a território nacional, foi ao hospital, onde recebeu tratamento médico para os problemas que apresentou.
Relativamente ao fato de pretender visitar a sua irmã grávida que não via há já bastante tempo, estamos perante uma razão meramente pessoal, sem qualquer relevância em termos de proteção internacional.
Por último, o fato de pretender ajudar a sua mãe, irmãos mais novos e filhos, trata-se de uma razão meramente económica. Subjacente ao pedido de protecção apresentado pela requerente, estão também motivos económicos que não se enquadram nas disposições que regulam o direito de asilo em Portugal. Com efeito, o Manual de Procedimentos do ACNUR3, refere no ponto 62 que, "Um migrante é uma pessoa que, por outras razões que não as mencionadas na definições, deixa voluntariamente o seu país para se instalar algures. Pode ser motivado pelo desejo de mudança ou de aventura, ou por razões familiares ou outras razões de carácter pessoal. Se é motivado exclusivamente por razões económicas, trata-se de um migrante e não de um refugiado".

Acresce referir que a própria requerente, que não exerce qualquer profissão mencionou que havia recusado uma proposta de trabalho antes de encetar a sua viagem para Portugal, portanto tinha alternativas para fazer face as necessidades económicas no seu país.

A desnecessidade de proteção internacional no caso em apreço, é ainda patente quando se constata que a requerente somente solicitou proteção internacional porque o cunhado assim o sugeriu, e que a própria desconhecia inclusivamente o que significava proteção internacional. De referir também que reforça essa desnecessidade o fato de a requerente apenas ter solicitado proteção internacional quando viu recusada a sua entrada em território nacional, em virtude de existirem indícios sérios de que terá recorrido a uma rede de auxílio à imigração ilegal, tendo prestado falsas declarações e apresentado documentos fraudulentos aquando da apresentação do pedido de concessão de visto.

Ora, não sendo notória qualquer medida individual de natureza persecutória de que tenha sido vítima ou receando vir a sê-lo, em consequência de actividade por ela exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana na República Democrática de S3o Tomé e Príncipe, inexiste razão atendível para a concessão do estatuto de refugiado à requerente, verificando-se que os fundamentos do actual pedido de protecção não se enquadram no espírito da Lei de Asilo portuguesa ou na Convenção de Genebra.

De igual modo, também não foi pela requerente invocado receio de perseguição em virtude de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou Integração em determinado grupo social, nem foi exercida qualquer actividade individual susceptível de provocar um fundado receio de perseguição, na acepção do artigo 32 da Lei n.º 27/08, de '30/06 com as alterações introduzidas pela Lei n® 26/2014 de 05/05.
Perante o exposto, entende-se que a requerente não apresentou quaisquer factos relacionados com a análise do cumprimento das condições para beneficiar de protecção internacional, pelo que se julga o presente pedido infundado por incorrer nas alíneas e) e h) do n.s 1, do artigo 19», da Lei 27/08, de 30.06, alterada pela Lei 26/14 de 05.05.

8. Da Autorização de Residência por Protecção Subsidiária

O artigo 73 da Lei n.º 27/2008 de 30.06, com as alterações introduzidas pelas 26/2014 de 05.05, atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3», a possibilidade de obterem uma autorização de residência por protecção subsidiária, quando estão impedidos ou se sentem impossibilitados de regressar ao seu pais de origem ou de residência habitual, devido a situações de sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.

Face ao alegado no número anterior, também aqui em sede de análise da autorização de residência por protecção subsidiária, não é de admitir que a requerente, atonto o seu caso individual, sinta algum constrangimento na sua esfera pessoal pelas ra2õesque possam levará concessão de protecção, prevista no regime subsidiário na Lei de Asilo.

Das declarações prestadas pela requerente não se pode concluir que esteve ou pode estar exposto a uma violação grave e sistemática dos seus direitos fundamentais, tomando a sua vida intolerável no seu país de origem. Aquela não indicou qualquer acto persecutório ou ameaças que configurem terem existido situações sistemáticas de violação dos direitos humanos ou se encontrar em risco de sofrer ofensa grave. A própria refere que apenas receia regressar ao seu país porque ficará com a vida "atrasada", não poderá ajudar a sua família, nem poderá beneficiar de consultas que ali não existem para o seu estado de saúde, o que é de todo infundado. Com efeito a requerente enquanto esteve tuberculosa, esteve internada e recebeu tratamento médico adequado. Apenas não se deslocou ao posto médico para fazer a avaliação da sua situação clínica, porque não quis e não porque existisse qualquer motivo válido ou de força maior que a impedisse de tal.

Assim pelo exposto, afigura-se que o presente caso não é elegível para a protecção subsidiária, por incorrer nas alíneas e) e h) do n.s 1 do artigo 19 da Lei n.s 27/08, de 30.06, alterada pela Lei 26/14 de 05.05.


9.Proposta

Face aos factos atrás expostos, consideramos o pedido de asilo infundado, por se enquadrar nas alíneas e) e h) do n.s 1 do artigo 19S da Lei n.s 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014, de 05.05 pelo facto de não ser subsumível às disposições do regime previsto no artigo 3® da Lei citada.

Tendo em conta o exposto no ponto 8 da presente informação, consideramos que o caso não é subsumível ao estatuto de protecção subsidiária, e por isso infundado, por se enquadrar nas alíneas e) e h) do n.s 1 do artigo 19S da Lei n.s 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014, de 05.05.

Assim, submete-se à consideração da Exm*. Sr.* Diretora Nacional do SEF a proposta acima, nos termos das alíneas e) e h) do n.s i do artigo 19B, e n.s 4 do artigo 24B, ambos da Lei n.s 27/08, de 30 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei nB 26/2014 de 05.05. (...) - cfr. 49-58, do PA.


D) Em 29/07/2019, pela Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, foi proferido despacho, nos termos seguintes:

“(…) De acordo com o disposto nas alíneas e) e h) do n.s 1, do artigo 19º, e no n.s 4 do art.s 24º, ambos da Lei n.s 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei na 26/2014 de 05 de maio, com base na informação n.s 1325/GAR/19 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de asilo apresentado pela cidadã, Kenia dos Ramos de Sousa, nacional de São Tomé e Príncipe, infundado.
Com base na mesma informação e nos termos das disposições legais acima citadas, considero o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária, apresentado pela cidadã acima identificada, infundado.
Notifique-se a interessada nos termos do n® 5 do art.® 24® da Lei n.® 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei nB 26/2014 de 05 de Maio. - cfr. fls. 62, do PA.


*
Direito
Alega a Recorrente que a sentença recorrida errou ao julgar a improcedência do pedido de anulação do despacho da Directora do SEF que havia considerado infundada a sua pretensão.
Entende que a situação de doença em que se encontra e as deficiências que aponta ao “sistema público de apoio hospitalar e assistência médica”, bem assim como “a difícil situação política-económica e social” que diz viver-se em São Tomé e Príncipe, impõem que se proceda à reapreciação do seu pedido de protecção internacional nos termos do art.º 18.º da Lei de Asilo (Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho). Defende que o seu pedido não deveria ter sido analisado de acordo com o regime de tramitação acelerada previsto nos termos do art.º 19.º da mesma Lei.
Não cremos que a sentença recorrida sofra do erro que lhe é imputado.
O despacho da Directora do SEF que considerou infundado o pedido de protecção internacional apresentado pela ora Recorrente, fundamentou-se no disposto no nas alíneas e) e h) do n.º 1 do art.º 19.º da Lei do Asilo (Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho).
Estabelecem tais normas que:
“1 - A análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional é sujeita a tramitação acelerada e o pedido considerado infundado quando se verifique que:
(…)
e) Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária;
(…)
h) O requerente apresentou o pedido apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento;”.

Como se vê das declarações que a Recorrente apresentou junto do SEF, ela veio para Portugal para poder ter uma consulta médica, alegando que adoeceu com tuberculose e que apesar de ter feito o tratamento em São Tomé e Príncipe, nunca mais foi ao “posto”, tendo agora falta de ar e alegou ainda que não consegue aumentar de peso.
Disse também que veio para Portugal para ver a sua irmã que aqui reside, está grávida e que já não vê há alguns anos.
Declarou ainda que pediu asilo a conselho do seu cunhado, para não ser transferida de imediato para o seu país.
Nos termos da al. ac) do n.º 1 do referido art. 2.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, considera-se:
“ac) «Refugiado», o estrangeiro ou apátrida que, receando com razão ser perseguido em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana ou em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar, e aos quais não se aplique o disposto no artigo 9.º;”

Estatui o artigo 3.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, sob a epígrafe “Concessão do direito de asilo”, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio, e no que por ora concretamente releva, o seguinte:
“1 - É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
1 - Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual. (…)”

No artigo 7.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redação dada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio, que sob a epígrafe “Proteção Subsidiária”, estabelece-se o seguinte:
“1 - É concedida autorização de residência por proteção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
2 - Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente:
a) A pena de morte ou execução;
b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou
c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior”.

Os motivos invocados pela Recorrente para fundamentar o pedido de protecção internacional não preenchem os requisitos exigidos nos transcritos artigos 2.º, n.º 1, al. ac), 3.º e 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, acima transcritos.
A sua situação de saúde e as deficiências que aponta ao sistema de saúde do seu país de origem não se reconduzem à previsão de tais normas.
Sobre a questão, o TJUE tem entendido que “36 (…) os riscos aos quais uma população ou um grupo da população de um país está geralmente exposta, por regra, não suscitam, em si mesmos, uma ameaça individual que se possa qualificar como uma ofensa grave. Daqui decorre que o risco de deterioração do estado de saúde de um nacional de país terceiro que padeça de uma doença grave resultante da inexistência de tratamentos adequados no seu país de origem, sem que esteja em causa uma privação de cuidados infligida intencionalmente a esse nacional de país terceiro, não é suficiente para implicar a concessão do benefício da proteção subsidiária a esse nacional.” - acórdão proferido pelo TJUE no âmbito do proc.º n.º C-542/13, acessível em curia.europa.eu.
No caso, não estamos perante uma situação de privação de cuidados de saúde que tenha sido infligida intencionalmente à Recorrente, nem de inexistência de tratamento no país de origem, mas sim perante insuficiências que, de acordo com o alegado, afectarão a generalidade da população.
A resposta que pode ser dada a essas situações, não se situa ao nível das normas que regulam a protecção internacional (confira-se o disposto nos artigos 122.º e 123.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, que aprovou o regime jurídico relativo à entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português, bem como o estatuto de residente de longa duração).
Há, assim, que concluir que o pedido de protecção internacional podia ter sido analisado de acordo com o regime de tramitação acelerada, por a Recorrente apenas ter apresentado razões não pertinentes e ter requerido asilo para evitar ser transferida de imediato para o seu país de origem - cfr. alíneas e) e h) do n.º 1 do art.º 19.º da Lei do Asilo.
A sentença recorrida não errou ao manter na ordem jurídica o despacho que declarou infundado o pedido de protecção internacional apresentado pela Recorrente.
Decisão
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em julgar o recurso improcedente e manter a sentença recorrida.
Sem custas – art.º 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.
Lisboa, 30 de Janeiro de 2020

Jorge Pelicano

Celestina Castanheira

Paulo Gouveia