Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:49/10.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/14/2019
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:RETIFICAÇÃO DO IVA A FAVOR DO EMITENTE;
DEVOLUÇÃO DE ORIGINAL DA FATURA.
Sumário:1. Nas situações abrangidas pelo n.º 5 do art.º 71.º do CIVA é necessário demonstrar que está salvaguardado o risco de perda de receitas fiscais, devendo as exigências de prova ser temperadas com o respeito pelo princípio da neutralidade, basilar na mecânica do imposto em causa.
2. Se as faturas foram devolvidas à impugnante e não foram contabilizadas pelo cliente, e na sequência foram emitidas notas de crédito no mesmo valor com base nas quais regularizou o IVA a seu favor, mesmo admitindo que a situação se subsume ao n.º 5 do art.º 71º do CIVA (numeração vigente), devem considerar-se cumpridos os requisitos legais.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

RECORRENTE: Fazenda Pública.
RECORRIDO: V……. – P………, S.A.
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Sintra que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por V........... - P........... , S.A, contra o indeferimento expresso da Reclamação Graciosa subjacente ao acto de liquidação adicional de IVA, respeitante ao período 5/2004, no montante de € 3.500,85 e liquidação de juros compensatórios.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES DA RECORRENTE:
«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença, na parte que julga a liquidação de IVA de 2004 e respectivos juros compensatórios ilegal por não enquadrável no artigo 71.º do CIVA, que declarou parcialmente procedente a impugnação judicial interposta por V........... - P........... S.A., com o NIF 504796…, contra a liquidação de IVA referente ao exercício de 2004 e correspondente liquidação de juros compensatórios.
II. As regularizações de IVA são admitidas nos termos do prescrito no artigo 71.º do CIVA, na redacção aplicável à data dos factos, no caso o disposto nos n.ºs 4 e 5, sendo que por seu turno o artigo 43.º da LGT define as situações em que são devidos juros indemnizatórios, n.ºs l e 2, normas não aplicável no caso dos presentes autos.
III. Do procedimento inspectivo decorrido ao abrigo da OI200800… resultou, conforme decorre do probatório fixado pela douta sentença de que aqui se recorre, que a impugnante havia registado nas suas declarações periódicas de IVA montantes no campo 40 (que corresponde ao IVA regularizado a favor da empresa) sem que tivesse na sua posse os comprovativos para o fazer - as notas de crédito não cumpriam os requisitos exigidos.
IV. Ao incluir no campo 40 os valores correspondentes às ditas notas de crédito posicionou-se, em sede de IVA e em sede das deduções a efectuar, no âmbito das regularizações a favor da empresa, daí decorrendo a aplicação das normas legais de IVA reportadas a tal matéria - operações de regularização de 1VA a favor da empresa.
V. Não se percebe então como não aplicar o artigo 71.º do CIVA sabendo nós que não poderia a impugnante proceder à dedução do IVA que não fosse por via da sua regularização, e portanto da sua inclusão no campo 40 da declaração periódica (como de facto aconteceu).
VI. Nestes termos, mostra-se imperceptível apreender o raciocínio levado a cabo pela impugnante. e ao qual adere a douta sentença recorrida, quando num primeiro momento beneficia do regi me da regularização, como o fez - quando incluiu os valores no campo 40 destinado às regularizações a favor da empresa - para em momento subsequente alegar não ser de aplicar tal regime (porque não lhe é favorável).
VII. Pelo que, será de aplicar conforme vontade da impugnante o regime que ela própria adaptou, e à sua luz aferir do cumprimento dos requisitos necessários para proceder à regularização do IVA, para concluirmos que, de acordo com o prescrito no n.º 5 do artigo 71.º do CIVA ( que afirma que a regularização só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto), resulta da prova recolhida em sede de procedimento inspectivo que a impugnante tinha em seu poder notas de crédito sem que se mostrasse minimamente comprovado o conhecimento pelo cliente de tal regularização.

VIII. Não sendo pois exigível a dedução de IVA AT em incumprimento da lei, ao que acresce o facto de que a prova a produzir é, em sede de IVA e das suas regularizações, a prova documental, como bem refere o Acórdão do TCA Sul proferido a 19 de Março de 2015 no processo n.º 08034/14.
IX. Nestes termos, se conclui que à AT não era exigível actuar de diversa forma, não lhe sendo lícito aceitar a dedução de IVA relativamente a despesas cuja prova documental não se mostrava efectuada nos termos do prescrito no artigo 71.º, seu n.º 5, do CIVA.
X. Por outro lado, outra coisa não resulta do n.º 4 do artigo 71.º do CIVA, ao contrário do entendimento defendido pela douta sentença recorrida, pois que o fornecedor do bem/prestador do serviço é a aqui impugnante, a qual procedeu à entrega de declaração periódica com regularização de IVA a favor da empresa, na medida em que incluiu tais valores no campo 40 da mesma, sendo que, para isso necessariamente procedeu ao registo contabilístico de tais operações.
XI. Ainda, o adquirente, recebendo o documento comprovativo da rectificação, irá proceder à correcção da operação desde que a tenha registado, o que em nada influi com a obrigação que o prestador do serviço/fornecedor do bem tem de proceder à comunicação, pelo que por esta via parece frustrar-se a orientação seguida na douta sentença recorrida.
XII. Concluímos, apelando ao artigo 74.º da LGT, que cabendo à AT fazer a prova dos factos em que fundamenta as correcções, ónus que a mesma cumpriu, enquanto à impugnante, como sujeito passivo que se arrogava um direito de proceder a regularizações de IVA, cabia fazer a prova dos factos constitutivos em que assentava tal direito à dedução, tendo por referência os normativos aplicáveis, e não cumpriu a impugnante o ónus que sobre si impendia, mostrando-se desta feita as correcções como absolutamente legítimas.
XIII. No respeitante aos juros indemnizatórios, atente-se no facto de que não estamos, pelos factos acima expostos, perante erro imputável à AT, pois que, quem não cumpriu os formalismos exigidos por lei foi a impugnante.
XIV. Com efeito a sentença recorrida questiona o método utilizado pela própria impugnante para proceder à regularização do IVA, com o que concordamos, pelo que nunca poderia a AT ser onerada com tal incumprimento, pois se se a impugnante tivesse na sua posse os documentos necessários à comprovação das regularizações efectuadas, como lhe incumbia, nenhuma correcção nessa sede teria sido efectuada no âmbito do procedimento inspectivo.
XV. Não são, assim, devidos juros indemnizatórios por via da aplicação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT, face à inexistência de erro imputável aos serviços.
XVI. Atento o exposto, mostra-se a douta sentença proferida em erro de julgamento de facto, fazendo uma errónea apreciação dos factos trazidos a juízo, e em violação do disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 71.º do CIVA e os n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT, bem como da norma constante do n.º 1 do artigo 74.º da LGT.
XVII. Assim, na sentença recorrida não foi obtido o melhor julgamento, pelo que, pugna-se pela substituição da decisão proferida nos autos de modo a que, com as legais consequências, se considere correcta e fundamentada a posição da Administração Fiscal quanto à liquidação adicional de IVA de 2004 no referente às regularizações indevidas efectuadas pelo sujeito passivo impugnante e respectivos juros compensatórios, bem como improceder o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente.
SENDO QUE EXAS. DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»

O RECORRIDO V........... - P........... , S.A. CONTRA ALEGOU, e formulou as seguintes conclusões:
«I. A Recorrente interpôs recurso com fundamento na “errónea apreciação da matéria de facto vertida nos autos”.
II. O artigo 640.º aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT exige que quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados [cfr. n.º 1, al. a)], os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. n.º 1, al. b)], as passagens da gravação em que se funda o recurso, no caso de os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados [cfr. n.º 2, al. a)] e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. n.º 1, al. c)].
III. Compulsadas as alegações de recurso e as conclusões - que delimitam o âmbito e o objeto do presente recurso (cfr. artigo 635.º, n.º 3, do CPC) -, constata-se que a Recorrente limita- se a contestar a apreciação que o Tribunal a quo fez da factualidade trazida a juízo, sem, no entanto, indicar os concretos pontos de facto da sentença que considera incorretamente julgados e os meios probatórios que impunham decisão diferente da recorrida.
IV. A Recorrente incumpriu assim o ónus previsto no artigo 640.º do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, pelo que o recurso deve ser imediatamente rejeitado sem possibilidade de aperfeiçoamento (neste sentido vide, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16-09-2014, processo 1458/10.5TBEPS.G1, de 14-03-2013, processo n.º 1472/08.0TBFLG.G1).
V. A Recorrente discorda da sentença recorrida porque defende que a Recorrida ao ter incluído os montantes de IVA na declaração periódica de IVA posicionou-se no regime das regularizações e, por isso, estava obrigada ao cumprimento do disposto no n.º 5, do artigo 71.º (atual 78.º) do CIVA.
VI. A sentença recorrida considerou e bem “(...) o pressuposto de aplicação da exigência de comprovativo prevista no n.º 5, do artigo 71.º do CIVA é que o imposto tenha sido deduzido pelo cliente, e que, posteriormente, na sequência de retificação para menos do valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto, haja necessidade de proceder à regularização do imposto. Só nesses casso, em que possa existir risco de falta de regularização, pelo cliente de Imposto regularizado pelo sujeito passivo fornecedor/prestador de serviço, é que faz sentido exigir a posse do comprovativo de receção de comunicação que evidencie o montante de IVA retificado.”
VII. No caso dos autos, como nota a sentença recorrida, não se pode falar de uma situação em que tenha havido retificação, para menos, do valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto, pois que, como resulta do probatório (que não foi contestado pela Recorrente), as faturas em causa foram devolvidas pelos clientes à Impugnante sem que aqueles tivessem procedido à sua contabilização.
VIII. Assim, andou bem a sentença recorrida ao concluir que se não houve contabilização, pelos clientes, das faturas devolvidas não pode ter existido por parte destes qualquer dedução de IVA, pelo que não faz sentido exigir à Impugnante comprovativo de receção de comunicação pelo cliente que evidencie o montante retificado, não sendo, por isso, aplicável o disposto no n.º 5, do artigo 71.º (atual 78.º) do CIVA.
IX. Na verdade, face à não contabilização das faturas pelos clientes da Impugnante, ora Recorrida, a única correção de IVA que tinha de ser feita era ao nível desta, obtendo-se com essa correção exclusivamente ao nível desta o pretendido saldo zero da operação.
X. Ademais, como nota a sentença recorrida, se atentarmos no n.º 4 do artigo 71.º na redação à data dos factos do CIVA, verificamos que a obrigatoriedade de retificação da dedução efetuada só existe na medida em que a operação anulada pelo prestador de serviço / fornecedor tenha sido registada contabilisticamente, sendo que só nessas situações é que se justifica a exigência do comprovativo do conhecimento por parte do cliente.” Ou seja, também por via deste n.º 4 do artigo 71.º (atual 78.º) do CIVA terá de se concluir que a Impugnante, ora Recorrida, não estava obrigada ao cumprimento do disposto no n.º 5, do artigo 71.º (atual 78.º) do CIVA.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deverá ser negado provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública da sentença proferida pelo tribunal a quo em 16.03.2015, com todas as devidas consequências legais, só assim se fazendo o que é de Lei e de JUSTIÇA!»

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela procedência do Recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a impugnação na parte relativa à retificação do IVA com base em notas de crédito emitidas na sequência de anulação de faturas devolvidas pelo cliente da Impugnante, bem como na condenação ao pagamento de juros indemnizatórios.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1) A ora Impugnante, V........... - P........... , S.A., exerce a actividade de “Outras Actividades e Serviços de Apoio Prestados às Empresas”, com o CAE 82990;
2) A Impugnante, relativamente ao exercício de 2004, foi alvo de acção inspectiva por parte dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, da Direcção-Geral dos Impostos, em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI200800…..;
3) Na sequência da acção inspectiva referida na alínea antecedente, em 15 de Janeiro de 2009, foi elaborado o Relatório, do qual se destaca o seguinte:
“(...) 2) ANÁLISE EFECTUADA ÀS CONTAS DE IVA DEDUTÍVEL / REGULARIZAÇÕES
Foi realizada análise por amostragem aos registos efectuados nas contas de IVA dedutível/regularizações e respectivo suporte documental. Atendendo aos valores registados no campo 40 das declarações periódicas – IVA regularizações a favor da empresa, que tem por base as notas de crédito emitidas e o consequente IVA deduzido, verificamos a totalidade das notas de crédito emitidas pela V…….. no ano de 2004 e constatamos que, relativamente aos documentos abaixo discriminados não foram cumpridos os requisitos do artº 71º nº5 do CIVA (à data dos factos), ou seja, a existência de documento carimbado e assinado pelas entidades clientes da V…..... e destinatárias das referidas notas de crédito. No anexo 4 encontram-se alguns exemplos destas notas de crédito onde faltam os respectivos documentos ou os mesmos não estão correctamente elaborados.(…)
Só foi considerado indevidamente deduzido o IVA de notas de crédito emitidas em que não existia qualquer prova de que o destinatário das mesmas tomou conhecimento dessa regularização de imposto. (…).
Desta forma, o montante das correcções a efectuar – IVA indevidamente deduzido - totaliza € 71.254,79 (…)” – Cfr. Relatório do PAT, apenso aos autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
4) No Relatório refere-se ainda, que:
“Foi contabilizado na conta 6223… – (P…… P…… – Tx. Normal) – o documento do qual se junta fotocópia a fls. 1 do anexo 5, que se refere à organização de um Torneio de Golfe, a despesas de bar associadas, bem como ao custo das respectivas bolas de golfe utilizadas, no valor de 8.621,02 € (sem IVA). Foi também deduzido o respectivo IVA, no montante de 1.637,99 €.
De acordo com o POC a conta de publicidade e propaganda destina-se a material publicitário, anúncios ou campanhas publicitárias, enquanto que a conta de Despesas de Representação se destina a despesas relacionadas com a representação da empresa, tal como enumera o artº 81 n.º 3) e 6) do CIRC, junto de outras entidades. A organização de um torneio de golfe, para participação de várias pessoas, algumas externas à empresa, consubstancia uma despesa de representação e não de publicidade(…).
O respectivo IVA destas despesas não é dedutível, nos termos do artigo 21.º n.º 1 alínea d) do CIVA”;
5) Em 20 de Janeiro de 2009 foi proferido parecer, pelo Chefe de Equipa de Inspecção Tributária, concordando com o Relatório de Inspecção referido na alínea anterior;
6) Na sequência da acção inspectiva efectuada relativamente ao exercício de 2004 a Administração Tributária (AT) efectuou a liquidação adicional de IVA com o nº 09017…, quanto ao período 0405, da qual resultou o valor a pagar de € 3.500,85, que a Impugnante pagou em 28.04.2009;
7) Na sequência da acção inspectiva efectuada relativamente ao exercício de 2004 a Administração Tributária (AT) efectuou a liquidação de juros compensatórios com o nº 09017…, quanto ao período 0405, da qual resultou o valor a pagar de € 631,11, que a Impugnante pagou em 28.04.2009;
8) Na sequência de reclamação graciosa deduzida pela Impugnante das liquidações mencionadas nas alíneas antecedentes, em 10 de Dezembro de 2009 foi proferido despacho pelo Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, com o seguinte teor: “(…) Concordo, pelo que convolo em definitivo o projecto de decisão, e, com os fundamentos dele constantes, com a informação prestada, infra, com o parecer que antecede e com os demais elementos integrantes dos autos, Indefiro o pedido da Reclamante nos termos e com os fundamentos propostos.(…)”;
9) No ano de 2004 a Impugnante emitiu as seguintes facturas:
• Factura nº 5, emitida em 5/01/2004, em nome de L….. P…., Lda., no valor total de € 9.058,18, sendo o valor de IVA correspondente a € 1.446,26;
• Factura nº 24, emitida em 26/01/2004, em nome de L….. P…., Lda., no valor total de € 1.263,09, sendo o valor de IVA correspondente a € 201,67;
10) As facturas identificadas na alínea antecedente foram devolvidas pelo Cliente à Impugnante;
11) A sociedade “L....... P......., Lda.” declarou não ter procedido à contabilização das facturas referidas em 9);
12) Em 11 de Maio de 2004 a Impugnante emitiu a Nota de Crédito nº …, na qual consta a seguinte descrição: “Anulação da factura nr. 5 (n/obra nr. 4015)”, com o valor total de € 9.058,18;
13) Em 11 de Maio de 2004 a Impugnante emitiu a Nota de Crédito nº …, na qual consta a seguinte descrição: “Anulação da factura nr. 24 (n/obra nr. 4017)”, com o valor total de € 1.263,09;
*

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.


IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Impugnante deduziu impugnação judicial do indeferimento da reclamação graciosa n.º 3522200904003… e da liquidação adicional de IVA relativa ao período de 05/2004 bem como a liquidação de juros compensatórios. Alegou, em síntese, (entre o mais, que para aqui não releva) que em 2004 prestou serviços à L....... P....... tendo emitido as facturas 5 e 24, que contabilizou e inseriu nas suas declarações periódicas de IVA. Contudo, os L....... P......., devolveram as faturas por conterem numerosos lapsos e por conseguinte, não procedeu à contabilização das mesmas nem efetuou qualquer dedução do IVA. A Impugnante, por seu turno, recebeu as faturas e procedeu de imediato à sua anulação, através da emissão de notas de crédito com os n.ºs … e … A Impugnante contabilizou essas notas de crédito e com base nas mesmas procedeu à retificação do IVA, por forma a recuperar o IVA correspondente ao que já entregara nos cofres do Estado.
A AT efetuou as correções/liquidações por considerar não ter sido dado cumprimento ao art.º 71º n.º 5 do CIVA (na numeração vigente à data).
Todavia, a devolução da fatura é prova bastante de que o cliente não a contabilizou nem podia contabilizar e não deduziu nem podia deduzir o respetivo IVA, não sendo por isso necessário remeter aos adquirentes as notas de crédito.
A prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto (art.º 71º/5 CIVA) só é necessária se o valor tributário da operação foi contabilizado por ambos os intervenientes. Se sofrer alguma alteração, a correção de IVA terá de correr nos dois lados, ou seja, no lado da liquidação e no lado da dedução. Não havendo contabilização nem dedução do IVA no lado do adquirente, a única correção a fazer é do lado do prestador do serviço, ou seja, a Impugnante.

Proferida sentença, o MMº juiz após tecer algumas considerações genéricas sobre o IVA e transcrever o n.º 5 do art.º 71 do CIVA (numeração vigente à data dos factos) julgou procedente a impugnação, nesta parte, com a seguinte fundamentação:

“A AF vem entendendo que esta norma tem por objectivo evitar que um sujeito passivo esteja a regularizar a seu favor imposto inicialmente deduzido pelo seu cliente, sem que este (o cliente) fique obrigado a regularizar a favor do Estado o mesmo montante, o que só se assegura se este acusar a recepção de comunicação que evidencie o montante de IVA rectificado (cfr. a título de exemplo, Informação Vinculativa prestada pela Direcção-Geral dos Impostos, no âmbito do processo nº R160 2004….).
Ou seja, pressuposto de aplicação da exigência de comprovativo prevista no nº5 do artigo 71º do CIVA é que o imposto tenha sido deduzido pelo cliente, e que, posteriormente, na sequência de rectificação para menos do valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto, haja necessidade de proceder a regularização de imposto.

Só nesses casos, em que possa existir risco de falta de regularização, pelo cliente, de Imposto regularizado pelo sujeito passivo fornecedor/prestador de serviço, é que faz sentido exigir a posse do comprovativo de recepção de comunicação que evidencie o montante de IVA rectificado.
Regressando ao caso dos autos, o que se verifica é que não se pode falar, aqui, de uma situação em que tenha havido rectificação, para menos, do valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto, pois que, como resulta do probatório, as facturas em apreciação, foram devolvidas pelos clientes à Impugnante, não tendo, aqueles, procedido à sua contabilização.

Ora, se não houve contabilização, pelos clientes, das facturas devolvidas, não pode ter existido, por parte destes, qualquer dedução de imposto, pelo que não faz qualquer sentido estar a exigir à Impugnante comprovativo de recepção de comunicação, pelo cliente, que evidencie o montante de IVA rectificado.
Assim, a conclusão a que se chega é a de que não se verificam os pressupostos de aplicação do preceituado no nº5 do artigo 71º do CIVA.
De facto, se atentarmos no teor do nº4 do mesmo artigo, verifica-se que a obrigatoriedade de rectificação da dedução efectuada só existe na medida em que a operação anulada pelo prestador de serviço/fornecedor tenha sido registada contabilisticamente, sendo que só nessas situações é que se justifica a exigência do comprovativo do conhecimento por parte do cliente.
Independentemente da questão de saber se o método de anulação das facturas escolhido pela Impugnante, através da emissão de notas de crédito, tenha sido o mais correcto, o que é facto é que a emissão das notas de crédito, por si só, não serve de fundamento para se exigir o cumprimento do formalismo exigido pelo nº5 do artigo 71º do CIVA, como vimos supra.
Assim, a fundamentação utilizada pela AF para proceder à liquidação de IVA impugnada é ilegal, por se não enquadrar no âmbito do referido nº5 do artigo 71º do CIVA, pelo que é de proceder, nesta parte, a presente impugnação judicial”.
(...)

E quanto ao pedido de pagamento de Juros Indemnizatórios, foi o mesmo deferido, na parte respeitante às liquidações anuladas com o seguinte fundamento:

O art. 43.º, nºs. 1 e 2, da LGT estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Como se viu, a liquidação impugnada é parcialmente ilegal, tendo sido motivada por erro imputável aos serviços da AT, devendo quanto à parte a anular serem contados e pagos à Impugnante os correspondentes juros indemnizatórios.
Nessa medida, procede o pedido de juros indemnizatórios, nos termos dos arts. 43.º, quanto ao montante indevidamente pago”

A AT discorda das duas decisões. Quanto à liquidação adicional, sustenta a sua legalidade ao abrigo do disposto no art.º 71º/5 CIVA, reiterando que não pode a Impugnante regularizar o IVA a seu favor sem ter na sua posse os comprovativos para o fazer, sendo certo que as notas de crédito não cumpriam os requisitos exigidos na lei.

E quanto ao pagamento dos juros indemnizatórios eles não são devidos, pois se a Impugnante tivesse na sua posse os documentos necessários à comprovação das regularizações efetuadas, nenhuma correção nessa sede teria sido efetuada.

A nosso ver, a RECORRENTE não tem razão. E na esteira dos acs. deste TCA n.º 52/10.5BESNT de 15/12/2016 e 60/10.6BESNT de 05-06-2019, tentaremos expor as razões para esse entendimento, começando pela questão relativa à correção do IVA.

A Sexta Diretiva IVA (Diretiva do Conselho 77/388/CEE de 17 de maio de 1977), no seu art.º 20.º, sob a epígrafe “Ajustamento de deduções”, previa a possibilidade de ajustamento às deduções inicialmente operadas, designadamente quando a dedução fosse superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito ou quando, posteriormente à declaração, se verificassem alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções (v.g. no caso de anulação de compras ou de obtenção de redução nos preços).

Cabia, nos termos da Sexta Diretiva, aos Estados-membros a determinação dos termos em que tais ajustamentos eram efetuados.

Neste contexto, dispunha o então art.º 71.º/ 5, do CIVA:

“Quando o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto sofrerem retificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só poderá ser efetuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respetiva dedução”.

Do exposto resulta que o legislador definiu um mecanismo que, em situações de retificação para menos do valor tributável ou do imposto, permitisse garantir o respeito pelo princípio da neutralidade, assegurando o afastamento de qualquer risco de perdas de receitas fiscais, sendo admissível qualquer meio de prova idóneo.

Entende-se ser fundamental em situações como as suscetíveis de ser abrangidas pelo n.º 5 do art.º 71.º do CIVA que se demonstre, acima de tudo, que está salvaguardado o risco de perda de receitas fiscais, devendo as exigências de prova ser temperadas com o respeito pelo princípio da neutralidade, basilar na mecânica do IVA.

A este respeito escreveu-se no Acórdão deste TCAS de 15.12.2016 (Processo: 52/10.5BESNT), que, nesta parte, apresenta grandes similitudes ao caso em apreciação: “… a interpretação e aplicação do disposto no artigo 71º, nº5 do CIVA não pode ficar alheia às especificidades de cada situação concreta, sob pena de permitirmos que exigências excessivamente formalistas coloquem em casa a própria neutralidade do imposto, posto que não se levantem questões de abuso e evasão fiscal”.

Resultou provado que as faturas em causa (n.ºs 5 e 24) foram devolvidas à impugnante e não foram contabilizadas pelo cliente (Factos Provados n.º 9 e 10), na sequência do que emitiu notas de crédito no mesmo valor e com base nas quais regularizou o IVA a seu favor (factos n.ºs 12º e 13º). Regulzarização que a AT não aceitou por não considerar demonstrado que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto.

A ratio subjacente ao n.º 5 do art.º 71.º do CIVA é a de que esteja assegurado o conhecimento por parte do cliente da regularização em causa, permitindo-se, dessa forma, que lhe venha a ser imputável uma eventual dedução indevida.

Ora, tendo sido devolvidas as faturas, isso implica que os clientes não contabilizaram, nem podiam contabilizar, nem efetuaram a dedução de imposto, nem podiam deduzir, resultando, por isso, demonstrada a inexistência de risco de perda de receita fiscal.

É certo que o IVA, pelas especiais caraterísticas que tem, implica exigências acrescidas do ponto de vista documental, mas estas sempre terão de ser interpretadas com referência ao respeito pelo princípio da neutralidade, o qual resulta assegurado, neste caso, com a prova da devolução das faturas e sua não contabilização, não tendo relevância o invocação do art.º 71º/4 CIVA, que nesta situação não colhe aplicação.

Por conseguinte, a sentença andou bem e nesta parte nenhuma censura nos merece.

Vejamos agora a questão relativa aos juros indemnizatórios atribuídos na douta sentença e em relação aos quais a RECORRENTE também discorda. Discorda porque, se a impugnante tivesse na sua posse os documentos necessários à comprovação das regularizações efetuadas, como lhe incumbia, nenhuma correção nessa sede teria sido efetuada no âmbito do procedimento inspetivo.

Também nesta parte a AT não tem razão.
De acordo com o disposto no art. 43º LGT,
“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
(…)
3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.
4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios”.

Assim, resulta que para haver direito a juros indemnizatórios, é necessário que se verifique a ocorrência de um erro e que o mesmo seja imputável aos serviços.

“O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte[1]...”

Não havendo qualquer erro imputável ao contribuinte, fica demonstrada a obrigação da AT de proceder ao pagamento dos juros indemnizatórios devidos, como bem decidiu a sentença.


V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAS em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 14 de novembro de 2019.



(Mário Rebelo)


(Patrícia Manuel Pires)


(José Vital Brito Lopes)


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[1] Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in "Lei Geral Tributária" anotada, 2012, pp. 342.