Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 46/10.0BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 02/08/2018 |
Relator: | CRISTINA FLORA |
Descritores: | CDT PROVA |
Sumário: | I. Solicitando o contribuinte ao Estado Português, ao abrigo do art. 10.º da Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Canadá (CDT), o reembolso da diferença da taxa aplicada e da taxa prevista na CDT (15% - art. 10.º, n.º 2, alínea b)) e junto a declaração Modelo 22-RFI ao abrigo do disposto do então art. 90.º-A do CIRC, no circunstancialismo concreto em causa nos presentes autos, tem direito ao reembolso do IRC retido na fonte em excesso, sendo suficiente a declaração da Administração Tributária Canadiana no sentido de que o Autor se enquadra no conceito de residente, no ano de 2008, para efeitos do art. 4.º da CDT Portugal/Canadá, tendo em consideração que esta declaração não foi colocada em causa pela AT, e que aquele demonstrou ser sujeito passivo de imposto sobre o rendimento no Canadá, tendo apresentado nesse país as competentes declarações de rendimento; II. Havendo dúvidas sobre os elementos declarados para efeitos da aplicação da CDT, a AT sempre as poderia ter dissipado através de mecanismo próprio, o de troca de informações previsto no art. 25.º da CDT, não sendo razoável exigências de prova excessivas e desproporcionais quando não existem razões concretas justificativas dessa mesma exigência. |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO B..., com os sinais dos autos, apresentou no Tribunal Tributário de Lisboa acção administrativa especial contra o Ministério das Finanças, reagindo contra o despacho de indeferimento do pedido de reembolso de IRC, proferido pela Directora de Serviços das Relações Internacionais da Autoridade Tributária e Aduaneira. Por sentença do Tribunal Tributário de Lisboa foi a acção administrativa especial julgada procedente, e a Entidade Demandada condenada no reembolso do IRC retido. Inconformada com o assim decidido, a Autoridade Tributária e Aduaneira recorreu para este Tribunal Central, através da alegação de fls. 272 a 289 dos autos, tendo formulado as seguintes conclusões: **** **** A Magistrada do Ministério Público foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, tendo emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.**** Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta. **** **** As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito porquanto a Autora não fez prova da verificação dos pressupostos da aplicação da Convenção celebrada entre Portugal e o Canadá.II. FUNDAMENTAÇÃO Para conhecimento dos fundamentos do recurso importa ter presente que a decisão recorrida fixou a seguinte matéria de facto: « Com interesse para a decisão a proferir, o Tribunal considera provados os seguintes factos: A) O Autor é um fideicomisso que, no ano de 2008, era residente fiscal no Canadá, para efeitos de imposto sobre o rendimento (cfr. documentos de fls. 18 a 35 e 134 a 150 dos autos e fls. 2 e 2 verso do processo administrativo); 1. A identificação do Autor como beneficiário efectivo dos rendimentos - Quadro I; 2. A natureza dos rendimentos com dividendos, respectivo valor, retenção na fonte efectuada e valor a reembolsar - Quadro II; 3. Certificação das autoridades fiscais competentes do Estado de residência do Autor de que este foi residente no Canadá, para efeitos de aplicação do artigo 4º da CDT celebrada entre Portugal e Canadá, no ano de 2008, e que aí foi sujeito a imposto sobre o rendimento - Quadro IV; 4. Data de 05.03.2009, assinatura e carimbo identificando ser do “director do gabinete de serviços fiscais” de Ontário (cfr. documento de fls. 18-19 dos autos e fls. 2 e 2 verso do processo administrativo); 1.1 - Em 2009-03-25, a entidade não residente B…, com sede em CANADA, solicitou o reembolso de imposto retido na fonte, e relativo a Dividendos, pagos pelo BANCO ... SA, NIPC …, na parte em que o imposto excede o limite previsto na convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e CANADA. 2 - REQUISITOS FORMAIS Tendo em conta a data em que ocorreu o facto gerador do imposto no pedido e a respectiva data de entrada nos serviços, conclui -se que o mesmo é tempestivo, nos termos do art.º 90-A, do Código do IRC. 3 - ANÁLISE DO PEDIDO a) O fundo deverá ser considerado como "pessoa" para efeitos da convenção. Para tal, no caso de uma convenção que siga o Modelo OCDE, deverá fazer-se prova de que o fundo é uma "entidade tratada como pessoa colectiva para fins tributários" no seu Estado de residência, designadamente através de declaração emitida pelas autoridades fiscais competentes desse Estado; (…)” (cfr. documento de fls. 3 a 5 do processo administrativo) ; I) Sobre a informação mencionada em H) que antecede, foi proferido despacho, em 19.08.2009, pela Directora de Serviços das Relações Internacionais, com o seguinte teor: (cfr. documento de fls. 3 a 5 do processo administrativo); J) Na sequência do referido em I), foi remetido ao Autor, pela Direcção de Serviços das Relações Internacionais, ofício datado de 20.08.2009, para efeitos de exercício do direito de audição, no prazo de 15 dias contados da data de registo postal do mesmo (cfr. documento de fls. 6 do processo administrativo); Em 2009-03-25, a empresa B..., com sede em CANADA, solicitou o reembolso de imposto retido na fonte, e relativo a Dividendos da importância ilíquida total de € 1.407.772,50, e quantidade de acções 2.448.300, ISIN - PTPTCOAM0009, pagos pelo BANCO ... SA, NIPC ... na parte em que o imposto excede o limite previsto na convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e CANADA. 2 - PROPOSTA DE DECISÃO - Deverá fazer-se prova, designadamente através de declaração emitida pelas autoridades fiscais competentes do Estado de residência do fundo, de que este está aí sujeito a imposto por obrigação pessoal e ilimitada ("fully liable to tax") e de que não é fiscalmente transparente (ou seja, de que o fundo, enquanto tal, está aí sujeito a imposto, independentemente da tributação que possa ocorrer na esfera dos respectivos participantes); 3 - ALEGAÇÕES EM SEDE DE AUDIÇÃO PRÉVIA 4 - CONCLUSÃO Face ao exposto sou de parecer que deverá ser mantida a decisão de indeferimento do pedido reembolso de imposto que incidiu sobre o rendimento de € 1.407.772,50, e quantidade de acções 2.448.300, ISIN - PTPTCOAM0009.” (cfr. documento de fls. 7 a 9 do processo administrativo); * FACTOS NÃO PROVADOS: não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão. Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. **** In casu, uma sociedade com sede em Portugal distribuiu lucros aos seus accionistas, sendo um destes a A., residente fiscal no Canadá, aplicando para efeitos de IRC uma taxa de retenção na fonte de 20%, e por isso a A. ao abrigo do art. 10.º da Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Canadá (CDT) solicitou ao Estado Português o reembolso da diferença da taxa aplicada e da taxa prevista na CDT (15% - art. 10.º, n.º 2, alínea b)) tendo junto a declaração Modelo 22-RFI ao abrigo do disposto do então art. 90.º-A do CIRC, pedido de reembolso que foi indeferido pela AT. Neste contexto, e considerando a matéria de facto supra transcrita o Meritíssimo Juiz do TT de Lisboa julgou procedente a acção administrativa especial e, em consequência, condenou a Entidade Demanda no reembolso retido nos termos requeridos, entendendo, em síntese, que o Autor tem direito ao reembolso do IRC retido na fonte em excesso, face à aplicação da CDT celebrada entre Portugal e o Canadá à situação de distribuição de dividendos ocorrida em 2008, sendo suficiente a declaração da Administração Tributária Canadiana no sentido de que o Autor se enquadra no conceito de residente, no ano de 2008, para efeitos do art. 4.º da CDT Portugal/Canadá, tendo sem consideração que esta declaração não foi colocada em causa pela AT, sendo que demonstrou ser sujeito passivo de imposto sobre o rendimento no Canadá, tendo apresentado nesse país as competentes declarações em 2007 e 2008. A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido invocando que a Autora não fez prova da verificação dos pressupostos da aplicação da Convenção, pois o modelo 22-RFI não é prova suficiente, não decorrendo do seu teor que a sujeição a imposto sobre o rendimento no Canadá é por obrigação pessoal e ilimitada [conclusões 1) a 10], por outro lado, impunha-se comprovar que a entidade em causa não é fiscalmente transparente [conclusões 11 a 13], e não foi provado que a recorrida era a beneficiária efectiva dos dividendos, pois esse facto não é aceite pela AT [conclusões 14 a 20]. Porém, não lhe assiste razão, adiante-se que os elementos apresentados pelo A. eram suficientes para deferir a sua pretensão, como muito bem decidiu o Meritíssimo Juiz do TT de Lisboa, não sendo necessária qualquer prova adicional. Senão, vejamos. Na verdade, não assiste razão à Recorrente quando entende que a Autora não fez prova da verificação dos pressupostos da aplicação da Convenção, pois o modelo 22-RFI não é prova suficiente, não decorrendo do seu teor que a sujeição a imposto sobre o rendimento no Canadá é por obrigação pessoal e ilimitada [conclusões 1) a 10], nem quando invoca que não ficou provado a entidade em causa não é fiscalmente transparente [conclusões 11 a 13] e que não foi provado que a recorrida era a beneficiária efectiva dos dividendos, pois esse facto não é aceite pela AT [conclusões 14 a 20]. Ora, o que releva, por um lado, é que não é colocada em causa a veracidade da declaração emitida pela AT do Canadá, e por outro, resulta da mesma que o Autor se enquadra no conceito de residente no ano de 2008 para efeitos da aplicação da CDT, menção satisfatória e suficiente para aplicação da Convenção. Com efeito, a AT do Canadá atestou devidamente que o A. reunia as condições subjectivas inerentes à aplicação do CDT, não sendo necessário ou exigível qualquer outra menção, ou qualquer outra prova. Aliás, a AT sempre tinha a possibilidade de dissipar qualquer dúvida através do mecanismo próprio, o de troca de informações previsto no art. 25.º da CDT, agora o que não se pode aceitar é que as exigências de prova sejam excessivas e desproporcionais quando não existe qualquer razão concreta justificativas dessa mesma exigência. E de resto, sobre as questões suscitadas no presente recurso já se pronunciou este TCAS, no acórdão de 10/11/2016, proc. n.º 09554/16, em que intervieram todos os juízes da presente formação, em que as partes eram as mesmas, bem como as questões suscitadas em recurso, razão pela qual também aqui subscrevemos: “Contra o veredicto que fez vencimento na instância, a recorrente alega que a recorrida não fez prova nos autos do direito à dispensa de retenção na fonte do IRC de 2007. Na tese da recorrente, deve fazer-se prova de que o fundo em causa é uma entidade tratada como pessoa colectiva para fins tributários no seu Estado de residência, designadamente, através da declaração de emitida pelas autoridades ficais competentes desse Estado; deve fazer-se prova de que o fundo está aí sujeito a imposto por obrigação pessoal e ilimitada e de que é não fiscalmente transparente; deve obter-se declaração de que o fundo é “beneficiário efectivo” desses dividendos. Recordem-se os normativos relevantes: Artigo 90.º-A do CIRC (“Dispensa total ou parcial de retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por entidades não residentes”). «1. Não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direcção efectiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada»(1). A CDT celebrada entre Portugal e o Canadá foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República, n.º 81/2000, publicada no DR, I Série-A, de 06.12.2000 – CDT. «O termo “pessoa” compreende as pessoas singulares, os fideicomissos, as sociedades ou qualquer outro agrupamento de pessoas» - artigo 3.º/d), da CDT. «A expressão “residente de um Estado contratante” significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direcção ou qualquer outro critério de natureza similar» - artigo 3.º/1/a), da CDT. Recorde-se que do probatório resultam os elementos seguintes. i) O A. é o beneficiário efetivo dos rendimentos em causa; ii) Trata-se de rendimentos de dividendos, derivados de participação social sobre sociedade residente em Portugal; iii) O A. foi residente no Canadá, para efeitos de aplicação do art.º 4.º, da CDT Portugal/Canadá, no ano de 2007, e foi sujeito a imposto sobre o rendimento. Perante os elementos coligidos nos autos, a recorrente invoca o carácter transparente e de mero veículo intermediário da distribuição dos dividendos em causa da entidade ora recorrida. Mas se assim é, cabia à recorrente o ónus de diligenciar, designadamente, junto da administração fiscal da residência da entidade beneficiária, no sentido de apurar da realidade da percepção do rendimento em causa – artigo 25.º da CDT (“Troca de informações”), ónus que no caso não cumpriu. A recorrente invoca a declaração de rendimentos da recorrida relativa ao exercício de 2008, da qual constaria rendimento tributável igual a zero. Sucede, porém, que o exercício em causa nos autos é o de 2007; para além de que a declaração em apreço aparenta ter sido emitida pelos serviços fiscais do Canadá; o que pode suscitar a dúvida sobre os elementos elevados ao n.º 6 do probatório (modelo n.º 22-RFI, solicitando o reembolso de parte do imposto); mas, por outro lado, não permite ter a certeza sobre o alegado carácter transparente da sociedade autora. Sendo este um facto impeditivo do direito pela mesma invocado, cabe à recorrente a prova cabal da verificação do mesmo; o que não logrou ser feito (artigo 342.º/2, do CC). Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente intenção rescisória.” Em suma, solicitando o contribuinte ao Estado Português, ao abrigo do art. 10.º da Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Canadá (CDT), o reembolso da diferença da taxa aplicada e da taxa prevista na CDT (15% - art. 10.º, n.º 2, alínea b)) e junto a declaração Modelo 22-RFI ao abrigo do disposto do então art. 90.º-A do CIRC, tem direito ao reembolso do IRC retido na fonte em excesso, sendo suficiente a declaração da Administração Tributária Canadiana no sentido de que o Autor se enquadra no conceito de residente, no ano de 2008, para efeitos do art. 4.º da CDT Portugal/Canadá, tendo em consideração que esta declaração não foi colocada em causa pela AT, e que aquela demonstrou ser sujeito passivo de imposto sobre o rendimento no Canadá, tendo apresentado nesse país as competentes declarações de rendimento. Havendo dúvidas sobre os elementos declarados para efeitos da aplicação da CDT, a AT sempre as poderia ter dissipado através de mecanismo próprio, o de troca de informações previsto no art. 25.º da CDT, não sendo razoável exigências de prova excessivas e desproporcionais quando não existem razões concretas justificativas dessa mesma exigência. Pelo exposto, improcedem todos os fundamentos de recurso, sendo de confirmar integralmente a sentença recorrida. Sumário I. Solicitando o contribuinte ao Estado Português, ao abrigo do art. 10.º da Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Canadá (CDT), o reembolso da diferença da taxa aplicada e da taxa prevista na CDT (15% - art. 10.º, n.º 2, alínea b)) e junto a declaração Modelo 22-RFI ao abrigo do disposto do então art. 90.º-A do CIRC, no circunstancialismo concreto em causa nos presentes autos, tem direito ao reembolso do IRC retido na fonte em excesso, sendo suficiente a declaração da Administração Tributária Canadiana no sentido de que o Autor se enquadra no conceito de residente, no ano de 2008, para efeitos do art. 4.º da CDT Portugal/Canadá, tendo em consideração que esta declaração não foi colocada em causa pela AT, e que aquele demonstrou ser sujeito passivo de imposto sobre o rendimento no Canadá, tendo apresentado nesse país as competentes declarações de rendimento; II. Havendo dúvidas sobre os elementos declarados para efeitos da aplicação da CDT, a AT sempre as poderia ter dissipado através de mecanismo próprio, o de troca de informações previsto no art. 25.º da CDT, não sendo razoável exigências de prova excessivas e desproporcionais quando não existem razões concretas justificativas dessa mesma exigência. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida. **** Custas pela Recorrente.D.n. Lisboa, 8 de Fevereiro de 2018. ____________________________ Cristina Flora
____________________________ Ana Pinhol
____________________________ |