Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04899/09
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:12/16/2015
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:NULIDADES DA SENTENÇA – OMISSÃO DE PRONÚNCIA E FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CARREIRAS DO REGIME GERAL DE DOTAÇÃO GLOBAL
INCUMPRIMENTO DOS PRAZOS DO CONCURSO INTERNO DE ACESSO MISTO
Sumário:
I- A nulidade da sentença por omissão de pronúncia resulta “quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” (cfr. al. d) do nº 1 do artigo 668º do CPC então em vigor a que corresponde a al. d) do nº 1 do actual artigo 615º). Tal nulidade – omissão de pronúncia – verifica-se pois quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar, sendo certo que o mesmo deve apreciar todas as questões que lhe forem submetidas e desde que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras, de acordo com o disposto no artigo 660º nº 2 do CPC ( actual artigo 608º nº 2) entendendo-se por questões todas as matérias respeitantes ao pedido, à causa de pedir ou aos pressupostos processuais e não os argumentos ou razões invocadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista.

II - Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artº 668º do CPC (actual al. b) do nº 1 do art. 615º).

III – Não tendo sido revogado o nº 3 do artigo 16º Decreto – Lei nº 353-A/89, que excepcionava da regra da obrigatoriedade da abertura do concurso as carreiras de dotação global, a Administração tem o poder discricionário de fixar o número de lugares a preencher na categoria de acesso. E assim é, enquanto o concurso não for aberto não há qualquer direito subjectivo à promoção.

IV – Nos concursos internos de acesso misto o incumprimento dos prazos não extingue o direito à prática dos actos processuais.

V – A nomeação insere-se na categoria dos actos carecidos da colaboração do destinatário, pelo que a sua eficácia encontra-se dependente de um acto de adesão do particular – acto pelo qual este expressa a aceitação da nomeação -, não sendo por isso possível atribuir eficácia retroactiva ao respectivo acto de nomeação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:


Joaquim ………………………………, com sinais nos autos, inconformado com a sentença do TAC de Lisboa, de 16 de Julho de 2008, que negou provimento ao recurso contencioso de anulação por si intentado e, em consequência, manteve o acto praticado em 15 de Maio de 2003 pelo Conselho Directivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que indeferiu a pretensão de nomeação na categoria de assessor, dela recorreu e em sede de alegações formulou as seguintes conclusões:

“ 1º - O impetrante era técnico superior principal do ISSS e por força do disposto no nº 3 do art. 7º do DL. nº 260/99/07/07, foi transferido para o IGF, tendo concordado no ingresso daquele serviço, porque este inciso assegurava que essa “transferência terá lugar com a manutenção de todos os direitos do pessoal transferido”, bem como na assembleia de trabalhadores foi garantido pelo dirigente do IGF que os funcionários transferidos não seriam afectados nos seus direitos.

2º - Considerando que o recorrente perfez 3 anos na categoria de técnico superior principal, a 10/07/01 e reunia os requisitos do art. 4º do DL nº 404-A/98/18/12, a fim de ser promovido a assessor, o ISSS abriu concurso para 11 vagas, em 20/07/01, sendo para ele uma delas, mas do qual veio a ser excluído por já não pertencer ao seu quadro de pessoal.

3º- Apesar do nº 3 do art. 7º daquele diploma garantir a manutenção de todos os direitos dos funcionários transferidos e do recorrente acreditar que o IGF cumpriria o seu postulado, procedendo, como o prometido à abertura do concurso, em igual data que o ISSS, a verdade é que só o fez em 15/11/01, e concluiu-o só em 14/01/03.

4º - Não obstante o IGF só ter aberto concurso muito depois do ISSS, o certo é que devendo terminá-lo em 6 meses, nos termos dos arts. 31º, 32º, 33º, 35º, 38º, 39º, 41º, 43º e 46º, todos do DL nº 204/98, sob pena de instauração de processo disciplinar ao júri, de acordo com o art. 17º daquele diploma, contudo, só lhe pôs fim decorridos mais de 14 meses.

5º - Apesar de lhe ter solicitado a aceleração do concurso e prescindir do prazo de recurso hierárquico, face ao que a 11/02/2003, o recorrente instou o IGF a nomeá-lo na categoria de assessor, com efeitos a 2/02/02, pretensão que foi indeferida, sustentando-se na ideia que o impetrante não tinha direito à promoção e ainda que os prazos do concurso são meramente ordenadores.

6º – Dessa decisão foi interposto recurso contencioso de anulação, vindo o douto Tribunal a considerar que não existe norma jurídica que tutele a pretensão do recorrente enquanto que, a “ aceitação da nomeação” tem efeitos jurídicos, “por isso, pretender atribuir eficácia retroactiva ao acto de nomeação carece de fundamento legal e traduz-se em acto não permitido por lei”.

7º - Dizendo ainda que o recorrente apela ao fundamento da violação dos arts. 266º e o nº 4 do art. 268º, ambos da CRP, para enquadrar a “preterição dos prazos fixados, o que manifestamente é inatendível, pois como se disse, o Ministério Público, no parecer final emitido, tais prazos “são meramente ordenadores”, o que se corrobora, e por conseguinte, não é possível assacar ao não cumprimento dos prazos, ali estipulados, a consequência pretendida pelo recorrente, da atribuição de efeitos retroactivos à nomeação, reportados à data de 2 de Janeiro de 2012”.

8º - É desta decisão que vem atravessado o presente recurso, dado a mesma, à luz da al. d) do nº 1 do art. 669º do CPC, padecer de nulidade, porquanto não se pronunciou sobre questões que devia conhecer, visto apenas curar da questão dos prazos e nada disse sobre a violação do preceito acima referido, sabendo que o pedido fundamentava-se em duas questões: 1ª) violação do nº 3 do art. 7º do DL nº 260/99/7/07, segundo o qual a transferência teria “lugar com a manutenção de todos direitos do pessoal transferido”.

9º - Estando provado quanto a esta que a despeito da lei consagrar a manutenção dos direitos acima observados, o Presidente do IGF comprometeu-se a abrir concurso para assessor, quando o ISSS o fizesse, em ordem ao que o recorrente acedeu ser transferido, sendo que o ISSS procedeu à abertura daquele concurso em 20/0/01 e o IGF só o fez em 15/11/01.

10º - Quanto à 2ª questão que tem a ver com o incumprimento dos prazos aludidos no nº 5 desta conclusão e no atraso em 14 meses na finalização do concurso, ficou demonstrado que este deveu-se ao favoritismo do IGF que, inobservando o nº 4 do art. 12º do DL. nº 204/98, nomeou presidente e primeira vogal do júri as suas amigas bacharéis em contabilidade, as quais, não possuem conhecimentos tendentes ao cumprimento da legalidade.

11º - E que, por requerimento de fls. 17, o recorrente, de acordo com a ultima parte do art. 17º do mesmo diploma, solicitou a celeridade do procedimento concursal e que a fls. 24, prescindiu do prazo de recurso da lista final, mas o certo que o IGF não assumiu qualquer providência, visando pôr termo à sua demora e muito menos exerceu os poderes disciplinares do art. 17º

12º - Daí a sentença ser nula por ausência de pronúncia de questões que devia conhecer e também deve ser anulada por falta de fundamentação de facto e de direito, de acordo com o nº 1 do art. 205º da CRP e da al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC, visto o Tribunal afirmar que se fundamentou na prova documental e na admitida por acordo.

13º - Não especificando umas e outras, nem considerou todos factos provados e os admitidos por acordo e os provados documentalmente, contendendo com os arts. 513º, e 515º, como não cuidou de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, nem curou do exame critico das provas que lhe cumpria conhecer, violando o nº 2 do art. 659º todos do CPC.

14º - Quanto à fundamentação de direito disse não existir lei que tutele a pretensão requerida e que os prazos dos arts. 17º, 31º, 32º, 33º, 35º, 38º, 39º, 41º, 43º e 46º, todos do DL nº 204/98, são apenas ordenadores, não levando em conta que lei garantistica pelo facto de haver tomado posse na categoria e a seguir solicitar que esta se reporte a 2/1/02, é o nº 4 do art. 268º da CRP que assegura tutela efectiva dos seus direitos.

15º - Em razão disso, o dirigente do IGF, ofendeu o disposto no nº 3 do art. 7º do DL nº 260/99/7/07, quando deixou de abrir concurso na mesma data que o ISSS, e não cumpriu o prometido aos trabalhadores na base da qual foram transferidos, sendo eu, n exercício das suas funções violou os direitos do recorrente, não actuando “com respeito pelos princípios da igualdade, proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé,” previstos o nº 2 do art. 266º da Lei Fundamental.

16º - Já que, após a abertura de concurso devia concluí-lo em 6 meses, mas só o fez decorridos mais 14, o que, por junto, causou um atraso de 18 meses à sua posse na categoria, por ter nomeado como júri as suas amigas bacharéis, sabendo não possuírem habilitações para o efeito e desta feita, incumpriram os prazos legais, visando o fim do procedimento concursal.

17º - Causando com isso graves danos ao recorrente e prejudicaram, em 18 meses, toda a antiguidade na sua categoria e carreira, o que não acontecia se o mesmo continuasse no ISS, advindo daí o direito de, após a posse na categoria de assessor, poder instar que a mesma se retroaja à data em que, nos termos da lei, devia ter ocorrido.

18º - Tanto mais que a aceitação dessa nomeação na categoria não pode inibir o impetrante de impugnar os seus aspectos desfavoráveis e exigir os que lhe são mais favoráveis, atento que o disposto na segunda parte do nº 4 do 268º da CRP, assegura que é garantido aos cidadãos “ a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma”.

19º - Situação esa, acerca da qual se formou hoje jurisprudência reiterada no STA, no sentido de que ao recorrente não é exigível a recusa de aspectos favoráveis e, de certa forma, negociados do acto para poder impugnar os seus aspectos desfavoráveis, como se decidiu nos Acórdãos do STA de 17.1.02, Rec. nº 47.033; Acord. de 16.1.97, Rec. nº 37.735 e Acórd. de 31.10.02 Rec. nº 1008/02 todos em www.dgsi.pt/stj

20º - Certo sendo que o recorrente tem interesse directo, pessoal e legitimo na impugnação do acto de nomeação, na parte em que lesa o seu interesse. Lesão essa, que pode ser arredada pela decisão anulatória, e só a aceitação posterior à prática do acto de nomeação é relevante para aferir da legitimidade do recurso do acto de nomeação e o recorrente não só não o aceitou como impugnou. no plano hierárquico e contencioso.

21º - Por outro lado, a nosso ver, os prazos do D.L. nº 204/98, foram fixados no interesse dos concorrentes, tanto mais que logo , no & 2º do preâmbulo do diploma diz ser imprescindível “possibilitar a satisfação das expectativas profissionais dos funcionários e agentes que prestam serviço na Administração Pública” e visando substanciar essas expectativas, impõe no seu art. 17º que o “exercício de tarefas próprias do júri prevalece sobre todas as outras, incorrendo os seus membros em responsabilidade disciplinar quando não cumpram, injustificadamente, os prazos previstos no presente diploma, ou não procedam com a celeridade adequada à natureza do procedimento de recrutamento e selecção”.

22º - Visto o cumprimento dos prazos se destinar a reduzir, a beneficio dos candidatos, o tempo do concurso, dada a Lei nº 77/98/19/11, obrigar o “Governo alterar as regras sobre o ingresso, acesso e progressão nas carreiras e categorias do regime geral” da Função Pública, consagrando na al. e) do nº 1 do seu art. 3º que a autorização é concedida para legislar sobre a “consagração de mecanismos que garantam o acesso ao topo das carreiras, designadamente através da consagração de dotações lobais nas carreiras verticais” e a introdução “de medidas correctoras de injustiças resultantes, nomeadamente, da aplicação das regras de transição, de promoção e de progressão”.

23º - Na sequência dessa autorização legislativa, publicou-se o DL nº 141/01/24/04, que, no seu art. 3º, considerou automaticamente alterados os quadros de pessoal, em virtude da dotação global dispensar a existência de vagas para sua promoção, bastando cumprir o módulo de 3 anos na categoria e possuir uma avaliação de “Muito Bom “, para concorrer à categoria superior,

24º - Sendo que a celeridade do concurso e o regime de dotação global, foram estabelecidos, para que os funcionários durante a vida profissional, pudessem aceder à categoria máxima da carreira, advindo da obrigatoriedade imposta à administração, um interesse legitimo e constitucionalmente protegido, face ao art. 286º da CRP. “Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. E entre estes está o cumprimento dos prazos concursais.

25º - Por isso, não pode dizer-se que os prazos dos arts. 31º, 32º, 33º, 35º, 38º, 39º, 41º, 43º e 46º do DL nº 204/98, são meramente ordenadores, visto Portugal ser um Estado de direito e nenhum dos diplomas legais lhes atribui tal designação, apenas o art. 145º do CPC, define prazo dilatório e peremptório, referindo que o “dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto, ou o inicio da contagem de um outro prazo” e o “decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto”.

26º - Mesmo que aderisse à tese da decisão recorrida o que não se concebe, sempre esta conduziria a uma solução sem saída, visto, por exemplo o art. 31º, 32º e 34º tratam do prazo da apresentação dos documentos, das candidaturas, da audiência prévia e, consoante se trate do modelo de concurso eles são de 10 e 20 dias, 10 e 15 dias, 5 e 7 dias para os candidatos as apresentarem e caso não o façam no tempo indicado sõ dele excluídos (Vide nº 7 do art. 31º e nº 1 do art. 34º).

27º - Ora, sendo os prazos ordinatórios, os concorrentes poderiam entregar os documentos, candidaturas e ouvidos em audiência prévia, quando lhes aprouvessem, já que a vicissitude de exclusão não é compaginável com aquela modalidade de prazos, a menos que para os funcionários eles sejam peremptórios e para a administração sejam ordenadores, o que afrontaria todos os princípios de um Estado de direito, mormente o disposto nos arts. 2º e 13º, ambos da CRP.

28º - Além de que, o nº 2 do art. 268º da Lei Fundamental, garante que 2órgãos e os agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei” as quais, no dizer do 6 do art. 112º da CRP, são as únicas fontes obrigatórias e delas não constam que o marasmo, o desleixo da administração, a indolência atávica ou a sua tirania passem a constituir uma fonte de direito com força jurídica superior à norma constitucional.”

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O Recorrido contra – alegou pugnando pela manutenção do decidido.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmada a sentença recorrida.

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Colhidos os vistos legais vem o processo submetido à conferência para julgamento.

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A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663º nº 6 do actual Código de Processo Civil.

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Tudo visto cumpre decidir.

Veio o presente recurso interposto da sentença do TAC de Lisboa que negou provimento ao recurso contencioso de anulação intentado pelo ora Recorrente e em consequência manteve o acto praticado em 15 de Maio de 2003 pelo Conselho Directivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que indeferiu a sua pretensão de nomeação na categoria de assessor.

A - DAS NULIDADES DA SENTENÇA A QUO

1 - Nas conclusões 8ª e 10ª da sua alegação o Recorrente veio invocar a nulidade da sentença a quo com fundamento em omissão de pronúncia nos termos do artigo 668º nº 1 al. d) do CPC ( actual artigo 615º nº 1 al. d) “porquanto não se pronunciou sobre questões que devia conhecer, visto apenas curar da questão dos prazos e nada disse sobre a violação do preceito acima referido [ artigo 7º nº 3 do Decreto – Lei nº 260/99, de 7 de Julho ], sabendo que o pedido fundamentava-se em duas questões: 1ª) violação do nº 3 do art. 7º do DL nº 260/99/7/07 (…)” e “ o incumprimento dos prazos aludidos no nº 5 desta conclusão e no atraso em 14 meses na finalização do concurso (…)”.

Vejamos se assim é de entender.
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia resulta “quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” (cfr. al. d) do nº 1 do artigo 668º do CPC então em vigor a que corresponde a al. d) do nº 1 do actual artigo 615º).
Tal nulidade – omissão de pronúncia – verifica-se, pois, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar, sendo certo que o mesmo deve apreciar todas as questões que lhe forem submetidas e desde que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras, de acordo com o disposto no artigo 660º nº 2 do CPC ( actual artigo 608º nº 2) entendendo-se por questões todas as matérias respeitantes ao pedido, à causa de pedir ou aos pressupostos processuais e não os argumentos ou razões invocadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista.
No caso em apreço tal nulidade não ocorre na medida em que a sentença recorrida debruçou-se concretamente sobre a invocada violação do artigo 7º do Decreto – Lei nº 260/99 ao afirmar que “aqui não releva, pois a pretensão do Recorrente reporta-se a atribuição de efeitos de nomeação, resultante de concurso de provimento”, além de considerar não existir por parte do Recorrente direito à promoção na categoria de assessor.
Nestes termos improcedem as conclusões da alegação do Recorrente atinentes à invocada nulidade por omissão de pronúncia.

2 – De igual modo sustenta o Recorrente que a sentença a quo é nula de acordo com o nº 1 do artigo 205º da CRP e da al. b) do nº 1 do artigo 668º do CPC” visto o Tribunal afirmar que se fundamentou na prova documental e na admitida por acordo (…) Não especificando umas e outras, nem considerou todos [os] factos provados e os admitidos por acordo e os provados documentalmente, contendendo com os arts. 513º, e 515º, como não cuidou de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, nem curou do exame critico das provas que lhe cumpria conhecer, violando o nº 2 do art. 659º todos do CPC.” (cfr. conclusões 12ª e 13ª).

Vejamos o que se nos oferece dizer.
Nestas duas conclusões, reportadas à parte das alegações de recurso de que consta designadamente que o Tribunal a quo não respeitou minimamente os artigos 659º e 668º nº 1 al. b) do CPC, percebe-se existir alguma confusão entre os deveres de motivação da matéria de facto e de fundamentação da sentença.
Impõe-se, assim, saber se na fundamentação da sentença de que falava o art. 659º, nº2 do CPC (actual art. 607º nº 3), no respeitante à matéria de facto provada, tem de constar a motivação em que assentou a sua fixação e se a falta desta acarreta a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC (actual al. b) do nº 1 do art. 615º).
Ora, o específico dever de fundamentação da sentença tem a sua regulamentação no artigo 607º, em tudo idêntico ao artigo 659º em vigor à data da prolação da sentença.
Tal artigo 659º dispunha que:
1. A sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
2. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
3. Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.”
Ora, quando o juiz profere a sentença final já está perante matéria de facto apurada, pois que parte dela já fora, no saneamento, seleccionada como “matéria assente” e a que integrou a base instrutória da causa já fora decidida (arts 508º-A a 511º e 653º do CPC então em vigor), constando a sua motivação (as razões que determinaram que fosse fixada nos termos em que foi dada por provada) nesses lugares. O juiz sempre teria de atender necessariamente a essa factualidade já adquirida para reconstituir e fixar a situação de facto da causa, mas sobre ela não tinha, pelo menos em princípio, de exercer qualquer espécie de apreciação ou censura.
Por conseguinte, em conformidade com o nº 2 do art. 659º do CPC então em vigor, da fundamentação de facto da sentença não tinha de constar a motivação da factualidade adquirida em momentos processuais anteriores, mas tão só a discriminação desses factos, reconduzindo-se o caso em apreço a esta situação.
Já não era assim quando, em sede de sentença, o julgador tivesse de conhecer outros factos que lhe cumpria tomar em consideração, sendo que é a esses factos que se referia o último segmento do nº 3 do art. 659º então em vigor, quando afirmava: “fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer” (sobre o dever de fundamentação da sentença, vide: na doutrina, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora - ainda que a propósito do regime vigente antes da Reforma de 1995-96, mas que mantém actualidade na questão que agora está em causa nos presentes autos) - in “Manual de Processo Civil”, págs 653 e 664, 2ª Ed., Coimbra Editora, e Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, pág. 643, anotação ao art. 659º; na jurisprudência, entre outros, Ac. do STJ de 10 de Maio de 2005, proc. nº 05A963, Ac. TRC de 6 de Novembro de 2012, proc. nº 983/11.5TBPBL.C1, e Ac. TRE de 20de Abril de 2004, proc. 2983/11.5TBPBL, todos consultáveis in www.dgsi.pt).
No caso, a factualidade provada é a resultante da prova documental referenciada, pelo que a nulidade por falta de fundamentação invocada pelo Recorrente e prevista na al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC estava relacionada com o comando do nº 2 do art. 659º que impunha ao juiz o dever de discriminar os factos que considerava provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Ora, compulsada a sentença recorrida verifica-se que está discriminada sob as alíneas A) a E) , a factualidade dada por provada, não tendo que constar já da sentença a sua motivação.
E isto sem prejuízo de, em recurso jurisdicional, poder ser atacada a factualidade dada por provada ou não provada na “matéria assente” e na “base instrutória” (cfr. art. 712º do CPC a que corresponde o actual art. 662º do CPC), mas tal reconduzir-se-á já a erros de julgamento sobre a matéria de facto.
Quanto à fundamentação de direito, a sentença recorrida, no seu ponto IV, indica, interpreta e aplica disposições legais em que fez assentar a decisão. Se o faz bem ou mal, de forma completa ou insuficiente, já não é uma questão de nulidade da sentença por falta de fundamentação mas de eventual erro de julgamento.
Considerando que na doutrina e jurisprudência é entendimento pacífico que só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artº 668º (actual al. b) do nº 1 doa rt. 615º), impõe-se concluir que a sentença não padece desta nulidade.
Com efeito, uma fundamentação eventualmente deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, podendo implicar a sua revogação ou alteração em recurso, mas não produz a sua nulidade.

Em conformidade, improcedem também as conclusões 12ª e 13ª da alegação do Recorrente.

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B - QUANTO AO MÉRITO DO DECIDIDO NO TRIBUNAL A QUO

Em síntese, o Recorrente pretende que seja concedido provimento ao recurso contencioso de anulação, suscitando para o efeito duas questões essenciais, a saber:
- O Decreto – Lei nº 260/99, de 7 de Julho, que reorganizou os serviços do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (doravante designado IGFSS) e assegurou a transferência dos funcionários do Instituto da Solidariedade e Segurança Social (doravante designado ISSS) para aquele Instituto estipulava no seu artigo 7º nº 3 que a referida transferência teria lugar com a manutenção de todos os direitos do pessoal transferido, situação que não se teria verificado no caso do ora Recorrente;
- Não foram cumpridos os prazos procedimentais no âmbito do concurso para acesso por promoção, causando prejuízo ao Recorrente, pelo que a nomeação deveria produzir efeitos retroactivos.

Analisemos então, em separado, as duas questões suscitadas:

1 – No tocante à transferência dos funcionários do ISSS para os serviços do Recorrido (IGFSS) o legislador pretendeu efectivamente assegurar a manutenção de todos os direitos do pessoal transferido.
Cabe contudo indagar se o aqui Recorrente tem direito à promoção no lugar de assessor como pretende.
Vejamos.
A abertura de concursos de acesso depende da existência de, pelo menos três vagas orçamentadas na mesma categoria, e desde que existam candidatos que satisfaçam os requisitos da promoção ( cfr. artigo 16º nº 2 do Decreto – Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro).
Na verdade, como evidencia o Acórdão do STA de 1 de Junho de 2006 disponível em www.dgsi.ptA abertura de concursos na função pública está naturalmente dependente de critérios de oportunidade e de interesse público, a cargo da Administração, mas sempre com uma margem de vinculação legal traduzida na necessidade de existência de vagas orçamentadas e cabimentadas”.
Por outro lado, nas carreiras do regime geral de dotação global “a Administração goza de poderes discricionários quanto à oportunidade e extensão do concurso. Assim, o funcionário integrado na carreira de dotação global ainda que preencha todos os requisitos de acesso à carreira seguinte, não goza de nenhum direito subjectivo à promoção” - cfr. Acórdão do STA de 3 de Junho de 1998, disponível em www.dgsi.pt.
Por último cabe referir que” não tendo sido revogado o nº 3 do artigo 16º Decreto – Lei nº 353-A/89, que excepcionava da regra da obrigatoriedade da abertura do concurso as carreiras de dotação global, a Administração tem o poder discricionário de fixar o número de lugares a preencher na categoria de acesso. E assim é, enquanto o concurso não for aberto não há qualquer direito subjectivo à promoção” - cfr. Acórdão deste TCAS de 20 de Janeiro de 2005, disponível em www.dgsi.pt.

Nestes termos, improcedem as conclusões do Recorrente atinentes à questão da promoção do Recorrente no lugar de acessor.

2 – No tocante à segunda questão suscitada pelo Recorrente, referente ao incumprimento do concurso interno de acesso misto, há que ter em consideração a sua natureza meramente ordenadora ou disciplinadora, visto que nos concursos de acesso o incumprimento dos prazos não extingue o direito à prática dos actos processuais.

Com efeito, por não se tratar de um prazo cuja observância dependa do exercício de um direito, não assiste razão ao Recorrente quando pretende ver-se ressarcido dos danos que eventualmente se teriam verificado, através da retroactividade do acto de nomeação.

Aliás, o desrespeito do prazo (ordenador) pode quando muito implicar responsabilidade disciplinar mas nunca qualquer sanção de ordem processual.

Por último, o pedido formulado pelo Recorrente atinente à retroactividade do acto de nomeação carece de qualquer base de sustentação legal.

Com efeito, através da nomeação constituiu-se uma relação jurídica de emprego público, tendo a entidade Recorrida designado o Recorrente para preencher um lugar do quadro de pessoal daquele.

Não obstante, a nomeação também se insere na categoria dos actos carecidos da colaboração do destinatário pelo que a sua eficácia encontra-se dependente de um acto de adesão do particular – acto pelo qual este expressa a aceitação da nomeação – o que efectivamente sucedeu no caso sub judice.

Por conseguinte, o primeiro efeito da aceitação é a consolidação do acto de nomeação ao qual se atribui eficácia, pelo que, ao contrário do sustentado pelo Recorrente, não é possível atribuir eficácia retroactiva ao respectivo acto de nomeação.

Nestes termos improcedem as demais conclusões da alegação do Recorrente.

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Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar na íntegra a sentença recorrida.

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Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 16 de Dezembro de 2015


António Vasconcelos
Paulo Pereira Gouveia
Conceição Silvestre