Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05235/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/22/2012
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IVA. RENÚNCIA A ISENÇÃO. DEDUÇÃO.
Sumário: São incompletas, simples, parciais, todas as isenções do art. 9.º CIVA, onde o sujeito passivo beneficiário não liquida imposto nas suas operações ativas e não tem o direito a deduzir o IVA suportado para a respectiva realização.
2. Na medida em que esta dual impossibilidade, nomeadamente no que concerne à dedução do imposto pago para que se possa efetivar a atividade, pode resultar deveras penalizante, prejudicial, para o agente económico, a lei (art. 12.º CIVA), em moldes nitidamente excecionais e para situações específicas, faculta o direito de renúncia à isenção.
3. A renúncia à isenção, possibilitada pelo art. 12.º n.º 1 CIVA, em circunstância alguma é susceptível de ser presumida, pelo que, se o sujeito passivo não apresenta pedido/declaração de renúncia, tem de ser considerado submetido ao regime de isenção, por, originariamente, o seu próprio.
4. O direito comunitário, no que tange à Sexta Diretiva, encontra-se aplicado corretamente pelo art. 12.º n.º 1 (e n.º 2) CIVA, não persistindo qualquer dúvida razoável que imponha reenvio prejudicial para o TJUE (ex-TJCE).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
A..., S.A., contribuinte n.º ...e com os demais sinais constantes dos autos, impugnou judicialmente liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, do período compreendido entre janeiro de 2002 e junho de 2006.
Pelo Tribunal Tributário de Lisboa, foi prolatada sentença que decidiu: «
1) Julgar a impugnação parcialmente procedente e anular as liquidações do exercício de 2005 na parte em que resultaram da correcção de € 14.610,24 por falta de liquidação do IVA sobre a transferência de bens da casa-mãe para a sucursal;
2) Julgar a impugnação improcedente quanto ao demais;
3) Reconhecer à impugnante o direito a juros indemnizatórios sobre a parte da impugnação julgada procedente e cujas liquidações se encontrem pagas.
(…) »
Insatisfeita, a impugnante interpôs recurso jurisdicional, cuja alegação sumula nas seguintes conclusões: «
A) O Tribunal a quo decidiu erradamente ao manter as liquidações de IVA impugnadas respeitantes aos períodos de 2006-2006, as quais haviam sido efectuadas na sequência de decisão do Fisco em impedir a ora Recorrente de deduzir IVA nas duas operações passivas com o suposto fundamente de que não havia renunciado formalmente à isenção (cfr. Introdução e apreciação e censura da sentença recorrida - secções I e II supra);
B) O Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação das provas, assim como contradição do julgado com os concretos meios probatórios constantes do processo, que impunham uma decisão diferente da tomada sobre a matéria de facto e de direito, designadamente no que respeita à relevância da conduta formal e materialmente consentânea com a opção de renúncia à isenção da ora Recorrente (cfr. Apreciação e censura da sentença recorrida - secções II e II.I i) supra).
C) A sentença recorrida não especificou nem apreciou prova documental relevante produzida nos autos, prescindindo o Tribunal a quo da especificação de factos invocados e documentalmente provados dos quais resulta não ter havido por parte da Recorrente incumprimento das normas fiscais materiais, designadamente as que regulam o direito à dedução do IVA, em oposição com os fundamentos da decisão, devendo em consequência ser ampliada e reapreciada a matéria de facto ao abrigo do disposto no artigos 280.º n.º 1 do CPPT, 712.º n.º 1 do CPC e 38.º do ETAF;
D) Desde logo, o documento junto aos autos - declaração de início de actividade - o qual atesta que 1) a quadrícula da renúncia à isenção não foi preenchida - único facto que está na base dos actos de liquidação impugnados e da decisão que julgou ser se os manter; e 2) a quadrícula que atesta a opção pela afectação real foi preenchida (cfr. secção II.II. supra)
E) Factos não atendidos pela sentença recorrida, e que determinam a necessidade de revogar a sentença e a ilegalidade da aplicação do «prorata» na base dos actos de liquidação em crise, determinando a sua anulação;
F) A sentença recorrida não especificou nem apreciou prova documental relevante assim como não apreciou factos que demonstram que a ora recorrente nunca agiu em contradição com a tributação integral das operações, i.e. desde 2002 até ao 4.º trimestre de 2004 (cfr. secção II II supra), e em particular:
G) Que o formalismo omitido, por lapso do sujeito passivo, limita-se ao preenchimento de uma quadrícula no campo 1 do quadro 13 do formulário de declaração de início/alteração de actividade (i.e. não assinalou com uma “cruzinha” essa opção);
H) Que a Recorrente adoptou um comportamento declarativo inequívoco de cumprimento da opção pela tributação - comportando-se como sujeito passivo integral - no preenchimento das suas declarações periódicas de IVA desde o início da sua actividade e, consequentemente, do conteúdo da obrigação declarativa que cumprira defeituosamente, visto que liquidou IVA em todas as suas operações activas e fazendo-o o constar das suas facturas (com excepção da actividade de odontologia a partir do último trimestre de 2004);
I) Que a Recorrente expressamente comunicou essa opção ainda no decurso da acção inspectiva em sede de audição prévia - logo antes de confirmadas as propostas de correcção arbitradas exclusivamente com base nessa falta de comunicação;
J) Que a Recorrente, no âmbito da sua actividade, agiu materialmente de acordo com esse comportamento no que respeita à obrigação de liquidar IVA em todas as suas operações activas de modo contínuo, tendo efectivamente liquidado, repercutido o imposto e procedido à respectiva entrega nos cofres do Estado, pelo menos até último trimestre de 2004);
K) Acresce que a Recorrente regularizou formalmente a situação, tendo sanado a falta em 27.04.2007 com a entrega de Declaração de Alterações ainda antes de apresentar reclamação graciosa através do preenchimento da quadrícula de opção do quadro 13 já devidamente preenchida reiterando expressamente essa opção pela “renúncia à isenção que já vem sendo aplicada desde o exercício de 2002” (cfr. secção II.II supra).
L) A citada opção da Recorrente, consagrada na Sexta Directiva, designadamente no seu artigo 28.º n.º 3, alínea c) quanto à isenção de certas operações de interesse geral, conforme transposta para o artigo 12.º do Código do IVA não pode ser restringida ou subordinada a um formalismo declarativo em termos tais que ignorem os demais factos que inequivocamente atestam aquela opção, o seu comportamento efectivo - como sujeito passivo integral - maxime traduzido na liquidação de IVA durante vários anos, sem que o Fisco tenha corrigido essa situação (cfr. secção II.I ii) supra).
M) Razão pela qual o seu direito à dedução não pode ser posto em causa exclusivamente pelo deficiente formalismo declarativo dessa opção, implicando a anulação das liquidações de IVA em crise no presente recurso, por ofensa das normas e princípios que consagram o direito à dedução do IVA;
N) Nas circunstâncias dos presentes autos, deve prevalecer a substância sobre a forma, não se podendo pôr em causa o direito à dedução do IVA suportado para realização de operações efectivamente tributadas, exclusivamente por deficiente formalismo declarativo da opção pela tributação, contrariamente à lógica de funcionamento do imposto e às normas e princípios estruturantes do sistema comum do IVA (cfr. secção II. III supra);
O) Em caso de dúvida sobre a prevalência das citadas normas e princípio da Sexta Directiva sobre tal formalismo deve proceder-se à suspensão da instância e ao reenvio dessa questão a título prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, designadamente sobre se tal formalismo deve prevalecer em qualquer caso sobre a substância das operações efectivamente realizadas e o comportamento do sujeito passivo, que materialmente confirmou tal opção ab initio;
P) A sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação das disposições conjugadas dos artigos 12.º nº 1, e 19.º n.º 1 Código do IVA bem como os correspondentes artigos 28.º 3 c) e 17.º da Sexta Directiva do IVA, violando a letra e espírito destas normas e os princípios estruturantes sistema comum do IVA consagrados naquela Directiva, designadamente os princípios da neutralidade, da dedução e da proporcionalidade.
Q) A sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação do disposto no artigos 28 º n.º 3 c) conjugado com o artigo 17.º, n.º 2 da Sexta Directiva do IVA, violando a letra e espírito destas normas e os princípios estruturantes sistema comum do IVA nela consagrados, designadamente os princípios da neutralidade e da dedução, bem como as correspondentes normas dos artigos 12.º, n. 1 conjugado com o disposto no n.º 2 em função dos seus fins, e o artigo 19.º n.º 1 a) do Código do IVA, em ofensa ao princípio da proporcionalidade, legal e constitucionalmente consagrado nos termos do artigo 55.º da LGT e 266.º da Constituição da República Portuguesa;
R) A interpretação que foi feita do disposto no artigo 12.º n.º 1 do Código do IVA pela decisão recorrida também não respeitou os normativos constitucionais ao manter os actos de liquidação de IVA em crise na presente impugnação em ofensa aos princípios consagrados na Sexta Directiva do IVA, na medida em que excedeu os limites da discricionariedade na transposição das disposições da mesma Directiva face aos seus objectivos e princípios estruturantes, designadamente os princípios da proporcionalidade, neutralidade e do direito à dedução e as próprias normas transpostas, designadamente os artigos 28.º n.º 3 c) e 17.º, n.º 2 daquela Directiva, gerando um vício de inconstitucionalidade por violação do princípio do primado do direito comunitário ínsito no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (cfr. secção III. I A) supra).
S) A norma do artigo 12.º, n.º 2, do Código do IVA, na redacção introduzida pelo Decreto-lei n.º 185/86, de 14 de Julho fora do âmbito da autorização legislativa nela invocada (Lei n.º 9/86, de 30 de Abril), interpretada e aplicada pela decisão recorrida, em termos de eliminar liminarmente o direito à dedução consagrado no sistema comum do IVA, nas circunstâncias dos presentes autos viola o princípio de reserva de lei formal nos termos dos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1 alínea i) da Constituição da República Portuguesa (cfr. secção III. I B) supra);
T) Por outro lado, a sentença recorrida não especificou nem apreciou prova documental relevante assim como não apreciou factos que demonstram a violação de normas fiscais pelos actos de liquidação e juros compensatórios impugnados, designadamente o artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA, ao arbitrarem o método de dedução proporcional em função do volume de negócios, ao arrepio da lei e da declaração expressa do sujeito passivo de opção método da afectação real, formulada pelo meio próprio e adequado;
U) A sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação do disposto no artigo 23.º do Código do IVA, nomeadamente o seu n.º 2, violando frontalmente a letra e o espírito desta norma;
V) Ainda que a Recorrente tivesse passado a enquadrar-se como sujeito passivo misto (desde o último trimestre de 2004 em relação aos serviços de odontologia), não pode ser-lhe “aplicada a disciplina do prorata” (muito menos a toda a actividade e com retroactividade) em virtude de expressamente ter optado pelo método de afectação real (cfr. secção II.I ii) supra).
W) O facto de a Recorrente ter realizado, a partir do 4.º trimestre de 2004 operações nas quais indevidamente não liquidou IVA - sujeitando-se à respectiva correcção e liquidação adicional ou ao ajustamento da dedução apenas proporcional às mesmas operações (que indevidamente do imposto isentou) - não obsta à continuidade da opção pela tributação e à manutenção do enquadramento como sujeito passivo de IVA que realiza exclusivamente operações com direito à dedução, ao contrário do que decidiu a sentença a quo, pelo que deve ser revogada (cfr. III.I. B));
X) Esse mesmo facto de a Recorrente ter realizado, a partir do 4.º trimestre de 2004 operações nas quais indevidamente não liquidou IVA, apenas permite o ajustamento da dedução proporcional a essas mesmas operações que indevidamente isentou nesse período, mas não pode ter como consequência a transformação das restantes operações efectivamente tributadas em operações isentas para efeitos de dedução proporcional (cálculo do “prorata”), como decidiu a sentença a quo, pelo que deve ser revogada (cfr. III.I. B));
Y) Acresce que, ao contrário do que decidiu a sentença a quo em caso algum esse mesmo facto - realização a partir do 4.º trimestre de 2004 de operações nas quais indevidamente não foi liquidado IVA - poderia afectar a dedução praticada no período desde 2002 até ao último trimestre de 2004, em que foi sempre liquidado IVA em todas as operações activas da Recorrente, pelo que também por essa razão se impunha a anulação dos actos de liquidação de IVA estruturados a título de pretenso excesso de dedução nesse período;
Z) Finalmente, a sentença recorrida não considerou ou apreciou acriticamente a prova documental, da qual resulta não ter havido incumprimento das normas fiscais materiais, designadamente as que regulam o direito à dedução do IVA, por parte da Recorrente, prescindindo o Tribunal a quo da culpa como pressuposto da responsabilidade por juros compensatórios em violação do disposto nos artigos 89.º do Código do IVA, 35.º e 59.º, n.º 2 e 35.º da Lei Geral Tributária.

Termos em que a sentença recorrida merece inteira censura na parte em que decidiu não anular os actos de liquidação de IVA e juros compensatórios em crise no presente recurso, devendo em consequência V. Exas. dignarem-se proceder, concedendo provimento ao recurso jurisdicional, nos termos que se seguem:
a) revogar a sentença a quo e anular totalmente os actos de liquidação de imposto e de juros compensatórios impugnados, pelos apontados vícios de violação de lei, designadamente o disposto nos artigos 12.º, 19.º e 23.º do Código do IVA e correspondente normativos da Sexta Directiva do IVA, por erro nos respectivos pressupostos de facto e de direito ou ainda por errónea quantificação da matéria colectável decorrente da aplicação de uma fórmula de dedução inaplicável, tudo nos termos supra mencionados e nos demais de direito que V. Exas. entendam convenientes;
b) ordenar que a Administração tributária restitua à ora Recorrente o imposto e os juros compensatórios que indevidamente pagou, acrescido dos juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido até à emissão da respectiva nota de crédito, com todas as consequências legais.
Ou, no caso assim não ser desde logo entendido e a título subsidiário, requer-se a V. Exas. a suspensão da instância e o reenvio ao TJUE das questões prejudiciais de interpretação do direito da U.E. acima sugeridas sobre a compatibilidade do artigo 12.º n.º 2 do Código do IVA com a Sexta Directiva, designadamente as disposições conjugadas dos artigos 13.º A) e 28.º 3 c) e 17.º, n.º 2, assim como com os princípios da proporcionalidade da neutralidade e os objectivos do sistema comum do IVA, se interpretado e aplicado no sentido de que o formalismo prescrito na citada norma de direito interno deve prevalecer em qualquer caso sobre a substância das operações efectivamente realizadas e o comportamento do sujeito passivo, que materialmente confirmou tal opção ab initio.
Só assim decidindo, será respeitado o DIREITO e farão V. Exas. JUSTIÇA. »
*
Não há registo da apresentação de contra-alegações.
*
A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer, no sentido de que o recurso deve improceder e manter-se o julgado.
*
Colhidos os vistos legais, compete conhecer.
*******
II
Mostra-se exarado, na sentença: «
MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão, fixo a seguinte matéria de facto:
1. A impugnante tem como objecto social a realização, a título principal, das actividades de medicina estética, cirurgia estética, plástica e reparadora, assim como nutrição, dietética e odontologia; exploração de centros relacionados com tais actividades ou, inclusivamente, a exploração de centros hospitalares, com todo o tipo de serviços médicos e cirúrgicos; exploração de laboratórios clínicos; fabricação, comercialização e venda de todo o tipo de próteses; comercialização e venda de produtos cosméticos, encontrando-se enquadrada para efeitos de IVA, no regime normal, de periodicidade trimestral nos exercícios de 2002 a 2004 e mensal a partir de 01/01/2005;
2. Foi sujeita a uma acção de inspecção externa abrangendo, nomeadamente, o IVA e o IRC e incidente sobre os anos de 2002, 2003, 2004, 2005 e Janeiro a Junho/2006, que culminou com o relatório de 08/11/2006, que constitui fls. 94/131 e damos aqui por integralmente reproduzido, bem como os anexos que o integram, face à sua extensão;
3. Consta daquele relatório, textual, expressa e, designadamente, o seguinte:
«III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
IVA
As correcções em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado propostas em resultado da presente acção inspectiva, adiante melhor especificadas, surgem em três vertentes:
a) dedução excessiva de IVA, resultante do errado enquadramento, a qual se consubstancia em
- Exercícios de 2002 a 2005:
- não aplicação do PRO-RATA, obrigatório por força do nº 1 do artº 23º do CIVA, nem do critério da “afectação real”, conforme declarado pelo contribuinte na Declaração de Início de Actividade, o que se traduziu na dedução do imposto na totalidade.
- Exercício de 2006:
- aplicação de um PRO-RATA de 92%, percentagem esta obtida com base nas prestações de serviços consideradas isentas pelo contribuinte em 2005 (apenas os serviços de odontologia), tendo os serviços isentos nesse ano um âmbito mais extenso, motivo pelo qual a percentagem de dedução permitida é inferior à praticada.
b)…….
c) falta de liquidação de IVA (e correspondente dedução) na factura nº 05-P1001, de 10/05/2005, da CORPORACION DERMOESTÉTICA de Espanha, relativas à aquisição de imobilizado, as quais constituem aquisições intracomunitárias de bens, o que constitui infracção ao disposto no artº 1º nº 1 a línea c) do CIVA e artº 1º alínea a), do RITI, aprovado pelo DL 290/92, de 28 de Dezembro,
Deste modo, as correcções propostas são as que a seguir se indicam e fundamentam:
(…)
1.1.2.Versão Final
(…)
Concluiu-se, pois, que o contribuinte se enquadra no artº 9º nº 2 do CIVA.
Como tal, o enquadramento da sua actividade é o de sujeito passivo misto, que pratica operações:
- isentas de IVA (serviços médicos e cirúrgicos, facturados pela empresa aos clientes independentemente do local da prática das operações e do vínculo dos profissionais à empresa) - artº 9º nº 2 do CIVA
- sujeitas a taxa reduzida (produtos incluídos na lista I - verba 2.5)
- sujeitas a taxa normal (serviços de estética e beleza).
Assim, para efeitos de dedutibilidade do imposto, deverá ser-lhe aplicada a disciplina constante do artº 23º do CIVA - PRO-RATA, calculado em função da percentagem de facturação isenta, tal como acabou de ser definida, relativamente à facturação total emitida.
É de referir novamente o comportamento adoptado pelo s.p. quanto à renúncia à isenção, em que liquidou 5% sobre a grande maioria das prestações de serviços (excepto estética, em que usou a taxa normal, e odontologia (isenta) a partir do 4º trimestre de 2004) e em que deduziu a totalidade do imposto até final de 2005, e aplicou um PRO-RATA de 92% em 2006, do qual ficaram excluídas as aquisições intracomunitárias de bens e serviços, em que a dedução foi total.
Não se compreende a aplicação deste PRO-RATA de 92%, uma vez que o mesmo se comportou como se tivesse renunciado à isenção, devendo, então, a renúncia ser aplicada à globalidade das operações, e não manter como isentos os serviços de odontologia (iniciados no 4º trimestre de 2004).
Como corolário, concluiu-se que, de facto, o contribuinte não efectuou qualquer renúncia à isenção de IVA, pois, não só não detectámos nenhuma Declaração de Alterações em que se prove o exercício desse direito (…), como o próprio contribuinte, quando notificado para o efeito, não apresentou qualquer documento comprovativo dessa opção (…).
Nestas circunstâncias, sendo o contribuinte um s.p. misto e não tendo efectuado a renúncia à isenção, confirma-se a necessidade de aplicação do PRO-RATA, nos termos do artº 23º, para efeitos do cálculo do imposto com direito a dedução e das correcções que se mostram necessárias, face ao imposto efectivamente deduzido.
Refira-se que, sobre os serviços considerados isentos, nos termos do artº 9º nº 2, o contribuinte liquidou IVA à taxa de 5%, o qual, apesar de indevidamente liquidado, é devido, nos termos do artº 2º nº 1 alínea c), e artº 26º nº 2, ambos do CIVA.
1.2. Correcções – Cálculos
As correcções proposta e que se descrevem de seguida, resultam da análise efectuada à facturação da empresa, a qual nos foi integralmente fornecida em suporte informático (…)
1.2.1. Determinação dos serviços a 5%
Conforme já referido, foi efectuada liquidação de IVA à taxa de 5% sobre a generalidade da facturação, procedimento que consideramos incorrecto, devido à inexistência de renúncia à isenção de IVA. Porém, analisados os itens facturados, constatou-se que alguns dos produtos se enquadram na verba 2.5 da Lista I anexa ao CIVA, sendo, para esses casos, correcta a aplicação da taxa de 5%.
Efectuou-se um expurgo desses produtos (bodies, bandas, cintas, coletes, ligaduras, próteses, soutiens, calções) (…).
1.2.2. Determinação do PRO-RATA
Determinados os montantes de facturação sujeitos à taxa de 5% de IVA, e aceites os montantes de facturação sujeita à taxa normal declarados pelo contribuinte, resulta que toda a restante facturação é isenta nos termos do artº 9º nº 2 do CIVA.
(…)
Refira-se que, relativamente aos montantes de facturação total (…), tomou-se por base os valores das Declarações Periódicas de IVA (…).
Foram, assim, apuradas as seguintes percentagens de PRO-RATA:
2002: 17%
2003: 18%
2004: 21%
2005: 20%
2006: 20% (provisório)
1.2.3. Apuramento das Correcções
Segue-se a aplicação destas percentagens às deduções efectivamente praticadas pelo contribuinte, conforme Declarações Periódicas, as quais, como já foi referido, foram efectuadas pela totalidade do imposto incidente sobre inputs até final de 2005
Assim, nos quadros das págs. 26 e 26 apresentam-se os cálculos para apuramento do imposto cuja dedução é permitida, em função da aplicação do PRO-RATA, para os exercícios de 2002 a 2005, bem como os montantes deduzidos indevidamente, que serão objecto de correcção.
Relativamente a 2006, em que foi deduzido 92% do IVA nas aquisições no mercado nacional e 100% nas aquisições intracomunitárias, o procedimento foi (…)
(…)
FALTA DE LIQUIDAÇÃO (e correspondente dedução em AICB)
Na factura nº05-P1001, da Corporation Dermoestética de Espanha, relativa à aquisição de imobilizado, o contribuinte não efectuou a necessária liquidação de IVA, assim como a correspondente dedução (…), operações devidas por se tratar de aquisições intracomunitárias de bens, o que constitui infracção ao disposto no artº 1º nº 1 alínea c) do CIVA e artº 1º alínea a) do RITI, aprovado pelo DL nº 290/92, de 28 de Dezembro.
Assim, o montante do IVA em falta é o seguinte:
Valor da factura: 96.120,00
IVA não liquidado (19%): 18.262,80
IVA não deduzido – PRO-RATA 20%: 3.652,56
Total a corrigir: 14.610,24».
4. Em sequência, foram propostas correcções no montante total de € 1.913.647,75 referenciadas a períodos de tributação de 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, entre outras, correspondendo € 1.898.762,15 a deduções indevidas nos termos do artº 23º, do CIVA e € 18.262,80 por falta de liquidação do imposto, nos termos do artº 1º nº 1 alínea c) do CIVA e 1º alínea a), do RITI, a que foi subtraído o montante de € 3.652,56 de imposto não deduzido – PRORATA 20% - vd. mapa a fls. 126 e “mapas resumo das correcções resultantes da acção inspectiva”, a fls. 95/101, todas do apenso administrativo;
5. Aquelas correcções originaram as liquidações adicionais de IVA e Juros Compensatórios que constituem fls. 126 a 185 do apenso de reclamação graciosa, todas com data limite de pagamento em 31/01/2007 e referenciadas a períodos de tributação compreendido entre Janeiro/2002 e Junho/2006;
6. A impugnante deduziu reclamação graciosa das liquidações em 03/05/2007 (fls. 4 do apenso);
7. A presente impugnação judicial foi remetida ao Tribunal Tributário por correio registado em 31/01/2008 (vd. talão de registo postal, fls. 170/172), onde deu entrada em 04/02/2008, conforme carimbo aposto na petição inicial;
8. Na data de apresentação da impugnação judicial, nenhuma decisão expressa recaíra sobre a reclamação graciosa.

Factos não provados: Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se provou de relevante.
Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apensos, administrativo e de reclamação graciosa, com destaque para a assinalada. »
*
O inicial (e prioritário) núcleo de questões despoletadas, pela Recorrente/Rte, dirigem-se e envolvem o julgamento factual acabado de reproduzir, sustentando, em resumo, haver necessidade de, aos factos julgados provados, serem acrescidos os que são mencionados nas conclusões D) a K).
Desde logo, por suportados em documentação oficial, disponível no processo, não oferece dificuldade o reconhecimento de factos que integram o conteúdo das conclusões D) e K).
Quando, perscrutadas as conclusões G) a J), com o complemento da correspondente alegação – cfr. fls. 235, imediatamente, emerge a constatação de, em alguma medida, se pretender inscrever, como factualidade, meros juízos de valor, afirmações conclusivas, referentes a determinada conduta que terá sido assumida pela impugnante, o que, óbvia e legalmente, é inviável, porquanto, “factos”, para efeitos de fixação da base instrutória (1) de uma qualquer causa, demanda, judicial, são, sinteticamente, as “ocorrências concretas da vida real, bem como o estado, a qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas”, englobando “não apenas os acontecimentos do mundo exterior, mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo” (2).
Dito isto, com eventual interesse para a decisão do mérito desta causa, importa aferir se se pode dar por comprovado que a impugnante liquidou IVA em todas as suas operações ativas, fazendo-o constar das competentes facturas, circunstancialismo que, segundo a Rte, é mencionado no relatório de inspeção tributária; sua pág. 19 (3). Estando em causa pronunciamento/informação prestada por serviço de inspeção tributária, cujo valor probatório se mostra estabelecido, conformado, pelo art. 76.º n.º 1 LGT, em vez da conclusão proposta pela Rte, é seguro e consciencioso, adiante, reproduzir o correspondente conteúdo do respectivo relatório inspetivo.
Com respeito à conclusão I) (e motivação do ponto iii) de fls. 235), cumpre registar que a impugnante, no exercício de direito de audição, anterior à emissão do relatório definitivo do procedimento de inspeção, entre o mais, fez menção: “…: liquidou IVA nos serviços prestados, que entrou nos cofres do Estado, e procedeu ao apuramento dos valores de IVA dedutível nessa conformidade.”. Ora, como é possível conferir, no ponto, do relatório final, com a epígrafe V. DIREITO DE AUDIÇÃO, o argumento em apreço foi, explicitamente, considerado e valorado (4), sem, contudo, merecer acolhimento pela administração tributária/at, pelo que, não se encontra qualquer interesse no aditamento deste circunstancialismo à factualidade provada.
Em sintonia com estes considerandos, presente, ainda, o disposto no art. 712.º n.º 1 al. a) CPC, aos factos fixados como provados na sentença, aditam-se os seguintes (seguindo a respectiva numeração):
9. Em 29.12.2000, a impugnante entregou, no Serviço de Finanças Lisboa 10, declaração de início de atividade, em que, entre outros, preencheu, no seu quadro 11, os campos 1 e 2, respeitantes, respectivamente, a: “Transmissões de bens e ou prestações de serviços que conferem o direito à dedução” e “Transmissões de bens e ou prestações de serviços isentas que não conferem o direito à dedução” – cfr. documentação de fls. 206 segs. PA.
10. Nesse mesmo quadro 11, preencheu, ainda, os campos 3 e 5, declarando ir efetuar a dedução do imposto suportado segundo a afectação real (art. 23.º n.º 2), relativamente, a todos os bens e serviços utilizados – idem.
11. Quanto à declaração em apreço, verifica-se não ter sido preenchido qualquer dos campos do respectivo quadro 13, nomeadamente, o referente à possibilidade de pretender exercer o direito à opção, pela renúncia à isenção, prevista no art. 12.º n.ºs 1 e 2 CIVA – idem.
12. Em 27.4.2007, a impugnante consumou a entrega de declaração de alterações, onde procedeu ao preenchimento do campo 1 do quadro 13, com renúncia à isenção e opção pelo regime normal, mais, tendo feito constar do quadro 40 a seguinte observação: «Reafirma-se no pedido formal de renúncia à isenção que já vem sendo aplicada desde o exercício de 2002» – cfr. documentação de fls. 370 segs..
13. Além do conteúdo transcrito, supra, no ponto 3. da matéria de facto fixada na sentença, do relatório de inspeção consta a seguinte passagem: «(…). Ora, …, o contribuinte comportou-se como tendo renunciado à isenção, embora não o tivesse feito, e não só deduziu a totalidade do imposto, como liquidou IVA em todos os proveitos facturados (com excepção da odontologia, que surgiu a partir do 4º trimestre de 2004), tendo aplicado a taxa de 5% sobre a grande maioria das prestações de serviços e taxa normal apenas aos serviços da estética e beleza, os quais têm pouca representatividade» – cfr. fls. 19 do relatório inspetivo.
14. Nas declarações periódicas, de todos os trimestres de 2000 e até ao 3.º trimestre de 2004, a impugnante/sujeito passivo declarou operações ativas (vendas e prestações de serviços) a maioria tributadas à taxa reduzida e nenhuma operação sem direito a dedução, enquanto, nas declarações periódicas, do 4.º trimestre de 2004, inclusive, e seguintes, passou a declarar operações ativas à taxa reduzida, à taxa normal e operações isentas que não conferem o direito a dedução referentes a serviços médicos de odontologia, no campo 9 de cada declaração – pontos 12.2.e 12.3 da informação de fls. 94 segs.
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Estabilizado o enquadramento factual, temos de volver atenções para os aspectos jurídicos da lide, quanto aos quais a Rte aponta errado julgamento, em 1.ª instância, consubstanciado, sobretudo, na violação do disposto nos arts. 12.º, 19.º e 23.º CIVA.
Antes, para clarificar e perceber o que está em discussão, cumpre registar terem os serviços da at, no seguimento do apurado em ação inspetiva, corrigido, através da aplicação do método da percentagem de dedução, vulgo, pro rata (5), a dedução de IVA, efetuada pela impugnante, no período de janeiro de 2002 a junho de 2006, do que resultou o apuramento de imposto deduzido em excesso, no valor de € 1.898.762,15. Esta correção suportou-se no entendimento de que a impugnante não podia ter deduzido IVA incidente sobre bens e serviços adquiridos para o exercício de operações suas por natureza isentas, dada a ausência de prévio exercício do direito de opção de renúncia à isenção em apreço. Por outras palavras, prestando a impugnante, nos seus estabelecimentos (“unidades privadas de saúde”), além de outros, serviços médicos e sanitários, isentos do imposto, nos termos do art. 9.º 2) CIVA, para que pudesse deduzir o IVA referente a bens e serviços adquiridos para o exercício dessa parcela do seu objeto social, impunha--se ter renunciado à isenção e optado pela aplicação do IVA a esses serviços, em sintonia com o estatuído no art. 12.º n.º 1 al. b) e n.º 2 CIVA.
O primeiro e nuclear motivo de crítica avançado pela Rte – cfr. conclusões L) a N), reconduz-se à ideia de que, embora a impugnante não tenha cumprido, atempadamente, na declaração de início de atividade, o formalismo relativo à opção pela renúncia da isenção de IVA, aplicável aos serviços médicos e sanitários a prestar, na prática, em concreto, sempre atuou como tendo renunciado à identificada isenção do imposto, que liquidou e fez constar das facturas emitidas, respeitantes às suas vendas/prestações de serviços. Na expressão da própria Rte, no caso destes autos, “deve prevalecer a substância sobre a forma”.
Como dá apontamento Clotilde Celorico Palma (6), no IVA, considerando a possibilidade do exercício do direito à dedução (7), encontramos duas modalidades de isenções; por um lado, as completas, totais, plenas ou que conferem o exercício do direito à dedução do IVA suportado e, por outro, as isenções incompletas, simples, parciais, entre as quais se encontram todas as do art. 9.º CIVA, onde o sujeito passivo beneficiário não liquida imposto nas suas operações ativas e não tem o direito a deduzir o IVA suportado para a respectiva realização. Ora, na medida em que esta dual impossibilidade, nomeadamente no que concerne à dedução do imposto pago para que se possa efetivar a atividade, pode resultar deveras penalizante, prejudicial, para o agente económico, a lei (art. 12.º CIVA), em moldes nitidamente excecionais e para situações específicas, faculta o direito à renúncia à isenção; esta concedida de forma automática, unicamente, por efeito do sujeito passivo exercer alguma das atividades, taxativamente, inscritas nos diversos números daquele art. 9.º.
Presente esta explicitação doutrinal sobre as características das isenções do IVA, nas operações internas, positivadas no art. 9.º CIVA, não se olvidando a qualidade de isenções automáticas, cuja aplicação o sujeito passivo não tem de solicitar, nem carecem de um ato de reconhecimento por parte da at, sendo, também, certo que, regra geral, é impossível renunciar às mesmas, com a ressalva legal de contados casos, julgamos insustentável entender que reveste a natureza de mero “formalismo declarativo”, o facto de a lei, explicitamente, impor, para se renunciar à isenção e exercer o direito de opção pela aplicação do imposto às operações do sujeito passivo renunciante, a entrega, em serviços da at ou outros devida e legalmente autorizados, de certo e determinado tipo de declaração. Face à extrema importância, delicadeza, que o direito à dedução do IVA encerra, traduzindo, mesmo, uma das principais características do mecanismo essencial de funcionamento do tributo, assente, no supra identificado, método subtrativo indireto, somos obrigados a reputar a imposição de ser comunicada a opção, expressa, do sujeito passivo, de serem tributadas as suas operações, em princípio, isentas, como condicionante para que a renúncia possa ser conhecida e reconhecida pelos competentes serviços da at. Ademais, só tratando-se de uma condição, a exigida entrega de declaração comprova que foi exercido o direito de opção e permite estabelecer o período de permanência obrigatória no regime de tributação escolhido – art. 12.º n.º 3 CIVA.
Concluindo, na esteira do Ac. STA de 30.6.1999, rec. 20.940, entendemos que a renúncia à isenção, possibilitada pelo art. 12.º n.º 1 CIVA, em circunstância alguma é susceptível de ser presumida, pelo que, se o sujeito passivo não apresenta pedido/declaração de renúncia, tem de ser considerado submetido ao regime de isenção, por, originariamente, o seu próprio.
Não obstante o entendimento, acabado de expressar, exibir suficientes razões para, sem mais, rejeitar o argumento, da Rte, em apreço, porque foi aditada, por este tribunal de recurso, matéria de facto com potencial relevo para a decisão do mérito, justifica-se aquilatar da possibilidade de a sua motivação encerrar algum significado no sentido do veredicto a emitir. Fundamentalmente, importa determinar se a impugnante, não tendo, pela forma prevista na lei, renunciado à isenção de IVA, que cobria grande parte dos serviços prestados, na prática, agiu como se o tivesse feito, ou seja, se aplicou, exerceu, a omitida renúncia desde o início do ano de 2002, mediante a liquidação de imposto em todas as suas operações ativas.
Sendo certo, como realça e enfatiza a Rte, patentear o relatório da inspeção a circunstância de a impugnante, no período inspecionado, haver liquidado imposto em todos os proveitos facturados, com exceção dos serviços de odontologia, a partir do 4.º trimestre de 2004, atuação traduzida nas competentes declarações periódicas – ponto 14. dos factos provados, também, verificaram e apontaram, os funcionários da at, que, para a quase generalidade das prestações de serviços, o IVA havia sido facturado à taxa reduzida em vez de, como devido, à taxa normal. Por outro lado, sem prejuízo de a referência feita no relatório mencionar “todos os proveitos facturados”, não se pode esquecer que, no último trimestre de 2004, ano de 2005 e 1.º semestre de 2006, a impugnante facturou, sem liquidar IVA, valores elevados, correspondentes a prestações, isentas, de serviços de odontologia, tendo, no mesmo período temporal, contudo, apesar de não liquidar e entregar imposto, de parte significativa da sua atividade, continuado a deduzir a totalidade do IVA suportado.
Posto isto, apresenta-se-nos inviável acolher o argumento da Rte, no sentido de que, em substância, adoptou e exerceu atitude correspondente à renúncia do direito à isenção. Como decorre, sobretudo, do mencionado nas declarações periódicas, a impugnante, nos anos de 2000 a 2004 (3.º trimestre), registou “nenhuma operação sem direito a dedução”, pelo que, o facto de, nesses anos, ter liquidado IVA nas suas operações ativas, se mostra inócuo para efeitos de comprovar uma vontade inequívoca, impressiva, de renunciar a aplicável isenção do imposto. Ora, a partir do 4.º trimestre de 2004, quando passou a incluir, nas declarações, operações isentas, não conferentes de direito a dedução, a impugnante optou por, para estes serviços, não liquidar IVA, atitude antagónica e incompatível com a propalada renúncia à isenção. Doutro modo, quando o exercício da sua atividade comercial, por envolver a prestação de serviços, objetiva e obrigatoriamente, isenta de IVA, pressupunha a inexistência de quaisquer serviços sem liquidação de imposto, para, ainda que de forma indireta, se poder descortinar um propósito de, na prática, não aceitar o funcionamento automático da isenção, a impugnante adoptou comportamento contrário ao de renúncia, isto é, nunca liquidou e entregou IVA, relativo a tais operações isentas.
Em suma, além de, seguramente, não ter cumprido o estatuído no art. 12.º n.º 1 al. b) e n.º 2 CIVA, condição para que pudesse não ficar sujeita ao regime de isenção, quanto a parte da sua atuação, a impugnante assumiu comportamento inadequado, incapaz de possibilitar a afirmação, conscienciosa, de ter agido como “sujeito passivo integral”, durante todo o tempo, compreendido entre janeiro de 2000 e junho de 2006.
Dirimido o principal e mais abrangente motivo de censura à sentença recorrida, impõe-se, por conexa, desde já, avaliar da proposta de suspensão desta instância e reenvio, a título prejudicial, da questão inscrita na conclusão O) e no pedido subsidiário deste apelo.
O art. 267.º do, atual, Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia/TFUE (ex-artigo 234.º TCE) aponta ser o Tribunal de Justiça da União Europeia/TJUE competente para decidir, a título prejudicial, sobre, além da interpretação dos Tratados, a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União, estabelecendo, como regras: «
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal. »
Antes de nos debruçarmos sobre a concreta pretensão da Rte, cumpre, ainda, fazer menção da reiterada jurisprudência, produzida pelo TJUE (ex-TJCE), no sentido da afirmação de três exceções à obrigação de reenvio: falta de pertinência, irrelevância da questão despoletada, no processo, para a decisão da causa, existência de interpretação já anteriormente fornecida pelo TJCE e total clareza da norma disputada (“teoria do ato claro”).
No presente processo impugnatório, a Rte defende que a interpretação do art. 12.º CIVA, assumida pelos serviços da at e aconchegada pela sentença recorrida, é incompatível com, entre outros, o art. 28.º n.º 3 al. c) da Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17.5.1977 (Sexta Diretiva) (8).
Como é possível retirar, com segurança, da argumentação coligida pela Rte, a apontada incompatibilidade pressupõe que a impugnante, na qualidade de sujeito passivo, não tendo declarado a opção pela tributação das suas operações isentas, na prática, procedeu como se tal tivesse ocorrido, liquidando e fazendo constar IVA de todas as suas facturas. Ora, acabámos de concluir ter esta assumido comportamento inadequado, incapaz de possibilitar a afirmação, conscienciosa, de ter agido como “sujeito passivo integral”, durante todo o tempo, compreendido entre janeiro de 2000 e junho de 2006, pelo que, desde logo, não se mostra preenchido o pressuposto sustentador da questão pretendida submeter à jurisdição do TJUE.
Termos em que concluímos encontrar-se o direito comunitário, no que tange à coligida Diretiva, aplicado corretamente pelo art. 12.º n.º 1 (e n.º 2) CIVA, não persistindo qualquer dúvida razoável no sentido da pronúncia deste tribunal, pelo que, em conformidade, se desatende e indefere o pedido de reenvio prejudicial em apreço.
A solução conferida ao aspecto, imediatamente, supra, induz a resposta aos motivos de discordância patenteados pelas conclusões P) a S), em particular, quanto a uma eventual violação ou desrespeito pela força do direito comunitário.
O art. 12.º n.º 1 CIVA, de forma explícita e objetiva, como preconizado pelo art. 28.º n.º 3 c) da Sexta Diretiva, concede, a determinados sujeitos passivos, a faculdade, possibilidade, de, renunciando à isenção, poderem optar pela aplicação do IVA às suas operações, originariamente, isentas. Deste modo, não se vislumbra onde possa residir violação do princípio do primado do direito comunitário e inerente inconstitucionalidade, uma vez que o normativo nacional transpôs a imposição internacional, relativa, apenas, à opção pela tributação em lugar da isenção; alguns sujeitos passivos, a atuar em Portugal, beneficiam de escolha entre a tributação ou não de certas operações.
Realidade próxima prende-se com a exigência, feita pelo n.º 2 do mesmo art. 12.º, de o exercício do direito de opção, previsto no n.º 1, obedecer a estrito, específico, formalismo declarativo.
Em primeira linha, da, simples, leitura do normativo, resulta claro não se estar na presença de qualquer eliminação do direito de dedução, enquanto elemento central de funcionamento do IVA. Obviamente, se o sujeito passivo exercer, pela forma instituída, a opção para que sejam tributadas operações, suas, isentas e que não dão direito a deduzir o IVA suportado para a respectiva realização, ficam reunidas condições para poder agir como um sujeito passivo integral, deduzindo, na plenitude, o imposto pago. Por outro lado, de forma alguma decorre do versado 28.º n.º 3 c) da Sexta Diretiva a proibição, para os sistemas jurídicos nacionais, de sujeitarem a faculdade de opção pela tributação das operações isentas ao cumprimento de condições, requisitos, por parte dos interessados beneficiários. Aliás, são vários os exemplos de formalidades, designadamente, de cariz declarativo, impostas aos sujeitos abrangidos pela incidência do IVA, sem que se cogite qualquer violação do direito comunitário pertinente.
Assim, para concluir, a obrigatoriedade de o versado direito de opção ser exercido através da entrega de uma declaração, não se nos afigura contrária ao regime e espírito da Sexta Diretiva, justificativo para que tenha sido imposta, desde o início, pelo DL. 394 -B/84 de 26.12. (diploma aprovador do CIVA), imposição que a redação conferida, ao art. 12.º n.º 2 CIVA, pelo DL. 185/86 de 14.7., apenas, retocou, quanto ao tipo de declaração exigida, sem, salvo o devido respeito, contender com princípios ou regras constitucionais.
A consideração do teor das conclusões T) a Y) e respectiva alegação, leva-nos a identificar o apontamento, à sentença, de erro, decorrente do julgado violar o estatuído no art. 23.º CIVA. Resumidamente, para a Rte, o sentido do veredicto da 1.ª instância não considerou e valorou o facto de a impugnante, na declaração de início de atividade, haver optado pelo método da afectação real, a coberto da possibilidade atribuída pelo n.º 2 do citado art. 23.º.
Não existindo qualquer tipo de dúvida quanto à opção feita pela impugnante – ponto 10. dos factos provados, que, em princípio, lhe permitiria deduzir a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e/ou serviços utilizados em atividades tributadas ou isentas com direito a dedução (ficando excluídas as operações isentas sem direito a dedução, como são todas as do art. 9.º CIVA) constataram (e mencionaram no relatório) os serviços de fiscalização da at que aquela não tinha processado, contabilisticamente, os documentos por forma a apurar o imposto dedutível segundo a escolhida via da afectação real. Por outras palavras, apesar de ter comunicado, atempada e legalmente, o propósito de utilizar o método da afectação real, a impugnante omitiu a assunção dos procedimentos contabilísticos adequados e necessários para assegurar a exequibilidade prática da metodologia escolhida, com vista à dedução do IVA, ou seja, além do mais, não organizou a sua contabilidade em “centros de custos”, capazes de, pela inerente individualização, facultarem a correta identificação e controlo das deduções respeitantes a cada uma das atividades exercidas.
Como se não bastasse esta conduta de apontar um caminho que, na prática, o próprio caminhante torna intransitável, há, ainda, a circunstância de o sujeito passivo, declarante de escolha pelo método da afectação real, para o ano de 2006, ter procedido, por sua exclusiva iniciativa, a dedução do IVA, mediante operância da metodologia da percentagem de dedução (pro rata).
Por este conjunto de razões, somos levados a afirmar ser irrelevante, inconsequente, no contexto da situação julganda, a declaração, da impugnante, aquando do começo da atividade, no sentido de ir utilizar o método da afectação real, para deduzir o IVA incorrido, pelo que, nenhuma crítica merece o, nesta conformidade, julgado no tribunal recorrido. Resta acrescentar não detectarmos patente ilegalidade no cálculo do pro rata, acionado pela at e acolhido na sentença, sendo certo que, a ter existido alguma desconformidade com a realidade, foram apontados motivos para tal, decorrentes da conduta irregular e incongruente do sujeito passivo.
A derradeira questão com que nos confrontamos diz respeito à exigência do pagamento de juros compensatórios – conclusão Z).
Por força do preceituado nos arts. 35.° LGT e 89.° CIVA, constituem requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de IVA, de um atraso na efetivação de uma liquidação desse imposto e a imputabilidade (culposa) do atraso à atuação do contribuinte. Traduz entendimento jurisprudencial reiterado e pacífico (9) que a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte e da possibilidade de formular um juízo de censura à sua conduta (a título de dolo ou negligência). Ou seja, depende da existência de culpa, a qual, como é sabido, consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstrato (face à diligência de um bom pai de família), tendo de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência, aptidão, conhecimento e, mesmo, de perícia, de um bonus pater famílias (10).
Deste modo, e apesar de a doutrina e a jurisprudência também sufragarem a tese de que quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta - por ilação lógica - a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado) e que, por essa via, se deve partir do pressuposto de que existe culpa sempre que a atuação do contribuinte integra a hipótese de qualquer infracção tributária, o certo é que essa culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte atuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais.
E, por essa razão, a jurisprudência firmou-se no entendimento de que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação ficou a dever-se, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a at e o contribuinte, quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (como, por exemplo, a nível de custos fiscais) ou a erro desculpável do contribuinte.
Apesar de não o dizer explicitamente, percebe-se dos motivos invocados que o julgador, em 1.ª instância, manteve a liquidação de juros compensatórios, dirigida à impugnante, na consideração de que esta ao ter, por sua única e exclusiva responsabilidade, promovido deduções excessivas, ilegítimas, de IVA, perpetrou ilegalidade, transgressão tributária, da qual decorre a imprescindível culpa. Acresce, avaliada a crítica produzida pela Rte, concluirmos assentar, a mesma, na tese de que a impugnante não violou “normas fiscais materiais”, ou seja, atuou sempre como “sujeito passivo integral”, a qual não logrou acolhimento neste areópago.
*******
III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se negar provimento ao recurso.
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Custas a cargo da recorrente.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 22 de maio de 2012

ANÍBAL FERRAZ
PEDRO VERGUEIRO
PEREIRA GAMEIRO


1- No caso do processo judicial tributário, corresponde, no presente, à discriminação entre a matéria de facto provada e a não provada, exigida pelo n.º 2 do art. 123.º CPPT.
2- Cfr. Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 406 segs.
3- Alínea ii) de fls. 235 e conclusão H).
4-Cfr. fls. 128/129 PA/Processo Administrativo.
5- No pressuposto de que a impugnante exercia uma atividade mista, praticando operações tributáveis (serviços de estética e beleza, venda de bens/aparelhos medicinais/ortopédicos) e operações isentas que não conferem direito a deduzir IVA (serviços médicos e cirúrgicos).
6- Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º I - 2.ª Edição, Almedina, pág. 122 segs.
7- Este direito consubstancia uma das principais características do IVA, íntima e intrinsecamente, ligado ao chamado “método subtractivo indirecto, das facturas, do crédito de imposto ou sistema dos pagamentos fraccionados”, pelo qual se assegura e concretiza a incidência do imposto sobre todas as fases do processo produtivo.
8- «Durante o período transitório a que se refere o n.º 4, os Estados-membros podem: c) Conceder aos sujeitos passivos a faculdade de optarem pela tributação das operações isentas, nas condições fixadas no Anexo G;»
9- Neste sentido, v.g., Acs. STA de 16.2.2005, rec. 1006/04, de 12.7.2005, rec. 12649 e de 19.11.2008, rec. 325/08.
10- Cfr. Exmo. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, 1999, Vislis, pág. 143 segs.