Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2688/12.0BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 12/20/2022 |
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Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
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Descritores: | REVERSÃO FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO GERÊNCIA DE FACTO |
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Sumário: | I - O despacho de reversão está fundamentado quando inserido num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível, atentos os elementos dele constantes. II - O exercício efetivo de funções de gestão é um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária dos gestores. III - Cabe à AT o ónus da prova de demonstrar tal exercício efetivo de funções. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO
A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 30.04.2018, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a oposição apresentada por R… (doravante Recorrido ou Oponente), ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 3158201001067850 e apenso, que o Serviço de Finanças (SF) de Loures 3 lhe moveu, por reversão de dívidas de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), dos exercícios de 2008 e 2009, da devedora originária G…, Lda. O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Nas suas alegações, a Recorrente concluiu nos seguintes termos: “A) In casu, com elevado respeito pelo respeitoso areópago a quo, na humilde perspectiva jurídica do aqui Recorrente, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos art. 204.º do CPPT; arts. 23.º, 24.º, n.º 1, al. b) e art. 74.º ambos da LGT; art. 153.º e al. b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT; arts. 342.º, 344.º, 349.º e 350.º do CCivil ex vi art. 2.º, al. d) da LGT; art. 13º e 114º do CPPT e art. 99.º da LGT, no art. 205.º da nossa Mater Legis; arts.125.º e 123.º, n.º 2 do CPPTributário; arts. 653.º, 655º., 659.º, 668.º, n.º 1, al. b) do CPCivil ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT, B) assim como, deveria ter sido valorado e considerado pelo respeitoso Areópago a quo o acervo probatório documental constante dos autos, maxime: A contestação apresentada no dia 01.03.2013 pela aqui Recorrente; o ANEXO I e ANEXO II (de fls. 11 a fls. 75 daquela contestação) juntos com aquela; fls. 111 a 174 do processo instrutor apenso aos autos; fls. 57 a 61 dos presentes autos, assim como a factualidade dada como assente nos itens 1), 3) e 4), do probatório. C) Tudo assim, devidamente condimentado com o Princípio da Legalidade, o Principio da Busca da Verdade Material, o Principio da Igualdade de Armas, o Principio da Aquisição Processual de Prova e dos Factos, o Principio da Justiça, o Principio da Imediação da Prova, conjugadamente com a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, para que, D) Se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO aduzida pelo Recorrido. E) Aliás, tudo assim, conforme melhor é explanado e plasmado do item 15º ao 72.º das Alegações de Recurso que supra se aduziram e das quais as presentes Conclusões são parte integrante. F) Consequentemente, salvaguardado o elevado respeito, o respeitoso Areópago a quo, preconizou erro de julgamento. G) O sobredito “erro de julgamento” (consubstanciado na errada e/ou valoração e consideração do acervo probatório documental constante dos autos) foi como que causa adequada para que fosse preconizada uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso vertente. NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais. CONCOMITANTEMENTE, Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro ato da administração pública, fazer justiça é um ato místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada JUSTIÇA!”. O Recorrido apresentou contra-alegações, que, por despacho de 18.09.2018 do Tribunal a quo, foram mandadas desentranhar, por intempestividade das mesmas. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Com dispensa de vistos (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
São as seguintes as questões a decidir: a) O Tribunal a quo incorreu numa errada valoração dos documentos juntos aos autos? b) A sentença padece de nulidade, por falta de fundamentação? c) Há erro de julgamento em virtude de o despacho de reversão estar devidamente fundamentado?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “1) - No Serviço de Finanças de Loures-3, corre termos a execução fiscal n.º 3158201001067850 e apenso, contra a sociedade “G…, Lda.”, por dívida relativa a IRC dos anos de 2008 e 2009, no valor total de € 58.029,58 (cfr. processo instrutor apenso); 2) – A sociedade executada foi registada na competente Conservatória do Registo Comercial pela Ap. 7/20050726 constando como seu gerente o sócio D… (cfr. certidão permanente no processo instrutor apenso); 3) – A sociedade executada foi alvo de um procedimento inspectivo externo, na sequência do processo de inquérito n.º 47/09.1TELSB instaurado para investigação do crime de fraude fiscal qualificada e falsificação de documentos, através da emissão e utilização de facturas indiciadas como falsas, cujo relatório final datado de 21/11/2011, concluiu, para além do mais, que quem exercia de facto a gerência era o aqui Oponente, por o livro de cheques da conta bancária da sociedade ter sido apreendido na sua sala (cfr. 111 a 174); 4) - Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Loures-2, proferido em 23/09/2012, foi determinado a preparação do processo de execução fiscal contra o aqui Oponente, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, tendo o Oponente sido notificado para exercício do direito de audição prévia (cfr. fls. 57 a 61 dos presentes autos); 5) – Em 11/06/2012 o Oponente remeteu por correio o requerimento de audição prévia, o qual foi considerado intempestivo (cfr. fls. 63 a 46, 71 e 72); 6) - Por despacho de 10/07/2012 do Chefe de Finanças de Loures-3, que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi convertido em definitivo o projecto de decisão de reversão contra o aqui oponente (fls. 30 e 32 do processo instrutor apenso); 7) – Em 09/08/2012 o oponente foi citado para os termos da execução fiscal (fls. 33 do processo instrutor apenso); 8) - A oposição deu entrada em 07/09/2012 (cfr. Carimbo aposto na petição de fls. 5 dos autos)”.
II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida: “Com interesse para a decisão a proferir, não se provaram outros factos para além dos referidos supra, designadamente, que a oponente tenha exercido a gerência de facto da sociedade executada”.
II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos com base nos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados”.
II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração(1). Nesse seguimento, passa a ser a seguinte a redação do facto 1), transcrito em II.A: 1) - No Serviço de Finanças de Loures-3, corre termos a execução fiscal n.º 3158201001067850 e apenso (PEF n.º 3158201101006983), contra a sociedade “G…, Lda.”, por dívidas relativas a IRC dos exercícios de 2008 e 2009, no valor total de € 58.029,58, cujos prazos para pagamento voluntário terminaram, respetivamente, a 01.09.2010 e 29.01.2011 (cfr. fls. 1 a 2 verso do PEF 3158201001067850 e fls. 1 e 2 do PEF n.º 3158201101006983, apensos).
II.E. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada: 9) No âmbito do PEF mencionado em 1), foi elaborado auto de diligências, a 13.04.2011, do qual decorre não terem sido identificados quaisquer bens penhoráveis da sociedade G…, Lda ou de responsáveis solidários (cfr. fls. 8 do PEF apenso).
II.F. Da factualidade provada e do exame crítico da prova Ao longo das suas alegações, a Recorrente refere que houve uma errada valoração e consideração do acervo probatório documental constante dos autos, fazendo menção aos factos alegados em sede de contestação [reconduzidos ao que extrai do relatório de inspeção tributária (RIT) da ação inspetiva efetuada à sociedade devedora originária]. Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão(2). Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC]; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC]. Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus já mencionados(3). Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus não foram minimamente cumpridos, não estando cabalmente identificados que factos entende a Recorrente deveriam ter sido aditados, corrigidos ou eliminados e com base em que meios de prova. Como tal, nesta parte rejeita-se o recurso.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Da nulidade da sentença, por falta de fundamentação Refere a Recorrente que não foi efetuado um exame crítico da prova, o que comporta nulidade da sentença. Vejamos. Quanto ao julgamento da matéria de facto, é de ter em consideração o disposto no art.º 123.º do CPPT, nos termos do qual “[o] juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”, em termos similares ao que resulta do n.º 3 do art.º 607.º do CPC. Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC]. A nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito abrange as situações de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito(4). A lei processual exige, com efeito, que a sentença esteja cabalmente fundamentada, de facto e de direito, como resulta, desde logo, do disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, bem como no art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, por forma a que seja perfeitamente apreensível o itinerário cognoscitivo percorrido, fundamental para a sua adequada compreensão e eventual impugnação. Nas palavras de Alberto dos Reis(5), “[u]ma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base”. Não obstante cumpre distinguir a não especificação dos fundamentos de facto e de direito, que se configura como nulidade da sentença, nos termos já referidos, da existência de algumas insuficiências ou deficiências na fundamentação de facto e de direito. “O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.// Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto” (6). Ora, in casu, não se pode afirmar que haja omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que decisão assenta. Com efeito, do ponto de vista dos fundamentos de facto, foram elencados os factos provados e não provados, e explanada a motivação subjacente a esse julgamento de facto, sendo de sublinhar que o Tribunal a quo considerou o teor do RIT mencionado pela Recorrente, dando como provado que aí foi considerado que o Recorrido ser o gestor de facto da devedora originária. No entanto, como se extrai do seu discurso fundamentador, o Tribunal a quo entendeu que esse conteúdo do RIT é insuficiente. Acrescente-se que, em bom rigor, a apreensão mencionada no RIT, que sustenta as conclusões tiradas pela FP, quer na contestação, quer no presente recurso, é anterior à data por referência à qual deve a AT provar a gestão de facto. Com efeito, a data limite para pagamento voluntário das liquidações em crise situou-se em 01.09.2010 e 29.01.2011, sendo que os alegados elementos documentais em que se sustenta a Recorrente terão sido obtidos em abril de 2010. Todos os outros elementos descritos, respeitam ao período compreendido entre 2005 e 2009 (exercícios inspecionados). Daí que não haja qualquer reparo a fazer ao facto de o Tribunal a quo não ter valorado o teor do RIT, independentemente de ser ou não admissível a sua invocação pela primeira vez em sede de contestação, não comportando tal circunstância qualquer nulidade da sentença, nos termos já explanados. Como tal, carece de razão a Recorrente.
III.B. Do erro de julgamento quanto à falta de fundamentação Considera, ademais, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que, em seu entender, o despacho de reversão se encontra fundamentado. Vejamos. Antes de mais, reiteramos que a decisão proferida sobre a matéria de facto não foi atacada, nos termos exigidos pelo art.º 640.º do CPC, pelo que carece de materialidade o alegado no sentido de que não foi apreciado o acervo documental constante dos autos. Como tal, toda a factualidade a que a Recorrente vai fazendo menção ao longo das suas alegações e que não tem correspondência na decisão proferida sobre a matéria de facto não pode ser considerada. Prosseguindo. No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), nos termos do qual: “1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”. Esta disposição legal determina que a simples gestão de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito. O art.º 24.º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1. A primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária (AT) alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores. A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir. In casu, o despacho de reversão proferido foi-o ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, ou seja, considerando os potenciais responsáveis à data do término do prazo para pagamento voluntário. Como se referiu anteriormente, o regime da responsabilidade tributária tem subjacente o exercício efetivo de funções por parte do gestor. Trata-se do ponto de partida de aplicação do regime, sendo que, depois de demonstrada a gestão de facto [cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 28.02.2007 (Processo: 01132/06)], aplicar-se-á, num segundo momento, a al. a) ou a al. b), do n.º 1 do art.º 24.º da LGT. Cabe à AT, desde logo e em primeira linha, o ónus da alegação e prova da efetiva gerência ou administração por parte dos revertidos. Essa prova da gestão de facto tem de ser evidenciada por referência a atos praticados pelos potenciais revertidos, suscetíveis de demonstrar tal efetividade do exercício de funções, entendendo-se como tal a prática de atos com caráter de continuidade, efetividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência das funções exercidas. Durante vários anos, prevaleceu o entendimento de que, demonstrada que fosse a gestão de direito, a AT beneficiaria de uma presunção de gestão de facto, cabendo, segundo este entendimento, ao revertido demonstrar não ter exercido efetivamente as referidas funções. Na sequência do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.02.2007 (Processo: 01132/06), operou-se uma alteração jurisprudencial, no sentido de que “… [a] presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. (...) Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, à partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz, feito em cada caso que lhe é submetido. (...) Do que se trata é de censurar a aplicação que fez de um regime legal, afirmando a existência de uma presunção judicial e retirando, maquinalmente, de um facto conhecido, outro, desconhecido, como se houvesse uma presunção legal, que não há; e afirmando a inversão do ónus da prova, quando tal inversão não ocorre, no caso, na falta de presunção legal”. Como tal, continua o referido Acórdão do Pleno: “Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência. (…) [N]ada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização” (sublinhado nosso). Face a este entendimento, unânime na jurisprudência atual, a que se adere, decorre, como referido, que cabe, em primeira linha, à AT alegar e demonstrar que o revertido exerceu, nos termos consignados no n.º 1 do art.º 24.º da LGT, efetivas funções de gerência, entendidas como funções de gestão e representação da sociedade. (cfr., para as sociedades por quotas, os art.ºs 192.º e 252.º do Código das Sociedades Comerciais). Quanto ao dever fundamentação do despacho de reversão, o mesmo insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”(7). Ao nível dos atos tributários, encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que: “1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. 2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”. “A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…”(8), para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa. Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado. Sobre o alcance do dever de fundamentação do despacho de reversão, é de chamar à colação o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.10.2013 (Processo: 0458/13), onde se refere: “…[E]nquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (…) Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT). Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT). Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido…” [mais recentemente, v. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.11.2019 (Processo: 02001/16.8BEPRT 0552/18)]. Considerando o enquadramento legal já efetuado, resulta que, do ponto de vista do cumprimento de dever de fundamentação formal do despacho de reversão, é exigido ao órgão de execução fiscal que: a) Indique as normas legais que determinam a imputação da responsabilidade; b) Mencione o preenchimento dos pressupostos da reversão, a saber: b.1) Inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis da devedora originária (n.º 2 do art.º 23.º da LGT e n.º 2 do art.º 153.º do CPPT); b.2) O exercício efetivo do cargo nos períodos relevantes, dependendo do enquadramento da situação na alínea a) ou na alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT; c) Mencione a sua extensão temporal. Vejamos então. O Tribunal a quo considerou que o despacho de reversão não se encontra fundamentado. Atendendo ao despacho de reversão proferido, o mesmo faz menção aos pressupostos constantes do art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT. Ademais, sendo admissível a fundamentação por remissão e extraindo-se do despacho de reversão a consideração de todos os elementos constantes do PEF, há que atentar que antecedem o projeto de reversão um auto de diligências de inexistência de bens da devedora originária e que junto ao despacho, proferido para efeitos de exercício do direito de audição, consta um extrato do RIT resultante de ação inspetiva realizada à devedora originária, do qual se extrai que a AT considera que o Oponente sempre foi gerente de facto da sociedade devedora originária, desde a sua constituição. Como tal, considera-se que o entendimento no sentido de o despacho de reversão não estar cabalmente fundamentado não é correto, porquanto, nos termos referidos, do mesmo constam minimamente os pressupostos essenciais que sustentaram a atuação da AT. Assim, assiste razão à Recorrente.
Considerando o decidido e uma vez que Tribunal a quo não conheceu as restantes questões invocadas pelo Recorrido, cumpre aferir se se reúnem condições para passar ao seu conhecimento em substituição, atento o disposto no art.º 665.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, nos termos do qual “[s]e o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”. Com efeito, atenta a petição inicial, resultaram por apreciar as demais questões suscitadas, a saber: a) Falta de consideração do esgrimido em sede de direito de audição, que foi tempestivo; b) Ilegitimidade do Oponente, por nunca ter sido gestor de facto da sociedade devedora originária e por esse motivo não ter qualquer relação com a situação da sociedade e desconhece-la; c) Falta de menção, no título executivo, do seu nome. Considerando que os autos contêm todos os elementos pertinentes, passa-se à apreciação de tais questões, pela ordem que confere maior tutela ao Oponente.
III.C. Da ilegitimidade do Oponente Considera o Oponente que é parte ilegítima na execução, porquanto nunca foi gerente, de facto ou de direito, da sociedade devedora originária. Vejamos. Como já referimos supra, cabe, em primeira linha, à AT alegar e demonstrar que o revertido exerceu, nos termos consignados no n.º 1 do art.º 24.º da LGT Ora, compulsados os autos, não se pode considerar que tal prova tenha sido produzida, como, aliás, resulta da factualidade não provada. Veja-se que o próprio RIT, em que se alicerça a Recorrente, a este propósito não menciona se não conclusões, de que o Oponente era gerente de facto, mas sem que dele se extraiam factos que permitam sustentar tal conclusão no período relevante in casu, como já mencionamos supra, em III.A. Como tal, não tendo sido demonstrado o exercício de efetivas funções de gestor por parte do Oponente, essa inércia probatória reverte contra quem tem o ónus da prova respetivo, ou seja, contra a AT. Assim sendo, conclui-se que o Oponente é parte ilegítima na execução.
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida; b) Em substituição, julgar procedente a oposição e, em consequência, julgar o PEF 3158201001067850 e respetivo apenso (PEF 3158201101006983) extintos quanto ao Oponente; c) Custas pela Recorrente; d) Registe e notifique. Lisboa, 20 de dezembro de 2022
(Tânia Meireles da Cunha) (Susana Barreto) (Patrícia Manuel Pires) ______________________________ (1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286. (2) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169. (3) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada. (4) V., neste sentido, a título ilustrativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.01.2018 (Processo: 01411/16), de 25.11.2015 (Processo: 0162/15) e de 04.03.2015 (Processo: 01939/13) e os deste TCAS, de 15.11.2018 (Processo: 1339/10.2BELRA) e de 15.05.2014 (Processo: 07508/14). (5) Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. V, p. 139. (6) Alberto dos Reis, ob. cit., p. 140. (7) Cfr. v.g. os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 12.07.2017 (Processo: 1305/14.9BELRA), de 25.05.2017 (Processo: 192/10.0BEALM), de 06.04.2017 (Processo: 456/13.1BELLE) e de 19.03.2015 (Processo: 06729/13). (8) Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676. |