Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03399/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/25/2009
Relator:Rogério Martins
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA; OMISSÃO DE PRONÚNCIA; PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO; CASO JULGADO; OBJECTO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO; JUROS; ANULAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO; ART.º 43º, N.º1, DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA; ART.ºS 100º E 102º, N.º2, DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA.
Sumário:I - Só se verifica nulidade da sentença por falta de fundamentação e omissão de pronúncia (artigos 125.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 669.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) quando falta em absoluto a indicação dos fundamentos da decisão ou o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes.

II - Não se verifica esta nulidade quando a decisão é deficiente na sua fundamentação ou o juiz embora não considerando especificamente todos os argumentos invocados, conheceu das questões a cujo conhecimento estava obrigado e se, em parte por remissão, em parte fazendo sua a fundamentação de um acórdão que decidiu questão não substancialmente diversa da dos autos, fundamentou o decidido em termos que ilustram suficientemente as razões do decidido.

III - O caso julgado formado pela sentença do processo de impugnação e pelo acórdão que a confirmou, preclude as possíveis razões do autor e os meios de defesa do réu, restringindo-se o objecto do correspondente processo de execução, com excepção da faculdade de deduzir aqui pela primeira vez pedido de juros indemnizatórios ou moratórios, à questão de determinar quais os actos e operações em que se deve traduzir a execução.

IV – Tendo sido decidido no processo de impugnação, como improcedente, o pedido de pagamento de juros formulado ao abrigo do disposto no art.º 43º, n.º1, da Lei Geral Tributária, a partir da data do pagamento do imposto indevido, no processo de execução apenas pode ser apreciado e deferido o pedido na parte relativa aos juros devidos a partir do termo do prazo para a execução espontânea, tendo em conta a autoridade do caso julgado material formado pela decisão final do processo de impugnação e face ao disposto no art.º 61º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário, e nos art.ºs 100º e 102º, n.º2, da Lei Geral Tributária.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da Secção Tributária do Tribunal Central Administrativo Sul:

O Director-Geral dos Impostos veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada de 16.03.2009, a fls. 55-60, pela qual foi julgada parcialmente procedente a execução de julgados deduzida pela Companhia Portuguesa de ..., S.A. .

Alegou, em conclusão, o seguinte:

1. O julgado cuja execução está em causa nos autos é a Sentença que o T. A. F. de Almada proferiu no processo de impugnação judicial. Foi esta que transitou em julgado e, portanto, constitui caso julgado.

2. A Sentença proferida pelo mesmo T.A.F. de Almada no processo de execução daquele julgado, ao condenar a entidade requerida à devolução da quantia de € 821.551, 16 violou o julgado proferido na Impugnação judicial que dizia que a mesma quantia não constituiu pagamento superior ao devido por ter a Impugnante solicitado e efectuado o pagamento por conta nos termos do no 4 do artigo 86º do Código de Procedimento e processo Tributário, abrangendo parte da colecta que não foi objecto da impugnação Judicial.

3. Do mesmo modo, violou o julgado proferido na impugnação judicial ao condenar ao pagamento de juros indemnizatórios sobre a mesma quantia, quando na sentença exequenda o Tribunal considera não existir pagamento superior ao devido e, portanto. Não haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do referido no artigo 43° da Lei Geral Tributária.

4. Nestes termos, há ofensa do caso julgado, circunstância que torna a sentença recorrível nos termos combinados do disposto nos artigos 678º, n.º2, do Código de Processo Civil e no artigo 142º, n.º 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário

5. Ainda que assim não fosse, as condenações à devolução da importância em causa e ao pagamento de juros indemnizatórios seriam sempre decisões proferidas em primeiro grau de jurisdição uma vez que não correspondem ao decidido na sentença exequenda.

6. Há nulidade da sentença exequenda consistente no facto de ter omitido em absoluto a pronúncia sobre as consequências do pagamento por conta requerido pela Autora, autorizado pelo órgão competente, e efectivamente consumado, ao abrigo do disposto no art.º 86º, n.º 4, do Código de Procedimento e Processo Tributário, sabendo que isso constituía o núcleo jurídico da argumentação apresentado pela entidade requerida na oposição e que sem o apreciar as consequências jurídicas desse pagamento por conta tal como faz a sentença exequenda, não é possível sustentar a condenação de que se recorre.

A recorrida contra-alegou dizendo, em súmula:

I. O Recurso, apresentado pela Fazenda Pública, sub judice assenta em meras suposições e conjecturas sem qualquer base factual.

II. Não logra a Fazenda provar - nem podia porque não é verdade – que a liquidação (adicional) subjacente ao Imposto de Sisa pago pela Recorrida, foi erradicado da Ordem Jurídica por decisão judicial transitada em julgado.

III. Sem prejuízo da análise a nível substantivo que esta matéria merecerá, verifica-se que as alegações de Recurso constituem a invocação de factos e argumentos que em nada relevam face ao dispositivo da Sentença – confirmada ipsis verbis pelo Douto Acórdão do S.T.A. .

IV. Neste sentido, e porque constitui ponto assente na Doutrina e na Jurisprudência, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas, verifica-se que as questões ora levantadas não podem ser invocadas perante o Tribunal ad quem. Assim, o presente requerimento não consubstancia a interposição de um Recurso com vista a alterar a decisão do tribunal a quo, pois, vd., Acórdão da 2.ª Secção do STA., de 28.05.2002, Recurso 5824/2002 “ 1. (…) é sobre o recorrente que impende o ónus de alegar e concluir (artigo 684.º do C.P.C.). 2. Como os recursos são meios de impugnação das decisões dos tribunais, o seu objecto tem de cingir-se em regra à parte dispositiva destas (art. 684.º 2 do C.P.C), encontrando-se portanto, objectivamente limitado pelas questões postas ao tribunal recorrido. 3. Patenteando as conclusões alegatórias que o recorrente nelas não imputa à sentença qualquer vício consistente em erro de determinação, aplicação ou interpretação de normas que constituam o suporte jurídico ( … ), inexiste específica critica à legalidade da decisão que justifique a sua apreciação peto Tribunal Superior”.

V. E, constando do decisório que o tribunal julga a impugnação procedente por violada a regra 8ª do § 3 do art. 19.º do CIMSISSD, e determina a anulação da liquidação adicional de SISA, no montante de € 1.616.299, 46, mostra-se preenchido o n.º 1 do art. 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) com a consequente obrigação por parte da Administração Fiscal de proceder “ (…) à imediata e p1ena reconstituição da legalidade ….”, de acordo com o disposto no art. 100.º da LGT, neste sentido vide, entre outros, o Douto Acórdão do STA, Processo n.º 839/07, 2ª secção (Brandão de Pinho), in www.dgsi..pt.
VI. Face ao exposto e tendo decidido em conformidade, nenhuma censura merece a sentença do Tribunal “a quo”, pois, não estavam, sequer, preenchidos os requisitos legais para pagamento por conta, motivo pelo qual deverá esta decisão manter-se, com todas as devidas e legais consequências.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1 - Por sentença de 27/06/2005 deste tribunal foi julgada procedente a impugnação judicial deduzida pela Companhia Portuguesa de ..., SA., com referência à liquidação adicional de imposto municipal de sisa, e determinada a anulação dessa liquidação adicional no montante de € 1.616.259,46 (cfr. fls. 98/108 do processo principal).

2 - A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional junto do Supremo Tribunal Administrativo tendo, por douto Acórdão de 08/11/2006, sido negado provimento ao recurso e confirmado a decisão recorrida (cfr. fls. 144/149 do processo principal).

3 - Em 25/09/2007 após elaboração da conta final do processo principal, foi o mesmo remetido ao Serviço de Finanças de Almada 2 (cfr. fls. 203 do processo principal).

4 - Em 18/04/2008 foi apresentada a petição de execução de julgados de fls. 1/9 dos presentes autos.

Nos termos do disposto no art.º 712º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Civil, importa ainda aditar o seguinte facto com relevo:

1.1. Da sentença de 27.06.2005, proferida nos autos de impugnação a fls. 98-108 e que aqui se dá por reproduzida, consta o seguinte:

“ (…)
A impugnante na sua petição formula ainda o pedido de pagamento de juros indemnizatórios invocando o disposto no art. 43° da Lei Geral Tributária, nos termos do qual são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro Imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Ora tendo a Impugnante solicitado e efectuado o pagamento por conta nos termos do n° 4 do art. 86° do Código de Procedimento e Processo Tributário, abrangendo parte da colecta que não foi objecto da impugnação Judicial e que se apurou no montante de € 821.551,16, o tribunal considera não existir pagamento superior ao devido, não havendo lugar ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do referido art. 43° do Lei Geral Tributária.
***
DECISÃO
Face ao exposto e atentas as supracitadas disposições legais, o Tribunal julga a presente impugnação procedente por provada a violação do disposto na regra 8ª do § 3° do art. 19° do CIMSISSD e consequentemente anula a liquidação adicional de SISA no montante de € 1.616.259.46.
(…)”
*

II - Enquadramento jurídico.

1. – A nulidade da sentença.

Conforme é entendimento pacífico na nossa jurisprudência, só se verifica nulidade da sentença por falta de fundamentação e omissão de pronúncia (artigos 125.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 669.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) quando falta em absoluto a indicação dos fundamentos da decisão ou o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes.

Não se verifica esta nulidade quando a decisão é deficiente na sua fundamentação ou o juiz embora não considerando especificamente todos os argumentos invocados, conheceu das questões a cujo conhecimento estava obrigado e se, em parte por remissão, em parte fazendo sua a fundamentação de um Acórdão que decidiu questão não substancialmente diversa da dos autos, fundamentou o decidido em termos que ilustram suficientemente as razões do decidido (cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10.09.2008 recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09).

No caso concreto suscitavam-se duas questões, ligadas aos dois pedidos principais formulados no articulado inicial da execução de sentença, sob a alínea a), a fls. 8:

1ª questão: se, em execução do julgado anulatório, é ou não devido o reembolso da importância de 821.551, 16 euros entregue pela ora exequente a título de pagamento por conta da liquidação do Imposto Municipal de Sisa impugnado nos autos principais;

2ª questão: se são devidos juros moratórios e compensatórios.

E a sentença ora recorrida diz o seguinte sobre a primeira questão:

“ (…)
Por sentença proferida por este Tribunal e posteriormente confirmada por douto acórdão do STA foi anulada a liquidação adicional de sisa no montante de € 1.616.259,46. O art.º100º da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe “Efeitos da decisão favorável ao sujeito passivo” determina que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto de litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.
Desta forma e considerando que foi efectuado o pagamento pelo sujeito passivo no montante de € 821.551,16 com referência à liquidação adicional de sisa, e que esta liquidação foi anulada por decisão judicial, deverá tal importância ser restituída à autora de modo a que a situação seja plenamente reconstituída, nos termos da disposição legal acima mencionada.
(…)”

Sobre a segunda questão, dos juros, espraia-se a sentença ao longo de quase três páginas, em grande parte citando o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.02.2009, recurso 01003/08.

Quanto à primeira questão a sentença não é, como se vê da citação, completamente omissa, pronunciando-se em termos quase telegráficos e omitindo, é certo, a referência ao facto da importância de € 821.551,16 ter sido entregue a título de pagamento por conta, tal como ficou dito na fundamentação da sentença proferida no processo de impugnação.

Mas a referência a este facto era apenas um dos argumentos, embora aquele a que o ora recorrente atribuiu maior importância, apresentados sobre a questão em apreço.

A falta de pronúncia sobre este argumento em concreto, quiçá importante, poderá constituir uma deficiência da fundamentação mas não permite, de todo, tirar a ilação de que se trata de uma sentença nula, face ao entendimento, uniforme, sufragada pela jurisprudência.

Quanto à segunda questão, a transcrição do que, numa situação semelhante, é referido no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, basta como fundamentação, de acordo com a jurisprudência acima referida e com a qual concordamos.

Improcede, pois, a arguida nulidade da sentença.

2. – O mérito do recurso jurisdicional.

Nos presentes autos importa decidir se a sentença anulatória proferida no processo de impugnação, de 27.06.2005, a fls. 98-108, confirmada pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.11.2006, a fls. 144-149 daqueles autos, foi ou não já executada.

O art. 100º da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe “Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo” determina que em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso, a Administração Fiscal está obrigada, “à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto de litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Por definição, a execução do julgado há-de conter-se nos limites do decidido no processo de impugnação, ou seja, nos “limites ditados pela autoridade do caso julgado” – art.º 173º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Ora no que diz respeito à restituição da importância de € 821.551,16 a título de pagamento por conta, temos uma dificuldade que resulta da posição das partes no processo de impugnação e dos termos da sentença ali proferida.

A ora recorrida que no processo administrativo tinha reconhecido o dever e pagar essa importância como imposto de sisa e prontificou-se a efectuar o respectivo pagamento por conta (ver factos provados sob os n.ºs 14 a 16 da sentença proferida no processo de impugnação, a fls. 104), acabou por deduzir impugnação pondo em causa a liquidação do imposto de sisa no montante global de 1.616.259,46 euros, incluindo, portanto, o referido valor de 821.551,16 euros (ver petição inicial a fls. 2 e 24).

E o ora recorrente na sede própria, a contestação, nada disse sobre este particular, invocando, designadamente, a aceitação (parcial) do acto de liquidação. Invocou, para explicar o seu silêncio, a “impossibilidade temporal para apreciar a matéria peticionada” – ver fls. 89 do processo de impugnação.

A M.ma Juiz a quo, por seu turno na parte formalmente de fundamentação e a propósito do pedido de pagamento de juros disse, como vimos, o seguinte:

“Ora tendo a Impugnante solicitado e efectuado o pagamento por conta nos termos do n° 4 do art. 86° do Código de Procedimento e Processo Tributário, abrangendo parte da colecta que não foi objecto da impugnação Judicial e que se apurou no montante de € 821.551,16, o tribunal considera não existir pagamento superior ao devido, não havendo lugar ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do referido art. 43° do Lei Geral Tributária.”

Para depois, no dispositivo da sentença, decidir:

“Face ao exposto e atentas as supracitadas disposições legais, o Tribunal julga a presente impugnação procedente por provada a violação do disposto na regra 8ª do § 3° do art. 19° do CIMSISSD e consequentemente anula a liquidação adicional de SISA no montante de € 1.616.259.46.”

Verifica-se aqui uma (pelo menos aparente) contradição no decidido: por um lado considera-se (erradamente e a propósito do pedido de pagamento de juros) que a importância parcial de 821.551,16 euros não foi objecto de impugnação judicial, e, por outro lado, ao decidir a anulação do acto de liquidação, inclui-se nesse acto o valor global, compreendendo assim no julgado anulatório esta importância parcial.

Poderá também considerar-se ter havido lapso na exclusão desta importância parcial do objecto da impugnação e que, a ter havido uma exacta configuração dos factos, a decisão quanto a juros teria sido diversa.

Não se trata, no entanto, de uma situação clara e inequívoca.

Ora a sede própria para suscitar eventual contradição ou obscuridade da sentença ou, pelo menos, suscitar a questão de aquela importância ter sido entregue a título de pagamento por conta e, nessa medida, ter havido, na perspectiva do recorrente, erro de julgamento, seria a do recurso jurisdicional.

Sucede que mais uma vez o recorrente, no recurso jurisdicional interposto da sentença proferida no processo de impugnação, omitiu esta questão que agora quer ver apreciada, limitando-se a invocar que a avaliação feita pela Administração Tributária tinha sido correcta e que a sentença, pelo contrário, ao exigir a avaliação simultânea dos bens actuais e dos bens futuros tinha incorrido em erro de interpretação da regra 8ª do § 3º do art.º 19º conjugado com o n.º 5 do art.º 109º do CIMSISSD (ver fls. 122 daqueles autos).

Não se trata de o Tribunal ad quem estar em sede de recuso jurisdicional impedido de conhecer questões novas, ou seja, questões que não foram suscitadas na 1ª Instância no presente processo de execução, como refere a recorrida.

Trata-se, previamente, de não se poder apreciar questões que se encontram precludidas por não terem sido suscitadas no processo de impugnação.

O caso julgado, aqui formado pela sentença do processo de impugnação e pelo acórdão que a confirmou, preclude as possíveis razões do autor e os meios de defesa do réu (ver a este propósito, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, reimpressão de 1984, páginas 174-175).

As questões a resolver no processo de execução restringem-se à delimitação dos actos e operações (incluindo o pagamento de importâncias devidas) em que se deve traduzir a reconstituição da situação que existiria se o acto impugnado não tivesse sido praticado – art.º 100º da Lei Geral Tributária.

Temos portanto de encarar neste momento a sentença proferida no processo de impugnação nos precisos termos em que decidiu (art.º 671º do Código de Processo Civil) e resolver a questão de determinar em que se deve traduzir a execução do julgado, dando por precludidas as questões que o recorrente agora suscita, a propósito do pagamento por conta, as quais claramente extravasam o objecto do processo de execução.

Cabe referir que, a concluir-se que a sentença ora recorrida tinha determinado indevidamente a restituição da importância 821.551,16 euros, tal não traduziria, de todo o modo, a constatação de uma violação do caso julgado constituído pela decisão final proferida no processo de impugnação.

O respeito pela autoridade do caso julgado pressupõe a existência de duas causas (sendo que uma delas terminou com uma decisão transitada) com a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir (art.ºs 498º, n.º1, e 671º, n.º1, do Código de Processo Civil; ver Alberto Reis, obra e volume citados, páginas 159 e 165, e volume III, 4ª edição, reimpressão de 1985, páginas 92 a 99).

Ora a impugnação tem por pedido característico o pedido de anulação (ou declaração de inexistência ou nulidade) do acto tributário e por causa de pedir os vícios imputados a esse acto. Já o processo de execução tem por objecto determinar quais os actos e operações em que se deve traduzir a execução e por causa de pedir a decisão anulatória.

Não pode existir, portanto, sequer em abstracto, a tríplice identidade que pressupõe a autoridade do caso julgado, entre o processo de impugnação e o correspondente processo de execução.

Trata-se, antes, caso a sentença do processo executivo esteja em contradição com a decisão proferida no correspondente processo de impugnação, de um erro de julgamento, na determinação dos actos e operações em que se deve traduzir a execução.

Isto sem prejuízo do que adiante se dirá a propósito do pedido de pagamento de juros.

Ora tomando a sentença do processo de impugnação nos seus precisos termos, em que foi confirmada, teremos de ultrapassar a (pelo menos aparente) contradição de que a mesma enferma.

Neste esforço teremos de constatar, desde logo, que a referência ao pagamento por conta é feita a propósito do pedido de pagamento de juros e não a propósito, directamente, do pedido de anulação do acto impugnado.

Por outro lado essa referência assenta num pressuposto errado, o de que a impugnação não abrangeu o montante parcial 821.551,16 euros.

Finalmente, a parte dispositiva, em si mesma, não deixa dúvidas, a anulação do acto de liquidação abrange este na sua totalidade, no valor de 1.616.259.46 euros.

Como o que se executa são decisões e não os respectivos fundamentos, pela própria natureza das coisas, não vemos outra alternativa que não seja a de interpretar o julgado anulatório reportado a este valor global e retirar daí a consequência, tal como se fez na sentença ora recorrida, de que o julgado anulatório implica a restituição da importância de 821.551,16 euros.

Quanto ao pedido de pagamento de juros, teremos de distinguir aqui duas parcelas:

A primeira parcela diz respeito aos juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do imposto indevido.

A segunda parcela é relativa aos juros (de mora ou indemnizatórios), contados a partir do termo do prazo de execução espontânea do julgado anulatório.

Dispõe o art.º 43º, n.º1, da Lei Geral Tributária:

“São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Formou-se jurisprudência, com a qual concordamos, no sentido de que face ao disposto neste preceito, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios sobre quantia paga em consequência de acto de liquidação judicialmente anulado, pode ser formulado na respectiva execução de julgado; a consequência de tal pedido de juros indemnizatórios não ter sido feito na impugnação judicial é, não a sua preclusão, mas o contarem-se os juros moratórios, apenas, desde a data em que a Administração é colocada em mora pelo pedido que o interessado lhe dirija, de pagamento de tais juros (cfr. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.10.2004, recurso 0338/04, e de 16.01.2008, recurso n.º 0465/07.

Em consonância com esta tese, terá de entender-se que, caso se tenha deduzido o pedido de juros no processo de impugnação e este tenha aí sido apreciado, fica precludida a hipótese de o mesmo pedido ser apreciado no processo de execução.

Aqui sim, por força do caso julgado material formado pela decisão final do processo de impugnação. Neste caso existe a referida tríplice identidade de sujeitos, o contribuinte e a Administração Fiscal, de pedido, o pagamento de juros indemnizatórios, e de causa de pedir, o pagamento indevido de tributo por erro imputável aos serviços.

Reportando-nos de novo ao caso concreto, temos a seguinte situação:

Embora formalmente não tenha sido apresentado sob a epígrafe “do pedido”, foi deduzido no articulado inicial do processo de impugnação pedido de pagamento de juros, ao abrigo do disposto no art.º 43º da Lei Geral Tributária, sob os n.°s 108º a 114º - ver fls. 24 a 24 daqueles autos.

De igual modo na sentença, embora formalmente não se tenha decidido este pedido na parte dispositiva, o certo é que foi emitida decisão expressa sobre o mesmo, na respectiva fundamentação, no trecho, a fls. 108, constante do facto agora aditado:

“Ora tendo a Impugnante solicitado e efectuado o pagamento por conta nos termos do n° 4 do art. 86° do Código de Procedimento e Processo Tributário, abrangendo parte da colecta que não foi objecto da impugnação Judicial e que se apurou no montante de € 821.551,16, o tribunal considera não existir pagamento superior ao devido, não havendo lugar ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do referido art. 43° do Lei Geral Tributária.”

Constitui, portanto, violação do caso julgado material formado pela sentença e pelo acórdão proferidos no processo de impugnação, a condenação decidida pela sentença ora recorrida, no presente processo de execução, “ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do montante acima referido”, aludindo à data do “pagamento por conta” do imposto de sisa efectuado pela ora recorrida como início do prazo para o pagamento de juros.

O mesmo não se pode dizer em relação aos restantes juros contados “até à emissão da nota de crédito”, atribuídos na mesma decisão.

Em relação aos juros devidos pelo incumprimento do julgado anulatório não houve, nem podia logicamente haver, decisão no processo de impugnação.

No que diz respeito ao pagamento destes juros não existe, portanto, obstáculo formado pelo caso julgado material da decisão final proferida no processo de impugnação.

E tais juros foram também pedidos no presente processo de execução, ao abrigo do disposto no art.º 61º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

Determina este preceito:

1 – Os juros indemnizatórios serão liquidados e pagos no prazo de 90 dias contados a partir da decisão que reconheceu o respectivo direito ou do dia seguinte ao termo do prazo legal de restituição oficiosa do tributo.
2 – Se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea.
3 – Os juros serão contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

Dado não se poder considerar aqui como início do prazo de contagem dos juros devidos a data do pagamento do imposto, a regra aplicável ao caso, para este preciso efeito, é a que consta dos art.ºs 100º e 102º, n.º2, da Lei Geral Tributária, ou seja, conta-se juros a partir do termo do prazo para a execução espontânea do julgado anulatório.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.02.2009, recurso 01003/08, “está hoje estabelecido de forma explícita, no n.º 2 do art. 102.º da LGT, que, em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, serão devidos juros de mora a partir do termo do prazo da sua execução espontânea”.

O prazo de execução espontânea terminou no 30º dia posterior ao trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.11.2006, a fls. 144-149 do processo de impugnação.

E o termo final do prazo será a data de emissão da respectiva nota de crédito – n.º3 do art.º 61º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
*

III - Pelo exposto, os juízes da Secção Tributária do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional, e, em consequência:

A) Mantém-se a sentença recorrida, embora por diversos fundamentos, no que diz respeito à restituição da importância de 821.551,16 euros e ao pagamento de juros contados até à data de emissão da respectiva nota de crédito, com alteração do termo inicial para o 30º dia posterior ao trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, lavrado no processo de impugnação, de 08.11.2006.

B) Revoga-se, em consequência, a sentença sub judice na parte em que condenou o recorrido ao pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto indevido.

Custas pelo recorrente e pela recorrida na proporção do decaimento.
*

Lisboa, 25.11.2009
(Rogério Martins)

(Lucas Martins)

(Magda Geraldes)