Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1584/21.5 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:QUESTÃO NOVA
ARTIGO 6º-B, Nº 3 DA LEI Nº 4-B/2021, DE 1/2
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Sumário:I– Os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão, mas não para obter decisões sobre questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido.
II– O TCA Sul, enquanto tribunal de apelação, está impedido de se pronunciar sobre questões novas, apenas suscitadas nas alegações de recurso, com excepção das que sejam de conhecimento oficioso do tribunal, o que não prefigura o caso dos autos (cfr. artigos 608º, nº 2 e 627º, nº 1, ambos do CPCivil), razão pela qual improcedem as conclusões 3ª e 4ª da alegação da recorrente.
III– Como decorre do disposto no artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, de 5/4, com a epígrafe “Prazos de prescrição e caducidade”, “sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão”.
IV– Tendo a recorrente sido notificada do acto impugnado a 2-3-2021, o prazo para proceder à impugnação do acto começaria a correr no dia imediatamente seguinte, ou seja, no dia 3-3-2021, não fosse a suspensão dos prazos processuais determinada por força do artigo 6º-B, nº 3, da Lei nº 1-A/2020, de 19/3, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 4-B/2021, de 1/2, a qual viu a respectiva produção de efeitos reportada a 22-1-2021, por força do disposto no seu artigo 4º.
V– Deste modo, desde o dia 2-3-2021 – data em que a recorrente foi notificada do acto impugnado – até ao dia 5-4-2021 – momento em que foi declarado o termo da suspensão dos prazos processuais, posto que a Lei nº 13-B/2021, de 5/4, que determinou a retoma dos prazos, entrou em vigor a 6-4-2021 – a recorrente, beneficiou de um período de suspensão de 34 dias, pelo que ao prazo de 3 meses legalmente previsto para a propositura da presente acção impugnatória de actos anuláveis (cfr. o disposto no artigo 58º, n º1, alínea b) do CPTA) – que, no caso em apreço, se iniciou no dia 6-4-2021 e terminou no dia 6-7-2021 –, acresceria, ainda, o período correspondente à vigência da suspensão de que a recorrente beneficiou, ou seja, de 34 dias, por força do supracitado artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, de 5/4, e não, como a recorrente sustenta, todo o período de 74 dias, durante o qual vigorou a suspensão dos prazos processuais, cujo início, como se viu, ocorreu a 22-1-2021, com o respectivo termo a 4-4-2021.
VI– Ora, considerando que nos termos do artigo 58º, nº 2 do CPTA, o prazo de impugnação de actos anuláveis se conta nos termos do artigo 279º do Cód. Civil, não se suspendendo durante as férias judiciais, e tendo o prazo para a propositura da acção em juízo terminado no dia 9-8-2021, ou seja, em período de férias judiciais, o respectivo termo transferiu-se para o 1º dia útil seguinte, nos termos do artigo 279º, alínea e), do Código Civil, no caso para o dia 1-9-2021, razão pela qual a presente acção teria de ser intentada até ao dia 1-9-2021.
VII– Porém, considerando que a recorrente só veio a intentar a acção impugnatória dia 15-9-2021, a mesma mostra-se intempestiva, por ter ultrapassado o prazo legal de 3 meses previsto para a impugnação de actos anuláveis, o que determinou, com acerto, a absolvição da instância da entidade demandada, nos termos previstos no artigo 89º, nºs 2 e 4, alínea k), do CPTA.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL – SUBSECÇÃO SOCIAL

I. RELATÓRIO
1. M…………, com os sinais dos autos, intentou no TAC de Lisboa contra o Ministério da Cultura e a Inspecção-Geral das Actividades Culturais, uma acção administrativa de impugnação do despacho de 2-3-2021, da autoria do ……… da IGAC, que indeferiu o pedido de arrastamento da sua última avaliação para o biénio 2019/2020.

2. Por sentença datada de 4-3-2022, o TAC de Lisboa julgou procedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva e, em consequência, absolveu a Inspecção-Geral das Actividades Culturais da instância e, no mais, julgou verificada a excepção dilatória da intempestividade da prática do acto processual e, em consequência, absolveu o Ministério da Cultura da instância.

3. Inconformada com tal decisão, a autora interpôs recurso de apelação da mesma para este TCA Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:
1ª – O presente recurso jurisdicional foi interposto contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 4 de Março p.p., que julgou procedente a excepção dilatória de intempestividade da acção e absolveu a entidade demandada da instância.
2ª – Entendeu o aresto em recurso que a autora fora notificada do acto impugnado em 2 de Março de 2021, pelo que o prazo de impugnação de 3 meses teria começado a correr em 6 de Abril de 2021 – data da cessação da suspensão dos prazos processuais – e terminado em 6 de Julho do mesmo ano, uma vez que a autora não beneficiava do alargamento do prazo em 74 dias determinado pelo artigo 5º da Lei nº 13-B/2021.
3ª – Salvo o devido respeito, o aresto em recurso começou por incorrer em erro de julgamento ao considerar que a autora fora notificada em 2 de Março de 2021 e, como tal, o prazo de impugnação judicial teria começado a correr em 6 de Abril de 2021.
4ª – Na verdade, a notificação do acto impugnado não foi feita através de uma das formas válidas de notificação previstas no nº 1 do artigo 112º do CPA – estando até provado que foi apenas por mensagem de correio electrónica –, pelo que o prazo de impugnação de 3 meses não começou a correr e, muito menos, iniciou o seu decurso no dia 6 de Abril de 2021, razão pela qual ao considerar extemporânea a presente acção com o argumento de que ela não foi proposta até 6 de Julho o aresto em recurso incorreu em erro de julgamento, por violação do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 112º do CPA, no nº 2 do artigo 59º do CPTA e, ainda, no nº 3 do artigo 268º da Constituição.
5ª – Acresce que, ao considerar que a majoração dos prazos (em 74 dias) imposta pelo artigo 5º da Lei nº 13-B/2021 era restrita aos prazos que já se haviam iniciado antes de 22 de Janeiro de 2021 – data da suspensão dos prazos judiciais, decretada pela Lei nº 4-B/2021 – o aresto em recurso perfilhou uma tese que não encontra, nem no texto, nem no espírito da lei qualquer apoio, que diferencie no acesso à justiça cidadãos que estiveram sujeitos à mesma situação pandémica e que atenta claramente contra o princípio pro actione – que lhe impunha que interpretasse as normas processuais no sentido mais favorável à concretização de uma tutela jurisdicional efectiva e à obtenção de uma decisão de mérito.
6ª – Com efeito, o tribunal a quo não podia ignorar a situação pandémica que o país atravessava e, sobretudo, não podia deixar de aplicar a majoração dos prazos de caducidade determinada pelo artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, o que significa que ao prazo de impugnação de 3 meses eram acrescidos os 74 dias pelos quais perdurou a suspensão dos prazos judiciais.
7ª – Consequentemente, mesmo que por hipótese o prazo de impugnação tivesse começado a correr em 6 de Abril de 2021, a verdade é que o mesmo nunca teria terminado em 6 de Julho e seria alargado em 74 dias (correspondentes ao período que estiveram suspensos os prazos judiciais por força da pandemia), o que determina que a presente acção tenha sido proposta dentro do prazo, por o prazo de caducidade só ocorrer em 18 de Setembro de 2021.
8ª – Contra o exposto, não se argumente que o artigo 5º da Lei nº 13-B/2021 só majora e alarga os prazos de caducidade que já estavam em curso no dia em que se iniciou a suspensão dos prazos processuais (em 22 de Janeiro de 2021, por força da Lei nº 4-B/2021) e já não os prazos de caducidade que se deveriam ter iniciado entre 22 de Janeiro e 5 de Abril e que só não se iniciaram por força da suspensão dos prazos judiciais.
9ª – Na verdade, a Lei nº 13-B/2021 veio pôr termo à suspensão dos prazos judiciais e assegurar a majoração dos prazos de caducidade, não distinguindo entre prazos que já estavam em curso na data da suspensão e prazos que não se iniciaram por força de tal suspensão, antes tendo deixado bem claro que a suspensão dos prazos cessara e que todos eles eram objecto de majoração, razão pela qual não pode, nem deve, o intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu.
10ª – Acresce que, o espírito subjacente à majoração dos prazos de caducidade foi o de reforçar o direito de acesso à justiça dos cidadãos perante a situação pandémica que todos viveram, pelo que não faz qualquer sentido que se diferenciem os cidadãos e que todos eles não beneficiem do alargamento dos prazos processuais durante o período mais crítico da pandemia – que justificou a suspensão decretada pelo legislador durante 74 dias.
11ª – Refira-se, aliás, que a pandemia a todos atingiu por igual em matéria de acesso à justiça, pelo que a tese sufragada pelo aresto em recurso conduziria a uma inadmissível diferenciação entre cidadãos que estiveram sujeitos às mesmas condições, levando a que um cidadão que tivesse sido notificado de um acto administrativo em 21 de Janeiro de 2021 dispusesse, a partir de 6 de Abril, de 3 meses (menos um dia já decorrido antes da suspensão) e ainda de mais 74 dias para impugnar um acto – o que levaria a que o prazo apenas terminasse em 17 de Setembro mas, por incrível que possa parecer, quem apenas tivesse sido notificado a 22 de Janeiro já só teria 3 meses para impugnar a partir de 6 de Abril (o que levaria a que o prazo terminasse em 6 de Julho de 2021).
Consequentemente,
12ª – Ao considerar que a majoração dos prazos (em 74 dias) imposta pelo artigo 5º da Lei nº 13-B/2021 era restrita aos prazos que já se haviam iniciado antes de 22 de Janeiro de 2021 – data da suspensão dos prazos judiciais, decretada pela Lei nº 4-B/2021 – o aresto em recurso perfilhou uma tese que não encontra, nem no texto, nem no espírito da lei qualquer apoio, que diferencia no acesso à justiça cidadãos que estiveram sujeitos à mesma situação pandémica e que atenta claramente contra o princípio pro actione, que lhe impunha que interpretasse as normas processuais no sentido mais favorável à concretização de uma tutela jurisdicional efectiva e à obtenção de uma decisão de mérito”.

4. O Ministério da Cultura apresentou contra-alegação, tendo para o efeito formulado as seguintes conclusões:
A. Na presente acção, a autora peticiona que seja anulado o acto do Senhor ………. da IGAC, de 2 de Março de 2021, que indeferiu o pedido de “arrastamento” da sua última avaliação de desempenho, ocorrida em 2008, para o biénio 2019/2020 e que a entidade demandada seja condenada a atribuir à autora, no ciclo avaliativo de 2019/2020, a menção de Desempenho Relevante que lhe fora atribuída na última vez em que foi avaliada. Peticiona, ainda, a anulação, por invalidade consequente, do despacho que homologou a avaliação comum para o ciclo de 2019/2020.
B. Em 4-3-2022, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa proferiu sentença, na qual se decidiu o seguinte:
- “Julga-se procedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva e, em consequência, absolve-se a Inspecção-Geral das Actividades Culturais da instância da instância; e
- Julga-se verificada a excepção dilatória da intempestividade da prática do acto processual e, em consequência, absolve-se o Ministério da Cultura da instância”.
C. A autora, ora recorrente, não se conformando com o segmento da douta sentença do Tribunal a quo que julgou procedente a excepção dilatória de intempestividade da presente acção e, em consequência, absolveu o Ministério da Cultura, veio dela interpor recurso.
D. Considera a recorrente que a sentença recorrida incorreu em diversos erros de julgamento, e que, a ser concedido provimento ao recurso interposto, deverá ser “revogada a sentença em recurso, com as legais consequências”.
E. Tendo presente os fundamentos do recurso interposto pela recorrente, não pode deixar de se concluir que não lhe assiste razão: o Tribunal a quo decidiu bem não merecendo censura a douta sentença recorrida.
F. Primeiramente, vem a recorrente alegar que o aresto recorrido labora em erro de julgamento ao dar como provado que a autora foi notificada do acto impugnado em 2-3-2021 e que, como tal prazo legal para a sua impugnação teria começado a correr no dia 6-4-2021. Para tanto, invoca a invalidade da notificação do acto efectuada por correio electrónico, por suposta ausência de consentimento da recorrente na utilização deste meio de comunicação.
G. Tal alegação não pode deixar de causar surpresa e perplexidade ao ora recorrido, desde logo, porque é a própria autora, aqui recorrente, que afirma no artigo 12º da sua petição inicial que “Por ofício datado de 2 de Março de 2021, o ………. da Inspecção-Geral das Actividades Culturais indeferiu o pedido de arrastamento da nota formulada pela autora” (negrito e sublinhado da nossa autoria).
H. O Tribunal a quo deu como provado o seguinte facto: “A autora foi notificada do despacho referido na alínea anterior por mensagem de correio electrónico de 2-3-2021, pelas 16:07 (cfr. fls. 42 do PA)” (vide ponto G. da factualidade dada como provada na sentença).
I. Ora, tal facto decorre, inegavelmente, da mensagem de correio electrónico remetida, em 2-3-2021, pela Drª I………, Coordenadora Técnica na Direcção de Serviços de Gestão de Recursos e Tecnologias de Informação e Comunicação da Inspecção-Geral das Actividades Culturais, à recorrente – documento constante a págs. 42 do PA.
J. Sendo certo que, a recorrente em momento algum impugnou o referido documento integrante do PA. Com feito, caso a recorrente pretendesse abalar a validade de algum documento constante nos autos, estava obrigada a impugnar o mesmo, tal como é exigível pelo Código Civil – artigos 362º a 387º e pelo Código de Processo Civil – artigos 444º a 447º, o que não fez.
K. Aliás, conforme referido na douta sentença recorrida “A convicção do Tribunal fundou-se nos documentos juntos pelas partes e integrantes do processo administrativo, o quais não foram impugnados (…)”.
L. Relativamente à forma de notificação do acto impugnado, efectuada por correio electrónico, é perfeitamente válida, por via do preceituado nos artigos 63º, nºs 1 e 2, 112º, nº 1, alínea c), conjugado com o artigo 113º, nº 5, todos do CPA.
M. As comunicações electrónicas entre Administração e os particulares encontram-se instituídas como um verdadeiro meio procedimental de uso comum, em equivalente identidade com as outras formas de comunicação, da mesma forma, quanto ao regime de notificação de actos administrativos, os quais podem ser notificados através do envio de correio electrónico ou de uma “notificação electrónica”.
N. Nos termos legais, as notificações podem ser efectuadas, por telefax, telefone, correio electrónico ou notificação electrónica automaticamente gerada por sistema incorporado em sítio electrónico pertencente ao serviço do órgão competente ou ao balcão único electrónico, sem qualquer condição objectiva de aplicação. Seja por iniciativa da administração, sem necessidade de prévio consentimento, para plataformas informáticas com acesso restrito ou para os endereços de correio electrónico ou número de telefax ou telefone indicados em qualquer documento apresentado no procedimento administrativo, quando se trate de pessoas colectivas ou, mediante o consentimento prévio do notificado, nos restantes casos.
O. Nesse contexto, o artigo 63º, nº 2 do CPA estabelece uma presunção: há consentimento do particular na utilização de meios electrónicos quando exista contacto regular entre este e a Administração por via desses meios.
P. Conforme refere MIGUEL PRATA ROQUE “A redacção literal aponta no sentido de que haja uma indicação expressa, pelo particular, do “seu número de telefax” ou da sua “identificação da caixa postal electrónica”, logo no momento da primeira intervenção procedimental. Porém, pode vir a suceder que o particular – mesmo sem ter procedido a essa indicação expressa –, apresente requerimentos ou documentos diversos, por via de “telefax” ou de “correio electrónico” [108º, nº 1, alínea c)]. Sempre que seja possível detectar, a partir da análise da tramitação procedimental, uma “habitualidade de uso de meios electrónicos”, talvez não fosse de excluir a constatação de que subsiste um “consentimento tácito”, à luz do “princípio da tutela da confiança” inspirada na administração pública. Para evitar dúvidas interpretativas futuras, conviria precisar que também pode haver “consentimento tácito”, sempre que o particular tenha mantido contactos regulares com a administração, durante o procedimento, através de meios electrónicos ou de telefax. De outro modo, caso não se adopte esta explicitação normativa, a invocação da ilegalidade da notificação efectuada por meios electrónicos pode ainda consubstanciar uma violação do “princípio da boa-fé” e do “princípio da colaboração” (“O Nascimento da Administração Electrónica num Espaço Transnacional (Breves notas a propósito do Projecto de Revisão do Código de Procedimento Administrativo), in “e-Publica – Revista Electrónica de Direito Publico”, 1 (2014), p. 8) [negrito e sublinhado da nossa autoria].
Q. Nos presentes autos, conforme decorre do acervo documental constante do PA, verifica-se que a recorrente comunicou por diversas ocasiões com a Inspecção-Geral das Actividades Culturais através de correio electrónico, relativamente ao assunto da sua avaliação de desempenho respeitante ao biénio de 2019/2020 (cf. pp. 34 e 35 do PA).
R. Elucidativo disso são, desde logo, às mensagens de correio electrónico trocadas entre a recorrente e a Drª M……., Directora de Serviços de Gestão de Recursos e Tecnologias de Informação e Comunicação na Inspecção-Geral das Actividades Culturais, nos dias 15, 20 e 28 de Janeiro de 2021 (mensagens de correio electrónico constantes a pp. 34 e 35 do PA).
S. Posto isto, é forçoso concluir que, no caso em apreço, a recorrente consentiu que as notificações fossem efectuadas por correio electrónico, ao contrário do que vem agora alegar em sede de recurso, e que, por isso, se deve considerar notificada do acto impugnado no dia 2-3-2021 (cf. artigo 113º, nº 5, e artigo 160º, ambos do CPA).
T. Assim sendo,
(i) considerando que a recorrente foi notificada do acto impugnado em 2-3-2021 (cf. p. 42 do PA);
(ii) considerando que, no termos do artigo 58º, nº 1, alínea b), do CPTA, o prazo legal para a impugnação de actos anuláveis é de 3 meses, e que, nos termos do artigo 59º, nº 2, do CPTA, o prazo para a impugnação corre a partir da notificação do acto; e,
(iii) considerando a suspensão dos prazos processuais, de 22-1-2021 (artigo 4º da Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro) a 5-4-2021 (artigo 7º da Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril),
conclui-se que, no caso em apreço, o prazo legal de 3 meses para a impugnação do acto começaria a correr no dia 6-4-2021 e terminaria em 6-7-2021.
U. A recorrente alega ainda que o aresto recorrido incorreu em erro de julgamento ao considerar que o alargamento dos prazos de prescrição e caducidade, imposto pelo artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril, era apenas aplicável aos prazos que já se encontravam em curso no dia em que se iniciou a suspensão dos prazos processuais – 22-1-2021 –, por força do artigo 4º da Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, mas sem razão.
V. O Tribunal a quo decidiu, e bem, que:
“O alargamento do prazo a que se refere a norma citada [reportando-se ao artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril] respeita à vigência da suspensão em concreto em análise e não o período de suspensão total que, em abstracto decorre da aplicação da Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, e da Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril. Isto é, na situação em apreço, a suspensão vigoraria entre 2-3-2021 (data da notificação da decisão impugnada: facto G)) e 5-4-2021 (dia anterior à entrada em vigor da Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril).
Não faria qualquer sentido aplicar o prazo total da suspensão em abstracto permitido pelos referidos diplomas a prazos que só se iniciaram durante a vigência do período de suspensão (…)”.
W. Diferentemente, a recorrente pretende que lhe seja aplicável, por força do artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril, o prazo total que, em abstracto, vigorou a suspensão dos prazos processuais, i.e., 74 dias, mas tal entendimento não merece acolhimento.
X. Preceitua o artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, de 5 Abril, sob a epígrafe “Prazos de prescrição e caducidade”, que “sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão”.
Y. A recorrente foi notificada do acto impugnado a 2-3-2021 (cf. p. 42 do processo administrativo).
Z. O prazo para proceder à impugnação do acto começaria a correr no dia imediatamente seguinte, i.e., no dia 3-3-2021, não fosse a suspensão dos prazos processuais determinada por força do artigo 6º-B, nº 3, da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que produziu efeitos reportados a 22-1-2021, atento o disposto no artigo 4º desta última Lei.
AA. Desde o dia 2-3-2021 – data em que foi notificada do acto impugnado – até ao dia 5-4-2021 – momento em que foi declarado o términus da suspensão dos prazos processuais, uma vez que a Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril, que determinou a retoma dos prazos, entrou em vigor a 6-4-2021 – a autora, ora recorrente, beneficiou de um período de suspensão de 34 dias.
BB. Ao prazo de 3 meses legalmente previsto para a propositura da acção de impugnação de actos anuláveis (cf. artigo 58º, n º1, alínea b), do CPTA) – que, no caso em apreço, se iniciou no dia 6-4-2021 e terminou no dia 6-7-2021, acresceria, ainda, o período correspondente à vigência da suspensão de que a recorrente beneficiou, ou seja, 34 dias, por força do supracitado artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril.
CC. E não o período de 74 dias – período total durante o qual vigorou a suspensão dos prazos processuais (início a 22-1-2021 e términus a 4-4-2021) –, como a recorrente pretende.
DD. Esta é a interpretação correcta a fazer do artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, de 1 de Fevereiro.
EE. Com efeito, o elemento teleológico, que preside à interpretação da lei, reclama que se conclua que a disciplina introduzida pela referida norma legal apenas tem aplicação quanto ao período concreto de vigência da suspensão, de que o particular beneficiou, in casu, a recorrente, e não quanto a todo o período de vigência da suspensão, parte do qual decorrido ainda num tempo em que a esfera jurídica da recorrente não tinha sido afectada pelo acto alegadamente lesivo.
FF. É desprovido de sentido contabilizar todo o período em que vigorou a suspensão dos prazos processuais (74 dias) – iniciada a 22-1-2021 e com términus a 5-4-2021 –, quando a recorrente apenas foi notificada do acto impugnado a 2-3-2021.
GG. E só, portanto, a partir de 2-3-2021 se iniciaria o prazo para a recorrente impugnar contenciosamente o referido acto.
HH. Por esse motivo, é desprovido de sentido contabilizar parte de uma suspensão de um prazo que ainda nem se havia iniciado e somente se iniciou a 2-3-2021 – data em que foi notificada o acto impugnado.
II. A outro tempo, sublinha-se que, nos termos do nº 2 do artigo 58º do CPTA, o prazo de impugnação de actos anuláveis conta-se nos termos do artigo 279º do Código Civil, não se suspendendo, portanto, durante as férias judiciais.
JJ. Terminando o prazo para a propositura da acção no dia 9-8-2021, em período de férias judiciais, o seu termo transfere-se para o 1º dia útil seguinte, nos termos do artigo 279º, alínea e), do Código Civil, ou seja, para o dia 1-9-2021.
KK. Para respeitar o prazo de propositura de 3 meses, a presente acção teria de ser intentada até ao dia 1-9-2021, mas a autora, ora recorrente, apenas a intentou no dia 15-9-2021.
LL. A impugnação do acto em apreço é intempestiva, por ter sido ultrapassado o prazo legal de 3 meses para a impugnação do acto em causa, o que determina a necessária absolvição da instância do demandado, nos termos do artigo 89º, nºs 2 e 4, alínea k), do CPTA.
MM. No que respeita ao pedido de condenação à prática de acto devido, formulado pela autora nos presentes autos, cabe referir que o prazo legal para a sua dedução é de 3 meses, conforme determina o artigo 69º, nº 2, do CPTA, que estipula a aplicação dos prazos previstos no artigo 58º, 59º e 60º.
NN. Também o pedido de condenação à prática de acto devido é assim intempestivo, por ter sido excedido o prazo legal de 3 meses para a sua propositura, pelas razões expostas nas alegações precedentes.
OO. A decisão do Tribunal a quo não merece censura ao julgar procedente a excepção dilatória da intempestividade da presente acção e, em consequência, absolvendo o Ministério da Cultura da instância”.

5. Remetidos os autos a este TCA Sul, foi cumprido o disposto no artigo 146º do CPTA, mas o Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal não emitiu parecer.

6. Colhidos os vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR
7. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3, todos do CPCivil, “ex vi” artigo 140º do CPTA, não sendo lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

8. E, considerando o teor das conclusões do recurso da recorrente, impõe-se apreciar no presente recurso se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar legal a notificação do acto impugnado por meio de correio electrónico (primeira questão a apreciar), daí concluindo pela verificação da excepção dilatória da intempestividade da prática do acto processual, prevista na alínea k) do nº 4 do artigo 89º do CPTA, com a consequente absolvição do Ministério da Cultura da instância, sem aplicar a majoração dos prazos de caducidade determinada pelo artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, e sem considerar que ao prazo de impugnação de 3 meses eram acrescidos os 74 dias pelos quais perdurou a suspensão dos prazos judiciais naquela previstos (segunda questão a apreciar).

III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
9. A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:
a) A autora é técnica superior do mapa de pessoal da Inspecção-Geral das Actividades
Culturais (IGAC) desde 1-2-2004 – acordo;
b) Em 13-1-2021, ao abrigo do nº 6 do artigo 42º da Lei nº 66-B/2007, a autora requereu ao ……… da IGAC o arrastamento para o biénio 2019/2020 da sua última avaliação de desempenho homologada – cfr. doc. nº 3, junto com a PI;
c) Em reunião de 2-2-2021, o Conselho Coordenador de Avaliação (CCA) decidiu que a autora “preenche os requisitos necessários à avaliação por objectivos, independentemente dos mesmos terem sido assinados a 30 de Outubro de 2019, considerando que durante o ciclo avaliativo 2019/2020, o serviço efectivo e contacto funcional foi superior a 12 meses” – cfr. fls. 160-169 do SITAF;
d) A autora foi notificada da decisão referida na alínea anterior por mensagem de correio electrónico de 10-2-2021, pelas 00:18 – cfr. fls. 47 do processo administrativo;
e) A autora requereu a intervenção da Comissão Paritária para se pronunciar sobre o requerimento referido na alínea a) supra – cfr. fls. 36 a 39 do PA;
f) Em 2-3-2021, o ……. da IGAC proferiu despacho, com o seguinte teor:
IV. Conclusão
Em face do que antecede, conclui se:
a) A Comissão Paritária, enquanto órgão consultivo, é incompetente para avaliar requerimentos que não se suportem em propostas concretas de avaliação, mas apenas em expedientes de arrastamento de avaliações anteriores.
b) O Conselho Coordenador de Avaliação pronunciou-se sobre a questão suscitada e ajuizou dever ter lugar à avaliação da ora reclamante, conforme dado a conhecer à trabalhadora no passado dia 10 de Fevereiro.
c) Perante o circunstancialismo fáctico, não existem, em nosso entender, razões suficientemente válidas que obstem à avaliação da trabalhadora nos termos em que esta teve lugar, sob penas de criar-se uma situação de injustiça em relação aos trabalhadores que obtiveram avaliação de mérito superior à ora reclamante.
Termos em que se indefere a reclamação em apreço com base nos fundamentos de facto e de direito enunciados, sendo de manter a avaliação efectiva, conforme deliberado em sede do Conselho Coordenador de Avaliação, por se encontrarem preenchidos os requisitos funcionais para que a trabalhadora tenha sido avaliada no Biénio 2019/2020.
Notifique-se a interessada, ora reclamante, do presente entendimento” – cfr. doc. nº 1 da PI, que se tem por integralmente reproduzido;
g) A autora foi notificada do despacho referido na alínea anterior por mensagem de correio electrónico de 2-3-2021, pelas 16:07 – cfr. fls. 42 do PA;
h) Em 27-4-2021, foi homologada a avaliação de desempenho de adequado referente à autora no biénio de 2019/2020 – cfr. fls. 7 a 14 do PA;
i) Em 10-5-2021, a autora apresentou reclamação da homologação da avaliação de desempenho de 2019/2020 – cfr. fls. 15 a 18 do PA;
j) Por despacho de 26-5-2021, o ………. da IGAC indeferiu a reclamação referida na alínea anterior, mantendo a avaliação atribuída, objecto de homologação, a que corresponde a avaliação qualitativa de adequado – cfr. fls. 29 a 32 do PA;
k) A presente acção administrativa foi intentada em 15-9-2021 – cfr. SITAF.

B – DE DIREITO
10. Como decorre dos autos, a decisão recorrida concluiu pela verificação da excepção dilatória da intempestividade da prática do acto processual, prevista na alínea k) do nº 4 do artigo 89º do CPTA, tendo em consequência absolvido o Ministério da Cultura da instância. E fê-lo de acordo com a seguinte fundamentação:
(…) O autor afirmou que o prazo de impugnação do despacho impugnado foi suspenso por 74 dias nos termos do disposto no nº 3 do artigo 6º-B da Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.
Na sua perspectiva, por força do alargamento do prazo de caducidade determinado pelo artigo 5º do mesmo diploma, o prazo de impugnação de três meses foi alargado por mais 74 dias, só tendo terminado em 18-9-2021.
Pelo contrário, a entidade demandada defende que considerando a suspensão dos prazos processuais da Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, iniciada em 22-1-2021 e terminada em 5-4-2021, a autora beneficiou de um período de suspensão do prazo de 34 dias e não de 74 dias (período durante o qual vigorou a suspensão dos prazos processuais).
Conclui que, não se suspendendo o prazo de impugnação nas férias judiciais, mas transferindo-se para o primeiro dia útil seguinte, o último dia do prazo de impugnação foi 1-9-2021.
Passando a apreciar, como expressamente enunciado na petição inicial, a presente acção tem por objecto imediato a impugnação do despacho do ………… da IGAC de 2-3-2021 [facto F)].
De acordo com o artigo 58º e o nº 2 do artigo 69º do CPTA, os pedidos impugnatórios e condenatórios têm de ser intentados no prazo de três meses, o qual se desencadearia com a notificação ocorrida em 2-3-2021 [facto G)].
Mais precisamente, de acordo com a alínea b) do nº 1 do artigo 58º do CPTA, a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de três meses, obedecendo a contagem ao regime aplicável no artigo 279º do Código Civil.
Verifica-se, porém, que, no ano de 2021, por força da pandemia Covid 19, foi aprovada a suspensão de prazos de caducidade, designadamente para efeitos de instauração de acções administrativas, de 22-1-2021 (artigo 4º da Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro) a 5-4-2021 (artigo 7º da Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril).
Importa acrescentar, porque alegado pela autora, que o artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, epigrafado prazos de prescrição e de caducidade, dispõe que «Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão».
Ora, o alargamento do prazo a que se refere a norma citada respeita à vigência da suspensão na situação em concreto em análise e não ao período de suspensão total que, em abstracto, decorre da aplicação da Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, e da Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril. Isto é, na situação em apreço, a suspensão vigoraria entre 2-3-2021 [data a notificação da decisão impugnada: facto G)] e 5-4-2021 (dia anterior à entrada em vigor da Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril).
Não faria qualquer sentido aplicar o prazo total de suspensão em abstracto permitido pelos referidos diplomas a prazos que só se iniciaram durante a vigência do período de suspensão, desde logo porque permitiria que o termo do prazo de caducidade ocorresse primeiro numa situação em que o acto é notificado após a vigência do período de suspensão do que se tivesse sido notificado durante esse período de vigência, pois nesse caso, na perspectiva da autora, em qualquer situação, além da suspensão até 5-4-2021, seria ainda acrescido do período de suspensão de 74 dias.
Acresce que, na situação em apreço, por força da vigência da Lei nº 4-B/2021, o prazo de impugnação de três meses nem se iniciou até à entrada em vigor da Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril.
Desta forma, o prazo de impugnação de três meses começou a correr em 6-4-2021 e terminou em 6-7-2021.
Tendo a presente acção sido intentada em 15-9-2021 [facto K)], verifica-se a excepção dilatória da intempestividade da prática do acto processual, prevista na alínea k) do nº 4 do artigo 89º do CPTA, a qual determina a absolvição do Ministério da Cultura da instância”.
Vejamos se o assim decidido é para manter, começando por apreciar se, no caso concreto, foi legal a notificação do acto impugnado por meio de mensagem expedida via correio electrónico.

11. A questão suscitada pela recorrente nas conclusões 3ª e 4ª da sua alegação é, na verdade, uma questão nova, que não foi suscitada na petição inicial e, como tal, não foi apreciada na sentença da 1ª instância, ora em recurso (nem tinha de o ser, uma vez que não se tratava de questão que ao tribunal se impusesse conhecer oficiosamente).

12. Ora, como é manifesto, os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão, mas não para obter decisões sobre questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido (neste sentido, cfr. os acórdãos do STJ, de 7-1-1993, in CJ STJ 1/93.5, da RL, de 7-10-93, in CJ 4/93.142, da RL, de 7-5-87, in CJ 3/87.78, da RL, de 2-11-95, in CJ 5/95.98, da RL, de 27-11-81, in CJ 5/81.158, da RP, de 4-6-87, in CJ 3/87.182, da RE, de 7-5-87, in CJ 3/87.265, e do STJ, de 8-10-2020, proferido no âmbito do processo nº 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1).

13. Por conseguinte, sendo de excluir dos mesmos os meros argumentos ou raciocínios expostos na defesa da tese de cada uma das partes, os recursos visam modificar apenas as decisões de que se recorre, e não criar decisões sobre matéria nova, razão pela qual não é lícito invocar neles questões que não tenham sido objecto das decisões impugnadas. Tais questões, atenta a sua novidade, não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos que, como se afirmou, se destinam a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, em prejuízo da parte vencida.

14. Do que ficou dito, uma conclusão se impõe: este TCA Sul, enquanto tribunal de apelação, está impedido de se pronunciar sobre questões novas, apenas suscitadas nas alegações de recurso, com excepção das que sejam de conhecimento oficioso do tribunal, o que não prefigura o caso dos autos (cfr. artigos 608º, nº 2 e 627º, nº 1, ambos do CPCivil), razão pela qual improcedem as conclusões 3ª e 4ª da alegação da recorrente.

15. Resta apenas apreciar se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, ao ter concluindo pela verificação da excepção dilatória da intempestividade da prática do acto processual, prevista na alínea k) do nº 4 do artigo 89º do CPTA, com a consequente absolvição do Ministério da Cultura da instância, nomeadamente por não ter aplicado a majoração dos prazos de caducidade determinada pelo artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, e sem considerar que ao prazo de impugnação de 3 meses eram acrescidos os 74 dias pelos quais perdurou a suspensão dos prazos judiciais naquela previstos.

16. Com efeito, a recorrente sustenta que o erro de julgamento do decidido reside no facto de se ter considerado que o alargamento dos prazos de prescrição e caducidade, imposto pelo artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, de 5/4, era apenas aplicável aos prazos que já se encontravam em curso no dia em que se iniciou a suspensão dos prazos processuais – o dia 22-1-2021 –, por força do artigo 4º da Lei nº 4-B/2021, de 1/2.

17. E defende que lhe deve aplicável, por força do disposto no artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, de 5/4, o prazo total que, em abstracto, vigorou a suspensão dos prazos processuais, ou seja, 74 dias, mas tal entendimento não merece acolhimento. Mas sem razão, adianta-se já.

18. Com efeito, como decorre do disposto no artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, de 5/4, com a epígrafe “Prazos de prescrição e caducidade”, “sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão”. Ora, como decorre do probatório, a recorrente foi notificada do acto impugnado a 2-3-2021, pelo que o prazo para proceder à impugnação do acto começaria a correr no dia imediatamente seguinte, ou seja, no dia 3-3-2021, não fosse a suspensão dos prazos processuais determinada por força do artigo 6º-B, nº 3, da Lei nº 1-A/2020, de 19/3, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 4-B/2021, de 1/2, a qual viu a respectiva produção de efeitos reportada a 22-1-2021, por força do disposto no seu artigo 4º.

19. Deste modo, desde o dia 2-3-2021 – data em que a recorrente foi notificada do acto impugnado – até ao dia 5-4-2021 – momento em que foi declarado o termo da suspensão dos prazos processuais, posto que a Lei nº 13-B/2021, de 5/4, que determinou a retoma dos prazos, entrou em vigor a 6-4-2021 – a recorrente, beneficiou de um período de suspensão de 34 dias, pelo que ao prazo de 3 meses legalmente previsto para a propositura da presente acção impugnatória de actos anuláveis (cfr. o disposto no artigo 58º, n º1, alínea b) do CPTA) – que, no caso em apreço, se iniciou no dia 6-4-2021 e terminou no dia 6-7-2021 –, acresceria, ainda, o período correspondente à vigência da suspensão de que a recorrente beneficiou, ou seja, de 34 dias, por força do supracitado artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, de 5/4, e não, como a recorrente sustenta, todo o período de 74 dias, durante o qual vigorou a suspensão dos prazos processuais, cujo início, como se viu, ocorreu a 22-1-2021, com o respectivo termo a 4-4-2021.

20. A interpretação que a recorrente faz do artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, de 1/2, no sentido contabilizar todo o período em que vigorou a suspensão dos prazos processuais (ou seja, pelo período de 74 dias), cujo início ocorreu em 22-1-2021, e termo em 5-4-2021, quando a recorrente apenas foi notificada do acto impugnado no dia 2-3-2021, não encontra amparo na norma em causa, posto que a interpretação correcta a dar à norma é a de que a disciplina introduzida pela mesma apenas tem aplicação quanto ao período concreto de vigência da suspensão, de que o particular beneficiou e não quanto a todo o período de vigência da suspensão, parte do qual decorreu em momento em que a esfera jurídica da recorrente (ainda) não tinha sido afectada pelo acto lesivo.

21. Assim, só a partir de 2-3-2021 se iniciaria o prazo para a recorrente impugnar contenciosamente o referido acto, pelo que não é correcta a interpretação sustentada pela recorrente, no sentido de contabilizar parte de uma suspensão de um prazo que ainda nem se havia iniciado, posto que o mesmo apenas se iniciou a 2-3-2021, ou seja, na data em que a recorrente foi notificada o acto impugnado.

22. Ora, considerando que nos termos do artigo 58º, nº 2 do CPTA, o prazo de impugnação de actos anuláveis se conta nos termos do artigo 279º do Cód. Civil, não se suspendendo durante as férias judiciais, e tendo o prazo para a propositura da acção em juízo terminado no dia 9-8-2021, ou seja, em período de férias judiciais, o respectivo termo transferiu-se para o 1º dia útil seguinte, nos termos do artigo 279º, alínea e), do Código Civil, no caso para o dia 1-9-2021, razão pela qual a presente acção teria de ser intentada até ao dia 1-9-2021.

23. Porém, considerando que a ora recorrente só veio a intentar a acção impugnatória dia 15-9-2021, a mesma mostra-se intempestiva, por ter ultrapassado o prazo legal de 3 meses previsto para a impugnação de actos anuláveis, o que determinou, com acerto, a absolvição da instância da entidade demandada, nos termos previstos no artigo 89º, nºs 2 e 4, alínea k), do CPTA.

24. Deste modo, a decisão recorrida, ao julgar procedente a excepção dilatória da intempestividade da acção e, em consequência, ao absolver o Ministério da Cultura da instância, não merece a censura que a recorrente lhe aponta, devendo por isso ser confirmada.

IV. DECISÃO
25. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto e confirmar a decisão recorrida.
26. Custas a cargo da autora (artigos 527º, nº 1 e 533º, ambos do CPCivil).
Lisboa, 29 de Fevereiro de 2024
(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)
(Frederico Macedo Branco – 1º adjunto)
(Eliana Pinto – 2ª adjunta)