Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08331/15
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:02/05/2015
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA – RESIDENTE
DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS
IRS
TRIBUTAÇÃO
MÉTODOS INDIRECTOS
Sumário:I – No que respeita à residência do recorrente, para efeitos fiscais (e não quaisquer outros), em particular, no campo da incidência pessoal do IRS, respeitante ao ano de 2008, o tribunal recorrido julgou não provado o facto de que aquele, então, não residia em Portugal e justificou a formação da sua convicção. Não podemos deixar de acolher esta valoração de todos os elementos de prova disponíveis. Até porque nada impede as pessoas, no exercício das suas liberdades cívicas, de fixarem residência em mais que um local.
II - Concluímos que o recorrente era, para efeitos fiscais, residente em Portugal no ano de 2008, nos termos da alínea b) do nº 1, do art. 16º do CIRS e, nessa medida, era sujeito passivo de IRS pela totalidade dos seus rendimentos, pelo que, atento o disposto no artigo 57º nº 1 do CIRS, encontrava-se obrigado a apresentar a declaração de rendimentos relativa ao referido ano, pelo que não o tendo feito encontram-se reunidas as condições legais para, de acordo com o estipulado no nº 1 e nº 4 do art. 89º-A da LGT, se proceder à fixação do rendimento tributável por métodos indirectos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

DUARTE ………………………………………, não se conformando com a sentença de fls.146 a 167, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente o recurso que interpôs, ao abrigo do disposto nos nº 7 e 8 do artigo 89º-A, da LGT e artigo 146º-B e 146º-D do CPPT, contra a decisão proferida pelo Director de Finanças de Lisboa, de aplicação de métodos indirectos para a fixação do rendimento sujeito a IRS, para o ano de 2008, por manifestações de fortuna, nos termos do art. 89º-A da LGT, vem interpor recurso jurisdicional da mesma.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:


A) Atenta a matéria de facto assente e a dada como não provada, existe manifesta contradição entre os factos tidos como provados nas alíneas L), M) e N) e o facto julgado não provado na alínea V);

B) Com efeito, o facto considerado provado na alínea L) de que o recorrente reside desde o ano de 2000 na República da Costa do Marfim é manifestamente contraditório com o facto julgado não provado de que o recorrente não reside em Portugal, desde o ano de 2000;

C) Bem como os factos tidos como provados nas alíneas M) e N), ou seja, de que o aqui recorrente, por força da sua vida profissional, desloca-se a vários países e apenas cerca de três a cinco vezes por ano a Portugal, ou seja, que o seu centro vital de interesses é fora de Portugal e que a esta apenas se desloca esporadicamente não é igualmente compatível como facto dado como não provado de que este não reside em Portugal;

D) Tal contradição torna-se mais evidente quando resulta da douta sentença recorrida quando esta não adiciona à matéria assente o facto de que o recorrente é residente em Portugal (apenas dá como não provado que este não é);

E) Acresce que a determinação da residência (ou da não residência) do recorrente em Portugal é vital para a boa decisão da causa, porquanto a tributação visada pela Administração Tributária no caso em apreço funda-se na manifestação de fortuna prevista no artigo 89°A da LGT e no pressuposto considerado pela A.T. de que o recorrente é residente em Portugal nos termos da alínea b) do n°1 do artigo 16° do Código do IRS;

F) Contudo, o pressuposto da verificação da residência nos termos desta última disposição implica que se detenha em território nacional "uma habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual";

G) E, embora se trate de uma presunção, nos termos do n°1 do artigo 74° da LGT, tal prova cabe à A.T. que não logrou fazê-la e, por isso, é sintomático que a douta sentença não incluísse tal facto na matéria provada;

H) Não obstante, e por se tratar de uma presunção ilidível, o aqui recorrente fez prova que residia num outro país, como, aliás, consta da alínea L) dos factos provados da douta sentença;

I) Não ficando provado que o aqui recorrente era residente em Portugal no ano de 2008, mal andou a douta sentença recorrida quando julgou não provado que o recorrente não residia em Portugal como fez na alínea V), porquanto tal prova cabia á A.T. que não a logrou fazer;

J) De resto, a demonstração da presunção a que se refere a alínea b) do n°1 do artigo 16° do Código do IRS no que se refere à existência de "uma habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual" tem que ser realizada quanto a uma habitação concreta e não pode ser inferida do facto do aqui recorrente ser proprietário de diversos prédios destinados à habitação;

K) Termos em que a douta sentença, ao considerar (ainda que não o fazendo nos factos assentes) que o aqui recorrente é residente em Portugal nos termos da alínea b) do n°1 do artigo 16° do CIRS, para do erro nos pressupostos de facto de tal cabimento, laborou em erro no julgamento de direito, porquanto não se verificavam as condições para determinar tal residência ao aqui recorrente;

L) Acresce que a douta sentença laborou igualmente em erro de julgamento de direito ao consentir na aplicação do regime de avaliação indirecta do rendimento tributável sujeito a IRS nos termos do artigo 89º-A da LGT, na medida em que a A.T. determinou tal tributação fundada no facto de que o aqui recorrente era um residente sujeito passivo deste imposto nos termos da alínea b) do n°1 do artigo 16° do CIRS, o que não se verifica;

M) De resto, não obstante caber à A.T. a prova da verificação da presunção prevista na alínea b) do n°1 do artigo 16° do CIRS, veio o aqui recorrente ilidir tal presunção quando fez prova documental de que reside e é sujeito passivo de impostos na Costa do Marfim e prova testemunhal de que a sua vida profissional se centra fora de Portugal e que apenas se desloca a este país três a cinco vezes em cada ano, como resulta dos factos assentes;

N) Termos em que houve erro no julgamento quando a douta sentença considerou o aqui recorrente como residente no território nacional em 2008 nos termos da alínea b) do n°1 do artigo 16° do CIRS ou, melhor dizendo, não o considerou como não residente;

O) Pelo que, consequentemente, houve erro de julgamento quando na douta sentença se considerou que apenas cabia ao aqui recorrente fazer prova quanto à fonte das manifestações de fortuna nos termos do n°3 do artigo 89°-A da LGT, partindo do pressuposto que este é (era em 2008) um sujeito passivo de IRS residente em território nacional como avançado pela A.T, quando tal não ocorria;

P) Donde, não podendo o recorrente ser considerado como residente nos termos da alínea b) do n°1 do artigo 16° do CIRS, não pode o mesmo ser tributado no território nacional no âmbito do disposto no citado artigo 89°-A da LGT nos moldes propostos pela A.T. e aceites na douta sentença.

Nos termos sobreditos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente por provado e fundamentado, anulando-se a sentença recorrida que deverá ser substituída por outra que dê provimento à pretensão do recorrente e anule a fixação do rendimento tributável de IRS do ano de 2008 por avaliação indirecta que lhe foi feita nos termos do artigo 89°A da LGT, como é de inteira JUSTIÇA TRIBUTÁRIA.


*




A Fazenda Pública contra-alegou, concluindo do modo que segue:

a) A aquisição do imóvel no montante de €306.511,00, naquele período de tributação, integra o conceito de manifestação de fortuna previsto no artigo 89º-A da LGT;

b) Assim sendo, e à luz dos critérios legais aplicáveis à situação em apreço, verifica-se uma divergência entre a capacidade contributiva do Recorrente, evidenciada naquela manifestação de fortuna, sob a forma de aquisição do imóvel e os rendimentos que não foram declarados no mesmo período de tributação;

c) Este desfasamento é considerado pelo legislador como indiciador da existência de rendimentos de origem desconhecida, que poderão corresponder a situações de evasão ou fraude fiscal naquele período de imposto, assim se justificando que passe a recair sobre ele o ónus da prova, sob pena de se presumirem rendimentos tributáveis naquele exercício, em montante equivalente ao rendimento padrão previsto no nº 4 daquele preceito legal;

d) Sucede, porém, que os factos articulados, e a prova produzida não têm a virtualidade de elidir aquela presunção legal, uma vez que não demonstram, nem apresentam elementos comprovativos da alegada não residência em território português do Recorrente no ano de 2008, nem demonstram que recursos foram canalizados para aquela aquisição;

e) Não obstante a inversão do ónus da prova, o Recorrente não juntou ao seu recurso qualquer documento susceptível de criar sequer a dúvida da sua não residência fiscal em território português no ano 2008 limitando-se a fazer as mesmas alegações já apreciadas e decididas pela Juiz a quo e não se pronunciando, estrategicamente, sobre todos os indícios coligidos pela AT no exercício do seu ónus probatório;

f) Deste modo falece a pretensão do Recorrente de anulação da sentença recorrida e substituição por outra que determine a anulação da fixação de rendimento em causa, com fundamento em errada apreciação da prova produzida pois, efectuada a análise à prova carreada para os autos, verifica-se que a mesma não originou qualquer indício de que a aludida manifestação de fortuna pudesse deixar de ser qualificada como foi nos termos do artigo 89º-A da LGT, por não ter origem em rendimentos sujeitos a tributação em IRS.

Nos termos supra expostos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente IMPROCEDENTE, confirmando-se a douta sentença recorrida.


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O Ministério Público, junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr.fls.225 a 227 dos autos).


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Com dispensa de vistos dado o carácter urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De Facto

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A) Em 24/04/2008, o Recorrente adquiriu pelo valor de € 306 511,00, a fracção D, do artigo ……… da matriz predial urbana da Freguesia de ………………, Concelho de Loures - cfr. fls. 29 e teor da notificação a fls. 32;

B) O Recorrente não apresentou declaração de rendimentos em Portugal, relativa ao ano de 2008 - cfr. declaração do Recorrente a fls. 75 e relatório de inspecção a fls. 2 a 10, ambos do processo administrativo apenso;

C) O Recorrente foi notificado através do ofício n°18929 de 02/03/2012, para esclarecer a proveniência dos valores que possibilitaram a aquisição da fracção referida em A - cfr. fls. 67 e 68 do processo administrativo apenso;

D) Em resposta ao ofício referido em C, entrado em 15/03/2012, o Recorrente apresenta requerimento no qual indica que é residente na "Rua …………., Lt, 2.04.01ª - 1° B, ….., 1990-…… Lisboa" alegando que não reside em Portugal, nem está obrigado a entregar declaração de rendimentos, em Portugal - cfr. fls. 75 a 93 do processo administrativo apenso;

E) Em cumprimento da Ordem de Serviço OI201106113 procedeu-se a acção de inspecção interna, em sede de IRS, ao exercício de 2008, a Duarte …………………………, NIF ………………, com domicílio fiscal na Rua …………………………., Urbanização ……………………., Lt ….. ……….., 2625-….. Póvoa de Santa Iria, tendo sido elaborado projecto de relatório de inspecção -cfr. fls. 20 a 55;

F) O Recorrente foi notificado para se pronunciar sobre o projecto de relatório de inspecção - cfr. fls. 44 a 63 do processo administrativo apenso;

G) O Recorrente exerceu o direito de audição sobre o projecto de relatório de inspecção, apresentando exposição, em 21/08/2012 - cfr. fls. 64 a 66 do processo administrativo apenso;

H) Após, foi elaborado relatório de inspecção de cujo teor destaco o seguinte:

" (...) 112 - Motivo, âmbito e incidência temporal
A presente Ordem de Serviço teve por base uma acção dirigida aos sujeitos passivos que efectuaram aquisições de imóveis de valor igual ou superior a €250.000,00 e que evidenciaram uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão a que se refere a tabela prevista no n°4 do art.89°- A da Lei Geral Tributária (manifestações de Fortuna)".
(...)
IV. MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
1. De acordo com informação disponível, verifica-se que adquiriu em 2008/04/24, pelo valor de € 306 511,00, um imóvel, correspondente à fracção D, do artigo ………… da matriz predial urbana da freguesia de ……………, concelho de Loures -anexo 1.
2. Constatou-se igualmente que no ano em análise o sujeito passivo não apresentou declaração de IRS - anexo 2.
3. O n°1 do art.89°-A da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece o recurso à avaliação indirecta, quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n°4 do mesmo artigo, facto que se verifica no caso em apreciação como se demonstra de seguida.

Ano de aquisição Valor de aquisição do imóvel % nos termos da tabela constante do nº4 do artº 89-A da LGTRendimento
Padrão
(20%x306.511,00)
50% do Rendimento PadrãoRendimento liquido declarado (não entregou declaração de rendimentos
2008306.511,00€20%61.302,20€30.651,00€0,00€
Estão pois reunidas as condições para a determinação do rendimento colectável com recurso à avaliação indirecta nos termos do art. 89°-A da LGT e afastada a presunção de veracidade da inexistência de rendimentos a declarar.
4. Considerando o valor de aquisição do imóvel de € 306 511,00, o rendimento padrão a considerar nos termos da tabela do n° 4 do art. 89°-A da LGT é de:
Ano de aquisição Valor de aquisição do imóvel % nos termos da tabela constante do n.° 4 do art. 89.°-A da LGT Rendimento padrão n." 4 do Art. 89°-A da LGT
2008 306 511,00 € 20% 61 302,20 €
5. Verificadas as condições previstas no referido art.º89°- A da LGT, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados ou neste caso, a ausência de rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo (n°3 do artº 89°-A da LGT).
6. Assim, foi o sujeito passivo notificado, através do ofício nº 18929, datado de 2012/03/02, para esclarecer, a proveniência dos valores que possibilitaram a aquisição do referido imóvel - anexo 3.
7. Analisada a resposta do sujeito passivo verifica-se que o mesmo veio alegar a sua qualidade de não residente e para o efeito juntou (i) cópia da autorização de permanência, válida de 16 de Março de 1999 a 16 de Março de 2000, emitida pela República da Costa do Marfim, (ti) cópia de certificado de residência emitido pela República da Costa do Marfim, em 16 de Março de 2012, a atestar que o sujeito passivo reside em Abidjan-Plateau desde o ano de 2000, (iii) cópia de documento emitido no dia 18 de Setembro de 2002 pela sociedade «Atlantic, SA» sedeada em Abidjan, a solicitar a prestação de serviços do sujeito passivo, (iv) cópia de atestado de inexistência de dívidas do sujeito passivo à Direcção Geral do Tesouro da República da Costa de Marfim e (v) cópia do atestado de inexistência de dívidas da sociedade «………., SA» à Direcção Geral do Tesouro da República da Costa do Marfim -anexos 4, 5 e 6.
8. Sucede que, sem prejuízo dos documentos apresentados pelo sujeito passivo, dos quais apenas se admite que a cópia do certificado de residência poderia levar à prova de que o sujeito passivo reside na República da Costa do Marfim desde o ano de 2000, a verdade é que mesmo assim não se poderá concluir pela qualificação do sujeito passivo como não residente, conforme alega o mesmo, uma vez que tal entendimento não coincide com o previsto no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).
9. Efectivamente, prevê a alínea a) do n°1 do art.16° do CIRS que são residentes em território português as pessoas que, no ano em causa, hajam permanecido no território nacional mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, acrescentando ainda a alínea b) do mesmo normativo que, ainda que a permanência seja inferior aos 183 dias, serão consideradas como residentes desde que disponham de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.
10. Aliás o Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 7 de fevereiro de 2012, no âmbito do processo 05350/12 refere que «obviamente, nada impede as pessoas, no exercício das suas liberdades cívicas, de fixarem residência em mais que um local...», pelo que não se pode deixar de concluir que a aplicação da alínea b) do n°1 do art.16° do CIRS não é incompatível com a circunstância de o sujeito passivo também residir na República da Costa do Marfim durante alguns períodos, inclusive por períodos superiores a 183 dias seguidos ou interpolados.
11. Face ao exposto e tendo em conta as consultas efectuadas ao sistema informático da AT, foi possível apurar que no ano em análise o sujeito passivo era proprietário de três artigos matriciais afectos à habitação, nomeadamente o artigo matricial urbano n°…………, da freguesia de ……………, concelho de Seixal, o artigo matricial urbano n° ………., também da freguesia de …………, concelho de Seixal e o artigo matricial urbano n°………., fracção ……, da freguesia de ……………., concelho de Louves - anexos 7, 8 e 9.
12. Acresce que, na data em causa, o sujeito passivo também era comproprietário de outros artigos matriciais urbanos, nomeadamente escritórios e lugares de estacionamento.
13. Inclusive, da análise ao anexo J/modelo 10 do ano de 2008 verificou-se a existência de rendimentos prediais, categoria F, pagos ao sujeito passivo no valor de 3 376,36 €-anexo 10.
14. Resultam também do anexo J/modelo 10, para o ano de 2008 - anexo 10 -rendimentos da categoria A, no montante de 5 964,00 € pagos pela sociedade «……………………………………, Lda» (NIF ……………..) da qual o sujeito passivo era e é sócio-gerente - anexo 11- o que evidencia que o sujeito passivo residia no território nacional com alguma habitualidade ainda que não o fizesse a tempo inteiro ou exclusivamente.
15. Para além do vindo de referir, foi ainda possível apurar outras ligações profissionais que demonstram que o sujeito passivo mantém e ocupa residência habitual em território nacional uma vez que, desde 21 de Novembro de 2008, exerce o cargo de Cônsul da República do Togo em Portugal - anexos 11 e 12 - o que por si só implica uma presença constante no território nacional e a intenção de assim permanecer.
16. Por último, da análise ao cadastro da AT, verificou-se que para o ano em causa (de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2008) o sujeito passivo tinha domicílio fiscal na Rua ………………, n°…., em Lisboa, morada que manteve até 7 de Maio de 2010, altura em que o sujeito passivo declarou que a sua morada fiscal era na Rua ……………, Lt2.04.01.a 1ºB, em Lisboa, situação que se manteve até 18 de Maio de 2012, data em que o sujeito passivo veio (i) declarar-se como residente no estrangeiro, (ii) nomeou representante fiscal e (iii) indicou como domicílio fiscal a Rua …………………………………., Urbanização …………., …………., em Vila Franca de Xira - anexos 13 e 14.
17. Desta foram, não se aceita o alegado pelo sujeito passivo, nomeadamente a sua qualificação como não residente, uma vez que se verificam os pressupostos previstos na alínea b) do n°1 do art.16° do CIRS, daí que, sendo o sujeito passivo qualificado como residente, então encontra-se sujeito à incidência do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, por aplicação do n°1 do art.13° do CIRS e obrigado à entrega da declaração de rendimentos prevista no art.57° do CIRS, pelo que não o tendo feito encontram-se assim reunidas as condições legais para, de acordo com o estipulado no n°1 e nº4 do art.89°-A da LGT, se proceder à fixação do rendimento tributável por métodos indirectos.
V. CRITÉRIOS E CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
1.Pelos motivos expostos no capítulo anterior e de acordo com o n°4 do art.89°-A da LGT, o rendimento colectável a considerar no ano em análise é:
Ano de realização Rendimento padrão Rendimento líquido declarado Incremento patrimonial Categoria G
2008 61 302,20 € 0,00 € 61 302,20 €
2. Para obstar ao procedimento de fixação, pode o sujeito passivo, fazer prova, nos termos do nº3 do artº89.°-A da LGT, de que a ausência de valores declarados corresponde à verdadeira situação fiscal do mesmo e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, não tendo o sujeito passivo prestado esclarecimentos quanto à origem dos rendimentos aplicados na aquisição do imóvel.
3. Assim procede-se afixação do rendimento tributável, de acordo com o disposto no artº 89.°- A da LGT, para o ano de 2008, no montante de 61 302,20 €, o qual de acordo com a alínea d) do nº1 do art.9° do CIRS e n°4 do art.89.°- A da LGT, será considerado rendimento da categoria G.
Exercício 2008
Rendimento global apurado nos termos do art. 89.°- A - Categoria G 61 302,20 €
Rendimento global declarado 0,00 €
Correcção ao Rendimento 61 302,20 €
(...)
VIII. 3 Conclusão
(...) Assim, dos elementos que já constam do Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção, é fácil concluir que se verificam os pressupostos necessários à aplicação da alínea b) do n°1 do art.16° do CIRS, nomeadamente (i) a titularidade de vasto património predial em 31 de Dezembro de 2008 do qual se destacam os imóveis afectos à habitação e identificados nos anexos 7, 8 e 9 (ii) a intenção de manter habitação que se retira da própria aquisição que deu origem à manifestação de fortuna e que se confirma com o decurso do tempo uma vez que o sujeito passivo tem consolidado e, inclusive reforçado, o seu património predial desde o ano em causa até à presente data (cfr. capítulo 11.3) e, finalmente (iii) a intenção de ocupar como residência habitual revelada na circunstância de o sujeito passivo dispor no território português de diverso património imobiliário, património automóvel, aqui exercer cargos de gerência e, inclusive aqui exercer o Cargo de Cônsul da República do Togo. (...) Face ao exposto, e atendendo a que o sujeito passivo é considerado residente em território português e não fez prova da origem dos rendimentos que permitiram a aquisição do imóvel em causa, mantém-se as correcções propostas no Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção com a finalidade de tributar o rendimento padrão evidenciado pelas manifestações de fortuna, integrando-o na categoria G de rendimentos sujeitos a IRS, porquanto o sujeito passivo, no exercício do direito de audição, nos termos e para os efeitos do art.60° da Lei Geral Tributária, não comprovou que os rendimentos que permitiram a aquisição do imóvel não eram rendimentos susceptíveis de serem declarados e não se aceita o alegado pelo sujeito passivo, nomeadamente a sua qualificação como não residente, uma vez que se verificam os pressupostos previstos na alínea b) do n°1 do artº16° do CIRS, daí que sendo o sujeito passivo qualificado como residente, então encontra-se sujeito à incidência do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, por aplicação do nº1 do artº13.° do CIRS e obrigado à entrega da declaração de rendimentos prevista no art. 57° do CIRS, pelo que não o tendo feito encontram-se assim reunidas as condições legais para, de acordo com o estipulado no nº1 e nº4 do artº89°-A da LGT, se proceder afixação do rendimento tributável por métodos indirectos.

Consequentemente, procede-se afixação do rendimento colectável para o ano de 2008 no montante de € 61 302,20." - cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 6 a 10 do processo administrativo apenso;

I) O Director de Finanças de Lisboa tendo por fundamento os pareceres e o relatório de inspecção, referido em H, proferiu despacho, em 12/09/2012, fixando o rendimento colectável do Recorrente, em sede de IRS, relativo ao ano de 2008, "nos termos do n°4 do art. 89° A da LGT, conjugado com a alínea d) do n°1 do art.9° do CIRS" - cfr. despacho a fls. 2 do processo administrativo apenso;

J) Em 20/09/2008, o Reclamante foi notificado da decisão do Exmo. Director de Finanças de Lisboa, de fixação do rendimento tributável no montante de € 61 302,20, no ano de 2008, a ser considerado como rendimento da categoria G, por aplicação de avaliação indirecta, por manifestações de fortuna, nos termos do artigo 89° -A da Lei Geral Tributária (LGT), com o seguinte teor:

ASSUNTO: Manifestações de fortuna - IRS de 2008 - Avaliação Indirecta Notificação do Relatório de Inspecção

1. Fica V. Exa. por este meio notificado, de harmonia com o disposto do art.°77 da Lei Geral Tributária (LGT) e do art.°62° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) das correcções resultantes da acção de inspecção, cujo Relatório/Conclusões, se anexa como parte integrante da presente notificação, da decisão de aplicação de métodos indirectos para determinação do rendimento sujeito a IRS respeitante ao ano de 2008, nos termos a seguir descritos:

a) De acordo com o estabelecido na al. d) do n°1 do Art°87° e no n°1 do Art°89° - A da LGT, há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável, quando falte a declaração de rendimentos ou os rendimentos declarados para efeitos de IRS manifestem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão apurado nos termos da tabela a que se refere o n°4 do mencionado artigo 89° - A;

b) Com respeito ao ano 2008 não foi apresentada declaração de rendimentos para efeitos de IRS.

c) No ano de 2008 apurou-se que o(s) sujeito(s) passivo(s), adquiriu um imóvel no montante de €306.511,00, de valor superior a € 250.000,00, correspondendo a um rendimento padrão de €61.302,20 (€ 306.511,00 X 0,2), não tendo sido declarado qualquer rendimento pelo sujeito passivo;

d) Assim, encontram-se reunidas as condições legais para, com base no n°4 do citado Art°89°-A e na al. d) do n°1 do Art°9° do Código do IRS, se proceder à fixação do rendimento tributável no ano de 2008, no montante de € 61.302,20 a ser considerado como rendimento da categoria G - Incrementos Patrimoniais.

2. De harmonia com o estabelecido nos n°1, 5 e 6 do art°60 da Lei Geral Tributária e no art°45°do Código de Procedimento e de Processo Tributário e art°60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, foi V. Exa notificado (a) através do ofício n°062620 de 2012/08/07 desta Direcção de Finanças, para nos termos do n°3 do artº 89-A da LGT, V.Exa., obstar ao procedimento de fixação desse rendimento tributável, fazendo prova de que corresponde à realidade a sua situação tributária, e fazendo prova de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas.

3. Assim, porque no decurso do procedimento inspectivo não fez prova exigida no ponto anterior, procedeu-se à fixação do rendimento tributável no montante € 61.302,20 no ano 2008 a ser considerado como rendimento da categoria G.

4. A decisão de avaliação indirecta tem por base os factos, motivos e fundamentos constantes do Relatório/ Conclusões, tendo os valores sido fixados de acordo com os critérios e cálculos mencionados no referido Relatório.

5. Poderá V. Exa interpor recurso para Tribunal Tributário da área do seu domicílio fiscal, a apresentar no prazo de 10 (dez) dias, a contar da data da notificação, nos termos do n°7 do art°89° - A da LGT.


K) Em 02/10/2012, foram apresentados os presentes autos de reclamação contra a decisão referida em J - cfr. carimbo a fls. 2 e fls. 2 a 12;

L) O Recorrente reside desde o ano de 2000, na República da Costa do Marfim -cfr. cópia da autorização de permanência na República da Costa do Marfim válida até Março de 2000 e cópia do certificado de residência, ambas emitidas pela República da Costa do Marfim e cópia de atestado de inexistência de dívidas à Direcção-Geral do Tesouro da Costa do Marfim - cfr. fls. 35 a 40;

M) O Recorrente desloca-se a vários países, nomeadamente, a Alemanha, Angola, África do Sul, Costa do Marfim, Itália, no âmbito da sua actividade profissional - cfr. depoimento das três testemunhas (amigos do Recorrente);

N) O Recorrente desloca-se, três, quatro ou cinco vezes por ano, a Portugal - cfr. depoimento das testemunhas;

O) O Recorrente é proprietário de doze imóveis em Portugal, sendo uns destinados a habitação e outros, a comércio ou serviços - cfr. relatório de inspecção de fls. 6 a 10 do processo administrativo apenso;

P) Em 21/11/2008, o Recorrente foi nomeado para exercer em Portugal, o cargo de Cônsul Honorário da República do Togo - cfr. fls. 52;

Q) Em 18/05/2012, o Recorrente declarou-se não residente e nomeou representante fiscal em Portugal, o Sr. Miguel …………………… - cfr. fls. 24 do processo administrativo apenso;

R) O Recorrente é titular do cartão de eleitor n°G ………., da freguesia de ……………………………., no Concelho de Lisboa - cfr. fls. 94;

S) O Recorrente é titular do cartão de cidadão português n°…………..., válido até 24/04/2015 – cfr. fls. 28 verso do processo administrativo apenso;

T) O Recorrente tem registado em seu nome os veículos:
Mercedes-Benz 245, com a matrícula …………….. do ano de 2010,
Audi, Modelo A4 Cabriolei (8H), com a matrícula ……………, do ano de 2003 e
BMW, modelo R12T (R1200RT), com a matrícula ……………, do ano de 2005 - cfr. relatório de inspecção a fls. 6 do processo administrativo apenso;

U) O Recorrente tem registado em seu nome, a embarcação de recreio com matrícula ……………., do ano de 2009 - cfr. relatório de inspecção a fls. 6 do processo administrativo apenso;


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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

V) O Recorrente não reside em Portugal, desde o ano de 2000.

Em sede de fundamentação da matéria de facto consignou-se o seguinte:

Considero provados os factos M e N, atendendo ao teor do depoimento das três testemunhas arroladas, amigos do Recorrente de longa data e que convenceram o Tribunal da sua credibilidade. Considero provados os demais factos atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório.
Considero não provado o facto V, de que o Recorrente não reside em Portugal desde o ano de 2000, atendendo ao depoimento das testemunhas e ao conjunto dos factos dados por provados nas alíneas anteriores.
A primeira testemunha, o Dr. Augusto …………………………., disse em Tribunal que é amigo do Recorrente e que o conhece desde os cinco anos de idade. Alegou que o Recorrente tem negócios em vários sítios da Europa e "anda cá e lá. (.. .)Tanto quanto eu sei a partir de 2010 e 2011 tem estado mais em Portugal (...) O Recorrente falava de Angola, África do Sul, América, Alemanha e Costa do Marfim. Declarou não saber quanto tempo estava o Recorrente em Portugal e que este era Cônsul de Portugal no Togo. Declarou: "Penso que toda a carreira dele é fora de Portugal. (...) Falava com ele telefonicamente e encontrava-o cá de vez em quando. É minha convicção que passava a maior parte do tempo fora de Portugal".
A segunda testemunha, o Dr. José …………………………………., afirmou ser amigo do Recorrente conhecendo-o há mais de trinta anos. Declarou que o Recorrente começou a estar em Portugal mais tempo, a partir do ano de 2011. Que lhe telefonava e o Recorrente não estava em Portugal mas sim em África, Alemanha, Angola. Encontrava-se com ele mas, não com muita regularidade. Afirmou que o Recorrente sempre foi uma pessoa muito activa, investe as suas poupanças, pensa que tem imóveis em Portugal para venda e para arrendamento. Afirmou "Acho que também tinha interesses económicos em Portugal". Declarou que sabe que o Recorrente não estava cá, porém, não sabe onde o Recorrente estava mais tempo.
A terceira testemunha, o Dr. Jorge ………………………………………… afirmou ter uma relação de amizade com o Recorrente; Afirmou que "o Recorrente tem interesses em África, Alemanha, Itália tanto quanto eu sei. (...) Vida centrada em negócios ligados a África, Angola e é Cônsul Honorário da Costa do Marfim (...) actividade profissional essencialmente fora de Portugal." Vinha a Portugal, três a quatro vezes por ano. Declarou não saber aonde era a residência do Recorrente. Pensa que era no Togo. Declarou ainda que o Recorrente "Arrenda, faz negócios com pessoas que passam cá temporadas. Pelo que, ele não tem poiso certo, fixo cá em Portugal".
O depoimento das três testemunhas, amigos de longa data do Recorrente, convenceu o Tribunal da sua veracidade. Pois, apesar de amigos do Recorrente, não sabem aonde reside habitualmente o Recorrente. Afirmaram que têm convicção, ou que pensam que o Recorrente tem interesses económicos em Portugal, mas nada disseram, aonde mora habitualmente, aonde está centrada a sua vida e sede dos seus negócios.

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II.2. De Direito

Como resulta da materialidade que deixamos exposta e da questão enunciada como pertinentemente suscitada nas alegações do recurso apresentado, a questão fundamental a decidir é a de saber se, em 2008, o recorrente era residente em território nacional, nos termos previstos na alínea b) do nº 1, do art. 16º do CIRS, e consequentemente, pode ser tributado no âmbito do disposto no art. 89º-A da LGT.

Atentas as conclusões das alegações delimitadoras do objecto do recurso e ressalvando-se as questões que sejam de conhecimento oficioso (cfr. art. 639º do CPC, actual), temos que o recorrente se insurge, fundamentalmente, contra o decidido no entendimento de que no caso em apreço, houve erro no julgamento quando a sentença considerou o aqui recorrente como residente em território nacional em 2008, nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 16º do CIRS e quando considerou que apenas cabia ao recorrente fazer prova quanto à fonte das manifestações de fortuna nos termos do nº 3 do art. 89º-A da LGT, partindo do pressuposto que este era em 2008 sujeito passivo de IRS residente em território nacional. Pelo que a decisão recorrida deve ser substituída por outra que dê provimento à pretensão do recorrente e anule a fixação do rendimento tributável de IRS do ano de 2008 por avaliação indirecta que lhe foi feita nos termos do artigo 89º-A da LGT.

Vejamos.

A denominada Lei de Reforma da Tributação do Rendimento (cfr. Lei 30-G/2000, de 29/12) veio, no capítulo relativo às medidas de combate à evasão e fraude fiscais, introduzir uma importante alteração nas regras relativas ao ónus da prova e à possibilidade de recurso a métodos indirectos na determinação da matéria tributável (cfr. A Reforma Fiscal Inadiável, J. Pina Moura e R. Sá Fernandes, Revista Fisco, ano XII, nºs.95/96, Abril de 2001, pág.23 a 25).

O referido diploma excluiu da presunção de veracidade das declarações do contribuinte os casos em que os rendimentos declarados para efeitos de I.R.S. se revelem desproporcionados, para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento indiciados por determinadas manifestações de fortuna. Com o aditamento à L. G. Tributária da al.d), do nº.2, do artº.75, e do artº.89-A, efectuado pela Lei 30-G/2000, de 29/12, o legislador consagrou uma nova situação em que cessa a presunção de veracidade da declaração do contribuinte: o de existirem manifestações de fortuna em desproporção com os rendimentos declarados, tudo nos termos previstos na lei (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6883/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/6/2014, proc.7727/14).

Na tributação com base nas mencionadas manifestações de fortuna, em sentido amplo, podem ser discernidas duas tipologias de situações:

a) A correspondente ao artº.87, nº.1, al.d), da L.G.T., que determina a possibilidade de avaliação indirecta quando “os rendimentos declarados em sede de I.R.S. se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artº.89-A”;

b) A constante da al.f), do nº.1, do artº.87, da L.G.T., segundo a qual é possível tal avaliação indirecta, quando haja “um acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”.

Verifica-se, pois, uma dualidade de situações: a da existência de manifestações de fortuna, em sentido estrito, às quais correspondem determinados rendimentos padrão (que é a situação dos presentes autos) e a da existência de incrementos patrimoniais ou despesa não justificados.

Revertendo ao caso dos autos, de acordo com a factualidade provada, e resumidamente, a decisão de avaliação da matéria tributável, de IRS, por método indirecto, para o ano de 2008, do, aqui, Recorrente, assentou na constatação, pelos serviços da Administração Tributária de que este não apresentou declaração anual de rendimentos e evidenciou uma manifestação de fortuna, das inscritas na tabela do n.º 4 do art. 89.º -A LGT, em concreto, a aquisição, no dia 24/04/2008, de imóvel pelo valor de € 306.511,00, ou seja, com valor de compra superior a € 250.000. Pelo que se encontram verificadas as condições para a avaliação indirecta da matéria colectável prevista no art. 89º-A, nºs 1 e 4 da LGT.

Nestes casos, cabe ao contribuinte a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas. Para o efeito, o contribuinte deve apresentar os respectivos elementos probatórios demonstrativos de que a fonte das manifestações de fortuna apresentadas não é constituída por rendimentos indevidamente não declarados, conforme se retira do disposto no artº.89-A, nº.3, da L.G.T., na redacção resultante da Lei 94/2009, de 1/9, a aplicável ao caso sub judice (cfr.artº.12, do C.Civil). Encontramo-nos perante regime dirigido à descoberta de rendimentos inominados sujeitos a I.R.S. Parte-se do consumo ou de aumentos de património evidenciados pelo sujeito passivo e de que a A. Fiscal tem conhecimento para a presunção de rendimentos que os sustentem (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/11/2012, rec.1197/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/01/2014, proc.7264/13; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.782 e seg.; João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, 2010, pág.299 e seg. e 310 e seg.; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.370 e seg.).

Para o visado, ora recorrente, não havia lugar à entrega da declaração em falta, em virtude de não ser residente em Portugal, durante o ano referenciado, não tendo qualquer obrigação de declarar rendimentos em Portugal, não lhe sendo aplicável o regime previsto no art. 89º-A da LGT.

Em face desta divergência, a sentença dirimiu, nos seguintes moldes:

«(…), Da prova produzida nos autos através do teor dos documentos juntos aos autos e do depoimento das três testemunhas, todos amigos do Recorrente, o Tribunal julgou como provado que o ora Recorrente tem residência em Portugal e noutro ou noutros países, tal como a Costa do Marfim. Nenhuma das três testemunhas arroladas, amigos de longa data do Recorrente, disse aonde morava o Recorrente, nem qual o país no qual o Recorrente centrava a sua actividade profissional ou pessoal. O Tribunal ficou convencido da veracidade do depoimento das testemunhas que não disseram onde morava com habitualidade o ora Recorrente, por o desconhecerem. Afirmaram que, o Recorrente andava cá e lá, não tinha poiso certo, tinham a convicção que tinha interesses em Portugal.
Pelo que, o Recorrente alegando que reside na Costa do Marfim, tal não é incompatível com a circunstância de também residir em Portugal e ser considerado como residente em território português, ainda que a permanência neste país seja inferior a 183 dias, desde que disponha em Portugal de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.
Resulta provado que, o Recorrente no ano de 2008 detinha vários imóveis em Portugal, veículos automóveis registados em Portugal, cartão de eleitor, cartão de cidadão e somente em 18/05/2012 é que se declarou como não residente nomeando representante fiscal em Portugal.
É o próprio Recorrente que, apesar de alegar que não reside em Portugal, indica que reside na "Rua …………………,……………, Expo, 1990-…… Lisboa", na resposta apresentada em 15/03/2012, ao pedido de esclarecimento da proveniência dos valores que possibilitaram a aquisição da fracção em 2008 (cfr. facto D).
Também resulta provado que, o Recorrente auferiu no ano de 2008, rendimentos prediais e rendimentos da categoria A pagos pela Sociedade …………………...., Lda (cfr. facto H).
Em 21/11/2008, o Recorrente foi nomeado para exercer em Portugal, o cargo de Cônsul Honorário da República do Togo.
Nos termos do «Manual do Diplomata Acreditado em Portugal» publicado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, o cônsul honorário deve residir na área para a qual é feita a sua nomeação. "O processo de nomeação e acreditação de cônsules honorários é iniciado pela Missão Diplomática que, através de nota verbal dirigida ao MNE, propõe o Cônsul Honorário. Nessa nota verbal deverão ser indicados o nome, a nacionalidade, a profissão, o endereço do indigitado e, ainda a área de jurisdição proposta que deverá corresponder a um ou mais distritos (...)
O (a) cônsul proposto(a) deve residir na área para a qual é feita a sua nomeação. Para exercer as funções de cônsul honorário podem ser indicados não só cidadãos de nacionalidade portuguesa, mas também elementos que sejam portadores de autorização de residência válida" (cfr. Manual do Diplomata Acreditado em Portugal, publicado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros - MNE disponível na internet no endereço: www.portugal.gov.pt/media/577285/manual do diplomata. pdf).

Em face de todos estes factos provados, não se pode considerar o Recorrente, no ano de 2008, como não residente em Portugal, nos termos do artigo 16º nº 1, alínea b) do CIRS.»


Vem o recorrente concluir que na sentença recorrida, atenta a matéria de facto assente e a dada como não provada, existe manifesta contradição entre os factos tidos como provados nas alíneas L) M) e N) e o facto julgado não provado na alínea V). Com efeito, o facto considerado provado na alínea L) de que o recorrente reside desde o ano de 2000 na República da Costa do Marfim é manifestamente contraditório com o facto julgado não provado de que o recorrente não reside em Portugal desde o ano de 2000.

Não assiste razão ao recorrente.
São factos distintos e não contraditórios.
Sobre um, considerado provado, recaiu um juízo de valor positivo, sobre o outro, dado por não comprovado, recaiu um juízo de valor negativo, pelo que do seu confronto não decorre a susceptibilidade de se anularem entre si.
Sobre estes factos veja-se o que foi escrito na sentença recorrida:
“(…) o Tribunal julgou como provado que o ora Recorrente tem residência em Portugal e noutro ou noutros países, tal como a Costa do Marfim. (…) Pelo que, o Recorrente alegando que reside na Costa do Marfim, tal não é incompatível com a circunstância de também residir em Portugal e ser considerado como residente em território português, ainda que a permanência neste país seja inferior a 183 dias, desde que disponha em Portugal de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.”

Acresce que, conforme douto parecer da Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, “(…) o facto de o recorrente alegar de que reside no estrangeiro – Costa do Marfim, não significa que não possa ter sido residente em Portugal durante o mesmo período. Só assim não aconteceria se as normas sobre a qualificação da residência fossem as mesmas em Portugal e na Costa do Marfim e que fossem as mesmas entidades que as interpretassem e aplicassem. Mesmo que a Costa do Marfim considerasse o recorrente fiscalmente aí residente no ano de 2008, as autoridades fiscais portuguesas, não estão vinculadas a qualifica-lo como não residente em Portugal no período em causa.”

Sendo, como resulta deste enquadramento jurídico, nuclear o aspecto da residência do recorrente, para efeitos fiscais (e não quaisquer outros), em particular, no campo da incidência pessoal do IRS, respeitante ao ano de 2008, o tribunal recorrido julgou não provado o facto de que aquele, então, não residia em Portugal e justificou a formação da sua convicção, conforme supra indicado. Ora, não podemos deixar de acolher esta valoração de todos os elementos de prova disponíveis. Até porque nada impede as pessoas, no exercício das suas liberdades cívicas, de fixarem residência em mais que um local.

Tendo em conta todo o supra exposto, e considerando que o recorrente apesar de alegar que não reside em Portugal adquiriu um imóvel em Portugal e indica que reside na "Rua …………….., …………………, Expo, 1990-…… Lisboa", na resposta apresentada em 15/03/2012, ao pedido de esclarecimento da proveniência dos valores que possibilitaram a aquisição da fracção em 2008 (cfr. facto D do probatório), concluímos que o recorrente era, para efeitos fiscais, residente em Portugal no ano de 2008, nos termos da alínea b) do nº 1, do art. 16º do CIRS e, nessa medida, era sujeito passivo de IRS pela totalidade dos seus rendimentos, pelo que, atento o disposto no artigo 57º nº 1 do CIRS, encontrava-se obrigado a apresentar a declaração de rendimentos relativa ao referido ano, pelo que não o tendo feito encontram-se reunidas as condições legais para, de acordo com o estipulado no nº 1 e nº 4 do art. 89º-A da LGT, se proceder à fixação do rendimento tributável por métodos indirectos.

Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Registe e Notifique

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2015

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[Lurdes Toscano]

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[Ana Pinhol]

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[Jorge Cortês]