Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:160/13.0BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:11/25/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:FALTA DE NOTIFICAÇÃO
INEXIGIBILIDADE
Sumário:I. A falta de notificação do ato que corporiza a dívida que dará origem à dívida exequenda é fundamento de oposição à execução fiscal, comportando a inexigibilidade da dívida exequenda por ineficácia do ato.

II. Os elementos constantes do sistema informático interno da AT não são suficientes para efeitos de prova da efetivação da notificação, dado ser fundamental a existência de um elemento de origem externa que prove a expedição.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

A Herança Indivisa de J. C. (doravante Recorrente ou Oponente) veio apresentar recurso da sentença proferida a 28.11.2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, na qual foi julgada improcedente a oposição por si apresentada, ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 1139-2007/01039962 e apensos, que o Serviço de Finanças (SF) de Faro moveu a J. C., por reversão de dívida de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), do exercício de 2004, da devedora originária A. – U., Lda. (ulteriormente com a designação social V. – S., Lda).

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1.ª A douta sentença recorrida julgou improcedente a oposição judicial deduzida na sequência da citação, por reversão, da Oponente, ora Recorrente, para o processo de execução fiscal n.º 1139200701039962 instaurado para cobrança coerciva de uma dívida de IRC do exercício de 2004, no qual é devedora originária a sociedade V.;

2.ª Desde logo, considera a Recorrente que o Tribunal a quo não procedeu a uma análise crítica da prova produzida, circunstância que inquina a sentença recorrida de nulidade por falta de fundamentação de facto, nos termos do disposto nos artigos 123.º, n.º 2 e 125.º, ambos do CPPT e dos artigos 154.º e 607.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º do CPPT;

3.ª Com efeito, entende a Recorrente que o depoimento da testemunha I. S. não foi completamente valorado;

4.ª Já no que concerne ao depoimento da testemunha A. T., este não é sequer mencionado na sentença recorrida, tal como não são mencionados os documentos juntos aos autos pela Recorrente com a apresentação das alegações escritas;

5.ª E, assim, a Recorrente não consegue aferir se o Tribunal a quo pura e simplesmente considerou que os factos alegados e sobre os quais recaiu o depoimento das testemunhas e a junção dos documentos não foram provados ou se nem sequer chegou a formular um juízo probatório sobre os mesmos;

6.ª Por esta razão, conclui-se que a sentença recorrida padece de manifesta nulidade por falta de fundamentação de facto decorrente da falta de apreciação crítica das provas, pelo que, com este fundamento, deve ser anulada;

7.ª Acresce, neste ponto, que por força do disposto no artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT, o Tribunal ad quem, para reapreciar a matéria de facto provinda da 1.ª instância, caso entenda que dispõe dos elementos de prova necessários, deve conhecer no mesmo acórdão que revoga a decisão recorrida a questão objeto de recurso;

8.ª Alternativamente, caso considere que a decisão recorrida é omissa / deficiente em sede de probatório quanto à matéria de facto (provada ou não provada), deve ordenar a remessa dos autos ao Tribunal a quo para que, então, fixando novo probatório, emita nova decisão;

9.ª Sem prejuízo do exposto, sempre seria de anular a sentença recorrida com fundamento em erro de julgamento da matéria de facto decorrente, por um lado, da errada apreciação da prova produzida e, por outro lado, da insuficiência da matéria de facto;

10.ª O Tribunal a quo deu como provado no ponto 8 que “Em 25 de Outubro de 2007, aquela liquidação foi enviada pela Administração, sob registo, para a R. A., lote 1, r/c d. – 8.-4. T., ao cuidado de A. – U., Lda.” e no ponto 12 que “A partir de 2008, J. C. passou a privilegiar os créditos dos trabalhadores aos dos restantes credores.” (cf. páginas 5 e 6 da sentença recorrida);

11.ª Todavia, da prova produzida nos presentes autos, não podia o Tribunal a quo dar como provados os factos constantes dos pontos 8 e 12 do probatório da sentença recorrida que, por esta razão, se impugnam;

12.ª No que se refere ao ponto 8 do probatório da sentença recorrida, o Tribunal a quo baseou a sua convicção em meros prints informativos do sistema informático da administração tributária, os quais, como tem vindo a ser unanimemente sufragado pela jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais, não são suficientes para se mostrar cumprido o ónus da prova que incide sobre a administração tributária (cf., neste sentido, acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 27.02.2014, proferido no processo n.º 00076/11.5BEPRT);

13.ª O Tribunal a quo baseou ainda a sua convicção na cópia de uma guia de expedição emitida pelos CTT – Correios de Portugal, S.A., em 25.10.2007, a qual não pode ser considerada suficiente para este efeito porquanto não indica o número do registo postal que, segundo alega a administração tributária, acompanhou o envio daquela liquidação de imposto;

14.ª Deste modo, o Tribunal a quo devia ter dado como provado que: Aquela liquidação de IRC não foi enviada para a sociedade A. – U., Lda.;

15.ª No que se refere ao ponto 12 do probatório da sentença recorrida, importa notar que a testemunha I. S. quando questionada a respeito de eventuais atrasos ou falta de pagamentos de salários referiu que “Os salários nunca chegaram a atrasar completamente porque o senhor C. tinha uma coisa, podia estar endividado mas os salários nunca iam faltar até àquele momento. Ele pagava sempre. Podia ter havia ali um mês, dois, três, mas nada de especial. Depois ele recuperava e pagava.” (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha I. S., minuto 14, segundo 50), pelo que não é possível extrair deste depoimento que o gerente J. C. a partir de 2008 “(…) passou a privilegiar os créditos dos trabalhadores aos dos restantes credores. (…)” (cf. ponto 8 do probatório da sentença recorrida);

16.ª Assim, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que: O gerente J. C. procedeu sempre ao pagamento dos salários dos trabalhadores ainda que, pontualmente, se registassem alguns atrasos.

17.ª Entende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu ainda em erro de julgamento da matéria de facto decorrente da insuficiência da matéria de facto;

18.ª Com efeito, tendo por base o depoimento das testemunhas, bem como os documentos juntos aos autos com as alegações escritas, considera a Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter dado por provada a seguinte factualidade:

a) No ano de 2009 tem início uma crise do sector imobiliário (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha A. T., minuto 8, segundo 00);

b) A crise do sector imobiliário refletiu-se de imediato na atividade da V., designadamente ao nível das vendas de imóveis (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha I. S., minuto 16, segundo 30);

c) O gerente J. C. operava no ramo da construção e da compra e venda de imóveis há muitos anos, dispondo de uma vasta experiência nesta atividade (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha A. T., minuto 7, segundo 30);

d) Após 2009, registavam-se, por vezes, atrasos pontuais nos pagamentos, designadamente à administração tributária, os quais eram motivados por problemas de tesouraria causados pela referida crise no sector imobiliário (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha I. S., minuto 16, segundo 13);

e) Tendo em vista o pagamento das dívidas, designadamente à administração tributária, foram alienados alguns imóveis a preços próximos do valor mínimo de mercado, negócios que obedeceram sempre às condições mínimas de mercado (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha I. S., minuto 18, segundo 54);

f) A insolvência da V. foi qualificada como fortuita, uma vez que que as dificuldades económicas por que passava a sociedade foram motivadas pela conjuntura económica (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha A. T., minuto 9, segundo 10);

n) No âmbito do processo de insolvência foram apreendidos bens imóveis no valor total de € 3.697.970,11, como se enuncia infra (cf. doc. n.º 1 e junto aos autos com as alegações escritas):

Imagem: Original nos autos

g) Foram ainda apreendidos bens móveis no valor total de € 975,00 (cf. doc. n.º 2 junto aos autos com as alegações escritas);

h) No âmbito do processo de insolvência foram reclamados créditos no montante de € 793.380,69 (cf. doc. n.º 3 junto aos autos com as alegações escritas);

i) A administração tributária reclamou cerca de € 612.000,00 referente a créditos de IMI, IMT, IVA e IRC (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha A. T., minuto 3, segundo 25);

j) Em abril de 2014 a conta bancária da massa insolvente tinha um saldo de cerca de € 615.000,00 (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha A. T., minuto 4, segundo 04);

k) No que se refere aos créditos garantidos e privilegiados – IMI –, a administração tributária receberá a totalidade do montante reclamado (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha A. T., minuto 4, segundo 04);

l) No que se refere aos créditos comuns, a administração tributária receberá, pelo menos, grande parte do montante reclamado (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha A. T., minuto 4, segundo 13).

19.ª Acresce que, admitindo-se que de acordo com o entendimento desse Ilustre Tribunal não constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão proferida e que permitam a esse Ilustre Tribunal a reapreciação da matéria de facto, sempre se impõe no caso sub judice que os autos baixem à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto;

20.ª Efetivamente, face ao disposto no artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT, o Tribunal ad quem, para reapreciar a matéria de facto provinda da 1.ª instância, caso entenda que dispõe dos elementos de prova necessários, deve conhecer no mesmo acórdão que revoga a decisão recorrida a questão objeto de recurso.

21.ª Alternativamente, caso considere que a decisão recorrida é omissa / deficiente em sede de probatório quanto à matéria de facto (provada ou não provada), deve ordenar a remessa dos autos ao Tribunal a quo para que, então, fixando novo probatório, emita nova decisão;

22.ª Sem prejuízo do acima exposto, importa referir que a sentença recorrida incorre também em erro de julgamento da matéria de direito;

23.ª No que concerne à falta de fundamentação do despacho de reversão considerou o Tribunal a quo que este vício não se verifica porquanto a administração tributária fundamentou a reversão em apreço na circunstância de a V. ter sido declarada insolvente;

24.ª Todavia, tal entendimento é manifestamente improcedente;

25.ª Com efeito, resulta do disposto no artigo 268.º da CRP, 36.º, n.º 1 do CPPT, 77.º, n.º 2 da LGT, 23.º, n.º 4 da LGT, 124.º e 125.º do CPA, que na decisão de efetivação da responsabilidade subsidiária a administração tributária deve enunciar de forma clara, congruente, suficiente e expressa os pressupostos em que assenta o seu direito à reversão;

26.ª A doutrina e a jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais têm defendido que o dever de fundamentação das decisões de reversão é, aliás, um dever qualificado;

27.ª Por esta razão, não pode ter-se por fundamentado o despacho de reversão em apreço, quando a administração tributária se limita a aludir à insolvência da devedora originária;

28.ª O Tribunal a quo considerou improcedente a argumentação aduzida pela Recorrente quanto à inexigibilidade da dívida exequenda, porquanto presumiu que a liquidação de IRC foi notificada à sociedade em 29.10.2007;

29.ª Todavia, tendo em consideração que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto quando deu como provado que a liquidação foi enviada em 25.10.2007, não pode pois operar a presunção de notificação prevista no artigo 39.º, n.º 1 do CPPT;

30.ª Com efeito, para que aquela presunção de notificação opere é necessário que a administração tributária demonstre a efetivação da notificação, o que, não sucedeu;

31.ª E, por esta razão, não pode concluir-se, como pretende o Tribunal a quo que liquidação se presume notificada em 29.10.2007;

32.ª Nestes termos, sendo pois inequívoco que a liquidação de IRC em apreço não foi notificada à V., a dívida exequenda não é exigível à ora Recorrente;

33.ª O Tribunal a quo considerou que a administração tributária, ao fundamentar a reversão da execução fiscal na insolvência da V., cumpriu o ónus da prova da inexistência de bens penhoráveis do devedor originário;

34.ª Todavia, como tem vindo a ser entendido pela doutrina a mera alusão à situação de insolvência do devedor originário não é suficiente para que se considere cumprido aquele ónus;

35.ª Pelo que se conclui que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito;

36.ª Na sentença recorrida, o Tribunal a quo considerou ainda que a Recorrente não logrou demonstrar que a falta de pagamento da dívida exequenda não é imputável ao gerente J. C.;

37.ª Todavia, não pode a Recorrente manifestamente conformar-se com este entendimento, visto que carreou para os presentes autos prova suficiente e capaz de demonstrar que o não pagamento da dívida exequenda não foi imputável ao gerente J. C.;

38.ª De facto, como se extrai do depoimento da testemunha I. S. o gerente J. C. envidou esforços no sentido do pagamento da dívida exequenda, tendo, aliás, requerido o pagamento em prestações;

39.ª O gerente J. C. diligenciou no sentido do cumprimento do plano de pagamento em prestações;

40.ª Contudo, por falta de liquidez da sociedade V., provocada pela crise económica que abalou a atividade da sociedade, nem sempre foi possível ao gerente J. C. cumprir atempadamente com o pagamento de todas as prestações;

41.ª Acresce que, a V. tinha um vasto património imobiliário, tendo no âmbito do processo de insolvência sido apreendido património imobiliário no valor total de € 3.697.970,11 (cf. doc. n.º 1 junto com as alegações escritas);

42.ª Património este que, por força da crise a sociedade não conseguia vender para gerar liquidez;

43.ª Assim, conclui-se que a Recorrente demonstrou amplamente nos presentes autos que o não pagamento da dívida exequenda não é imputável ao gerente J. C.;

44.ª Acresce que, contrariamente ao decidido pelo Tribual a quo, à circunstância de o gerente J. C. não ter apresentado a sociedade à insolvência não pode ser assacado um qualquer juízo de censurabilidade para efeitos de efetivação da responsabilidade subsidiária;

45.ª Desde logo, porque contrariamente ao entendimento vertido na sentença recorrida, até ao óbito do gerente J. C., a V. não se encontrava em situação de insolvência;

46.ª E, a insolvência da sociedade foi considerada fortuita;

47.ª Nestes termos, conclui-se que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser julgado procedente o presente recurso;

48.ª Considera, por fim, a Recorrente que se verifica uma nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, uma vez que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o incumprimento pela administração tributária do ónus da prova da inexistência / insuficiência de bens penhoráveis do devedor originário;

49.ª Caso se entenda, porém, que o Tribunal a quo se pronunciou sobre esta questão, sempre se dirá que verifica erro de julgamento;

50.ª Nos termos dos artigos 23.º, n.º 2, da LGT e 153.º, n.º 2, do CPPT a efetivação da responsabilidade subsidiária depende da insuficiência de bens do devedor originário;

51.ª Ora, este pressuposto do direito à reversão pela administração tributária, tem de ser por esta alegado e provado, conforme resulta do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, não sendo suficiente a mera referência à situação de insolvência do devedor originário, como, aliás, tem vindo a ser defendido pela doutrina;

52.ª Deste modo, conclui-se que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, razão pela qual não pode a sentença recorrida deixar de ser revogada.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, julgada procedente a oposição judicial, assim se cumprindo com o DIREITO e a

JUSTIÇA!”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) A sentença é nula, por falta de fundamentação, em virtude de o Tribunal a quo não ter procedido a uma análise crítica da prova produzida?

b) A decisão recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto decorrente, por um lado, da errada apreciação da prova produzida e, por outro lado, da insuficiência da matéria de facto?

c) A sentença recorrida incorre em erro de julgamento da matéria de direito, em virtude de o despacho de reversão padecer de falta de fundamentação?

d) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que não pode operar a presunção de notificação da liquidação?

e) Há erro de julgamento, na medida em que a administração tributária (AT) não cumpriu o ónus da prova da inexistência de bens penhoráveis da devedora originária?

f) Verifica-se erro de julgamento, dado ter ficado demonstrado que a falta de pagamento da dívida exequenda não era imputável ao gerente J. C.?

g) Verifica-se nulidade, por omissão de pronúncia, uma vez que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o incumprimento pela AT do ónus da prova da inexistência / insuficiência de bens penhoráveis da devedora originária?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“ 1.

Em 17 de Janeiro de 2013, o Processo de Execução Fiscal n.º 1139-2007/01039962 e outros, instaurados no Serviço de Finanças de Tavira contra V. – S., Lda., reverteu contra J. C. – cfr. fls. 90-90v do apenso.


2.

O despacho referido no ponto anterior, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tem, no que ora interessa, o seguinte teor:

“DESPACHO

Tendo em conta o direito de audição e a informação que antecede, verifica-se o seguinte:

Contra a executada V. S. Lda, (…) foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 1139200701039962, por dívida de IRC do ano de 2004, no valor de € 494.359,58.

Compulsado o processo de execução fiscal, verifica-se que foram efectuados vários pagamentos por conta e que foram agendadas as vendas a seguir indicadas, resultantes dos prédios penhorados livre de quaisquer ónus ou encargos, conforme se discrimina (…).

As vendas antes identificadas encontram-se suspensas conforme despacho de 23/08/2011, até à decisão do processo de insolvência n.º 1031/11.0TYLSB.

A executada apresentou-se à insolvência, alegando encontrar-se impossibilitada de cumprir as obrigações vencidas.

Consultado o relatório de insolvência, verifica-se na sua fundamentação de facto, nos seus pontos 3 a 5, que durante os exercícios de 2010 e 2011 agravaram-se substancialmente as dificuldades que já se vinham sentindo nos exercícios anteriores e ocorreu uma diminuição acentuada dos proveitos da sociedade que, progressivamente, não atingiam sequer o valor dos custos necessários para a sobrevivência da sociedade, factores que tornaram insustentável a situação patrimonial da sociedade e conduziram à presente situação de insolvência.

No mesmo relatório do processo de insolvência, constata -se que: “(…) Assim resulta claro o estado de precariedade da situação económico-financeira da requerente, estado esse que demonstra estar a mesma impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações vencidas e não ter activo disponível que lhe permita liquidar o seu passivo conhecido”.

Por decisão de 04/08/2011 foi declarada a insolvência da executada (…).

Face ao registo da sociedade verifica-se que no período da dívida era gerente J. C. (…).

(…) Face ao exposto, à decisão proferida em 04/08/2011 no processo de insolvência n.º 1031/11.0TYLSB, na qual conclui que o passivo da empresa é manifestamente superior ao seu activo, e uma vez que o mesmo se encontra a correr termos no Tribunal de Comércio de Lisboa – 2.º juízo, INDEFIRO o pedido, devendo prosseguir a reversão contra o responsável subsidiário J. C., nos termos do n.º 7 do art. 23.º da LGT” .


3.

Em causa está a cobrança de € 494.359,58, relativos a IRC do exercício de 2004, cuja data limite de pagamento ocorreu em 28 de Novembro de 2007 – cfr. fls. 92 do apenso.

4.

Em 28 de Novembro de 2007, a sociedade V. – S., Lda. , girava sob a firma A. – U., Lda., e obrigava -se através da intervenção de um gerente, sendo a gerência constituída por J. C. – cfr. fls. 51-52 do apenso.

5.

J. C. era o responsável pelas decisões diárias da sociedade devedora originária – cfr. o depoimento da testemunha I. S.

6.

No dia 11 de Outubro de 2007, a devedora originária apresentou uma declaração de substituição modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2004 – cfr. fls. 172-174 dos autos.

7.

Em 15 de Outubro de 2007, foi emitida, com base nos elementos declarados mas com correcções ao nível dos juros compensatórios e moratórios, a liquidação de IRC n.º 2007.2310390834 relativa ao exercício de 2004, no valor de € 839.555,15 – cfr. fls. 109 e 185-186 dos autos.

8.

Em 25 de Outubro de 2007, aquela liquidação foi enviada pela Administração, sob registo, para a R. A., lote 1, r/c .. – 8..-4.. T., ao cuidado de A. – U., Lda. – cfr. fls. 109, 112 e 114 dos autos.

9.

A devedora originária foi citada para o processo executivo em 11 de Janeiro de 2008 – cfr. fls. 46 do apenso.

10.

A HERANÇA INDIVISA DE J. C. foi citada para o processo executivo em 23 de Janeiro de 2013 – cfr. fls. 94 do apenso.

11.

Em 18 de Fevereiro de 2008, foi deferido o pagamento da dívida exequenda em prestações requerido pela devedora originária – cfr. fls. 183 dos autos.

12.

A partir de 2008, J. C. passou a privilegiar os créditos dos trabalhadores aos dos restantes credores – cfr. o depoimento de I. S.

13.

A devedora originária efectuou o pagamento da dívida exequenda em prestações até 30 de Setembro de 2009 – cfr. fls. 192 dos autos.

14.

Em 4 de Agosto de 2011 foi declarada a insolvência da devedora originária que esta havia requerido nesse mesmo ano – cfr. fls. 72-70v e 69 do apenso.

15.

No dia 18 de Março de 2013, a Oponente deduziu Reclamação Graciosa contra a liquidação identificada em 7 – cfr. fls. 184-189 dos autos”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“II-B. FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que:


A.

J. C. nunca exerceu de facto funções de gerência da devedora originária”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.

O facto 8 foi dado por provado por a liquidação ter aposta a vinheta de registo R.4..PT e a fls. 112 constar igualmente a Guia de Expedição de Registos n.º 88.. que demonstra que em 25 de Outubro de 2007 foram enviados 2.831 registos, sendo que o registo referido se insere no intervalo R.4..PT e R.4..PT que consta dos dados inseridos nos registos da Administração. Por outro lado, o documento de fls. 175, da autoria do gerente J. C., reconhece a existência e a exigibilidade da dívida e não consta dos autos que a notificação tenha sido devolvida à Administração.

O depoimento das duas primeiras testemunhas foi valorado pelo Tribunal por serem coincidentes com os elementos documentais carreados para os autos.

O facto A, alegado no artigo 29.º da PI, foi dado por não provado por contrariar o facto 5 e o documento de fls. 175”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação

Considera, desde logo, a Recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade, por falta de fundamentação, porquanto o depoimento de I. S. não foi completamente valorado e o de A. T. não é sequer mencionado, tal como não são mencionados documentos juntos com a apresentação das alegações.

Vejamos.

Atento o disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, na elaboração da sentença o juiz deverá discriminar a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.

É no âmbito deste discurso fundamentador que se insere a análise crítica das provas. A este propósito, chama-se à colação o disposto no n.º 4 do art.º 607.º do CPC, nos termos do qual “[n]a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”.

In casu, atentando no teor da decisão recorrida, concretamente na decisão proferida sobre a matéria de facto, transcrita supra (cfr. pontos II.A. a II.C.), verifica-se que na mesma:

a) São discriminados os factos provados, com a indicação, junto a cada um deles, do meio de prova que fez sustentar a convicção do Tribunal a quo;

b) É elencada a factualidade não provada;

c) É explanada, em sede de motivação, a razão pela qual o Tribunal a quo valorou o depoimento das duas primeiras testemunhas.

Face a esta motivação, não se acompanha o entendimento da Recorrente.

Com efeito, a suficiência do exame crítico da prova há de ser aferida sob a perspetiva de a decisão exteriorizar o percurso cognitivo percorrido pelo julgador, independentemente dessa exteriorização ser mais ou menos extensa.

Ora, no caso, tal percurso cognitivo encontra-se explanado, sendo indicado que meios de prova foram valorados e porquê.

A circunstância de não ter sido feita a menção aos documentos referidos pela Recorrente não consubstancia falta de fundamentação. Com efeito, o facto de não ser mencionado um determinado documento junto pela parte não representa qualquer omissão dos fundamentos de facto. A eventual desconsideração do facto que poderia ser dado como provado com base no mencionado documento representa, sim, um eventual erro de julgamento de facto.

Quanto à prova testemunhal, refira-se que da motivação se extrai que apenas foram valorados os depoimentos das duas primeiras testemunhas e porquê, de onde se extrai que os depoimentos das demais não foram considerados por não se integrarem no contexto valorativo considerado pelo Tribunal a quo. Mais uma vez, se tal é correto ou incorreto, é matéria que deve ser analisada enquanto erro de julgamento.

Por outro lado, o facto de, da sentença recorrida, não constarem todos os factos alegados pelas partes não se configura como nulidade, podendo, quando muito, configurar-se como erro de julgamento (sempre se adiantando que nem todos os factos alegados pelas partes têm de ser considerados no probatório, porquanto só devem aí ser levados os factos com pertinência para a resolução da situação material controvertida).

Em suma, atento o teor da decisão recorrida, resulta cabal e suficientemente explanado o percurso inerente à decisão proferida sobre a matéria de facto, evidenciando um adequado exame crítico da prova.

Como tal, carece de razão a Recorrente nesta parte.

III.B. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o incumprimento pela AT do ónus da prova da inexistência / insuficiência de bens penhoráveis da devedora originária, padecendo, por isso, a sentença de omissão de pronúncia.

Vejamos.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

In casu, desde já se refira que não se verifica a mencionada nulidade.

Com efeito, compulsada a decisão sob apreciação, verifica-se que a mesma se pronunciou sobre a questão em causa, referindo que os “elementos de que o órgão da execução fiscal dispunha (desde logo a apresentação voluntária à insolvência) permitia prever, em termos lógicos, que a devedora originária não era detentora de património suficiente para pagar a dívida exequenda e acrescidos no processo de execução fiscal, i.e., que era fundada a sua insuficiência para extinguir a execução”.

Como tal, não se verifica a mencionada nulidade.

III.C. Do erro de julgamento quanto à falta de notificação

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, no tocante à falta de notificação, sob duas perspetivas:

a) Erro no julgamento da matéria de facto;

b) Erro de julgamento de direito, por não poder operar a presunção de notificação prevista no art.º 39.º, n.º 1 do CPPT.

Como tal, cumpre apreciar simultaneamente ambas as questões.

III.C.1. Do erro na decisão proferida quanto à matéria de facto

Insurge-se, desde logo, a Recorrente, quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto, concretamente quanto ao facto 8., entendendo que o mesmo não podia ser dado como provado e que, por outro lado, deveria ter sido dado como provado que “[a]quela liquidação de IRC não foi enviada para a sociedade A. – U., Lda”.

Vejamos então.
Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.(1)

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada..

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram cumpridos, pelo que se irá proceder à apreciação do requerido.

O facto contra o qual a Recorrente se insurge (facto 8, transcrito em II.A) tem a seguinte formulação:

Em 25 de Outubro de 2007, aquela liquidação [mencionada em 7] foi enviada pela Administração, sob registo, para a R. A., lote 1, r/c .. – 8..-4.. T., ao cuidado de A. – U., Lda. – cfr. fls. 109, 112 e 114 dos autos”.

Atenta a fundamentação da matéria de facto, o Tribunal a quo sustentou-se nos documentos constantes a fls. 109, 112 e 114, que são, respetivamente:

a) Cópia da liquidação emitida, na qual consta aposição de menção alfanumérica, relativa ao registo postal;

b) Guia de expedição, dos serviços postais, da qual se extrai que, a 25.10.2007, foram expedidos 2.831 registos pela AT;

c) Impressões do sistema informático da própria AT, com indicação do n.º de registo inicial e final que nesse sistema foi registado como tendo sido enviado a 25.10.2007 e emitido a 22.10.2007.

Extrai-se ainda da fundamentação de direito a valoração do documento de fls. 175 (cfr. p. 14 da sentença recorrida).

Considerando tais elementos documentais não pode deixar de se acompanhar o entendimento da Recorrente.

Assim, os mencionados elementos são insuficientes, do ponto de vista probatório, porquanto seria exigível, in casu, a apresentação de documento externo, designadamente emitido pela distribuidora de correio postal, o que não ocorreu – cfr. neste sentido, a título ilustrativo, os Acórdãos deste TCAS de 07.05.2020 (Processo: 1737/13.0BELRS), de 08.05.2019 (Processo: 154/12.3BESNT), de 13.10.2017 (Processo: 1245/09.3BEALM) e de 17.05.2011 (Processo: 04631/11).

Com efeito, a guia de expedição nada demonstra quanto ao concreto objeto postal, dado nada referir que o abranja.

Por outro lado, os elementos constantes do sistema informático interno da AT não são suficientes para efeitos de prova, dado ser aqui fundamental a existência de um elemento de origem externa que prove a expedição.

Adicionalmente, o documento de fls. 175 nada demonstra em termos de receção da notificação, mas tão só de conhecimento da instauração do PEF (cujo número é mencionado no assunto do ofício em causa). Naturalmente que a devedora originária revela um conhecimento de facto da sua própria situação. Não nos podemos esquecer que o ponto de partida da liquidação emitida pela AT foi a declaração de substituição apresentada, mas com correções feitas pela própria administração (cfr. factos 6. e 7.). No entanto, de tal elemento documental não é possível extrair se não que a devedora originária tinha conhecimento do PEF que lhe fora instaurado.

Assim sendo, há que eliminar o facto 8. mencionado em II.A.

Deve, paralelamente, ser aditado não o facto negativo sugerido pela Recorrente, mas sim um facto não provado.

Com efeito, aqui estamos perante um facto que caberia à FP provar (o da efetivação da notificação), pelo que a falta de prova do mesmo implica que deva ser considerado não provado. Ou seja, a consideração de um facto como não provado não implica que o facto negativo simétrico ao facto não provado esteja assente.

Assim sendo, e atendendo à fundamentação já referida, é de aditar o seguinte facto não provado:

“Em 25 de Outubro de 2007, aquela liquidação foi enviada pela Administração, sob registo, para a R. A., lote 1, r/c .. – 8..-4. T., ao cuidado de A. – U., Lda”.

III.C.2. Do erro de julgamento de direito

Considera, a este propósito, a Recorrente que, tendo em consideração que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto quando deu como provado que a liquidação foi enviada em 25.10.2007, não pode operar a presunção de notificação prevista no artigo 39.º, n.º 1 do CPPT.

A falta de notificação da liquidação constitui fundamento de oposição, enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art.º 204.º, do CPPT.

Como referido no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.09.2013 (Processo: 0578/13):

“[E]ncontra-se hoje firmada a orientação jurisprudencial entretanto adoptada pelo STA, no sentido de que a ausência de notificação do acto de liquidação, seja antes ou após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, configura ineficácia desse acto tributário e constitui, por isso, fundamento de oposição à execução fiscal.

Com efeito, é esta a orientação seguida nos recentes acórdãos proferidos pela Secção de Contencioso Tributário em 2/02/2011, no processo nº 0803/10, em 28/09/2011, no processo nº 0473/11, em 20/06/2012, no processo nº 0378/12, em 26/09/2012, no processo nº 0251/12, todos em consonância, de resto, com a jurisprudência contida no acórdão proferido pelo Pleno da Secção em 7/07/2010, no processo nº 0545/09, que subscreve, por sua vez, a fundamentação vertida no acórdão igualmente proferido pelo Pleno em 20/01/2010, no processo nº 0832/08, que inteiramente sufragamos, pelo que, face à sua proficiência, nos limitaremos, nessa parte, também aqui a reproduzir:

«(…) Em termos lógicos, sendo a notificação da liquidação um acto posterior e exterior a esta, destinado a assegurar a sua eficácia (arts. 64.º, nº 1, do CPT), a sua falta, bem como as suas deficiências ou ilegalidades, deveriam afectar apenas a sua eficácia e não a validade do acto notificado. Aliás, o entendimento sempre adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo, em geral, era o de que o acto de notificação de um acto tributário é um acto exterior e posterior a este e os vícios que afectem a notificação, podendo determinar a ineficácia do acto notificado, são insusceptíveis de produzir invalidade do acto notificado, por não terem a ver com o próprio acto nem com os seus pressupostos (Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA:

– de 13-4-83 (do Pleno, publicado AD, n.º 262, página 1205);

– de 6-7-88, recursos n.ºs 5608 e 5630, CTF n.º 352, páginas 368 e 562;

– de 28-9-88, recurso n.º 5631, CTF n.º 352, página 575;

– de 26-11-88, recurso n.º 4905, CTF n.º 353, página 230;

– de 3-5-89, recurso n.º 5472, AP-DR 15-5-91, página 522,

– de 12-7-89, recurso n.º 10428, AP-DR de 28-2-92, página 924;

– de 9-10-91, recurso n.º 13540, AP-DR de 20-1-94, página 440;

– de 23-9-92, recurso n.º 13713, AP-DR de 30-6-95, página 2237;

– de 14-10-92, recurso 14070, AP-DR de 9-10-95, página 2521; e

– de 2-12-93, recurso n.º 14471, AP-DR de 20-5-96, página 4152;

– de 3-5-2000, recurso n.º 22608.).

(…) Na verdade, as situações de falta de notificação antes da execução, afectando a exigibilidade da dívida exequenda e não se enquadrando em qualquer das alíneas anteriores, constituem fundamento de execução fiscal como, sempre entendeu este Supremo Tribunal Administrativo, face às normas dos arts. 176º, alínea g), do CPCI e 286º, nº 1, alínea h) do CPT, a que corresponde actualmente o art. 204º, n.º 1, alínea i), do CPPT. (Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA:

– de 16-11-1994, recurso n.º 18059, AP-DR de 20-1-97, página 2585;

– de 5-4-1995, recurso n.º 18445, AP-DR de 14-8-97, página 1015;

– de 22-5-1996, recurso n.º 20342, AP-DR de 18-5-98, 1768

– de 26-6-96, recurso n.º 18427, AP-DR de 18-5-98, página 2182;

– de 23-10-1996, recurso n.º 20783, AP-DR de 28-12-98, página 3060;

– de 13-11-1996, recurso n.º 20787, AP-DR de 28-12-98, página 3440;

– de 27-11-1996, recurso n.º 20692, CTF n.º 385, página 364, e no AP-DR de 28-12-98, página 3617;

– de 5-3-97, recurso n.º 21304, AP-DR de 14-5-99, página 760,

– de 19-3-97, recurso n.º 21120, AP-DR de 14-5-99, página 802;

– de 21-5-1997, recurso n.º 21605, AP-DR de 9-10-2000, 1563;

– de 11-3-1998, recurso n.º 22207, AP-DR de 8-11-2001, página 885;

– de 7-10-1998, recurso n.º 22349, AP-DR de 21-1-2002, página 2727;

– de 10-2-1999, recurso n.º 22290, CTF n.º 394, página 322, e no BMJ n.º 484, página 199;

– de 3-3-1999, recurso n.º 22902;

– de 9-3-2000, recurso n.º 23699, AP-DR de 21-11-2002, página 845;

– de 24-10-2001, recurso n.º 26430, AP-DR de 13-10-2003, página 2436;

– de 20-2-2002, recurso n.º 26291, AP-DR de 16-2-2004, página 561;

– de 6-10-2005, recurso n.º 500/05.)

(…) Na verdade, em todas as situações em que a execução fiscal foi instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação, este acto é ineficaz e, por isso, não produz efeitos em relação aos seus destinatários (arts. 77º, nº 6, da LGT e 36º, nº 1, do CPPT), não podendo com base nesse exigir-se coercivamente o pagamento da dívida liquidada.

Todas estas situações em que não houve qualquer notificação da liquidação, antes da instauração da execução fiscal enquadravam-se na alínea h) do nº 1 do art. 286º, pois abrangem-se aí «quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título».

E, actualmente, à face do CPPT, todas estas situações em que não houve qualquer notificação, são susceptíveis de enquadramento na alínea i) do n.º 1 do art. 204º, que tem teor idêntico àquela alínea h) do nº 1 do art. 286º do CPT, se não for de entender que a situação se enquadre noutra das alíneas do mesmo número, designadamente na nova alínea e).

(…) [C]om o CPPT repôs-se a coerência do sistema global de meios de defesa dos contribuintes em matéria tributária, ao tornar a notificação intempestiva da liquidação fundamento de inexigibilidade da obrigação tributária em vez de ilegalidade da liquidação notificada.

Na verdade, à face do novo regime, a notificação intempestiva não constitui ilegalidade do acto notificado, à semelhança do que sucede em relação à generalidade de todos os outros actos administrativos e tributários; esse vício do acto de notificação (intempestividade) afecta-o apenas a ele próprio e não ao acto notificado, retirando-lhe a potencialidade de produzir os efeitos que produziria se não enfermasse dessa ilegalidade, que era o de atribuir eficácia ao acto notificado.

Assim, é agora claro que tanto a falta de notificação como a falta de uma notificação tempestiva afectam a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que devem ser invocadas tanto a inexistência de qualquer notificação como a intempestividade da notificação que tenha sido efectuada.

Este regime é, globalmente, mais coerente do que o sustentado pela referida jurisprudência na vigência do CPT, pois a notificação de qualquer acto é um acto autónomo e posterior ao acto notificado e, por isso, é duvidosa a razoabilidade do entendimento que se na vigência do CPT se adoptava, no sentido de a falta ou vício da notificação afectar a validade do acto de liquidação, acto este que já estava praticado e permanecia como estava independentemente da notificação (…)».

(…) Assim sendo, o vício de falta de notificação do acto de liquidação invocado pelos Oponentes, afectando a eficácia do acto, constitui, inequivocamente, fundamento de oposição à execução fiscal”.

Como referido pelo Tribunal a quo e não é posto em causa, estamos aqui perante uma liquidação emitida pela AT, atentas as correções pela mesma efetuadas, cuja notificação obedece ao disposto no CPPT, para o qual remetia o então art.º 102.º, n.º 2, do CIRC.

Nos termos do art.º 38.º do CPPT:

“1 - As notificações são efetuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de receção, sempre que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em atos ou diligências.

(…)

3 - As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos do direito de audição, são efetuadas por carta registada.

(…)

5 - As notificações serão pessoais nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário”.

Por seu turno, dispunha então o art.º 39.º do mesmo código:

“1 - As notificações efetuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

2 - A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efetiva da receção”.

Ora, atenta a matéria de facto assente, decorrente da redação conferida na presente sede, resulta que não foi sequer provada a expedição da notificação da liquidação em causa, motivo pelo qual, não estando provada a efetiva notificação da sociedade devedora originária, se verifica a inexigibilidade da dívida.

Como tal, assiste razão à Recorrente, resultando prejudicada a análise das demais questões suscitadas.

Vencida a Recorrida é a mesma responsável pelas custas em ambas as instâncias (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado (art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).

Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Em sede de oposição, é, em 1.ª instância, aplicável a Tabela II do RCP, cuja previsão implica o pagamento de uma taxa de justiça fixa, apenas condicionada por dois intervalos (valor até 30.000,00 Eur. e valor superior a 30.000,00 Eur.), com a consequente não aplicação do mencionado art.º 6.º, n.º 7. Não obstante, em sede de recurso, é aplicável a Tabela I-B do RCP, motivo pelo qual há que atentar ao referido art.º 6.º, n.º 7.

In casu, atentas as questões em apreciação e a conduta processual das partes, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgando-se procedente a oposição e, em consequência, determinando-se a extinção do PEF quanto à Recorrente;

b) Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça na presente instância, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 25 de novembro de 2021

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)










1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.