Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:79/19.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/17/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DOCUMENTAÇÃO SUPERVENIENTE JUSTIFICADA
Sumário:I. Tendo sido considerados pela AT elementos que, à data do pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado, ainda não estavam consolidados (concretamente os constantes da IES relativa ao exercício de 2015), uma vez que se tratam de elementos sedimentados com o encerramento do exercício e apresentados apenas em 2016, é admissível a apresentação pelo sujeito passivo de outros elementos contabilísticos também entretanto consolidados e relativos ao mesmo exercício.

II. Sonegar o direito a complementar a instrução nestes casos, num procedimento no qual nem existe contraditório prévio à decisão, seria atentatório desde logo do direito a uma tutela jurisdicional efetiva.

III. Estando demonstrado que o valor inscrito em outros ativos correntes não corresponde a qualquer disponibilidade financeira, tal circunstância tem de ser considerada para efeitos de apreciação da (in)suficiência de bens penhoráveis da sociedade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 02.08.2019, no Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), na qual foi julgada procedente a reclamação de ato do órgão de execução fiscal, apresentada por A.... – C..... Lda. (doravante Recorrida ou Reclamante), que teve por objeto o despacho proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, de 19.04.2017, no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º 3069201…...

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a reclamação, em que é Reclamante A.... – C..... LDA., deduzida do despacho de 19/04/2017 de indeferimento do pedido de dispensa de prestação da garantia quanto a valor remanescente em dívida, e não garantido pela hipoteca voluntária constituída sobre bem imóvel, no processo de execução fiscal n.º 3069201….. instaurado para cobrança de IRC referente ao exercício de 2013 e com a quantia exequenda no montante de € 267.986,22.

B. Considerou o tribunal a quo, contrariamente ao entendimento do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia, encontrar-se verificado o requisito previsto no n.º 4 do artigo 52.º da LGT relativo à verificação de inexistência ou insuficiência de bens para pagamento da dívida exequenda e acrescido, concluindo pela ilegalidade do despacho reclamado, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

C. E assenta o entendimento do Tribunal a quo na principal e errónea consideração de que do Relatório de Inspecção Tributária produzido pelos serviços de inspecção no âmbito do procedimento inspectivo dirigido à Reclamante e aos exercícios de 2011, 2012 e de 2013, em sede de IRC, nada mais se pode concluir senão o facto de que o montante contabilizado em Caixa pela Reclamante e depois transferido para Outros Activos Correntes, no valor de €567.689,75, não corresponde a efectivos activos ainda existentes na sociedade.

D. Divergimos, com o devido respeito, de tal entendimento, por não se mostrar assente em factos constantes do probatório, mais denotando falhas no referente ao nexo de causalidade, necessário empreender para o formular, entre a afirmada (em sede de relatório de inspectivo a que apela a douta sentença) inexistência de valores monetários em caixa em 2013 e a afirmada na douta sentença inexistência de outros activos correntes em 2015, não obstante os valores de activos correntes declarados pela Reclamante precisamente em 2015.

E. A tais incongruências soma-se o lapso temporal decorrido entre o procedimento inspectivo e a análise levada a cabo pela Administração Tributária, sindicada pela Reclamante nos autos de impugnação n.º 1790/15.1BELRS, com termos no Tribunal Tributário de Lisboa, e o despacho nos presentes autos reclamado de indeferimento de dispensa de prestação da garantia, assim como o lapso temporal decorrido entre o momento pertinente para efeitos do referido procedimento inspectivo – anos de 2011, 2012 e 2013 – e o momento pertinente para efeitos de apreciação de tal pedido de dispensa de garantia – 19/04/2017.

F. Ademais, apresenta o Tribunal a quo como factos fundamentadores do julgamento de direito os factos assentes das alíneas A) a P) do probatório, sendo que, entende a Fazenda Pública não se mostrarem de molde a permitir um julgamento procedente dos presentes autos.

G. Das alíneas A) e B) do probatório constam como factos assentes o facto de ter decorrido procedimento inspectivo à sociedade aqui recorrida em sede de IRC, e aos exercícios de 2011 a 2013, do qual resultaram correcções em sede de tal imposto, com consequente emissão de liquidações adicionais, para o exercício de 2013, no montante de €267.986,22, liquidação essa objecto de impugnação judicial com termos nos autos n.º 1790/15.1BELRS, com o mesmo fundamento nos presentes autos de que “a operação contabilística que conduziu à liquidação adicional de IRC do exercício de 2013, foi apenas de regularização do saldo da conta “caixa”, não tendo ocorrido qualquer saída de dinheiro da sociedade, nem tendo provocado qualquer diminuição do ativo e da situação líquida do exercício”, contudo, tais factos invocados em sede de impugnação judicial n.º 1790/15.1BELRS e em sede dos presentes autos invocados são factos controvertidos, não resultando dos presentes autos, nem dos factos levados ao probatório, matéria factual que demonstre o alegado pela Reclamante; mais, de nenhuma das alíneas A) a P) resultam factos concernentes à alegada regularização do saldo da conta “Caixa”, com efeitos na conta “Outros Activos Correntes” ou da não ocorrência de qualquer saída de dinheiro da sociedade, consubstanciando-se tal matéria em meras alegações da Reclamante sem a competente demonstração.

H. Inexistem no probatório da douta sentença factos que permitam concluir, com base no Relatório de Inspecção a que apela a douta sentença, ou por meio de diversos meios de prova, que a constatada divergência entre os valores monetários existentes em caixa aquando da contagem decorrida ao abrigo do Despacho n.º DI201302939 a 11/12/2013, e os valores contabilizados na conta “Caixa” se justificou por qualquer regularização de saldos que tenha motivado o saldo em “Outros Activos Correntes”, de forma a que em 2015, aquando do pedido de dispensa da prestação da garantia, constasse o valor de €567.689,22 declarado pela Reclamante na IES de 2015.

I. Do facto constante da alínea P) dos factos assentes da douta sentença apenas resulta que os serviços de inspecção, em sede do procedimento inspectivo identificado, concluiram que em 2013 apenas existia em caixa, no dia da contagem física de valores, o montante de € 1.500,00, sendo a divergência entre o valor contabilizado em caixa – conta 11 e a contagem física efectuada no valor de € 520.566,43, não tendo sido encontrados documentos de suporte do exfluxo de caixa, não tendo sido explicada a origem da divergência ou apresentada justificação ou apontados outros meios de prova por parte da Reclamante aqui recorrida, daí a consideração para efeitos fiscais, e para o exercício de 2013, de tal exfluxo como despesa não documentada.

J. Pelo que, partindo do probatório, factos não há que permitam afirmar que o valor declarado na IES pela Reclamante em 2015, dois anos depois do momento a que é reportada a análise em sede de procedimento inspectivo, a título de Outros Activos Correntes da sociedade, seja inexistente e reflicta uma mera regularização dos valores da conta caixa contabilizados em 2013 e em divergência com a contagem física ocorrida em 2013, mantendo-se tais factos alegados pela Reclamante como carecidos de demonstração.

K. Por outro lado, os factos resultantes do Relatório de Inspecção Tributária reportam-se a 2013, pelo que, mesmo que se erigissem em factos assentes capazes de sustentar a inexistência de bens penhoráveis à data (2013) – entendimento do qual divergimos, conforme exposto - não poderiam sem mais constituir-se como factos dos quais resulta demonstrada a insuficiência de bens penhoráveis à data do indeferimento do despacho reclamado face ao desfasamento temporal entre uma e outra análise, e ao desconhecimento dos factos decorridos no período que medeia o procedimento inspectivo e a apreciação do pedido de dispensa de prestação de garantia.

L. Ainda, quanto ao facto constante na alínea H) dos factos assentes da douta sentença, refere-se o mesmo aos valores constantes do balanço apresentado pela Reclamante como doc. 1 da p.i. nos anos de 2012, 2013 e 2014, contudo, omite do probatório a douta sentença o facto de que em 2015 declarou a Reclamante na IES o montante de €567.689,75, facto este que sustenta o indeferimento do pedido de dispensa de prestação da garantia, que decorre da IES apresentada pela própria Reclamante, facto que deveria constar do probatório, e do qual emerge necessariamente a conclusão de que à data da apreciação do pedido de dispensa de prestação da garantia a situação de insuficiência de bens penhoráveis não é efectiva, conclusão que à Reclamante incumbia contrariar, demonstrando o contrário, como lhe compete à luz do disposto no n.º 3 do artigo 170.º do CPPT.

M. Mais vejamos que em sede de apreciação da legalidade do pedido de dispensa de prestação da garantia nos presentes autos apenas poderão ser considerados os meios de prova apresentados em sede de pedido de pedido de dispensa de prestação da garantia junto do órgão de execução fiscal, admitindo-se na presente sede tão-só uma apreciação da legalidade do despacho de indeferimento proferido à data pelo órgão de execução fiscal com os elementos, a informação e a prova documental a que teve acesso e que lhe foi disponibilizada à data pela Reclamante, como aliás nota a douta sentença por meio da sua referência ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10/07/2015, proferido no processo n.º 08813/15.

N. Não obstante, no referente ao facto constante da alínea M) dos factos provados, lança mão o Tribunal a quo de elementos não apresentados para efeitos de apreciação do pedido de dispensa de prestação de garantia, pois de acordo com a alínea J) apresentou a Reclamante à data tão só o mapa de amortizações e reintegrações do ano de 2014, devendo ser com referência a tal documento que poderá e deverá ser feito o juízo de legalidade do despacho de indeferimento sindicado nos presentes autos, revelando-se além do mais o facto em questão como meramente conclusivo, por do mesmo decorrer tão-só não existirem bens suficientes para garantir a totalidade da dívida exequenda para além do imóvel já dado em hipoteca, quando em causa nos autos está precisamente aferir da legalidade do despacho que indeferiu o pedido de dispensa da garantia por não ter sido demonstrada a alegada insuficiência de bens; de qualquer modo, sempre se configuraria tal facto como inexpressivo, por não concretizar a douta sentença a que bens se refere, mais não identificando os bens existentes, quando afirma serem os mesmos insuficientes, bem como não convocando o valor concreto dos mesmos, não servindo dessa forma como fundamento factual para a insuficiência de bens afirmada.

O. Já quanto à alínea N) dos factos provados, mais entende a Fazenda Pública ser tal facto destituído de aptidão probatória para efeitos de aferir da legalidade do despacho reclamado nos presentes autos, uma vez que relevante é determinar tal legalidade tendo por referência a data em que o despacho foi proferido, considerando os meios de prova a que a Administração Tributária teve acesso.

P. Sem prescindir, é nosso entendimento que a prova testemunhal a que o Tribunal a quo se socorre, e para que aponta na alínea N), se apresenta sem qualquer sustentação documental, e é meramente conclusiva, sendo que, a testemunha afirma desconhecer valores constantes da conta bancária, conforme se verifica dos registos áudio supra transcritos em 30. e 31. , não decorrendo das afirmações da testemunha que não tenha a Reclamante aqui recorrida estabelecimento comercial, pois que, perguntada acerca da existência de instalações para o exercício da actividade, e da existência de imóveis detidos pela sociedade a título de propriedade ou outro, o depoimento revela-se pouco claro, preciso ou convicto, do mesmo transparecendo a testemunha desconhecer as efectivas/concretas condições em que se desenvolve a actividade da empresa por via da prestação de serviços médicos, consultoria e formação, sabendo apenas que a sócia exerce a actividade em todo o país, devendo ainda notar-se que relevante é fixar a disponibilidade de meios para o pagamento da dívida tendo por referência o despacho reclamado e não o actual momento.

Q. Ademais, quanto à questão do estabelecimento comercial afirmada na douta sentença como conjectura meramente conclusiva encontra um princípio de fundamento nas declarações do TOC em funções em 2013, prestadas em sede de procedimento inspectivo e constantes do relatório inspectivo a que a douta sentença recorre para efeitos de aferir da legalidade do despacho reclamado – não sendo peremptoriamente negado pelas afirmações da testemunha supra referida –, o qual afirma, à data, que a sócia da Reclamante prestadora dos serviços também prestava serviços médicos em consultório próprio, dispondo assim de um espaço próprio, que não em regime de prestação de serviços em clínicas ou estabelecimentos de terceiros, e nesses termos potencialmente constitutivo, independentemente de em regime de propriedade, de arrendamento, de comodato, ou outro, juntamente com os seus pacientes, recursos técnicos, materiais e humanos, de um estabelecimento comercial.

R. Por fim, dos factos assentes para que remete a douta sentença no referente a elementos constabilísticos, que convoca para afirmar da insuficiência dos bens do executado, verificamos não ser perceptível a quais elementos contabilísticos se refere a mesma, pois o único elemento contabilístico que a Reclamante apresentou em sede de apreciação do pedido de dispensa de garantia foi o mapa de amortizações e reintegrações referente ao ano de 2014, e os únicos elementos contabilísticos contantes dos factos assentes são os mapas de amortizações e reintegrações referentes aos anos de 2014 e 2015 e os balanços a 2012, 2013 e 2014, e de tais elementos não decorre seguramente a conclusão de que não tem a Reclamante quaisquer outros bens ou valores minimamente insuficientes.

S. Por outro lado, não foram apresentados com o pedido de dispensa da garantia adicionais elementos contabilísticos, como sejam extractos de conta e balanços e balancetes, pelo que, o mapa de amortizações e reintegrações referente ao ano de 2014, conjugado com os valores pela Reclamante aqui recorrida declarados na IES do ano de 2015, só permite concluir pela suficiência de bens à data do despacho de indeferimento da dispensa de prestação da garantia, e deste modo, dos elementos relevantes para efeitos de decisão em sede de dispensa de garantia resulta que a Reclamante aqui recorrida declara em 2015 deter como valor de activos correntes o montante de € 567.689,75, não logrando demonstrar, aquando do pedido de dispensa da prestação de garantia, nem o demonstrando nos presentes autos, a alegada regularização em que assenta a invocada inexistência de saldo em caixa em 2013, a divergência com os registos contabilísticos e a subsequente consideração de um montante inexistente como Outros Activos Correntes.

T. Deste modo, configura-se o despacho reclamado proferido nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 52.º da LGT e do n.º 2 do artigo 170.º do CPPT, de acordo com os quais a dispensa da prestação da garantia está dependente da demonstração por parte do requerente da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, que não seja da responsabilidade do executado, devendo o pedido ser instruído ab initio com a necessárias prova documental.

U. Pelo que, ao julgar procedentes os presentes autos incorreu a douta sentença em erro de julgamento de facto, por errónea apreciação dos factos pertinentes e nos termos indicados, com consequente erro de julgamento de direito, por violação do disposto no n.º 4 do artigo 52.º da LGT e no n.º 3 do artigo 170.º do CPPT, porquanto considera, para efeitos de aferir da legalidade do pedido de dispensa da garantia, factos que remetem para elementos de prova não valorados pelo órgão de execução fiscal porque perante o mesmo não apresentados e ao mesmo não acessíveis aquando da apreciação do pedido de dispensa de prestação da garantia”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

1.ª A douta sentença recorrida julgou procedente a reclamação judicial deduzida pela Recorrida contra o despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, dando como provada a insuficiência patrimonial e a inexistência de bens penhoráveis;

2.ª Inconformada, a Fazenda Pública recorreu daquela sentença, alegando, em suma, que da prova produzida nos autos não era possível concluir pela insuficiência patrimonial e a inexistência de bens penhoráveis, designadamente porque alguns meios de prova não foram submetidos à sua análise prévia e porque a prova testemunhal produzida nos autos não formou a convicção no sentido pretendido;

3.ª Todavia, não assiste razão à Recorrente, uma vez que toda a prova produzida nos autos permite concluir pela reunião dos pressupostos necessários para a dispensa de prestação de garantia;

4.ª Desde logo, as demonstrações financeiras e as declarações anuais de informação empresarial simplificada (cf. docs. n.os 6 a 12 da p.i.) comprovam que os resultados líquidos do exercício e a situação de caixa da sociedade não permitem o pagamento da dívida exequenda ou a prestação de garantia;

5.ª Tais elementos foram também juntos ao pedido de dispensa de prestação de garantia (cf. docs. n.os 6 e 7 do referido pedido, que integra o processo administrativo instrutor), à exceção dos relativos aos exercícios de 2015 e 2016, pelo que se não foram valorados pelo órgão de execução fiscal, deviam tê-lo sido, porque lhe foram apresentados;

6.ª A Recorrente alega que a análise da insuficiência patrimonial deve ser feita à luz dos elementos fornecidos com o pedido de dispensa de prestação de garantia (cf. ponto 45 das alegações de recurso); pois então, desses elementos (relativos a 2013 e a 2014, juntos com o pedido de dispensa de prestação de garantia) já decorriam indícios no sentido dessa insuficiência patrimonial;

7.ª A razão pela qual a Recorrida apresentou na presente reclamação judicial os elementos relativos aos exercícios de 2015 e 2016 teve somente como intuito comprovar perante o tribunal que a insuficiência patrimonial que se verificava anteriormente mantém-se atual;

8.ª A própria Recorrente afirma que a análise deve ser feita por referência ao período de apresentação do pedido de dispensa de prestação de garantia e respetiva apreciação (2015/2017) (cf. ponto 20 das alegações de recurso);

9.ª E à data do pedido de dispensa de prestação de garantia (2015), ainda não era possível à Recorrida apresentar elementos relativos a 2015, porque o prazo para entrega dos mesmos termina somente em 2016;

10.ª Parece evidente e adequado que no âmbito da reclamação judicial sub judice a Recorrida apresentasse os elementos mais atuais possíveis, relativos a 2015 e 2016, à data da dedução da presente reclamação judicial (08.05.2017, cf. ponto L) da matéria assente na sentença recorrida), razão pela qual a Recorrida juntou também aos autos cópia do balanço e da demonstração individual dos resultados em 31 de dezembro de 2018 com as alegações escritas (cf. doc. n.º 1 junto com as alegações escritas);

11.ª Todos estes elementos só provam que nem a Recorrida nem o Tribunal tiveram somente em consideração as “(…) conclusões do Relatório de Inspeção [para] fundamentar a alegada insuficiência de bens (…)”, contrariamente ao alegado pela Recorrente (cf. ponto 35 das alegações de recurso), sendo, aliás, manifestas as contradições em que incorre;

12.ª Acresce que tanto as demonstrações financeiras, como as IES, trata-se de elementos que são comunicados à administração tributária, pelo que estão na sua posse e a informação neles contida é, ou deveria ser, do seu conhecimento, ou seja, não carecem de ser juntos ao pedido de dispensa de prestação de garantia para a administração tributária ter conhecimento dos mesmos;

13.ª Com efeito, e como resulta provado nos autos (cf. ponto K) da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida), o ato reclamado foi proferido em 19.04.2017, pelo que, pelo menos relativamente ao exercício de 2015, a administração tributária já tinha acesso aos elementos;

14.ª Em qualquer caso, para o Tribunal Recorrido, os elementos relativos a 2013 e a 2014 – os únicos a que a Recorrente alega ter tido acesso – foram suficientes para concluir pela insuficiência patrimonial; com efeito, a respeito dos resultados líquidos do exercício, o Tribunal apenas faz referência aos documentos n.º 6 e n.º 7 da p.i. (juntos como doc. n.º 6 e n.º 7 com o pedido de dispensa de prestação de garantia, respetivamente) e com referência à situação de caixa, o tribunal apenas faz referência ao documento n.º 6 da p.i. (junto como doc. n.º 6 com o pedido de dispensa);

15.ª A testemunha inquirida nos autos confirmou também que o saldo registado na conta de caixa não traduzia a verdade da situação física de caixa e que não ocorreu qualquer saída de fundos e que os movimentos efetuados traduzem uma mera regularização contabilística (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha inquirida, minuto 3, segundo 20);

16.ª Assim, não obstante a referida regularização contabilística ser tema controvertido no âmbito do processo de impugnação judicial, a verdade é que a testemunha inquirida nos autos confirmou a sua existência e explicou as razões por que foi realizada;

17.ª Em qualquer caso, a verdade é que a administração tributária não logrou provar que seria outra a causa para aquela discrepância, nem logrou provar que houve uma efetiva saída de meios monetários da sociedade;

18.ª Resultou igualmente provado nos autos que a Recorrida não dispunha de bens suscetíveis de penhora para além das duas viaturas a cuja venda procedeu, aplicando o produto da respetiva venda aos processos de execução fiscal relativos aos exercícios de 2011, 2012 e 2013 (cf. doc. n.º 5 da p.i. e ponto G) da matéria assente), e do imóvel sito em Penha de França sobre o qual já registou uma hipoteca voluntária (cf. doc. n.º 4 da p.i. e ponto F) da matéria assente);

19.ª Tal resulta nomeadamente dos mapas de reintegrações e amortizações referentes aos exercícios de 2014 a 2016 (cf. doc. n.º 13 da p.i. e ponto M) da matéria de facto dada como provada); note-se que o mapa relativo ao exercício de 2014 já havia sido junto com o pedido de dispensa de prestação de garantia (cf. doc. n.º 8 do referido pedido, que integra o processo administrativo instrutor), pelo que se não foi valorado pelo órgão de execução fiscal, devia tê-lo sido, porque lhe foi apresentado;

20.ª A Recorrida apresentou na presente reclamação judicial os mapas relativos aos exercícios de 2015 e 2016 para comprovar que a inexistência de bens que se verificava anteriormente e mantém-se inalterada;

21.ª Em todo o caso, uma vez mais, também os mapas de reintegrações e amortizações são elementos integrantes da IES e declarados no âmbito da Modelo 32, pelo que se trata de informação comunicada à administração tributária e que está na sua posse, pelo que se trata de informação à qual tem acesso, não estando dependente da sua apresentação; com efeito, tendo o ato reclamado sido proferido em 19.04.2017 (cf. ponto K) da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida), pelo menos relativamente ao exercício de 2015, a administração tributária já tinha acesso aos elementos;

22.ª Conforme decorre do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.07.2015, proferido no processo n.º 08813/15, não se afasta a possibilidade de ser produzida prova em tribunal, desde que seja adequada a colocar em causa a legalidade do ato reclamado; acresce que, ainda em linha com o entendimento daquele douto Tribunal, não se trata de prova nova, ou a que a administração tributária não teve acesso, aliás, no requerimento de dispensa de prestação de garantia bastaria aludir ou remeter para os elementos (demonstrações financeiras, IES, mapas de amortização) que já estão na posse da administração tributária;

23.ª E dos elementos a que a administração tributária teve acesso (mediante junção da respetiva cópia física – relativos a 2013 e a 2014) já resultava evidência bastante da insuficiência patrimonial e inexistência de bens penhoráveis, pelo que, à data, na posse daqueles elementos, já era possível à administração tributária chegar àquela conclusão;

24.ª O imóvel supra referido tem como destino a habitação (cf. certidão predial online junta como doc. n.º 4 com o pedido de dispensa de prestação de garantia que integra o processo administrativo instrutor e ponto D) da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida), não sendo nele exercida qualquer atividade comercial - tal facto foi também corroborado pelo depoimento da testemunha, conforme deu como provado o Tribunal Recorrido (cf. ponto N) da matéria assente);

25.ª Com efeito, em causa está uma sociedade unipessoal, em que a sócia única, médica de profissão, exerce a sua atividade em várias clínicas, inexistindo um imóvel específico afetado à mesma (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha inquirida, minuto 12, segundo 30).

26.ª Assim, a Recorrida não exerce a sua atividade num só sítio; são, antes, vários, sendo que nenhum deles é da sua propriedade ou se encontra por ela arrendado inexistindo, desta forma, qualquer estabelecimento comercial suscetível de penhora;

27.ª E a administração tributária não logrou provar o contrário;

28.ª Pelo que bem andou o Tribunal Recorrido ao afirmar, a este respeito, que a administração tributária “(…) labora em conjeturas meramente conclusivas, como a de que, exercendo uma atividade comercial, a Reclamante terá de ter um estabelecimento no qual desenvolva a atividade (…), o que, claramente, se trata de uma afirmação desprovida de prova.” (cf. página 18 da sentença recorrida);

29.ª À data de hoje, a situação patrimonial da Recorrida mantém-se inalterada, como, aliás, resulta de todo o depoimento da testemunha (cf. ponto N) da matéria dada como provada na sentença recorrida) e o atesta, também, o balanço e a demonstração individual dos resultados em 31 de dezembro de 2018 (cf. doc. n.º 1 junto com as alegações escritas).

30.ª Assim, tal como pôde também confirmar a testemunha inquirida, os únicos bens da sociedade são o saldo da conta bancária, o qual se afigura manifestamente insuficiente para prestar garantia pelo montante exigido, e o imóvel que já se encontra penhorado (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha inquirida, minuto 11, segundo 6);

31.ª Por todo o exposto, bem andou o Tribunal Recorrido ao concluir que não resulta provada “(…) a existência de quaisquer outros bens ou valores minimamente suficientes para possibilitar o pagamento da dívida exequenda ou a prestação de garantia (…)”, “(…) não tendo a AT logrado demonstrar o contrário.” (cf. página 18 da sentença recorrida);

32.ª A prestação de garantia constituiria um prejuízo irreparável para a sociedade;

33.ª A situação patrimonial da sociedade não é imputável à mesma, resultando da prova produzida nos autos que não houve qualquer dissipação ou sonegação de património (cf. docs. 6 a 13 da p.i. e suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 7, segundo 56);

34.ª Em face de todo o exposto, e porque as alegações de recurso não lograram infirmar o veredicto do douto tribunal a quo, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do CPPT, que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a sua natureza urgente (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro de julgamento de facto?

b) Há erro de julgamento por errónea apreciação dos factos pertinentes e nos termos indicados, com consequente erro de julgamento de direito, por violação do disposto no n.º 4 do art.º 52.º da Lei Geral Tributária (LGT) e no n.º 3 do art.º 170.º do CPPT?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) No âmbito de ação inspetiva à Reclamante, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, com incidência parcial em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, foram efetuadas diversas correções à matéria tributável daqueles exercícios e, em consequência, foram emitidas liquidações adicionais, designadamente com referência ao exercício de 2013 no montante a pagar de 267.986,22€ (acordo e facto obtido por consulta ao processo de impugnação nº 1790/15.1BELRS, constante do SITAF).

B) Notificada da liquidação adicional de IRC de 2013, a ora Reclamante apresentou em 02.07.2015 impugnação judicial, que corre termos neste Tribunal sob o nº 1790/15.1BELRS, na qual, em síntese, a ora Reclamante invoca, tal como na p.i. dos presentes autos, que a operação contabilística que conduziu à liquidação adicional de IRC do exercício de 2013, foi apenas de regularização do saldo da conta “caixa”, não tendo ocorrido qualquer saída de dinheiro da sociedade, nem tendo provocado qualquer diminuição do ativo e da situação líquida do exercício (cfr. doc. nº 2 junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, confirmado por consulta ao processo de impugnação nº 1790/15.1BELRS, constante do SITAF).

C) Em 21.04.2015 foi instaurado, junto do Serviço de Finanças de Lisboa 1, o processo de execução fiscal nº 3069201…….., para cobrança do IRC adicional de 2013 no montante de 267.986,22€, referido em A) (cfr. fls. 1 do PEF apenso).

D) Citada para o processo de execução referido na alínea antecedente, a ora Reclamante em 20.05.2015, tendo em vista a suspensão do referido processo de execução fiscal, apresentou requerimento peticionando, por um lado, a aceitação como garantia idónea do prédio urbano sito na freguesia de Penha de França, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial sob o artigo 2…..º, fração A, com o VPT de 26.250,00€, afeto a habitação e, por outro lado, a dispensa de prestação de garantia quanto ao remanescente, por manifesta falta de meios económicos (cfr. doc. n.º 1 junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

E) Através do ofício nº C1….. de 13.07.2015, o Serviço de Finanças de Lisboa 1 comunicou à Reclamante o seguinte:


“(texto integral no original; imagem)”

” (cfr. doc. nº 3 junto com a p.i.).

F) Em 31.07.2015, após a apresentação da impugnação judicial referida em B), a ora Reclamante apresentou requerimento com vista à suspensão do processo de execução fiscal e de dispensa de prestação de garantia quanto ao remanescente do valor em dívida não garantido pela hipoteca referida em D) (cfr. doc. nº 4 junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

G) Por requerimento apresentado em 25.08.2015, a Reclamante veio informar o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 1 que, tendo procedido à alienação dos dois veículos pertença da sociedade, aplicou o valor da venda no pagamento integral dos processos de execução referentes às dívidas de IRC dos exercícios de 2011 e 2012 e aplicou o remanescente, no valor de 8.384,58€ no processo de execução em causa nos presentes autos, reiterando, a final, o pedido de suspensão da execução (cfr. doc. nº 5 junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

H) A ora Reclamante evidenciava no seu Balanço a 31.12.2012 um valor de 623.384,18€ em caixa e depósitos bancários e 0,00 em outros ativos correntes, valores que em 31.12.2013 passaram a 6.028,90€ em caixa e depósitos bancários e a 634.159,89€ em outros ativos correntes e que em 31.12.2014 passaram a 4.498,47€ em caixa e depósitos bancários e a 592.192,04€ em outros ativos correntes (cfr. fls. 1 do doc. nº 6 junto com a p.i.).

I) A ora Reclamante apresentou um resultado líquido do exercício de 20.362,58€ em 2012, de 20.174,25€ em 2013, de 4.755,16€ em 2014 e de -1.429,12€ em 2015 (cfr. fls. 2 do doc. nº 6, fls. 1 do doc. nº 7 juntos com a p.i. e fls. 222 a 226 dos autos – numeração do suporte de papel).

J) Em 12.04.2017 foi prestada a informação nº 335/2017, pela Direção de Finanças de Lisboa:


“(texto integral no original; imagem)”


“(texto integral no original; imagem)”

” (cfr. doc. nº 14 junto com a p.i.).

K) Em 19.04.2017 foi proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças Adjunto de Lisboa, o seguinte despacho:

“Concordo. Face à informação e pareceres prestados e com os fundamentos neles aduzidos, aceito a garantia prestada por se mostrar idónea porém de valor insuficiente para garantir os processos de execução fiscal, pelo que, e para o efeito, deverá o contribuinte ser notificado para o seu reforço dado que indefiro o pedido de dispensa de prestação de garantia por não se mostrarem preenchidos os requisitos legais para tal.” (cfr. doc. nº 14 junto com a p.i.).

L) Notificada da decisão referida na alínea antecedente, a Reclamante apresentou a presente reclamação em 08.05.2017 (cfr. fls. 291 dos autos).

M) Dos mapas de reintegrações e amortizações da Reclamante, referentes aos exercícios de 2014 a 2016, para além do imóvel já dado em hipoteca, não existem bens suficientes para garantir a totalidade da dívida exequenda, (cfr. doc. n.º 13 junto com a p.i.).

N) A Reclamante não dispõe de meios para fazer o pagamento da dívida em apreço ou sequer que lhe permitam obter uma garantia idónea para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal, nem dispõe de estabelecimento comercial, exercendo a sua atividade junto de diversas clínicas médicas e hospitais de entidades terceiras (prova testemunhal).

O) Resulta do Relatório Inspetivo da ação levada a cabo à Reclamante que em 11.12.2013 a contagem física de caixa apurou um montante de apenas 1.500,00€ e que em 31.12.2013 a conta 11 - caixa – evidenciava um saldo de 577.877,24€ (facto retirado do relatório inspetivo constante do processo de impugnação judicial nº 1790/15.1BELRS)”.

P) Do Relatório referido na alínea antecedente consta ainda a seguinte afirmação proferida pela Inspeção Tributária:

“(…)


“(texto integral no original; imagem)”

(…)

II.B. Refere-se, ainda, na sentença recorrida:

“Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos constantes dos autos, na posição expressa pelas partes nos respetivos articulados e no processo instrutor apenso.

A prova testemunhal prestada por S……, TOC da sociedade, revelou-se relevante apenas para o facto dado como assente em N), dado o seu conhecimento sobre a situação contabilística e patrimonial da Reclamante”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda­-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração(1).

Nesse seguimento, é a seguinte a redação do facto que se identifica, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:

P) Do Relatório referido na alínea antecedente consta ainda a seguinte afirmação proferida pela Inspeção Tributária:

“…

(…)


“(texto integral no original; imagem)”

(...)

…” (facto retirado do relatório inspetivo constante do processo de impugnação judicial n.º 1790/15.1BELRS).

II.E. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

Q) A Recorrida declarou na IES relativa ao exercício de 2013 designadamente os seguintes valores:

1. Quadro 04-A – Balanço:

a) Ativo não corrente:

a.1. Ativos fixos tangíveis: 46.418,14 Eur.;

b) Ativo corrente:

b.1. Clientes: 22.451,52 Eur.;

b.2. Estado e outros entes públicos: 2.922,98 Eur.;

b.3. Diferimentos: 359,80 Eur.;

b.4. Outros ativos correntes: 634.159,89 Eur.;

b.5. Caixas e depósitos bancários: 6.028,90 Eur.;

2. Quadro 061-A – Desdobramento de contas da demonstração de resultados e do balanço – contas a receber e a pagar:

a) Clientes c/c: 22.451,52 Eur.;

b) Outros devedores: 567.088,52 Eur. (cfr. fls. 100, 106 e 145 dos autos – numeração em suporte de papel, a que correspondem futuras referências sem menção de origem).

R) A Recorrida declarou na IES relativa ao exercício de 2014 designadamente os seguintes valores:

1. Quadro 04-A – Balanço:

a) Ativo não corrente:

a.1. Ativos fixos tangíveis: 63.254,62 Eur.;

b) Ativo corrente:

b.1. Clientes: 21.889,12 Eur.;

b.2. Diferimentos: 667,91 Eur.;

b.3. Outros ativos correntes: 592.192,04 Eur.;

b.4. Caixas e depósitos bancários: 4.498,47 Eur.;

2. Quadro 061-A – Desdobramento de contas da demonstração de resultados e do balanço – contas a receber e a pagar:

a) Clientes c/c: 21.889,12 Eur.;

b) Outros devedores: 585.110,52 Eur. (cfr. fls. 157, 161 e 207).

S) A Recorrida declarou na IES relativa ao exercício de 2015 designadamente os seguintes valores:

1. Quadro 04-A – Balanço:

a) Ativo não corrente:

a.1. Ativos fixos tangíveis: 61.066,94 Eur.;

b) Ativo corrente:

b.1. Clientes: 30.237,90 Eur.;

b.2. Diferimentos: 488,81 Eur.;

b.3. Outros ativos correntes: 567.689,75 Eur.;

b.4. Caixas e depósitos bancários: 5.611,14 Eur.;

2. Quadro 061-A – Desdobramento de contas da demonstração de resultados e do balanço – contas a receber e a pagar:

a) Clientes c/c: 30.237,90 Eur.;

b) Outros devedores: 564.274,99 Eur. (cfr. fls. 222, 226, 271 e 272)

T) O valor identificado na ação inspetiva referida em O) e P), inicialmente inscrito em caixa, mas relativamente ao qual se concluiu ali inexistir, foi contabilizado como “outros ativos correntes”, nos exercícios de 2013, 2014 e 2015 (cfr. fls. 106, 161 e 226, lidos em consonância com o teor do relatório de inspeção tributária, e considerando o depoimento da testemunha S......... , contabilista certificada junto da Reclamante, que, de forma clara e convincente, explanou que a divergência detetada na ação inspetiva foi registada em outros ativos correntes e assim se tem mantido; do próprio relatório de inspeção tributária consta a menção à operação contabilística de regularização).

II.F. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Entende a Recorrente que errou o Tribunal a quo na decisão proferida quanto à matéria de facto.

Formula tal desacordo nos seguintes termos:

a) Quanto ao facto constante na alínea H) dos factos assentes, refere-se o mesmo aos valores contidos no balanço apresentado pela Reclamante como doc. 1 da p.i. nos anos de 2012, 2013 e 2014; contudo, o Tribunal a quo omite do probatório o facto de que em 2015 declarou a Reclamante na IES o montante de €567.689,75, facto este que sustenta o indeferimento do pedido de dispensa de prestação da garantia, que decorre da IES apresentada pela própria Reclamante, facto que deveria constar do probatório;

b) No tocante ao facto constante da alínea M), lança mão o Tribunal a quo de elementos não apresentados para efeitos de apreciação do pedido de dispensa de prestação de garantia, pois, de acordo com a alínea J), apresentou a Reclamante à data apenas o mapa de amortizações e reintegrações do ano de 2014, devendo ser com referência a tal documento que poderá e deverá ser feito o juízo de legalidade do despacho de indeferimento sindicado nos presentes autos, revelando-se além do mais o facto em questão como meramente conclusivo, por do mesmo decorrer tão-só não existirem bens suficientes para garantir a totalidade da dívida exequenda para além do imóvel já dado em hipoteca, quando em causa nos autos está precisamente aferir da legalidade do despacho que indeferiu o pedido de dispensa da garantia por não ter sido demonstrada a alegada insuficiência de bens; de qualquer modo, sempre se configuraria tal facto como inexpressivo, por não concretizar a douta sentença a que bens se refere, mais não identificando os bens existentes, quando afirma serem os mesmos insuficientes, bem como não convocando o valor concreto dos mesmos, não servindo dessa forma como fundamento factual para a insuficiência de bens afirmada;

c) Quanto à alínea N) dos factos provados, o facto é destituído de aptidão probatória para efeitos de aferir da legalidade do despacho reclamado, uma vez que relevante é determinar tal legalidade tendo por referência a data em que o despacho foi proferido, considerando os meios de prova a que a administração tributária (AT) teve acesso. A prova testemunhal a que o Tribunal a quo se socorre apresenta-se sem qualquer sustentação documental e é meramente conclusiva, sendo que a testemunha afirma desconhecer valores constantes da conta bancária, conforme se verifica dos registos áudio transcritos, não decorrendo das afirmações da testemunha que não tenha a Reclamante aqui recorrida estabelecimento comercial, pois que, perguntada acerca da existência de instalações para o exercício da atividade e da existência de imóveis detidos pela sociedade a título de propriedade ou outro, o depoimento revela-se pouco claro, preciso ou convicto, do mesmo transparecendo a testemunha desconhecer as efetivas/concretas condições em que se desenvolve a atividade da empresa por via da prestação de serviços médicos, consultoria e formação, sabendo apenas que a sócia exerce a atividade em todo o país, devendo ainda notar-se que relevante é fixar a disponibilidade de meios para o pagamento da dívida tendo por referência o despacho reclamado e não o atual momento. Considera ainda que as declarações prestadas pelo antigo TOC da Recorrida em sede de ação inspetiva permitem concluir no sentido de existir estabelecimento comercial.

Vejamos então.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão(2).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados(3).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que a Recorrente cumpriu global e minimamente com as exigências decorrentes do art.º 640.º do CPC e já mencionadas, motivo pelo qual se passará à apreciação da impugnação da matéria de facto efetuada.

Desde já se refira que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito.

Feito este introito, cumpre apreciar o requerido:

a) Aditamento atinente ao teor da IES de 2015 na parte respeitante ao valor de 567.689,75 Eur.:

Considerando que este Tribunal já aditou os valores constantes, entre outras, da IES relativa a 2015 [cfr. facto aditado S)], resulta prejudicada a apreciação do requerido;

b) Quanto ao referido atinente ao facto M):

Considera a Recorrente, a este propósito, desde logo, que não poderiam ser considerados os mapas de amortizações e reintegrações relativos aos anos de 2015 e 2016, porquanto tais documentos não foram apresentados com o pedido formulado pela Recorrida junto do órgão de execução fiscal. Refere ainda tratar­-se de facto meramente conclusivo.

Vejamos.

Ao facto M) em causa foi-lhe dada a seguinte redação pelo Tribunal a quo:

“M) Dos mapas de reintegrações e amortizações da Reclamante, referentes aos exercícios de 2014 a 2016, para além do imóvel já dado em hipoteca, não existem bens suficientes para garantir a totalidade da dívida exequenda, (cfr. doc. n.º 13 junto com a p.i.)”.

Cumpre, em primeiro lugar, aferir da admissibilidade da consideração dos mapas de amortizações relativos aos exercícios de 2015 e 2016.

Antes de mais, é relevante sublinhar que, na situação sob apreciação, estamos perante um pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado em 2015, que veio a ser decidido em 2017. É ainda relevante sublinhar que, na decisão proferida pela AT, foram considerados elementos que, à data do pedido apresentado, ainda não estavam consolidados (concretamente os constantes da IES relativa ao exercício de 2015), uma vez que se tratam de elementos sedimentados com o encerramento do exercício e apresentados apenas em 2016.

Ora, se é certo que o art.º 170.º, n.º 3, do CPPT, exige que o requerimento de pedido de dispensa de prestação de garantia seja instruído com a prova documental necessária, não pode deixar de se admitir que seja completada essa instrução em sede judicial em situações como a dos autos, em que, pelo decurso do tempo ocorrido entre o pedido e a decisão, foram considerados pela AT elementos ainda não consolidados à altura da apresentação do pedido de dispensa, mas já existentes no momento da decisão. Sonegar o direito a complementar a instrução nestes casos, num procedimento no qual nem existe contraditório prévio à decisão, seria atentatório desde logo do direito a uma tutela jurisdicional efetiva. Trata-se, pois, de situação devidamente justificada(4) que admite a junção e ponderação de elementos não apresentados no momento da apresentação do pedido de dispensa de garantia e que, aliás, ainda nem existiam nesse mesmo momento, no que respeita aos elementos atinentes ao exercício de 2015. Refira-se, ademais, que se trata de informação do conhecimento da AT, consubstanciada da Modelo 32 junto da mesma apresentada. Já os elementos atinentes a 2016, carece de pertinência a sua apreciação, porquanto não foi por referência aos mesmos feito e apreciado o pedido de dispensa de prestação de garantia.

Quanto ao mais, e estabilizada que está a admissibilidade de consideração dos mapas atinentes a 2014 e 2015, há que atentar no argumento segundo o qual a formulação efetuada pelo Tribunal a quo é meramente conclusiva.

Ora, é certo que existe tal formulação conclusiva. No entanto, tal circunstância não redunda na desconsideração do facto em causa, devendo, sim, ser o mesmo reformulado.

Como tal, a redação do facto M) passará a ser a seguinte:

M) Dos mapas de reintegrações e amortizações da Reclamante, referentes aos exercícios de 2014 e 2015, consta designadamente o seguinte:

a) Em 2014:

a.1. O imóvel mencionado em D), indicando-se como valor contabilístico registado o de 41.000,00 Eur.;

a.2. Obras realizadas no imóvel mencionado em D), indicando-se como valor contabilístico registado o de 22.631,00 Eur.;

a.3. Os veículos automóveis mencionados em G), indicando-se como valor contabilístico registado o de 72.797,89 Eur. e o de 14.500,00 Eur., totalmente amortizados;

a.4. Aparelhagem de reprodução de som, com valor contabilístico registado de 5.900,60 Eur.;

a.5. Aparelho telemóvel, com valor contabilístico registado de 329,00 Eur., totalmente amortizado;

b) Em 2015:

b.1. O imóvel mencionado em D), indicando-se como valor contabilístico registado o de 41.000,00 Eur.;

b.2. Obras realizadas no imóvel mencionado em D), indicando-se como valor contabilístico registado o de 22.631,00 Eur.;

b.3. Os veículos automóveis mencionados em G), indicando-se como valor contabilístico registado o de 72.797,89 Eur. e o de 14.500,00 Eur., totalmente amortizados;

b.4. Aparelhagem de reprodução de som, com valor contabilístico registado de 5.900,60 Eur., totalmente amortizada;

b.5. Aparelhos telemóveis, com valor contabilístico registado de 1.088,99 Eur. (cfr. doc. n.º 13 junto com a p.i.).

c) Quanto ao facto N):

A Recorrente considera que a prova testemunhal produzida, isoladamente considerada, foi meramente conclusiva e abstrata, pouco clara, precisa ou convicta.

Vejamos então.

O facto N) em causa tem a seguinte redação:

“A Reclamante não dispõe de meios para fazer o pagamento da dívida em apreço ou sequer que lhe permitam obter uma garantia idónea para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal, nem dispõe de estabelecimento comercial, exercendo a sua atividade junto de diversas clínicas médicas e hospitais de entidades terceiras”.

Quanto ao referido relativamente à prova testemunhal, há que ter desde logo em conta o princípio da livre apreciação da prova (ou da liberdade de julgamento ou da livre convicção do julgador), princípio com assento no art.º 607.º, n.º 5, do CPC, segundo o qual o julgador deve decidir livremente de acordo com a sua prudente convicção(5) (excetuando, naturalmente, os casos de prova legal, formal ou vinculada, ou seja, os casos em que a própria lei confere força probatória a determinados meios de prova(6)).

A este propósito, aliás, assume fundamental importância a motivação da decisão da matéria de facto, na qual é justamente evidenciado pelo julgador o iter que conduziu à formação da sua convicção. Como refere M......... “o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão”(7) .

Neste contexto, sendo a decisão do julgador, de forma fundamentada, uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, será inatacável, dado ter sido proferida de acordo com o princípio da livre apreciação da prova(8).

Apreciada a prova testemunhal produzida, para aferir da eventual existência de flagrante desconformidade entre a prova produzida e a decisão proferida quanto à matéria de facto, desde já se adiante que a testemunha foi clara, detalhada e convincente nas declarações prestadas. Não obstante não saber identificar, com pormenor, as clínicas nas quais a Dr.ª M…. presta serviços, foi convincente quando afirma que a mesma dá consultas, formação e consultoria junto de clínicas e outras entidades diversas e por todo o país. Por outro lado, as declarações da testemunha reportam-se a partir de um momento em que a mesma não conseguiu precisar, mas seguramente a partir de 2015, dado que acompanhou a inspeção tributária. Como tal, nessa parte nada há apontar à decisão recorrida.

Refira-se, adicionalmente, que a menção às declarações do anterior técnico oficial de contas da Recorrida (nunca mencionadas no despacho reclamado) carece de pertinência, porquanto, como resulta da própria transcrição das mesmas constante das alegações, reportam-se a período temporal distinto do ora em apreciação.

Quanto aos demais meios de que a Recorrida dispunha, a prova testemunhal confirma aquilo que já resulta da prova documental e da demais factualidade assente [cfr. factos D), G), H), I), M), O) a T)], extraindo, com efeito, conclusões dos elementos que conhece, por ser contabilista certificada da Recorrida.

Assim, considerando-se que a formulação adotada pelo Tribunal a quo se revela em parte conclusiva, sendo que os elementos que implicam a conclusão extraída já resultam da factualidade assente, reformula-se a redação do facto N), que passará a ser a seguinte:

N) A Reclamante exerce a sua atividade junto de diversas clínicas médicas e hospitais de entidades terceiras.

Em suma, procede-se à alteração da redação dos factos M) e N), que passará a ser a seguinte:

M) Dos mapas de reintegrações e amortizações da Reclamante, referentes aos exercícios de 2014 e 2015, consta designadamente o seguinte:

a) Em 2014:

a.1. O imóvel mencionado em D), indicando-se como valor contabilístico registado o de 41.000,00 Eur.;

a.2. Obras realizadas no imóvel mencionado em D), indicando-se como valor contabilístico registado o de 22.631,00 Eur.;

a.3. Os veículos automóveis mencionados em G), indicando-se como valor contabilístico registado o de 72.797,89 Eur. e o de 14.500,00 Eur., totalmente amortizados;

a.4. Aparelhagem de reprodução de som, com valor contabilístico registado de 5.900,60 Eur.;

a.5. Aparelho telemóvel, com valor contabilístico registado de 329,00 Eur., totalmente amortizado;

b) Em 2015:

b.1. O imóvel mencionado em D), indicando-se como valor contabilístico registado o de 41.000,00 Eur.;

b.2. Obras realizadas no imóvel mencionado em D), indicando-se como valor contabilístico registado o de 22.631,00 Eur.;

b.3. Os veículos automóveis mencionados em G), indicando-se como valor contabilístico registado o de 72.797,89 Eur. e o de 14.500,00 Eur., totalmente amortizados;

b.4. Aparelhagem de reprodução de som, com valor contabilístico registado de 5.900,60 Eur., totalmente amortizada;

b.5. Aparelhos telemóveis, com valor contabilístico registado de 1.088,99 Eur. (cfr. doc. n.º 13 junto com a p.i.).

N) A Reclamante exerce a sua atividade junto de diversas clínicas médicas e hospitais de entidades terceiras.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento por não resultar demonstrada a inexistência ou insuficiência de bens para pagamento da dívida exequenda e acrescido

Considera a Recorrente que a conclusão extraída pelo Tribunal a quo, no sentido de que o valor de 567.689,75 Eur. não corresponde a efetivos ativos, não se mostra assente nos factos constantes do probatório, denotando falhas no referente ao nexo de causalidade necessário para o formular, considerando, no fundo, que, para além das deficiências no julgamento de facto já apreciadas supra, a factualidade assente não permitiria extrair as conclusões extraídas pelo Tribunal a quo.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 52.º da LGT, é admissível a suspensão do processo de execução fiscal, designadamente em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução, desde que prestada garantia idónea ou desde que a AT, a requerimento do executado, o isente de tal prestação (cfr. art.º 52.º, n.º 4).

O art.º 170.º do CPPT determina os termos do procedimento do pedido de dispensa em causa.

Como resulta do quadro normativo referido, a dispensa de prestação de garantia depende da verificação cumulativa de dois requisitos:

¾ Um requisito objetivo: a situação causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido;

¾ Um requisito subjetivo, consubstanciado na imputação da insuficiência ou inexistência de bens ao executado.

In casu, está em causa apenas a apreciação do primeiro dos requisitos indicados.

Como decorre do despacho reclamado, a posição da AT fundou-se em dois vetores:

a) O valor inscrito em outros ativos correntes é, de acordo com a IES relativa a 2015, de 567.689,75 Eur.;

b) A reclamante terá de ter um estabelecimento no qual desenvolva a atividade, e que pode ser dado em penhora

In casu, estamos perante uma dívida executiva no valor de 267.986,22 Eur.

A Reclamante requereu a aceitação como garantia da hipoteca voluntária do imóvel [cfr. facto D)], com o valor tributário de 26.250,00 Eur., e a dispensa de prestação de garantia, quanto à parte não abrangida pela hipoteca voluntária.

Desde já se adiante que não se acolhe o entendimento da Recorrente.

Com efeito, como resulta da matéria de facto provada, foi identificada, por referência ao exercício de 2013, uma disparidade de mais de meio milhão de euros na conta caixa da Reclamante [cfr. facto O)]. Não obstante a configuração, para efeitos tributários, do valor em causa e que é objeto de apreciação nos autos de impugnação n.º 1790/15.1BELRS, há uma realidade que se mostra estabilizada: o valor em causa não existia na sociedade [cfr. factos O) e P)], como expressamente é referido pelo relatório de inspeção tributária. Estava contabilizado, mas não existia. Para efeitos de regularização, como é mesmo mencionado no relatório de inspeção tributária [cfr. facto P)], foi o valor inscrito em “outros ativos correntes”, transitando de ano para ano, como resulta igualmente provado [cfr. facto T)].

Ou seja, aquele valor já identificado em 2013 pela AT e que tem transitado de ano para ano não representa qualquer disponibilidade financeira, como à época foi reconhecido pela administração, pelo que o pressuposto de que partiu a AT no despacho reclamado está nesta parte errado.

Assim, atentos os demais elementos constantes do balanço da Recorrida, por referência a 2015 e indicados na IES de 2015, mencionada no despacho reclamado, designadamente caixa e depósitos à ordem, o seu valor situava-se nos 5.611,14 Eur.

Quanto a demais elementos do ativo, conforme resulta do mapa de imobilizado, também os mesmos são de valor inferior ao necessário, sendo um deles o imóvel, cuja viabilidade garantística já foi apreciada, os dois veículos mencionados em G) do probatório e telemóveis e aparelhagem de som, de baixo valor. Como é referido expressamente na informação que consubstancia a fundamentação do despacho reclamado, a própria AT confirma a inexistência de outros bens imóveis ou móveis sujeitos a registo [cfr. facto J)].

Por outro lado, o invocado em torno de um hipotético estabelecimento comercial carece de sustentação. Como referido pelo Tribunal a quo, esta menção foi feita de forma absolutamente vaga e hipotética, não existindo sequer qualquer elemento que permita concluir nesse sentido (veja-se que é feita na presente sede uma menção às declarações do TOC que trabalhou com a Reclamante até 2013, mas nunca tal foi mencionado no despacho reclamado e que, aliás, reporta a momento temporal anterior ao pertinente, motivo pelo qual não é de considerar, por se tratar de fundamentação a posteriori). Portanto, a referência efetuada pela AT, nos termos vagos e conclusivos em que foi feita, nunca seria de molde a poder concluir-se pela existência de bens suficientes na esfera patrimonial da Recorrida. Ainda assim, da prova produzida resultou que a Reclamante presta serviços em diversos estabelecimentos de terceiros por todo o país, o que não se compadece com a existência de um estabelecimento comercial.

Como tal, carece de razão a Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 17 de outubro de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Flora)

(Patrícia Manuel Pires)

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(1). Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
(2). Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
(3). V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
(4).Cfr., a este propósito, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.12.2012 (Processo: 01298/12) e de 24.07.2019 (Processo: 0825/18.0), e os Acórdãos destes TCAS, de 22.05.2019 (Processo: 638/18.0BEALM) e de 16.09.2019 (Processo: 513/19.0BESNT).
(5).V., a este respeito, Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2.ª edição aumentada e reformulada, Almedina, Coimbra, 2009, p. 221.
(6). V., a título exemplificativo, o já citado Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT).
(7).Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1997, p. 348.
(8). Cfr., entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16.02.2017 (Processo: 67/14.4T8OHP-A.C1), onde se refere: “Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. // Daí que, conforme orientação jurisprudencial prevalecente o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição”. V. igualmente o Acórdão deste TCAS, de 23.03.2017 (Processo: 06792/13).