Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:107/14.7BEBJA
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/16/2017
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:INIDONEIDADE DE MEIO PROCESSUAL
ÂMBITO DA ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NÃO CONVOLAÇÃO
Sumário:I) - O campo de aplicação de cada forma de processo é estabelecido pela lei por referência aos diferentes tipos de pretensões que podem ser deduzidos em juízo e a nova contraposição que o CPTA estabelece entre as formas da acção administrativa comum e da acção administrativa especial assenta no critério de saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração.

II) – É assim que, de acordo com o artº 46º do CPTA seguem a forma da acção administrativa especial os processos impugnatórios dirigidos à remoção de actos de autoridade praticados pela Administração (actos administrativos ou normas regulamentares) bem como os processos dirigidos à condenação da Administração à emissão desses actos de autoridade (actos administrativos ou normas regulamentares). Nos restantes casos, ou seja, sempre que nele não sejam deduzidos estes tipos específicos de pretensões, o processo deve ser tramitado segundo a forma da acção administrativa comum (cfr. artigo 37º do CPTA).

III) -Estando em causa na acção a legalidade de um despacho com vista à condenação do seu autor a admitir de imediato o regresso do recorrente ao serviço com efeitos a partir de certa data, na categoria profissional que este detinha aquando do início da licença sem retribuição e com a atribuição da remuneração correspondente a ser paga até efectivo regresso ao serviço, a mesma visa as actuações da Administração que envolvem o exercício de poderes de autoridade e que se desenvolvem no quadro de um procedimento administrativo, ou seja, actos administrativos pelo que, a essa luz, se verifica a hipótese do n° 2 do artigo 38° do CPTA que proíbe o uso da acção administrativa comum para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável, não se violando, neste conspecto, os comandos ínsitos no n.º1 do artigo 2º, do CPTA, o artigo 2º do CPC e o n.º1 do artigo 20º da CRP.

IV) Daí, também, que a sentença não sofra de omissão de pronúncia por não ter apreciado as questões postas na petição já que, declarado o erro na forma do processo, bem como a impossibilidade de convolação por extemporaneidade, ficou prejudicada a apreciação dos pedidos formulados na petição e, consequentemente de todos os fundamentos justificativos dos mesmos, incluindo a alegada incompetência do autor do acto. Dito de outro modo: inexistia instância válida para conhecer de toda e qualquer questão, pelo que não é sequer concebível o vício decisório da nulidade por omissão de pronúncia.

V)- É pacífico entendimento doutrinal e jurisprudencial que, no circunstancialismo descrito, a acção não podia continuar por convolação na forma de processo adequada pois só pode haver convolação para a forma adequada de petição caso a mesma esteja em tempo.

VI) - A não ser assim, seria violado o princípio da igualdade na medida em que a propositura de uma acção administrativa especial, mesmo fora do prazo, seria aceite mediante o estratagema da propositura de uma acção administrativa comum depois objecto de convolação posterior, ao contrário do que aconteceria se o meio utilizado fosse, ab initio, a acção administrativa especial, sendo para obstar a tanto que o artº 33º n°2 do CPTA estabelece que "... a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável''.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


1- RELATÓRIO

O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou improcedente a acção administrativa comum interposta pelo autor, JOÃO …………………, contra o Ministério da Agricultura Florestas e Desenvolvimento Rural, com vista à condenação deste a admitir de imediato o regresso do autor ao serviço com efeitos a partir de 15-01-2013, na categoria profissional que este detinha aquando do início da licença sem retribuição e com a atribuição da remuneração correspondente, a ser paga até efectivo regresso ao serviço.

Dela recorreu o Autor apresentando as seguintes conclusões:

1 - O tribunal tomou a sua decisão baseando-a essencialmente sobre o teor dos documentos nexos á petição inicial
2 - Ora, os documentos não são factos, mas tão só meios de prova daqueles, não podendo por isso ser dados como provados ou reproduzidos por forma isolada e sem relacionação com a matéria de facto alegada.
3 - Ao Tribunal cabia a obrigação de emitir um juízo de apreciação e valoração sobre todas as questões que o A. reputou de pertinentes á decisão do pleito no seu articulado ajuizado em 10.07.2014.
4 - E, independentemente da bondade ou inocuidade das questões sobre o ponto de vista jurídico e da sua atinência ou não para a solução do litígio, exige a lei que o Tribunal emita pronuncia sobre todos eles formulando um juízo de apreciação jurídico e de valoração para o objecto do processo ou para a solução da questão material controvertida.
5 - o que significa que estamos perante uma evidente omissão de pronúncia por parte do Tribunal, o mesmo será dizer que se está perante a ausência de um juízo apreciativo sobre uma questão processual que foi posta à apreciação do Tribunal e que consistiu na alegada a falta de competência do representante do R., para a prática do acto.
6 - A falta de competência para a prática do acto, significa a ausência de acto o mesmo que um não acto.
7 - Relativamente ao alegado erro na Erro na forma do processo, na verdade, como o próprio Tribunal reconhece que o erro na forma do processo, sempre poderia ser resolvido face ao mecanismo da convolação, logo a acção podia continuar.
8 - Ao conhecer e decidir em sede de Despacho Saneador sem apreciar todas s provas carreadas para os autos, o Tribunal precipitou-se e incorreu em nulidade processual
9 - A sentença recorrida fez, pois, violação do disposto no artigo 511° do CPC, ao ter declarado como factos assentes limitando-se a reproduzir os documentos juntos da p.i. violando igualmente, os seguintes acórdãos do S.T.J: Ac. STJ, de 1.2.1995: Col. Jur./STJ. 1995. 1° 264) e (Ac. STJ, de 25.6.1997, P.n° 4218, 4a Secção Sumários 12.°-112 e o artigo 205° da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que,
Revogando-a e, em seu lugar outra produzida que mande baixar os autos à primeira instância em ordem a que o processo siga os seus trâmites legais com a realização da tentativa de conciliação entre as partes e quando esta se frustre que seja levada a efeito a realização de audiência de julgamento e assim, se fazendo, Justiça

Contra-alegou o Ministério Recorrido para, em substância, pugnar pela manutenção do julgado.

O DMMP junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2. 1 Dos factos

Ao abrigo do n.º 6 do art. 663º do CPC, remete-se para a factualidade dada como assente na sentença recorrida que consta dos autos a qual se dá por integralmente transcrita.
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2. 2 DO DIREITO

A decisão recorrida considerou procedente o suscitado erro na forma do processo, maxime, a excepção dilatória inominada da inidoneidade do meio processual, que no caso é insuprível e determina a nulidade do processo, declarando por isso a impossibilidade de conhecer do mérito da acção ao absolver o R. da instância.
Fê-lo com base na seguinte fundamentação:
“ (…)
Uma vez desenhado o quadro fáctico ao qual se aplicará o direito, a questão fundamental a decidir é a de saber agora se, no caso sub judice, o meio processual utilizado pelo A. foi o próprio.
Vejamos:
O erro na forma de processo ocorre sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza ou valor da ação e constitui nulidade, de conhecimento oficioso: art. 193° e art. 196° do CPC ex vi art. 42° do CPTA.
O erro na forma de processo afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal com o recurso à ação; por outro lado, constitui vinculação temática para o tribunal, pois é dentro dele que o tribunal se move: art. 615° n.° 1 al. e) do CPC ex vi art. 42.° do CPTA.
O pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a ação, ou seja, a finalidade, o resultado, a providência que se quer alcançar: art. 552° n.°1 al. e) do CPC ex vi art. 42.° do CPTA.
Descendo ao caso concreto, imporia, desde logo ter presente que o pedido (regresso imediato do A. ao serviço de origem e consequente pagamento das remunerações mensais e subsídios vencidos e vincendos) e a causa de pedir (reunir condições para regressar ao serviço - preenchendo vaga para a sua categoria - após termino da licença sem vencimento de longa duração concedida pelo R.) formulados nos presentes autos consubstanciam, objetivamente, a pretensão que foi indeferida pelo R. em 2013-03-19: cfr. alínea A) a J) supra, sobretudo alínea C) supra.
Não relevando o argumento de que o identificado indeferimento não se mostrava fundamentado e que justificava esclarecimentos adicionais como razão para o A. não ter atuado contra tal ato, em tempo e sede própria, uma vez que, como decorre dos autos, o ato de indeferimento expressamente indeferia a pretensão de regresso do A. ao serviço após gozo de licença sem vencimento de longa duração e, por outro lado, os esclarecimentos adicionais solicitados pelo A. traduzem antes renovação de pretensão e diferente apreciação do direito aplicável à pretensão de regresso: cfr. alínea A) a J) supra.
Resultando assim dos autos que o A. bem compreendeu o sentido e alcance do indeferimento de 2013-03-19 e que o ato de 2014-01-10 é confirmativo daquele: cfr. alínea A) a J) supra, sobretudo alínea C) e H) supra.
Deste modo, o A. visa obter com a presente ação o efeito que resultaria do ato (de 2013-03-19) que podia, em tempo e sede própria, por ele ter sido impugnado, o que não fez: cfr. alínea A) a J) supra; cfr. art. 5°, art. 46°, art. 47°, art. 50° e seguintes, art. 78° e art. 88°; art. 37° e sobretudo art. 38° n.° 2 todos do CPTA.
Ou seja, como decorre dos autos e o probatório elege, pretende o A. obter por esta via obter o efeito que resultaria da oportuna impugnação do ato administrativo de indeferimento e a subsequente condenação à prática do ato devido, consubstanciada no regresso ao serviço após gozo de licença sem vencimento de longa duração e recebimento das remunerações mensais e subsídios vencidos e vincendos, desde 2013-01-15, o que não fez: cfr. alínea A) a J) supra.
O que à face da lei consubstancia fundamento de ação administrativa especial (cfr. art 5°, art 46°, art 47°, art 50° e seguintes, art 78° e art 88° todos do CPTA) e não de ação administrativa comum (cfr. art. 37° e sobretudo art. 38° n.° 2 ambos do CPTA): cfr. alínea A) a J) supra.
Do exposto, resulta pois evidente que o A. incorreu no invocado erro na forma de processo: cfr. alínea A) a J) supra.
Aqui chegados e atento o que acaba de se concluir importa averiguar agora da possibilidade de convolação dos presentes autos em ação administrativa especial: cfr. alínea A) a J) supra e art. 193° n.° 3 in fine ex vi art. 42° do CPTA.
E para o efeito há que considerar que na hipótese de se ordenar o prosseguimento dos autos como ação administrativa especial, impor-se-ia desde logo a sua rejeição liminar, por manifesta extemporaneidade, dado que, se verificaria a caducidade do direito de ação: cfr. alínea A) a J) supra.
Na verdade, como resulta dos autos, por um lado, ao ato objetivamente impugnado é assacada ilegalidade (violação de lei - erro nos pressuposto) que, a verificar-se, se reconduziria, como bem sublinha o R., à mera anulação do ato, e, por outro lado, tendo, como tinha o A. conhecimento do ato desde, pelo menos, 2013-03-26, e tendo intentando, como intentou a presente ação apenas em 2014-02-26, há muito que se mostrava ultrapassado o prazo legal de três meses, prazo que o A., tinha para exercitar judicialmente o seu direito de ação: cfr. alínea A) a J) supra e art. 5°, art.38°n.°2. art. 59°, art. 58° n.°2 ai. b) e n.° 3 todos do CPTA.
Com efeito, o decurso de tal prazo legal sem o respectivo exercício determina a sua extinção, preclude tal direito de ação, pois é um prazo de caducidade do direito de ação: neste sentido vide Ac. do TCA Norte, de 2005-04-14, proferido no Processo n°01214/04 BEVIS, disponível em www.DGSI.pt.
Deste modo, a ordenar-se a convolação, incorrer-se-ia na prática de um ato inútil, a que o tribunal deve obstar: art. 130° do CPC ex vi art. 1° do CPTA.
Mais acresce que, verificando-se assim a exceção dilatória de erro na forma do processo, verifica-se a existência de uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa, ficando ainda prejudicado o conhecimento de tudo o demais suscitado e requerido: cfr. alínea A) a J) supra e art. 193°, art. 576°, art. 577° e art. 278° todos do CPC ex W art. 1° do CPTA.”
Donde que a questão a apreciar reporta-se à discussão sobre a adequação da forma de processo ao pedido formulado pelo A. e da possível convolação.
Quid juris?
Antecipe-se que, atenta a fundamentação da sentença de que se recorre, a mesma denota uma correcta apreciação dos factos trazidos ao conhecimento do Tribunal e bem assim da sua subsunção ao Direito, pelo que não nos merece qualquer censura.
Na verdade, visando o despacho de 19-03-2013, do Director Regional, que indeferiu o pedido do recorrente de 15-01-2013, de regresso ao serviço após o gozo de licença sem vencimento, o qual lhe foi notificado em 26-03-2013, o A. e ora recorrente lançou mão da acção prevista no artigo 39º do CPTA, em desconformidade com os critérios de distinção então vigentes sobre as acções administrativas comuns versus especiais sendo manifesto que, como se salienta na decisão recorrida, o autor misturou duas formas de processo incompatíveis, ou seja, por um lado, põe em causa a legalidade do citado despacho e, por outro, pede ao Tribunal que se pronuncie sobre os efeitos decorrentes da aplicação desse mesmo despacho.
Na verdade, ainda que, eventualmente, de forma indirecta, o A. ao questionar a legalidade desse apontado despacho teria, necessariamente, que propor a correspondente acção administrativa especial fundamentada de acordo com o disposto nos artigos 46º, nº2, a) e b), e 47º, nº2, a) e b), do CPTA, ou seja, o meio processual idóneo para fundamentar tal pretensão seria necessariamente a acção administrativa especial.
Assim, enquanto, por outro lado, ao lançar mão da acção de simples apreciação -considerando, em sede de mera discussão teórica que estavam reunidos os seus pressupostos processuais - está, de forma indubitável, a propor uma acção administrativa comum a que se reporta o artigo 37º e segs. do CPTA. Isto significa, como assertivamente se afirma na sentença sob análise, que se verifica uma manifesta incompatibilidade processual entre os pedidos formulados pela A. e a correspondente acção (administrativa comum) proposta, o que configura uma excepção dilatória de ilegalidade da cumulação de pretensões, prevista na alínea g), do nº1, do artigo 89º do CPTA, o que obsta ao conhecimento do objecto do processo, determinando, necessariamente, a absolvição do R. da instância.
Tal fundamentação e decisão merecem a inteira concordância deste tribunal de recurso.
É que, caso a Administração se recuse a exercer os seus poderes -deveres de definição prévia das situações administrativas ou os exerça por forma ou substância violadoras das regras e princípios jurídicos aplicáveis, poderá o tribunal ser chamado a intervir, quer para intimar a Administração a emitir os actos omitidos, quer para corrigir as actuações positivas ilegais, de acordo com os parâmetros estabelecidos dentro dos limites que o exercício legítimo do poder discricionário permite - cfr. artigo 3° do CPTA.
Ora, de acordo com o entendimento da sentença, essa intervenção judicial deve seguir a forma da acção administrativa especial, uma vez que está em causa a definição autoritária da situação e dos direitos da A.
É consabido que a forma de processo se afere em função do tipo de pretensão deduzida em juízo pelo autor, sendo que esta pretensão deve ser entendida como um certo pedido enraizado em certa causa de pedir (vide Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 3ª edição, páginas 288 e seguintes; Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4ª edição, páginas 79).
O contencioso administrativo vigorante ao tempo dos factos, contemplava como uma das principais formas de processo, a acção administrativa comum, que corresponde fundamentalmente ao contencioso da responsabilidade civil, quer extracontratual quer contratual (artigos 37º a 45º do CPTA) e a acção administrativa especial respeita, sobretudo, à impugnação de actos administrativos e normas regulamentares (artigo 46º do CPTA).
Pode-se afirmar, em termos genéricos, que a (…) contraposição que o CPTA estabelece entre as formas da acção administrativa comum e da acção administrativa especial assenta no critério de saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração. […] Com efeito, determina o artigo 46º que seguem a forma da acção administrativa especial os processos impugnatórios dirigidos à remoção de actos de autoridade praticados pela Administração [actos administrativos ou normas regulamentares] e os processos dirigidos à condenação da Administração à emissão desses actos de autoridade [actos administrativos ou normas regulamentares]. Nos restantes casos, ou seja, sempre que nele não sejam deduzidos estes pedidos específicos de pretensões, o processo deve ser tramitado segundo a forma da acção administrativa comum (artigo 37º)– Aroso de Almeida, obra citada, página 82.
Ainda segundo esse ilustre Autor, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., pág. 77 e ss, "a opção por este modelo dualista [acção administrativa comum / acção administrativa especial] não rompe com a tradição do nosso contencioso administrativo. Pelo contrário, ela permanece fiel à matriz que [...] já presidia à contraposição entre dois modelos de tramitação dos processos que corriam perante os tribunais administrativos: o modelo do (clássico) contencioso das acções (de responsabilidade civil e sobre contratos), tradicionalmente subordinado á forma do processo de declaração do CPC [...] e o modelo do (também clássico,) recurso contencioso de anulação dos actos administrativos [...].
"Pode dizer-se, em termos genéricos, que a nova contraposição que o CPTA estabelece entre as formas da acção administrativa comum e da acção administrativa especial permanece fiel a essa matriz e que, no essencial [...], assenta no mesmo critério, de saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração. Nas principais situações em que é esse o caso, o processo segue a forma da acção administrativa especial (artigo 46°)".
Norma importante, no âmbito de aplicação da forma comum, é a ínsita no artigo 38º do CPTA, segundo o qual nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado (n.º1), todavia, e sem prejuízo desta possibilidade, a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável (n.º2).
O aspecto mais interessante e inovador desta norma reside no facto de prever que também noutros domínios em que a lei substantiva o admita, que não apenas no da responsabilidade por danos, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de actos administrativos inimpugnáveis.
Ponto é, como se determina no artigo 38º, nº2, que não se pretenda obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável - Aroso de Almeida, obra citada, página 98.
Dito por outras palavras, o artigo 38º do CPTA admite, na linha do consagrado no artigo 7º do DL nº48051 de 21.11.67, e do artigo 22º da CRP, que a apreciação incidental da ilegalidade de um acto administrativo possa ter lugar no âmbito de uma acção administrativa comum mas, proíbe que este tipo de acção possa ser utilizado para obter o efeito típico resultante da anulação do acto inimpugnável, ou seja, possa ser usada para tornear a falta de impugnação desse acto, com eventual ofensa do caso resolvido administrativo.
No caso dos autos, a razão que subjaz ao pedido de condenação do R., não decorre directamente de qualquer “corpo normativo” jurídicas, implica a emissão de um acto administrativo.
E, perante os actos de indeferimento expresso por parte da Autoridade ora Demandada da sua pretensão teria de os impugnar, como se lhe impunha por discordância com os fundamentos, para não os deixar consolidarem-se na ordem jurídica com força de caso resolvido
E como em sede a acção administrativa comum o tribunal só pode conhecer, a título incidental da ilegalidade de um acto que já não possa ser impugnado, nos casos em que a lei substantiva o admita (cfr. art. 38°, n° 1 do CPTA), o que não ocorre no caso vertente não pode o Autor usar a acção administrativa comum para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável.
Não se trata de um mero erro na forma de processo, não estando em causa questão atinente com a tramitação processual susceptível de sanação, atentos os princípios pro actione e da adequação formal (artigos 7° do CPTA e 265°-A do CPC).
Trata-se, pois, de meio processual impróprio utilizado pelo A. atento que não pode obter através da presente acção o efeito que resultaria da anulação de acto de indeferimento da sua pretensão — art. 38°, n° 2 do CPTA, excepção dilatória inominada que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa pelo que, a essa luz, se verifica a hipótese do n° 2 do artigo 38° do CPTA que proíbe o uso da acção administrativa comum para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável, não se violando, neste conspecto, os comandos ínsitos no n.º1 do artigo 2º, do CPTA, o artigo 2º do CPC e o n.º1 do artigo 20º da CRP.
A EPGA perfila também esse entendimento aditando outros contributos relevantes para a decisão do recurso em que o recorrente, também sustenta que o tribunal se baseou em documentos juntos com a petição e não em factos.
Diz a DPGA assertivamente e com o que inteiramente se concorda, que o tribunal, para além de conhecer oficiosamente do erro na forma do processo bem como da caducidade da acção, no caso vertente não fez mais do que apreciar uma excepção suscitada pela entidade demandada na sua contestação.
E, por assim ser, não colhe a afirmação do recorrente de que a sentença sofre de omissão de pronúncia por não ter apreciado as questões por si suscitadas na petição já como, como bem sublinha a DPGA, declarado o erro na forma do processo bem como a impossibilidade de convolação por extemporaneidade, ficou prejudicada a apreciação dos pedidos formulados na petição e, consequentemente de todos os fundamentos justificativos dos mesmos, incluindo a alegada incompetência do autor do acto.
Dito de outro modo: inexistia instância válida para conhecer de toda e qualquer questão, pelo que não é sequer concebível o vício decisório da nulidade por omissão de pronúncia.
Ademais e como é pacífico entendimento doutrinal e jurisprudencial, a acção não podia continuar por convolação na forma de processo adequada, pois só pode haver convolação para a forma adequada de petição caso a mesma esteja em tempo.
A não ser assim, como bem observa a DPGA, seria violado o princípio da igualdade na medida em que a propositura de uma acção administrativa especial, mesmo fora do prazo, seria aceite mediante o estratagema da propositura de uma acção administrativa comum depois objecto de convolação posterior, ao contrário do que aconteceria se o meio utilizado fosse, ab initio, a acção administrativa especial.
Por isso estabelece o artº 33º n°2 do CPTA que "... a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável''.
Foi o que aconteceu no caso vertente em que se pretendia obter, com a acção administrativa comum, o mesmo efeito que seria obtido com a anulação do despacho de 19-03-2013, já inimpugnável à data da propositura da acção administrativa comum.
Termos em que e em consonância com o Parecer do MP junto desta instância, improcede o presente recurso jurisdicional com a consequente manutenção da sentença recorrida.

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3.DECISÃO

Nestes termos, decidem os juízes deste tribunal, em conferência, negar provimento ao recurso jurisdicional e confirmar a decisão judicial recorrida.

Custas pelo recorrente.
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Lisboa, 16 de Março de 2017
(Gomes Correia)
(António Vasconcelos)
(Pedro Marques)